Nota em resposta à presidência da Funai - INESC

Nota em resposta à presidência da Funai

23/07/2021, às 15:51 (updated on 23/07/2021, às 16:01) | Tempo estimado de leitura: 4 min

Nesta semana, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) lançou o Balanço Semestral do Orçamento Geral da União, janeiro a junho de 2021. Entre as políticas analisadas no documento, estão as direcionadas aos povos indígenas, principalmente as que estão sob gestão da Fundação Nacional do Índio. Os dados coletados no portal Siga Brasil e analisados pelo Inesc foram fonte de reportagem publicada pelo Estado de S. Paulo no dia 20 de julho e contestada pela presidência da Funai em nota à imprensa, publicada no dia 21 de julho.

A análise elaborada pelo Inesc é fruto de longo trabalho de monitoramento de políticas públicas voltadas à realização de direitos. Para tal, parte-se de uma metodologia centrada na execução orçamentária e financeira, mas também ancorada no acompanhamento de medidas legais e infralegais que possam impactar as políticas analisadas.

Ainda que a Fundação Nacional do Índio argumente que os recursos da ação orçamentária 21CO serão destinados “a ações em andamento”, a análise de sua execução aponta em outra direção. Até o final de junho, pouco mais de R$383 mil haviam sido empenhados, quantia diminuta diante dos R$41.048.750,00 destinados ao órgão pela ação. O empenho é a primeira fase da execução de gastos públicos, e seu acompanhamento nos permite conhecer o que de fato começou a ser implementado pelo órgão. Diante da gravidade da situação da pandemia no país, amplamente conhecida, e de seus fortes impactos entre os povos indígenas, a demora na utilização destes recursos é especialmente preocupante. Destaca-se ainda que a própria destinação de tais recursos por meio de medida provisória deu-se apenas em junho, o que demonstra que a morosidade nos investimentos em políticas de enfrentamento da pandemia entre os povos indígenas é um problema de todo o poder Executivo, não apenas da Funai.

As análises do Inesc apontam, ainda, que a morosidade nos gastos realizados no âmbito da Funai não se restringe à ação 21CO, mas aplica-se de forma geral ao programa finalístico do órgão. Em diagnóstico feito no mesmo estudo, observou-se que apenas 5% dos recursos destinados ao programa 0617 foram efetivamente gastos e apenas 17% empenhados até o final do primeiro semestre de 2021. Como o orçamento brasileiro é autorizativo mas não obrigatório, a lentidão dos gastos pode significar que, ao final do ano, a autarquia não utilize de fato todo recurso autorizado para o programa. Como também temos afirmado, os anos de estrangulamento orçamentário do órgão  e a defasagem do quadro de funcionários são fatores importantes para tal situação, assim como o aparelhamento ideológico e os assédios e perseguição a funcionários comprometidos com os direitos indígenas.

A íntegra da análise publicada pelo Inesc sobre os recursos da Funai, fonte do jornal O Estado de S.Paulo, pode ser acessada neste link (páginas 39 a 41)

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Sem participação, não há clima: a COP 30 precisa ouvir as ruas

20/11/2025, às 9:02 (updated on 20/11/2025, às 13:25) | Tempo estimado de leitura: 7 min
É urgente transformar as conferências de clima em espaços participativos, com a presença maior dos mais impactados pela crise
Foto: Stela Herschmann / OC

A 30ª edição da Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima prometeu desde o começo que seria uma COP de ampla participação social. Porém, o que se observou logo nos primeiros dias é que talvez as Nações Unidas não estejam tão preparadas assim para garantir essa  participação de forma efetiva. 

A começar pela  alocação de cotas de credenciais para as organizações observadoras acessarem a Blue Zone, espaço oficial das negociações, que se mostrou um desafio de saída. Por outro lado, lobistas do petróleo conseguiram 1.602 credenciais, a maior presença proporcional deste grupo em relação ao número total de participantes já registrada (dados são da coalizão Kick Big Polluters Out). Apesar disso, os movimentos sociais, organizações, representantes de povos indígenas e de comunidades tradicionais vieram a Belém, com a esperança de fazer dessa a maior conferência de clima dos últimos anos. 

Contudo, em contraste com a prometida participação social, veio a adoção da operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) pelo governo Federal, com a militarização ostensiva do espaço da conferência e da cidade de Belém. 

Diante desse cenário, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, fizeram um protesto dentro da zona azul. Entraram na conferência do clima demandando que suas vozes sejam ouvidas e incluídas nos espaços de negociação. A resposta veio em forma de aumento da presença das tropas do exército na entrada da conferência, garantindo uma suposta segurança aos delegados. E uma maior restrição à entrada em espaços como a zona verde, que tecnicamente era uma zona com entrada livre. 

Ainda assim, as ruas e os diversos espaços comunitários foram tomados pelas vozes dos movimentos e dos diferentes povos que vieram a Belém. Com o objetivo de que as lutas não passassem despercebidas, e que as negociações não deixassem para trás pontos cruciais no debate pela justiça climática. 

Mobilização Global pelo Clima

Bruno Peres/Agência Brasil

A maior expressão desse momento foi a mobilização global pelo clima, que levou mais de 50 mil pessoas às ruas da capital da COP 30, demandando justiça climática, transição justa, combate ao racismo ambiental, demarcação de terras indígenas e o combate aos combustíveis fósseis. 

No início da segunda semana da COP, observou-se um aumento das forças de segurança na entrada do espaço de conferência e uma maior restrição na entrada, evidenciando a falta de “boa vontade” da ONU com processos de participação popular.

Isso ficou ainda mais explícito quando Simon Stiell, secretário executivo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, enviou uma carta ao presidente Lula demandando que medidas fossem tomadas em relação à segurança e, pasmem, ao calor excessivo e às chuvas em Belém. 

É verdade que o calor excessivo e as chuvas torrenciais – exacerbados pelas mudanças climáticas – foram personagens ilustres da COP 30. Mas não é justamente sobre isso que trata a conferência? Estes fenômenos não escancaram a necessidade de financiamento para a adaptação climática?

É espantoso que a carta classifique como violentos os povos indígenas que fizeram protestos. Essa fala ignora as lutas e as vozes dos povos, e os anos de exclusão desses espaços, além de estigmatizar um povo que já sofre com o racismo. E coloca-os nesse imaginário popular de violência e que, portanto, devem ser reprimidos e controlados, com todo o aparato das forças de violência estatal.

Se tem debate climático, tem mobilização

A sociedade civil pretende entregar uma carta exigindo que Simon Stiell revogue sua declaração anterior, e reconheça que as manifestações são parte fundamental de qualquer processo democrático. As mobilizações são inerentes ao debate climático, sobretudo, porque afeta de forma desigual povos e comunidades tradicionais, mulheres e comunidades periféricas. 

Além disso, Relatores Especiais da ONU emitiram uma declaração criticando a UNFCCC e a Presidência brasileira pelo aumento da segurança armada na COP 30 após os protestos pacíficos da primeira semana, alertando para o fato de que o ambiente de intimidação compromete princípios básicos de participação democrática. 

Se um país democrático foi escolhido para sediar uma conferência, é natural e legítimo que protestos e mobilizações sociais ocorram, principalmente no Brasil, onde a sociedade tradicionalmente vai às ruas quando não está de acordo com uma situação. Olhar para essas manifestações com medo de seu resultado revela que o processo que estamos inseridos nas negociações não têm sido suficientemente participativo ou democrático, e, portanto, não tem sido capaz de  ouvir as demandas daqueles que historicamente protegem mais a natureza e tem alternativas de soluções para a crise climática. 

É urgente transformar as conferências de clima em espaços participativos, com a presença de cada vez mais povos indígenas e povos e comunidades tradicionais que têm o real lugar de fala, e detém o conhecimento das alternativas às questões climáticas. E que as vozes da rua não sejam impedidas de falar. 

 

Categoria: Notícia
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