Depois do desmonte, reconstruir

17/05/2023, às 8:47 (atualizado em 06/11/2023, às 18:20) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Nathalie Beghin, colegiado de gestão do Inesc.
Foto encontrada em: https://www.linkedin.com/pulse/desconstruir-para-reconstruir-experimentando-alegria-da-orglmeister/?originalSubdomain=pt

O fatídico domingo 8 de janeiro de 2023 foi a dramática expressão do que foram os quatro anos do governo Bolsonaro. Desrespeito ao povo brasileiro e à Constituição, destruição das instituições. Uma verdadeira operação de terra arrasada, que envergonhou o Brasil e o mundo. A eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva trouxe a esperança de que a democracia poderia voltar ao seu curso. Imperfeita e inacabada, mas infinitamente melhor do que os rastros de desmonte e morte deixados por Bolsonaro. Mas, o desafio não é pequeno e recursos orçamentários expressivos serão necessários para fazer face aos nossos imensos déficits econômico, social e ambiental.

O desmonte operado pela gestão Bolsonaro nestas áreas alcançou proporções inimagináveis. Foi uma estratégia deliberada de redução do tamanho do Estado. Assim, por exemplo, entre 2019 e 2022 o orçamento da função saúde, retirando os gastos com Covid-19, diminuiu 8% em termos reais, apesar das demandas reprimidas e do aumento da população. É um valor que corresponde a R$ 12 bilhões a menos para a área, que já vinha sofrendo problema crônico de falta de recursos imposto pelo teto de gastos.

Os recursos da função educação, por seu turno, foram caindo em termos reais ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, passando de R$ 131 bilhões em 2019 para R$ 127 bilhões em 2022, uma diminuição de 3% para uma política historicamente subfinanciada. Na área ambiental, a queda no quadriênio foi de 17% em termos reais, pois em 2019 a execução financeira foi de R$ 3,3 bilhões, passando para R$ 2,7 bilhões em 2022.

Se por um lado, o governo tirava recursos destinados à população, por outro inundava seus aliados com benesses. Esse foi o caso do orçamento secreto, um mecanismo que permitiu ao relator do orçamento destinar verbas a parlamentares das bases de Bolsonaro e de Lira, presidente da Câmara. O instrumento, inaugurado em 2020, gastou mais de R$ 30 bilhões no triênio 2020 a 2023.

O resultado foi a piora generalizada das condições de vida da população brasileira. A expressão mais perversa dessa deterioração foi a volta da fome, flagelo que havia sido superado em 2014. O número de 33 milhões de pessoas que não têm o que comer não é compatível com uma economia do porte da do Brasil em tempos de paz. Além disso, o desmatamento explodiu, batendo recordes atrás de recordes, contribuindo para o aquecimento global e para transformar o Brasil em paira junto à comunidade internacional.

Essa gigante operação de desmonte teve vários objetivos como os de diminuir o tamanho do Estado para entregar suas funções ao setor privado e liberar recursos para financiar as eleições, tanto dos aliados como as presidenciais de 2022. Houve também um componente de incompetência devido a equipes totalmente despreparadas para os cargos que ocupavam. Talvez o exemplo mais emblemático tenha sido o do general Pazuello, que não sabia o que era o SUS quando assumiu a pasta da Saúde  durante a pandemia mais mortal do século.

Felizmente, Bolsonaro perdeu as eleições de outubro de 2022. A aliança vencedora, liderada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva, conseguiu negociar com o Congresso Nacional recursos adicionais para 2023 no âmbito da Pec de Transição. Foram aprovados R$ 145 bilhões para o Programa Bolsa Família e para as áreas de assistência social, saúde, educação e meio ambiente entre outras. Apesar de serem insuficientes diante do enorme déficit social e ambiental que caracteriza o Brasil do inicio de 2023, foi um respiro que irá possibilitar o processo de progressiva reconstrução da institucionalidade federal.

Doravante, passados os primeiros meses de gestão, em que o governo precisou frear o desmonte, reorganizar as instituições e recompor minimamente políticas públicas essenciais fica o desafio de implementar uma reforma fiscal que tenha como objetivos centrais combater as desigualdades e promover a realização dos direitos humanos. Para isso, do lado das receitas, a reforma tributária deve caminhar na direção de sua progressividade, fazendo com que os ricos paguem proporcionalmente mais impostos. Deve, ainda, corrigir profundas distorções resultantes do racismo e do patriarcado que caracterizam nossa sociedade. E, em relação aos gastos, as novas regras que irão substituir o teto de gastos, precisam possibilitar um crescimento expressivo e sustentado das despesas correntes e dos investimentos, incluindo mecanismos para fazer face aos momentos de crise. Esse movimento é necessário para que o Brasil avance na consolidação de sua democracia.

*Os textos publicados no Blog do Inesc são de responsabilidade de suas autoras e não representam, necessariamente, a opinião desta instituição. 

Categoria: Blog
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