*Título parafraseando Boaventura de Sousa Santos.
Há um mantra que diz ser a educação o caminho para a transformação das sociedades, com a redução de desigualdades e a possibilidade de se ter mobilidade social. Apesar de acreditar que este não é o único fator atuante, é certo que sem ela não há solução viável. No entanto, o governo atual está demonizando o avanço educacional.
O discurso oficial é o de que não há pesquisa nas universidades públicas, apenas nas privadas. Afirmação sem dados da realidade, que indicam o contrário: são as universidades públicas que produzem ciência no país. De acordo como relatório intitulado Research in Brazil (2011-2016), encomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), alcançamos a 13° posição do ranking de países que mais produzem artigos científicos. O relatório aponta ainda que, devido ao aumento do investimento em pesquisa a partir da década de 1990, o Brasil passou a ser mais citado em estudos de outros países, e a tendência até 2016 era de crescimento.
O portal do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) explica o impacto da colaboração internacional na pesquisa, revelado pelo relatório:
Globalmente, a ciência torna-se cada vez mais colaborativa, cada país colaborando com cerca de 200 outros países. O impacto da citação parece correlacionar-se fortemente com as taxas de colaboração internacional. Portanto, os 80.291 documentos produzidos por autores brasileiros em co-autoria internacional alcançaram o impacto médio mundial de 1,31 pontos, ultrapassando o índice nacional de 0,86 (2016), e representam em torno de 32,03% do total de publicações científicas produzidas pelo Brasil no período. De acordo com o Relatório, é encorajador ver que, ao comparar os países que compõem o BRICS, o Brasil teve aumentos anuais no número de documentos produzidos em colaboração internacional, com impacto médio maior.
Outra informação importante que consta no relatório é a de que 95% da produção científica e publicações de artigos acadêmicos vêm das universidades públicas, desmentindo cientificamente a fala do presidente de que são as universidades privadas que mais produzem.
Teto de gastos na educação
Uma das razões que elevaram o status brasileiro nos meios acadêmicos e de pesquisa mundiais foi a ampliação do investimento estatal, especialmente a partir dos anos 1990 e incrementados significativamente na primeira década do século XXI. Cenário este que está mudando drasticamente desde 2015. Para verificar, basta comparar o que foi autorizado para o orçamento do ensino superior de 2015 para cá. Com números corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o Portal Siga Brasil mostra que, entre 2015 e 2018, houve redução do orçamento autorizado, que passou de R$ 43,1 bilhões para R$ 36,4 bilhões, representando uma queda de 18%. Com relação ao pago, no mesmo intervalo, a diferença se confirmou, ou seja, a política de austeridade cortou 18% do valor real aplicado na educação superior em três anos.
E em 2019, o valor autorizado é ainda menor, de R$ 35,7 bilhões, fora os cortes prometidos, o que aponta para um cenário ainda mais austero, até porque, conforme verificado, o que é autorizado não é executado na íntegra, tendendo à redução. O que o Ministério da Educação está prometendo, então, é um corte de 30% em cima de um orçamento que vem caindo ano a ano por conta da Emenda do Teto dos gastos (EC95).
Como o Inesc mostrou em recente levantamento, a política de austeridade só atinge as políticas sociais voltadas para a população, mantendo os privilégios daqueles que são donos do capital. A Proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2020, enviada pelo governo ao Congresso Nacional, prevê as isenções tributárias que beneficiam os de sempre e significam um rombo no orçamento maior que o propalado déficit da Previdência, de R$ 326, 16 bilhões.
UnB > Google > Pesquisar
Uma das universidades citadas como realizadora de “balbúrdia!” – portanto, merecedora do corte, segundo a justificativa do governo – é a Universidade de Brasília (UnB). Em 2014, a instituição teve um orçamento executado de apenas R$ 2,2 bilhões e o autorizado para 2019, cinco anos depois, é de R$ 1,8 bilhão, sem contar os prometidos cortes orçamentários e de bolsas de pesquisa. Pergunta-se, como a UnB dará conta dos seus custos?
A despeito do baixo orçamento, a UnB é a 8° melhor universidade do país, de acordo com o ranking Times Higher Education, consultoria britânica responsável por avaliações em todo o mundo. E alguns de seus cursos estão entre os melhores, segundo outra pesquisa realizada pelo jornal Folha de São Paulo. O Ranking Universitário Folha (RUF) coloca 27 cursos da UnB ocupando as dez primeiras posições: Relações Internacionais (2°), Serviço Social (4°), Arquitetura e Urbanismo (5º), Fisioterapia (5º), Matemática (5º), Nutrição (5º), Biologia (6º), Ciências Contábeis (6º), Propaganda e Marketing (6º), Psicologia (6º), Engenharia Civil (7º), Farmácia (7º), Geografia (7º), História (7º), Odontologia (7º), Design e Artes Visuais (8º), Direito (8º), Letras (8º), Turismo (8º), Administração (9º), Economia (9º), Educação Física (9º), Medicina (9º), Pedagogia (9º), Computação (10º), Enfermagem (10º) e Engenharia Elétrica (10º).
Então, presidente e ministro da educação, antes de anunciar cortes e dizer que as universidades públicas não produzem pesquisa, que são locais de balbúrdia, façam uma busca simples no Google e vejam que senso comum não é ciência. Para planejar políticas públicas, além de ouvir os seus prováveis usuários (as), é importante verificar números, dados anteriores e séries históricas para não ficar vomitando tanta bobagem – que pode ser derrubada por uma simples pesquisa rápida na internet.