Depois do desmonte, reconstruir - INESC

Depois do desmonte, reconstruir

17/05/2023, às 8:47 (updated on 12/08/2025, às 11:02) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Nathalie Beghin, colegiado de gestão do Inesc.
Foto encontrada em: https://www.linkedin.com/pulse/desconstruir-para-reconstruir-experimentando-alegria-da-orglmeister/?originalSubdomain=pt

O fatídico domingo 8 de janeiro de 2023 foi a dramática expressão do que foram os quatro anos do governo Bolsonaro. Desrespeito ao povo brasileiro e à Constituição, destruição das instituições. Uma verdadeira operação de terra arrasada, que envergonhou o Brasil e o mundo. A eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva trouxe a esperança de que a democracia poderia voltar ao seu curso. Imperfeita e inacabada, mas infinitamente melhor do que os rastros de desmonte e morte deixados por Bolsonaro. Mas, o desafio não é pequeno e recursos orçamentários expressivos serão necessários para fazer face aos nossos imensos déficits econômico, social e ambiental.

O desmonte operado pela gestão Bolsonaro nestas áreas alcançou proporções inimagináveis. Foi uma estratégia deliberada de redução do tamanho do Estado. Assim, por exemplo, entre 2019 e 2022 o orçamento da função saúde, retirando os gastos com Covid-19, diminuiu 8% em termos reais, apesar das demandas reprimidas e do aumento da população. É um valor que corresponde a R$ 12 bilhões a menos para a área, que já vinha sofrendo problema crônico de falta de recursos imposto pelo teto de gastos.

Os recursos da função educação, por seu turno, foram caindo em termos reais ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, passando de R$ 131 bilhões em 2019 para R$ 127 bilhões em 2022, uma diminuição de 3% para uma política historicamente subfinanciada. Na área ambiental, a queda no quadriênio foi de 17% em termos reais, pois em 2019 a execução financeira foi de R$ 3,3 bilhões, passando para R$ 2,7 bilhões em 2022.

Se por um lado, o governo tirava recursos destinados à população, por outro inundava seus aliados com benesses. Esse foi o caso do orçamento secreto, um mecanismo que permitiu ao relator do orçamento destinar verbas a parlamentares das bases de Bolsonaro e de Lira, presidente da Câmara. O instrumento, inaugurado em 2020, gastou mais de R$ 30 bilhões no triênio 2020 a 2023.

O resultado foi a piora generalizada das condições de vida da população brasileira. A expressão mais perversa dessa deterioração foi a volta da fome, flagelo que havia sido superado em 2014. O número de 33 milhões de pessoas que não têm o que comer não é compatível com uma economia do porte da do Brasil em tempos de paz. Além disso, o desmatamento explodiu, batendo recordes atrás de recordes, contribuindo para o aquecimento global e para transformar o Brasil em paira junto à comunidade internacional.

Essa gigante operação de desmonte teve vários objetivos como os de diminuir o tamanho do Estado para entregar suas funções ao setor privado e liberar recursos para financiar as eleições, tanto dos aliados como as presidenciais de 2022. Houve também um componente de incompetência devido a equipes totalmente despreparadas para os cargos que ocupavam. Talvez o exemplo mais emblemático tenha sido o do general Pazuello, que não sabia o que era o SUS quando assumiu a pasta da Saúde  durante a pandemia mais mortal do século.

Felizmente, Bolsonaro perdeu as eleições de outubro de 2022. A aliança vencedora, liderada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva, conseguiu negociar com o Congresso Nacional recursos adicionais para 2023 no âmbito da Pec de Transição. Foram aprovados R$ 145 bilhões para o Programa Bolsa Família e para as áreas de assistência social, saúde, educação e meio ambiente entre outras. Apesar de serem insuficientes diante do enorme déficit social e ambiental que caracteriza o Brasil do inicio de 2023, foi um respiro que irá possibilitar o processo de progressiva reconstrução da institucionalidade federal.

Doravante, passados os primeiros meses de gestão, em que o governo precisou frear o desmonte, reorganizar as instituições e recompor minimamente políticas públicas essenciais fica o desafio de implementar uma reforma fiscal que tenha como objetivos centrais combater as desigualdades e promover a realização dos direitos humanos. Para isso, do lado das receitas, a reforma tributária deve caminhar na direção de sua progressividade, fazendo com que os ricos paguem proporcionalmente mais impostos. Deve, ainda, corrigir profundas distorções resultantes do racismo e do patriarcado que caracterizam nossa sociedade. E, em relação aos gastos, as novas regras que irão substituir o teto de gastos, precisam possibilitar um crescimento expressivo e sustentado das despesas correntes e dos investimentos, incluindo mecanismos para fazer face aos momentos de crise. Esse movimento é necessário para que o Brasil avance na consolidação de sua democracia.

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Inesc reforça a defesa de justiça fiscal e direitos humanos em conferência internacional

02/07/2025, às 10:19 (updated on 02/07/2025, às 11:05) | Tempo estimado de leitura: 6 min
4ª Conferência da ONU sobre Financiamento para o Desenvolvimento ocorre nesta semana em Sevilha, na Espanha. Inesc participa dos debates.

A cidade de Sevilha, na Espanha, recebe entre os dias 30 de junho e 3 de julho a 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), promovida pelas Nações Unidas. O encontro é um marco no debate global sobre os caminhos para o financiamento justo e sustentável da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O Inesc está presente na conferência por meio de Nathalie Beghin, integrante do colegiado de gestão da organização e co-presidenta da Latindadd (Rede Latino-Americana e do Caribe por Justiça Econômica, Social e Climática). A participação reforça o papel ativo da sociedade civil na construção de uma nova arquitetura financeira internacional, baseada em justiça fiscal, transparência e direitos humanos.

Durante evento paralelo à conferência, Nathalie Beghin destacou quatro medidas centrais para garantir um sistema de financiamento mais justo:

  • Implementar tributação progressiva;
  • Fortalecer a transparência fiscal e o intercâmbio de informações entre países;
  • Eliminar incentivos fiscais ineficientes;
  • Taxar os super-ricos em escala global.

No entanto, a economista também expressou preocupação com os rumos da conferência. Segundo ela, a sociedade civil está profundamente insatisfeita com os resultados parciais da FfD4:

  • A participação social ficou aquém do necessário;
  • O documento final tem pouca ambição;
  • Os países do Norte Global reduziram compromissos importantes;
  • E os Estados Unidos se retiraram das negociações, após minar o processo.

“Há uma enorme aposta no setor privado, mesmo sabendo que ele historicamente não demonstra compromisso com a realização dos direitos humanos”, afirmou Nathalie Beghin.

Sociedade civil propõe novas convenções da ONU

Como resposta à crise de legitimidade e eficácia da atual arquitetura financeira internacional, diversas organizações da sociedade civil propuseram a criação de três Convenções-Quadro das Nações Unidas:

  1. Convenção de Cooperação Tributária Internacional (já em andamento);
  2. Convenção sobre Dívida Soberana;
  3. Convenção sobre Cooperação Internacional para o Desenvolvimento.

Mobilização nas ruas de Sevilha

Nos dias que antecederam a conferência oficial, milhares de pessoas participaram do Fórum da Sociedade Civil FfD4, com atividades autogestionadas e uma grande marcha pelas ruas de Sevilha, mesmo sob uma intensa onda de calor. Os protestos denunciaram o extrativismo colonial, os cortes na ajuda ao desenvolvimento e os gastos militares crescentes.

Essa é a primeira vez que uma conferência da FfD é realizada na Europa, o que amplia a visibilidade sobre a responsabilidade histórica dos países mais ricos no atual modelo econômico global. O objetivo central das conferências FfD é retirar o debate sobre financiamento das mãos exclusivas dos fóruns econômicos e ampliar o espaço de decisão democrática e multilateral.

Sistema financeiro global é excludente e injusto, afirma Nathalie Beghin

A rede Latindadd — que reúne 31 organizações em 14 países da América Latina e Caribe, entre eles o Brasil —  em coletiva de imprensa, apresentou uma dura crítica ao atual processo de negociação da 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), que segundo Nathalie Beghin, copresidenta da rede e membro do Colegiado de Gestão do Inesc, sofre com “falta de ambição, transparência e justiça”, sendo ainda condicionado pelos interesses das grandes potências e por mecanismos de governança financeira excludentes.

Beghin destacou a urgência de uma reforma no sistema multilateral, reforçando que o atual modelo global impede que os países do Sul tenham voz igualitária nas decisões. A crítica central foi dirigida à arquitetura financeira global, ainda dominada por poucos países, e à ausência de mecanismos democráticos e transparentes de resolução da dívida.

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