Thays Puzzi, Autor em INESC

Inesc reforça a defesa de justiça fiscal e direitos humanos em conferência internacional

A cidade de Sevilha, na Espanha, recebe entre os dias 30 de junho e 3 de julho a 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), promovida pelas Nações Unidas. O encontro é um marco no debate global sobre os caminhos para o financiamento justo e sustentável da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O Inesc está presente na conferência por meio de Nathalie Beghin, integrante do colegiado de gestão da organização e co-presidenta da Latindadd (Rede Latino-Americana e do Caribe por Justiça Econômica, Social e Climática). A participação reforça o papel ativo da sociedade civil na construção de uma nova arquitetura financeira internacional, baseada em justiça fiscal, transparência e direitos humanos.

Durante evento paralelo à conferência, Nathalie Beghin destacou quatro medidas centrais para garantir um sistema de financiamento mais justo:

  • Implementar tributação progressiva;
  • Fortalecer a transparência fiscal e o intercâmbio de informações entre países;
  • Eliminar incentivos fiscais ineficientes;
  • Taxar os super-ricos em escala global.

No entanto, a economista também expressou preocupação com os rumos da conferência. Segundo ela, a sociedade civil está profundamente insatisfeita com os resultados parciais da FfD4:

  • A participação social ficou aquém do necessário;
  • O documento final tem pouca ambição;
  • Os países do Norte Global reduziram compromissos importantes;
  • E os Estados Unidos se retiraram das negociações, após minar o processo.

“Há uma enorme aposta no setor privado, mesmo sabendo que ele historicamente não demonstra compromisso com a realização dos direitos humanos”, afirmou Nathalie Beghin.

Sociedade civil propõe novas convenções da ONU

Como resposta à crise de legitimidade e eficácia da atual arquitetura financeira internacional, diversas organizações da sociedade civil propuseram a criação de três Convenções-Quadro das Nações Unidas:

  1. Convenção de Cooperação Tributária Internacional (já em andamento);
  2. Convenção sobre Dívida Soberana;
  3. Convenção sobre Cooperação Internacional para o Desenvolvimento.

Mobilização nas ruas de Sevilha

Nos dias que antecederam a conferência oficial, milhares de pessoas participaram do Fórum da Sociedade Civil FfD4, com atividades autogestionadas e uma grande marcha pelas ruas de Sevilha, mesmo sob uma intensa onda de calor. Os protestos denunciaram o extrativismo colonial, os cortes na ajuda ao desenvolvimento e os gastos militares crescentes.

Essa é a primeira vez que uma conferência da FfD é realizada na Europa, o que amplia a visibilidade sobre a responsabilidade histórica dos países mais ricos no atual modelo econômico global. O objetivo central das conferências FfD é retirar o debate sobre financiamento das mãos exclusivas dos fóruns econômicos e ampliar o espaço de decisão democrática e multilateral.

Sistema financeiro global é excludente e injusto, afirma Nathalie Beghin

A rede Latindadd — que reúne 31 organizações em 14 países da América Latina e Caribe, entre eles o Brasil —  em coletiva de imprensa, apresentou uma dura crítica ao atual processo de negociação da 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), que segundo Nathalie Beghin, copresidenta da rede e membro do Colegiado de Gestão do Inesc, sofre com “falta de ambição, transparência e justiça”, sendo ainda condicionado pelos interesses das grandes potências e por mecanismos de governança financeira excludentes.

Beghin destacou a urgência de uma reforma no sistema multilateral, reforçando que o atual modelo global impede que os países do Sul tenham voz igualitária nas decisões. A crítica central foi dirigida à arquitetura financeira global, ainda dominada por poucos países, e à ausência de mecanismos democráticos e transparentes de resolução da dívida.

Justiça climática: por que o financiamento deve ser prioridade nas negociações em Bonn?

As negociações globais sobre o clima estão prestes a começar. Mesmo com os holofotes voltados para a  30ª edição da Conferência das Partes (COP 30), que será realizada em novembro deste ano no Brasil, em Belém do Pará, os debates em torno das prioridades que serão levadas para o mais importante evento sobre mudanças climáticas do mundo terão início em junho. 

A Conferência de Bonn, oficialmente chamada de Sessão de Meio de Ano da UNFCCC, é uma reunião técnica e preparatória que acontece anualmente em Bonn, na Alemanha, sede da Secretaria da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês). Ela reúne diplomatas, especialistas, representantes de governos, sociedade civil, setor privado e comunidades tradicionais para discutir detalhes técnicos de implementação do Acordo de Paris, metas climáticas, financiamento climático, adaptação, perdas e danos, transição energética, entre outros temas. 

Como todos os anos, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) participa dessa etapa preparatória com o objetivo de incidir em pautas que considera fundamentais para a garantia da justiça climática. Isso porque é em Bonn que se discutem, por exemplo, regras de transparência, alinham-se expectativas sobre financiamento climático e se constroem os textos-base que serão votados ou negociados durante a COP. 

“Embora seja menos conhecida do público, a Conferência de Bonn também é um espaço importante para a incidência da sociedade civil, que acompanha as negociações, cobra compromissos e pressiona por maior ambição climática”, explica Carolina Alves, assessora política do Inesc, que representará o Instituto na Conferência de Bonn junto com a também assessora Sheilla Dourado. 

O Inesc, que acompanha as negociações de clima ao longo das três décadas de realização das COPs, levará para a Conferência de Bonn debates sobre financiamento, medidas de adaptação climática, estratégias para a redução da emissão de gases de efeito estufa, mercado de carbono e transição energética com justiça socioambiental. Neste sentido, o Instituto organizou uma série de materiais e subsídios para qualificar os debates em torno desses temas. Clique aqui para acessar


Conheça as atividades que o Inesc participará na Conferência de Bonn, que será realizada de 16 a 26 de junho de 2025, na Alemanha. O evento é uma reunião técnica e preparatória para a COP 30.

Dia

Atividade

Resumo

 17/06

World Green Skills Collaborative: Connecting Local Designs With a Sustainable climate Action

Evento paralelo para discutir as soluções locais para a ação climática e o papel das organizações de base.

16, 17 e 19/06

 

Workshop Plano de Ação de Gênero

 

Workshop para facilitar o desenho da implementação do Plano de Ação de Gênero (GAP). 

20/06

Exposing false solutions as barriers to real solutions

Evento paralelo para discutir as falsas soluções como barreiras para as soluções reais.

21 e 22/06

CoP In-person workshop

Workshop da Comunidade de Prática (CoP).

 

23/06

Enhancing accountability and transparency in climate finance: Lessons from civil society

Evento paralelo da Plataforma Green Accountability.

 

24/06

The People Summit towards COP 30

Evento paralelo para compartilhar com o público os eixos de convergência, as abordagens políticas e a logística de Belém para a Cúpula dos Povos rumo à COP 30.

25/06

Real solutions: A system transformation approach to equitable and just transition

Evento paralelo para discutir como as falsas soluções se apresentam em diferentes áreas relacionadas ao trabalho das organizações proponentes.


Financiamento é crucial para a conquista da justiça climática

Garantir um financiamento climático adequado, democrático e livre de endividamento é, para o Inesc, o principal caminho para a conquista da justiça climática. Isso porque a crise climática afeta de forma desigual diferentes países, comunidades e populações. Por isso, o Instituto defende que as soluções precisam ser construídas com equidade e, neste caminho, o financiamento climático que possibilite o combate às desigualdades – sociais, de raça, de gênero – é condição crucial. 

“Se queremos soluções eficazes e justas para a emergência climática, o financiamento climático deve deixar de ser um tema secundário e passar a ocupar o centro do debate. A justiça climática só será possível se os recursos forem mobilizados com urgência, transparência e direcionamento para quem mais precisa. Garantir o financiamento climático é garantir dignidade, equidade e futuro para milhões de pessoas ao redor do mundo.”, defende Carolina. 

Entenda por que não há justiça climática sem financiamento climático

Clique aqui e conheça os princípios e diretrizes para o financiamento climático global 

Adaptação climática requer financiamento

O Inesc também chama atenção para a importância de uma estrutura sólida de financiamento para a adaptação climática, com foco em ações preventivas e na redução das desigualdades. “A adaptação deve ser  tratada como prioridade na alocação de recursos e na integração de políticas públicas para o combate às mudanças do clima. Do contrário, o Brasil continuará enfrentando tragédias que poderiam ser evitadas com medidas preventivas, que são mais eficazes. Além disso, quando os desastres acontecem, existem perdas e danos de valor inestimável, como diferentes formas de vida, humana e não humana”, alerta Sheilla Dourado, assessora política do Inesc. 

Os extremos climáticos crescem em escala, intensificam-se no tempo e acirram desigualdades historicamente construídas. Já as políticas voltadas à adaptação, segundo Sheilla, mostram-se  ainda pouco articuladas e sofrem de crônico subfinanciamento pelo orçamento público.

“Para mudarmos este cenário, é necessária a atribuição de responsabilidades e competências a todos os entes federados e a destinação de recursos financeiros adequados, robustos e livres de endividamento aos municípios, que é onde a adaptação acontece, nos centros urbanos e na zona rural. A adaptação climática é local”, acrescenta. 

Clique aqui e saiba mais sobre adaptação na era dos extremos climáticos 

Baixa ambição climática 

Os compromissos assumidos pelos países com relação às suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, sigla em inglês) têm sido pouco ambiciosos na avaliação do Inesc. As propostas das NDCs orientam as estratégias que o país irá adotar para a redução da emissão de gases de efeito estufa até 2035. Esse será outro tema que estará entre as prioridades dos debates em Bonn.

Até 10 de fevereiro de 2025, prazo limite para que os 195 países apresentassem suas NDCs, apenas 13 submeteram suas versões atualizadas, entre eles o Brasil. 

Carolina Alves explica que, no documento, o país estabelece como objetivo, até 2035, reduzir entre 59% e 67% as emissões de gases de efeito estufa em relação aos níveis registrados em 2005, quando foram lançadas 2,56 Giga toneladas de CO2 na atmosfera. A menor meta prevista, de 59%, será utilizada como base para avaliar o progresso da contribuição nacional. 

“Esse percentual mínimo deixa o país longe da ambição prometida em compromissos assumidos no Acordo de Paris, que visa limitar o aquecimento global a 1,5°C”, avalia. 

Além disso, as ferramentas de financiamento climático identificadas na proposta brasileira, de acordo com Carolina, mantêm a lógica de que os recursos não dão conta do problema. 

“Falar que não há dinheiro suficiente para enfrentar a crise climática não conta toda a história. O problema não é só a falta de recursos — é também a má distribuição dos que já existem. Além disso, os países do Norte Global ainda não cumpriram as promessas de financiamento climático feitas aos países em desenvolvimento”, sublinha. A meta de mobilizar US$ 100 bilhões por ano, acordada em 2009 e reafirmada no Acordo de Paris, foi cumprida somente em 2022 de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).  Mas o feito foi contestado pela sociedade civil, e, em 2024, a meta foi atualizada para US$ 300 bilhões por ano.

Ambição climática ou manutenção do status quo?

Uma transição energética justa precisa de recursos, participação social e salvaguardas

O financiamento para a transição energética justa também está entre as pautas centrais dos debates globais sobre clima. Especialistas e organizações da sociedade civil defendem que essa transição — que envolve a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis — só será viável se vier acompanhada de investimentos robustos, especialmente nos países em desenvolvimento. 

“A transição energética não é apenas uma questão técnica, mas também social e ambiental: exige planejamento, inclusão de comunidades afetadas e garantia de acesso à energia limpa para todas as populações”, afirma Carolina. 

Ela explica que sem financiamento adequado, há risco de que a mudança para uma matriz energética limpa reproduza desigualdades históricas. 

“Por isso, esses espaços globais são estratégicos para pressionar os países desenvolvidos a cumprirem suas obrigações climáticas e contribuírem com recursos que viabilizem uma transição justa. O desafio é garantir que os investimentos cheguem às regiões mais vulneráveis, promovam emprego, respeitem os territórios indígenas e fortaleçam a soberania energética local — elementos essenciais para alinhar justiça social e justiça ambiental na resposta à crise climática”, completa. 

Entenda como a renda do petróleo pode contribuir no combate às mudanças do clima

Por que não há justiça climática sem financiamento?

A justiça climática parte do princípio de que a crise climática afeta de forma desigual diferentes países, comunidades e populações — e que, portanto, as soluções também precisam ser construídas com base na equidade. Para que essa justiça se concretize, o financiamento climático é uma condição fundamental.

Desigualdade histórica e responsabilidade comum, porém diferenciada

Os países do Sul Global são, em sua maioria, os menos responsáveis pelas emissões históricas de gases de efeito estufa. Ainda assim, são os que mais sofrem os impactos das mudanças no clima. Inundações, secas extremas, perda de safras, eventos climáticos severos e deslocamentos forçados já fazem parte do cotidiano de milhões de pessoas — especialmente nas regiões mais vulneráveis e com menor capacidade de resposta.

Essa é uma injustiça estrutural que só pode ser corrigida com investimentos concretos em adaptação, mitigação e transição justa. Isso inclui recursos para infraestrutura resiliente, proteção social, tecnologias limpas, energias renováveis e apoio a comunidades tradicionais e populações vulnerabilizadas.

Financiamento não é caridade: é reparação

O financiamento climático não deve ser tratado como ajuda voluntária ou caridade internacional. Ele é um compromisso assumido pelos países do Norte Global — historicamente os maiores emissores — para reparar os desequilíbrios causados por décadas (ou séculos) de desenvolvimento baseado na exploração de combustíveis fósseis e degradação ambiental.

A meta de mobilizar US$ 300 bilhões ainda não foi plenamente cumprida. Essa lacuna compromete o avanço da ação climática global e gera desconfiança nos processos de negociação internacional.

Clique aqui e conheça os princípios e diretrizes para o financiamento climático global

Fome no mundo: uma questão política que exige justiça econômica

Enquanto o mundo segue enfrentando crises entrelaçadas — econômica, climática, social, energética e sanitária — cresce a fome, a má nutrição e as desigualdades. Tudo isso em um planeta que produz comida suficiente para todas as pessoas. A pergunta inevitável é: como explicar tamanha contradição?

A resposta é simples, mas incômoda: a fome é uma escolha política. E para enfrentá-la, é preciso falar sobre concentração de renda, modelo de produção, justiça fiscal e democratização do poder.

Um cenário de exclusão alimentar

Segundo a FAO, cerca de 735 milhões de pessoas estavam subnutridas em 2022. Ao mesmo tempo, 2,3 bilhões enfrentavam insegurança alimentar moderada ou grave. Do outro lado da balança, três bilhões de pessoas vivem com sobrepeso, das quais um bilhão têm obesidade. A má alimentação, seja por escassez ou pela péssima qualidade, já afeta metade da população mundial.

Esse cenário não é aleatório. A fome, a desnutrição e a alimentação inadequada atingem de forma desigual as mulheres, as populações racializadas e  as pessoas empobrecidas. É a combinação entre racismo, classismo e patriarcado que estrutura a injustiça alimentar no mundo.

A desigualdade como motor da fome

A desigualdade global está em níveis obscenos. Os 10% mais ricos concentram 52% da renda mundial, enquanto a metade mais pobre se apropria de  apenas 8,5% dela. Quando se olha para a riqueza, a disparidade é ainda maior: os 10% mais ricos detêm 76% da riqueza global.

Em 2024, a fortuna dos bilionários cresceu três vezes mais rápido do que no ano anterior. Foram criados, em média, quatro novos bilionários por semana. Esse acúmulo de riqueza nas mãos de poucos não apenas alimenta a desigualdade, mas captura o espaço público, influencia políticas e mina os direitos sociais.

A crise climática ainda agrava esse quadro. Eventos extremos como secas e enchentes atingem com mais força as populações do Sul Global, aprofundando a insegurança alimentar. O resultado? Fome não por falta de comida, mas por decisões políticas que priorizam lucros em vez de vidas.

Um modelo alimentar que adoece

A forma como produzimos e consumimos alimentos está nos levando ao colapso. O agronegócio industrial, concentrado em poucas corporações, é responsável por:

  • altíssimo consumo de água e destruição da biodiversidade;
  • contaminação de solo e água por agrotóxicos;
  • emissões significativas de gases de efeito estufa;
  • expulsão de povos indígenas  e camponeses de seus territórios;
  • disseminação de alimentos ultraprocessados.

Esse modelo, baseado em lucro, tem adoecido populações e o planeta. E tudo isso é reforçado por um marketing agressivo e pela captura das instituições públicas por grandes corporações. O que comemos hoje não é apenas uma escolha individual — é resultado de um sistema alimentado por interesses privados e sustentado por políticas públicas que os favorecem.

Sabemos o que fazer. Falta vontade política.

A boa notícia é que as soluções existem — e o Brasil já mostrou que é possível enfrentar a fome com políticas públicas robustas.

São quatro os pilares para garantir o direito humano à alimentação adequada:

  1. Estado forte e atuante, com capacidade de regular o mercado e implementar políticas públicas de segurança alimentar e nutricional que incluam o enfrentamento das mudanças climáticas, o combate ao racismo e ao patriarcado e políticas de cuidados .
  2. Gestão intersetorial e integrada, reconhecendo que a segurança alimentar e nutricional  se conecta à saúde, educação, meio ambiente, geração de emprego e renda, assistência social, cultura e clima, entre outras
  3. Participação ativa da sociedade civil, especialmente das pessoas  mais impactadas pela insegurança alimentar e nutricional.
  4. Cooperação internacional solidária, decolonial e horizontal, com protagonismo do Sul Global.

Mas nada disso se viabiliza sem dinheiro. É preciso enfrentar o tabu da escassez orçamentária. Os recursos existem, mas é preciso mobilizá-los com justiça tributária.

Sem justiça tributária, não há direito à alimentação

A luta contra a fome passa obrigatoriamente por um novo pacto fiscal. Isso inclui:

  1. Tributar os super-ricos

Apenas 0,5% das famílias mais ricas do mundo poderiam gerar, com alíquotas progressivas, até US$ 2,1 trilhões por ano, segundo a Tax Justice Network. Dinheiro mais que suficiente para financiar políticas de combate à fome em escala global.

  1. Combater a evasão e elisão fiscal

Multinacionais e indivíduos ultrarricos usam brechas legais e paraísos fiscais para escapar de impostos. Estima-se uma perda global de US$ 492 bilhões por ano com essas práticas.

  1. Revisar os incentivos fiscais

Em 2023, governos destinaram US$ 1,5 trilhão a combustíveis fósseis, os principais causadores da crise climática. Produtos nocivos à saúde, como pesticidas e ultraprocessados, também recebem isenções fiscais. É urgente reverter essa lógica.

Brasil: duas oportunidades imediatas

Diante desse cenário, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) pode — e deve — se posicionar politicamente. Duas recomendações são estratégicas:

  1. Apoiar publicamente a reforma tributária da renda proposta pelo governo federal. Mesmo que tímida, ela é um avanço na direção da justiça fiscal e do financiamento de políticas públicas.
  2. Atuar ativamente na Convenção-Quadro da ONU sobre Cooperação Tributária Internacional (UNFCITC), em negociação. Esse espaço pode representar a maior mudança na governança tributária global e uma chance histórica de reduzir a evasão fiscal de forma justa e democrática.

Não há neutralidade diante da fome. Combater a insegurança alimentar e nutricional é lutar contra as desigualdades que a produzem. Para garantir comida no prato de todas e todos, precisamos de políticas públicas bem financiadas, justiça tributária  e a coragem de enfrentar os interesses que lucram com a miséria.

Inesc debate transição energética e educação em maior evento acadêmico do mundo

Entre os dias 9 e 12 de junho, parte da equipe do Inesc está em Bogotá para participar da 10ª Conferência Latino-America e Caribenha de Ciências Sociais, organizada pela Clacso (Conferência Latinoamericana de Ciências Sociais). Este é o maior encontro acadêmico, cultural e político de ciências sociais e humanidades do mundo. Nesta edição, centenas de pessoas participarão de debates em torno dos temas centrais: democracias, resistências, comunidades, direitos e paz. 

Debates sobre transição energética e educação 

Os assessores políticos do Inesc, Alessandra Cardoso e Cássio Carvalho, participaram ontem (9/6) de uma mesa de debates, expondo sobre “O papel potencial do Brasil na construção de saídas multilaterais para a transição energética global”. Com uma revisão bibliográfica dos estudos sobre a “fase de saída” (phase out) do petróleo no Brasil, eles chegaram à conclusão de que, do ponto de vista acadêmico, este é um assunto ainda pouco estudado.  “Ao mesmo tempo, o governo brasileiro tem sido cada vez mais tensionado nacional e internacionalmente pelo movimento climático em relação a sua posição de seguir em frente nas estratégias de ampliação da produção de petróleo”, afirmam. 

Outro tema levado pelo Inesc ao encontro foi o da educação. Cleo Manhas, assessora política do instituto, moderou uma mesa de debates sobre “Direito à educação, políticas públicas e alternativas pedagógicas”. Na ocasião, ela também apresentou a experiência da rede de meninas ativistas pelo Direito à Educação de qualidade, desenvolvida pelo Inesc, em parceria com o Fundo Malala. O projeto já está em sua terceira edição e visa incidir na proposta de lei para o novo Plano Nacional de Educação (PNE) para que as diretrizes por uma educação antirracista e antisexista de fato cheguem no chão das escolas. 

Decolonização da cooperação

No marco da conferência da Clacso, também ocorre o Segundo Encontro do Forum Permanente Latinoamericano para a Decolonização da Cooperação Internacional. O Inesc é um dos organizadores da atividade, que reunirá mais de 200 organizações de 22 países nos dias 11 e 12 de junho, em Bogotá. 

De acordo com a convocatória, o Forum pretende incidir conjuntamente para alcançar uma cooperação solidária que fortaleça os processos impulsionados pelas organizações, “sem imposições externas, que respeite a diversidade cultural e linguística dos povos. Uma cooperação que não imponha agendas, não fragmente organizações nem priorize projetos de curto prazo sobre processos de transformação profunda”. 

Para José Antônio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc, o Fórum é uma oportunidade para a construção coletiva de um novo paradigma de cooperação global, diante do desmonte da USAID e dos profundos cortes na cooperação internacional tradicional. Ele acompanhará os debates em Bogotá.

Sociedade civil pressiona Congresso com petição por justiça fiscal no debate do PL 1087/2025

Nesta terça-feira (10), foi entregue ao Congresso Nacional uma petição assinada por mais de cem organizações da sociedade civil que alerta para os riscos das alterações propostas ao projeto de reforma do Imposto de Renda, que podem beneficiar os mais ricos e reduzir recursos para políticas públicas essenciais. O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) está entre as signatárias.

Foto: Matheus Alves | @imatheusalves

O documento foi entregue por Carolina Gonçalves, coordenadora de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil. “Estamos aqui para exigir um debate transparente e democrático. O PL 1087 não pode ser aprovado às pressas, sem a participação da sociedade e sem considerar a taxação justa dos super-ricos. As mudanças em discussão podem prejudicar a classe média e fragilizar ainda mais o financiamento da saúde e da educação, aprofundando as desigualdades no país”, afirmou Carolina Gonçalves.

O deputado Rubens Jr. recebeu o documento e destacou a importância da mobilização social: “A participação das organizações é fundamental para um debate equilibrado. Vamos analisar as contribuições. Quanto mais participação, melhor”, disse.

A entrega ocorreu durante audiência pública da Comissão Especial sobre Alteração da Legislação do Imposto de Renda (PL 1087/25).

Riscos das mudanças em debate

O projeto original do governo propunha avanços na justiça tributária, como a isenção total para rendas de até R$ 5 mil mensais. No entanto, as alterações em discussão no Congresso podem:

  • Limitar deduções em saúde e educação, afetando a classe média;
  • Manter privilégios para os mais ricos, sem taxação adequada sobre grandes fortunas e dividendos;
  • Ampliar o risco de cortes em pisos constitucionais da saúde e educação, reduzindo investimentos públicos.
  • As organizações signatárias defendem que a ampliação da isenção para os mais pobres seja financiada por uma tributação mais justa dos super-ricos, em vez de medidas que onerem a classe média ou reduzam gastos sociais.

Sociedade cobra transparência

Até agora, as audiências públicas sobre o PL 1087/2025 não incluíram representantes de sindicatos, movimentos populares ou academia. A petição entregue hoje exige um cronograma claro e participativo para as próximas etapas de discussão.

Confira a petição e a lista com as organizações signatárias.

Reforma do Imposto de Renda: o que está em jogo no Congresso

O Congresso Nacional discute o Projeto de Lei 1.087/2025, enviado pelo governo federal, que propõe uma reforma no Imposto de Renda com foco em maior justiça tributária e neutralidade fiscal — ou seja, sem aumento no custo para as contas públicas.

A proposta isenta do pagamento do imposto quem recebe até R$ 5.000 por mês e estabelece um desconto progressivo para quem ganha entre R$ 5.000 e R$ 7.000. Para equilibrar as finanças, o governo propõe uma alíquota mínima progressiva, que pode chegar a 10% para contribuintes com renda mensal superior a R$ 50.000 (ou R$ 600 mil por ano).

Segundo Nathalie Beghin, do colegiado de gestão do Inesc, as medidas devem beneficiar cerca de 14 milhões de pessoas e têm um custo estimado de R$ 26 bilhões por ano. “Essa renúncia será compensada com a tributação sobre aproximadamente 140 mil pessoas com altíssimas rendas, o que representa apenas 0,13% da população brasileira. É um passo importante rumo à justiça tributária”, afirma a economista.

Nathalie também chama atenção para narrativas distorcidas usadas por setores de alta renda para barrar a proposta. Argumentos como bitributação, fuga de capitais e desincentivo a investimentos, segundo ela, são infundados.

Clique aqui e entenda as fake news sobre a tributação das altas rendas.

As fake news da tributação das altas rendas

Está em discussão no Congresso Nacional o projeto de lei, PL 1.087/2025, de iniciativa do governo Luiz Inácio Lula de Silva que trata da reforma do Imposto de Renda. A ideia é que as alterações propostas no sistema tributário brasileiro sejam neutras do ponto de vista fiscal, isto é, sem impactos para as contas públicas. Sugere-se isentar quem ganha até R$ 5.000 por mês e outorgar um desconto progressivo as pessoas que ganham de R$ 5.000 a R$ 7.000. Para custear a renúncia fiscal das pessoas beneficiadas com essas medidas, o governo propõe uma tributação mínima progressiva que chegaria até 10% para quem ganha acima de R$ 50.000 por mês (ou R$ 600 mil por ano).

Essas medidas custam cerca de R$ 26 bilhões por ano e irão beneficiar cerca de 14 milhões de pessoas. As despesas serão cobertas pelo novo imposto que afetará pouco mais de 140 mil pessoas com altas renda, o que representa 0,13% da população brasileira.

Trata-se de um mecanismo de justiça tributária, pois, atualmente, os que menos têm pagam proporcionalmente mais impostos e os mais ricos contribuem com uma parcela menor. Contudo, as pessoas muito ricas e seus representantes, especialmente no Congresso Nacional, se opõem ao aumento da taxação das altas rendas e, para tal, apresentam argumentos que não se sustentam tecnicamente, pois a real razão de seu descontentamento diz respeito ao enorme receio de perder seus privilégios. Com efeito, os muito ricos praticamente não pagam impostos, pois a maior parte de sua renda vem da distribuição de lucros e dividendos[1] que, no Brasil, são isentos de impostos. Enquanto a maior parte da população tem de pagar alíquotas de até 27,5% de IRPF (Imposto de Renda das Pessoas Físicas), aqueles que mais têm pagam 0% ou quase isso. O nosso sistema é tão injusto que uma professora de escola pública paga mais imposto, proporcionalmente sobre sua renda, do que um bilionário.

Quais são as fake news?

1 – Bitributação – FALSO

A proposta em discussão estabelece que pessoas que vivem exclusivamente ou majoritariamente de lucros e dividendos pagariam até 10% de IRPF. Haveria, dizem, uma dupla tributação, a do imposto de renda da pessoa jurídica e, depois, a do imposto de renda da pessoa física. E mais: alegam que no Brasil a tributação das empresas está entre as mais altas do mundo: 34% do lucro corporativo – dividido em 25% do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Contudo, o que não dizem, é que o sistema tributário brasileiro tem várias distorções, pelas quais se criam brechas que permitem a empresas de vários portes e segmentos evitar o pagamento de impostos por meio de planejamento tributário. Com isso, a estimativa da carga efetiva das empresas é da ordem de 18%.

E mais, a argumentação é falsa, pois trata-se de dois tipos diferentes de contribuintes, uma pessoa e uma empresa. Tanto é assim que na absoluta maioria dos países do mundo, os lucros e dividendos distribuídos para pessoas físicas são tributados.

O que mais impressiona é que os muitos ricos não querem pagar nem o teto proposto de 10% de IRPF, quando a maior parte da população brasileira tem que contribuir com até 27,5% da sua renda em imposto direto. Ou seja, as pessoas com altas rendas ainda saem lucrando com a proposta do governo federal. Na Irlanda, por exemplo, a taxação de lucros e dividendos pode chegar a 51%.

2 – Fuga de capitais – FALSO

Os que defendem esse argumento alegam que diante da possível taxação de suas rendas, os muito ricos irão levar suas riquezas para outros países com menores tributos. Contudo, a cobrança proposta pelo governo, de até 10%, está muito aquém da média de IRPF cobrada pelos países da Europa, que é da ordem de 21%, duas vezes superior a proposta do Brasil.

Além do mais, a proposta de tributar lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas alinha-se às diretrizes internacionais sobre a incidência em rendimentos empresariais.

3 – Desincentivo ao investimento – FALSO

Os muito ricos e seus aliados avaliam que a tributação de lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas irá contribuir para que os empresários deixem de investir no país, pois, dizem, os investimentos são realizados tendo como hipótese que os seus resultados serão isentos, essa seria a vantagem de se concentrar a tributação na pessoa jurídica. Mas, é exatamente o contrário que acontece: o modelo brasileiro incentiva a distribuição de dividendos, em detrimento ao reinvestimento dos lucros no negócio.

A proposta do governo federal cria um sistema mais justo e incentiva novos investimentos, já que estimula o reinvestimento dos lucros. E, isso resulta em um círculo virtuoso, pois a maior formação bruta de capital fixo contribui para o crescimento econômico que, por sua vez, cria empregos e aumenta a massa salarial, que estimula o consumo, que por seu turno gera crescimento e, assim, a roda vai girando.

Além do mais, não existem evidências sólidas de que no Brasil as isenções fiscais do setor lucrativo resultem em aumento dos investimentos. O que estimula a inversão são outros fatores como crescimento econômico, por exemplo.

4 – Criação de distorções econômicas – FALSO

Alega-se que voltar a tributar lucros e dividendos cria uma série de distorções que traz mais prejuízos do que ganhos para o país, como novos tipos de sonegação e a necessidade de tributos ainda mais altos para manter a mesma arrecadação.

A distorção já existe quando as altas rendas são isentas e não contribuem com sua justa parte para o desenvolvimento do país. E, se assim fosse, todos os países do mundo isentariam lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas, mas não é isso que acontece, ao contrário, a regra é taxar esse tipo de renda. Com a aprovação da reforma proposta o Brasil estaria se aproximando de parâmetros internacionais.

Contudo, ainda que urgente e necessária, a reforma de tributação das altas rendas da forma que está proposta é insuficiente. Vamos aos fatos:

  1. No Brasil os ricos estão ficando cada vez mais ricos e em boa parte isso se deve a um sistema tributário injusto. Assim, por exemplo, de acordo com Gobetti, entre 2017 e 2022, a renda de 95% da população brasileira mais pobre praticamente estagnou em termos reais, cresceu somente 1,5% em todo o período. Contudo, a renda dos 0,01% super ricos aumentou em 49%. Com isso, em 2022, a razão entre a renda média dos mais ricos e a dos mais pobres era de 248. E mais: os muito ricos, os 0,1% da população, concentram cerca da metade de todos os dividendos no Brasil que alcançam patamares da ordem de R$ 1 trilhão. As desigualdades no Brasil são tão abissais que, segundo Guilherme Martins, do MADE/USP, nos países mais desenvolvidos, o grupo 1% mais rico fica com 5% da renda nacional. No Brasil, este grupo se apropria de uma renda quatro vezes maior, 21%.
  2. Esse agravamento das desigualdades decorre, em grande parte, da isenção de imposto de renda dos lucros e dividendos que são distribuídos para pessoas físicas, pois essa é a principal, senão a única, fonte de recursos das altas rendas no Brasil.
  3. Portanto, a reforma proposta ainda que necessária, é A alíquota de IRPF deveria ser de, no mínimo, 15%, como proposto pela OCDE para a taxação mínima das multinacionais.
  4. E mais: a tabela de IRPF deveria ser atualizada em pelo menos 20%, pois há anos que não é reajustada. De acordo com o Dieese, a defasagem pode chegar a 155%.

[1] Os dividendos são uma pequena parcela do lucro da empresa que é distribuída aos acionistas como forma de remuneração. Atualmente, o valor é isento do Imposto de Renda.

Nota de solidariedade à Ministra Marina Silva

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) , entidade sem fins lucrativos, não partidária, que atua há mais de 45 anos em prol dos direitos humanos, defesa da democracia e transparência do orçamento, vem a público manifestar sua solidariedade à Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que foi vítima de violência política de gênero e misoginia, no dia 27 de maio, na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal. 

Na ocasião, o Senador Marcos Rogério (PL-RO) afirmou que ela deveria “se pôr no seu lugar”, e o Senador Plínio Valério (PSDB-AM) disse que queria separar “a ministra da mulher”, porque  “mulher merece respeito, a ministra não”. Em março, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) já havia atacado a Ministra Marina Silva ao afirmar que tinha vontade de “enforcá-la”

A violência política de gênero é crime previsto na Lei 14.192 de agosto de 2021 e prevê, entre outras determinações, que  a pena pode ser aumentada em caso de transmissão do cometimento da agressão em tempo real: neste caso, o fato ocorreu em uma sessão pública filmada e transmitida, tornado a violência ainda mais cruel. 

Acreditamos que as divergências políticas são parte da democracia, mas é absurdo que parlamentares sintam-se à vontade para dirigir-se a uma mulher dessa forma. A recorrência desses fatos gera impunidade e autoriza os agressores a aumentarem a violência contra as vítimas a cada novo episódio. O fato torna-se mais grave por Marina Silva ser uma mulher negra. O Senado Federal, assim como a Câmara dos Deputados, são espaços para o debate político democrático de interesse da sociedade brasileira, debate este que deve ocorrer com decoro, respeito aos direitos humanos e às leis. 

Registra-se, ainda, que o tema do meio ambiente e mudança do clima é urgente e de interesse de toda a sociedade, e precisa ser discutido de forma séria, gerando propostas que possam garantir as melhores decisões no tema para a sociobiodiversidade, a transição climática e os direitos humanos das populações diretamente afetadas. A violência de gênero perpetrada por agentes públicos nos espaços de diálogo e decisão sobre este tema prejudicam o andamento e avanço dessa pauta importantíssima.

Neste sentido, solicitamos ao Parlamento que tome medidas efetivas para coibir e punir, de maneira exemplar, os senadores que praticaram a violência política de gênero, e se posicione neste caso da Ministra Marina Silva , de modo a impedir que novos eventos violentos aconteçam. Também apelamos ao Judiciário, para que assuma suas prerrogativas, e atue para que estes espaços públicos, ainda que frequentados por autoridades que têm o direito à imunidade parlamentar, sejam resguardados em sua função de servir ao povo brasileiro, e não para cometimento de crimes contra as mulheres.

Por fim, nós, do Inesc, repudiamos os ataques misóginos sofridos pela Eminente Ministra Marina Silva e manifestamos nosso apoio a ela.

Brasília, 30 de maio de 2025.

Sociedade civil apresenta propostas para presidência do Brasil na PTLAC

O Brasil assumiu oficialmente a presidência pro tempore da Plataforma Regional de Cooperação Tributária para a América Latina e o Caribe (PTLAC), sucedendo o Chile. A transição foi celebrada em um momento decisivo para a cooperação tributária regional. O ato ocorreu em paralelo ao Seminário de Política Fiscal da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), 

As organizações da sociedade civil, reunidas no Conselho Consultivo Permanente, saudaram essa escolha, destacando a agenda fiscal promovida pelo país e o papel fundamental que desempenhará em um contexto crítico – altos níveis de desigualdade; sistemas tributários regressivos; crise climática; elevada evasão fiscal. 

A liderança do Brasil, aliada ao importante papel da CEPAL como Secretaria Técnica da Plataforma, representa uma grande oportunidade para consolidar os esforços realizados pelas presidências anteriores e avançar na sustentabilidade e no potencial da PTLAC.

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) integra o Conselho Consultivo como representante da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe. De acordo com Nathalie Beghin, do colegiado de gestão do Inesc, que acompanhou presencialmente os debates no Chile:

“É muito importante o Brasil assumir a presidência pro tempore da PTLAC neste momento em que o governo federal vem promovendo uma série de medidas tributárias que contribuem para tornar o sistema mais progressivo. A liderança do Brasil, juntamente com o importante papel que a CEPAL desempenha como Secretaria Técnica da Plataforma, traz uma enorme oportunidade para consolidar os esforços realizados pelas presidências anteriores e avançar na sustentabilidade e no potencial da PTLAC.”

Propostas da sociedade civil para fortalecer a plataforma

O Conselho Consultivo Permanente da Sociedade Civil apresentou uma série de recomendações para fortalecer a PTLAC como ferramenta estratégica para reformas fiscais e cooperação internacional:

  1. Ampliar a participação dos países na Plataforma.
  2. Fortalecer a coordenação entre as autoridades dos países participantes, dentro dos países e em processos internacionais.
  3. Melhorar a divulgação da PTLAC e consolidar documentos relevantes.
  4. Ajustar as agendas dos grupos de trabalho para avançar na proposição de soluções e conectá-las aos processos nacionais, regionais e internacionais.
  5. No grupo de trabalho sobre progressividade tributária: realizar pesquisas e elaborar padrões regionais de tributação de patrimônios e indivíduos ricos; promover registros de ativos nacionais, regionais ou globais; incorporar perspectivas de gênero, interseccionalidade e direitos humanos.
  6. No grupo de trabalho sobre benefícios fiscais: revisar coordenadamente os incentivos fiscais, considerando a implementação do Pilar 2 pelos países da OCDE; medir e tornar públicos os gastos tributários na região; propor mecanismos de avaliação ex-ante e ex-post dos benefícios fiscais, com enfoque de gênero e ambiental.
  7. No grupo de tributação ambiental: coordenar o posicionamento dos membros da PTLAC em fóruns globais e explorar medidas de cooperação regional.
  8. Estabelecer um grupo de trabalho sobre arquitetura tributária global, para construir posições articuladas e facilitar o intercâmbio sobre medidas adotadas.
  9. Institucionalizar a análise com base nos direitos humanos, gênero e suas interseccionalidades.
  10. Desenvolver processos formativos e workshops voltados aos interesses da região.
  11. Dar continuidade ao envolvimento do Conselho Consultivo na Plataforma e explorar novas atividades, como facilitação de workshops e elaboração de relatórios.

O documento foi entregue a Débora Freire, subsecretária de Política Fiscal do Ministério da Fazenda do Brasil.

>> Clique aqui para acessar o documento na íntegra <<

Compromisso com o futuro

Durante o evento, o Conselho reafirmou seu compromisso com o fortalecimento da PTLAC como um espaço de cooperação regional duradoura, com foco em equidade, sustentabilidade e justiça fiscal.

“A PTLAC é uma iniciativa inovadora, pois, de forma inédita, promove a cooperação regional em questões de tributação. Além disso, conta com um mecanismo institucional de participação da sociedade civil, uma experiência extremamente enriquecedora. A Plataforma tem o precioso apoio técnico da CEPAL que, além de partilhar estudos e pesquisas sobre o tema, facilita grupos de trabalho”, concluiu Nathalie Beghin.

CEPAL debate justiça fiscal e lança Panorama 2025

Também como parte das atividades acompanhadas por Nathalie Beghin nesta semana no Chile, estava o XXXVII Seminário Regional de Política Fiscal, promovido pela CEPAL, por meio de sua Divisão de Desenvolvimento Econômico. O evento de alto nível reuniu representantes dos ministérios da Fazenda de diversos países da região para debater os principais desafios e caminhos para as políticas fiscais.

Na ocasião, foi lançado o Panorama Fiscal da América Latina e Caribe de 2025. De acordo com Nathalie, os dados revelam que existem mecanismos de mobilização de recursos públicos adicionais para financiar políticas sociais e climáticas. 

“Assim, por exemplo, os abusos fiscais e as isenções tributárias correspondem a cerca de 10% do PIB da região. Além do mais, os muito ricos pagam pouco imposto de renda na América Latina, sua tributação justa resultaria em aumento de recitas”, afirmou. 

Tributação e direitos humanos em pauta no debate internacional

Ainda durante a semana, foi realizado o evento “Alinhar a política tributária aos direitos humanos na América Latina”, que reuniu especialistas renomados das áreas de tributação e direitos humanos, como Julieta Rossi e Rodrigo Uprimny (ex-Comitê DESC da ONU), Juan Pablo Bohoslavsky (ex-relator especial da ONU para dívida e direitos humanos), Liselott Cana (governo do Chile), Camila Barreto Maia (GI-ESCR) e Maria Emilia Mamberti (CESR).

O encontro destacou a necessidade de que os sistemas tributários — nacionais e internacionais — estejam orientados pelos princípios dos direitos humanos.

“É da maior importância que os sistemas tributários tenham como referência os direitos humanos. Os países devem cumprir suas obrigações internacionais e, sobretudo, garantir o financiamento dos direitos — essa deve ser a principal missão da tributação”, destacou Nathalie Beghin.

A atividade foi organizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Global Iniciative for Economic, Social & Cutural Rights, Center for Economic and Social Rigths e Principios de Derechos Humanos en la Política Fiscal. O evento contou com o apoio da Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe, da Tax Justice Network, do Inesc, da Oxfam, da Independent Commission for the Reform of International Corporate Taxation (ICRICT) e do Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad (Dejusticia). 

Recomendações para combater o racismo ambiental são entregues ao Congresso Nacional

Na manhã desta quarta-feira (27), durante o seminário “Racismo Ambiental e Transição Energética Justa”, realizado na Câmara dos Deputados, representantes de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e povos e comunidades tradicionais entregaram ao Congresso Nacional uma carta com recomendações para o enfrentamento do racismo ambiental. O evento foi promovido pelo GT Racismo Ambiental e GT Cerrado da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, como atividade da Virada Parlamentar Sustentável

As recomendações foram elaboradas pelo Grupo de Trabalho de Racismo Ambiental , do qual o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) faz parte. O documento ressalta a importância de uma transição energética justa, equitativa e respeitosa aos direitos das populações historicamente vulnerabilizadas.

>> Clique aqui para acessar a carta entregue ao Congresso Nacional na íntegra <<

Racismo ambiental e violações de direitos

O seminário buscou aprofundar o debate sobre os impactos da mudança climática e dos projetos de transição energética em comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, camponesas e periféricas. Um dos principais pontos levantados foi a violação de direitos humanos associada à instalação de grandes empreendimentos de energia renovável, como parques eólicos e solares, frequentemente implementados sem consulta prévia às comunidades afetadas.

João Luís Joventino, do Movimento Quilombola do Cumbe, no Ceará, relatou a experiência de sua comunidade pesqueira, onde foi instalada a primeira usina eólica do Brasil sem qualquer consulta. “Perdemos nosso território, sofremos criminalização, conflitos socioambientais e a divisão interna da comunidade. A mesma estratégia desde a colonização, que é dividir a comunidade para dominá-la”, afirmou.

Joyce de Fátima Pereira Silva, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), destacou os impactos da mineração no Vale do Jequitinhonha (MG): “Com a chegada dos trabalhadores, há superlotação nos hospitais e o custo de vida aumentou drasticamente. O aluguel de casas simples, que antes custava R$ 500, hoje não se encontra por menos de R$ 1.500. Como uma mãe solo, que precisa alimentar e sustentar seus filhos sozinha, consegue dar conta disso?”

Eunice da Conceição, do MIQCB, alerta para os danos causados pelos grandes empreendimentos no Maranhão. Foto: Renato Araújo/Câmara dos Deputados

Eunice da Conceição, do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), alertou para os danos causados pelos grandes empreendimentos no Maranhão. “Eles devastam tudo para plantar eucalipto, soja, capim, e ainda envenenam a terra. Jogam veneno em tudo. O que será de nós? Nós não comemos capim e nem eucalipto!”

Cristine Ribeiro, do colegiado de gestão do Inesc, reforçou que não há justiça climática sem o enfrentamento do racismo ambiental. “Quando não há escuta das comunidades, os impactos se tornam profundos e irreparáveis, e o que deveria ser renovável e limpo viola direitos e aprofunda desigualdades históricas.”

Pobreza energética: um desafio nacional

Apesar da abundância de recursos naturais e de um sistema elétrico interligado, o Brasil tem uma das tarifas de energia mais elevadas do mundo. O aumento da tarifa de eletricidade acima da inflação afeta principalmente as famílias de baixa renda, agravando a pobreza energética, sobretudo para mulheres negras e comunidades vulnerabilizadas do norte e nordeste do país.

“É preciso refletir sobre o impacto de uma conta de luz de R$ 100 para quem vive com um benefício como o Bolsa Família, em comparação a quem recebe R$ 20 mil por mês”, destacou Cristiane. Ela ainda sublinhou que sem um modelo tarifário mais justo, não avançaremos nas políticas públicas necessárias para alcançar a justiça climática. 

“O modelo tarifário precisa ser equitativo. Enquanto isso não acontecer, nós não vamos conseguir tratar com a justa medida as ações legislativas e de financiamento para que tenhamos, de fato, justiça climática e enfrentamento ao racismo ambiental”.

Ela também ressaltou que o atual cenário energético aprofunda desigualdades sociais de classe, gênero, raça, etnia e território, comprometendo os princípios de uma transição justa e inclusiva.

Assista ao seminário: 

Violência política por raça e gênero

Durante o seminário, diversas lideranças manifestaram repúdio às agressões sofridas pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Senado Federal, nessa terça-feira (26). Cristiane Ribeiro lembrou que a ministra do  Tribunal Superior Eleitoral , Vera Lúcia Santana, também foi vítima do racismo e da misoginia. 

A  violência política de raça e gênero é uma realidade e precisa ser tratada com o devido compromisso com a democracia.

“A violência sofrida pela Ministra Marina, representa o  ataque direcionado a quem busca defender políticas ambientais e sociais que nos conduzam a um modelo de justiça climática e proteção dos direitos humanos. É um ataque à sociedade brasileira”, afirmou.

PL 2.159/2021 representa grave retrocesso à proteção socioambiental

O Senado Federal iniciou nesta terça-feira (20), a análise do Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021, que altera profundamente as regras do licenciamento ambiental no Brasil. Apresentado como uma proposta de modernização, o texto enfraquece salvaguardas fundamentais para a proteção dos ecossistemas e dos direitos de comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais.

A tramitação do PL acontece em um momento contraditório: o Brasil se prepara para sediar a COP 30, assumindo compromissos globais com a agenda climática, enquanto avança internamente com uma legislação que desconsidera os impactos ambientais e sociais dos grandes empreendimentos.

O projeto permite formas de autolicenciamento e flexibiliza obrigações essenciais, como estudos técnicos precedentes e a consulta livre, prévia e informada aos povos impactados. Além disso, ignora decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e compromete o cumprimento de tratados internacionais, como a Convenção 169 da OIT.

Casos como o da Ferrogrão, megaprojeto ferroviário que atravessa territórios indígenas e unidades de conservação na Amazônia, ilustram os riscos concretos dessa mudança legislativa: violação de direitos, insegurança jurídica e danos irreversíveis ao meio ambiente e ao patrimônio cultural.

De acordo com nota de posicionamento divulgada pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), “o Brasil precisa de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental que fortaleça, e não fragilize, os instrumentos de avaliação e controle e promova o respeito ao direito das comunidades em seus territórios.”

A votação do PL 2.159/2021 deve ocorrer no Plenário do Senado nesta quarta (21).

Nota de atualização

O Senado aprovou na noite dessa quarta-feira (21), o PL 2.159/2021, conhecido como o Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, considerado por especialistas como o maior retrocesso ambiental desde a redemocratização.

Da forma em que foi aprovado, o projeto desestrutura o sistema de licenciamento ao criar mecanismos como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), baseada em autodeclaração, enfraquece o papel de órgãos técnicos e retira a obrigatoriedade de análise criteriosa para atividades potencialmente poluentes. A proposta também fragmenta o sistema nacional ao permitir que estados e municípios definam critérios próprios de licenciamento, o que pode gerar insegurança jurídica, desigualdade regulatória e maior risco de corrupção.

A gravidade do texto foi intensificada com a inclusão da Emenda 198, apresentada de última hora pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que institui a Licença Ambiental Especial. A medida entrega ao Conselho de Governo o poder de classificar projetos como “estratégicos”, permitindo sua aprovação com base em critérios políticos, sem análise técnica adequada. Organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, alertam que isso institucionaliza o clientelismo, fere princípios constitucionais e abre brechas para favorecimentos indevidos, colocando em risco áreas sensíveis como Terras Indígenas e unidades de conservação.

Leia a nota de posicionamento completa e entenda por que o PL 2.159/2021 precisa ser rejeitado:

Licenciamento Ambiental em risco: os perigos do PL n. 2.159/2021 para o meio ambiente e os direitos das comunidades tradicionais

O Brasil está à beira de um retrocesso sem precedentes em sua política ambiental. O Projeto de Lei n.  2.159/2021, aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados e que tramita, hoje, no Senado é  uma ameaça concreta à integridade dos ecossistemas brasileiros e aos direitos de comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas.

COP 30

A aprovação de um Projeto de Lei como esse, na mesma época em que o Brasil sediará a 30ª edição da Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas, tendo se colocado como protagonista na pauta climática, significa o envio, ao mundo, de um sinal de descompromisso com a agenda ambiental, sobretudo com o acordo de Paris[1], tendo em vista que não há qualquer menção ao clima em todo o texto do projeto.

A omissão é grave e revela o desalinhamento entre o discurso oficial e a prática legislativa nacional. Também expõe as fragilidades na articulação entre os poderes executivo e legislativo, uma vez que o país projeta avanços na agenda ambiental, reforçando compromissos ao sediar um evento global, e, ao mesmo tempo, aprofunda políticas que reduzem salvaguardas socioambientais, favorecendo interesses econômicos de curto prazo.

PL n. 2.159/2021

A referida proposta é apresentada como uma tentativa de modernização do licenciamento ambiental no Brasil. Contudo, na prática, ela enfraquece drasticamente as bases normativas de proteção ambiental, ignora as salvaguardas previstas na Constituição Federal e viola,  inclusive, tratados internacionais[2].

Sob o discurso de “modernização” e “desburocratização”, o PL esvazia a função preventiva do licenciamento ambiental – um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981). O projeto permite, por exemplo, o uso da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio porte (art. 21) ou para quando a autoridade licenciadora considerar que a atividade não é potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 17, § 4º).

Dessa forma, o referido projeto de lei  ignora  o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal – STF (ADI 5312) que, em 2018, julgou inconstitucional a possibilidade de dispensa da exigência de licenciamento para atividades potencialmente poluidoras. Para o STF, “a dispensa de licenciamento de atividades identificadas conforme o segmento econômico, independentemente de seu potencial de degradação, e a consequente dispensa do prévio estudo de impacto ambiental (art. 225, § 1º, IV, da CF) implicam proteção deficiente ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF)”[3].

Além do mais, essa previsão elimina a exigência de estudos ambientais prévios, vistorias e análises técnicas essenciais, transferindo ao empreendedor a decisão sobre sua própria regularidade ambiental (art. 7, § 4º e art. 21, § 3º). A lógica predominante é a do autolicenciamento, que fragiliza o papel do Estado, eleva o risco de desastres e amplia o risco à segurança jurídica associada aos projetos, executores e financiadores[4].

Portanto, um verdadeiro retrocesso em vias de ser introduzido na legislação ambiental brasileira. Ao flexibilizar o instrumento constitucional do licenciamento ambiental, ele viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, que vem sendo consolidado por meio da interpretação de tratados internacionais e da jurisprudência brasileira[5].

Implicações na Mineração

Embora o texto do projeto estabeleça, em seu art. 1º, §3º, a exclusão dos empreendimentos minerários de grande porte e/ou alto risco da aplicação imediata da nova lei, essa exceção é inócua na prática. Pois, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), apenas 12% das minas brasileiras se enquadram como de grande porte — o que significa que cerca de 88% dos projetos minerários estariam diretamente sujeitos às regras mais flexíveis do novo licenciamento (Milanez et al., 2021)[6].

O PL também não define, com clareza, os critérios para classificar o porte ou o risco das atividades minerárias. Essa lacuna abre espaço para interpretações arbitrárias, com possibilidade de fracionamento proposital de empreendimentos para que se encaixem em categorias de menor exigência — prática comum já observada no setor.

O Direito das Comunidades Tradicionais, indígenas e quilombolas

O PL 2.159/2021 também promove graves violações de direitos humanos, sobretudo dos direitos territoriais de povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais. O texto restringe a obrigatoriedade de consulta a esses povos apenas aos territórios já formalmente homologados ou titulados (arts. 38 a 42), ignorando que a maior parte dessas áreas se encontra em processo de regularização há décadas, em razão da própria omissão do Estado. Essa limitação afronta o disposto no art. 231 da Constituição Federal e a Convenção nº 169 da OIT, que prevê o direito à consulta prévia, livre e informada para qualquer intervenção que afete os modos de vida dessas comunidades – independentemente do estágio formal de reconhecimento fundiário[7].

Caso Ferrogrão

Tal retrocesso se torna ainda mais alarmante à luz de casos concretos como o da Ferrogrão, um megaprojeto ferroviário que revela, de forma contundente, as falhas estruturais de processos de licenciamento ambiental conduzidos sem participação social adequada e sem a devida avaliação estratégica de seus impactos cumulativos e regionais.

O caso da Ferrogrão (EF-170) – ferrovia planejada para escoar commodities agrícolas entre Sinop (MT) e Itaituba (PA) – representa um exemplo paradigmático dos riscos que corremos ao flexibilizar o licenciamento. Com quase 1.000 km de extensão, o projeto atravessa terras indígenas, unidades de conservação, sítios arqueológicos e comunidades tradicionais.

No caso concreto, os protocolos de consulta elaborados pelos povos indígenas impactados foram sistematicamente desconsiderados pelas autoridades, mesmo diante das recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU)  e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Consequentemente, a situação foi judicializada no STF (ADI 6553).

O desrespeito à escuta das comunidades se manteve, conforme aponta o relatório “Trilhando para o Apagamento Cultural”, a despeito da região abrigar sítios arqueológicos de grande relevância, lugares sagrados e patrimônio biocultural de povos que habitam ali há milênios. A biodiversidade, a memória, a identidade e a espiritualidade dos povos da região foram comprometidos. Esses impactos não são exceções, mas se apresentam como sintomas de um modelo de licenciamento cada vez mais orientado por interesses econômicos de grandes empreendimentos, em detrimento da justiça ambiental e dos direitos humanos.

Considerações Finais

Em síntese, a proposta do PL 2.159/2021 enfraquece o licenciamento ambiental como instrumento de gestão pública e ameaça diretamente os direitos constitucionais de comunidades tradicionais, além de desmontar as estruturas de governança ambiental e comprometer o cumprimento de compromissos internacionais sobre clima, biodiversidade e direitos humanos.

Por isso, urge a rejeição do PL 2.159/2021. O Brasil precisa de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental que fortaleça, e não fragilize, os instrumentos de avaliação e controle e promova o respeito ao direito das comunidades em seus territórios.

 

[1] CONJUR. FARIAS, T.; FONSECA, A. Viabilidade técnica e jurídica da consideração das mudanças climáticas no licenciamento ambiental. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jan-25/viabilidade-tecnica-e-juridica-da-consideracao-das-mudancas-climaticas-no-licenciamento-ambiental/ Acesso em 19/05/2025.

[2] REVISTA PANORAMA STJ:MEIO AMBIENTE, ACORDOS INTERNACIONAIS E A PAUTA DO STJ. MATÉRIAS ESPECIAIS DO SITE | Ano 2017. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/panoramastj/article/view/11598/11722. Acesso em 19/05/2025.

[3] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.312 TOCANTINS.PLENÁRIO, 25/10/2018.

[4] OBSERVATÓRIO DO CLIMA. Nota técnica sobre o PL 2.159/2021. Disponível em: https://oc.eco.br/nota-tecnica-detalha-desmonte-do-licenciamento-ambiental-no-senado/ Acesso em 19/05/2021.

[5] Segundo esse princípio, os direitos humanos, inclusive o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, devem ter cumprimento progressivo, sendo vedado ao Estado adotar medidas que fragilizem a efetivação de direitos e que impliquem em retrocesso. Interpretações da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal brasileiro consolidam este postulado no nosso sistema jurídico.

[6] Milanez, B.; Magno, L.; Wanderley, L. J. (2021) O Projeto de Lei Geral do Licenciamento (PL 3.729/2004) e seus efeitos para o setor mineral. Versos – Textos para Discussão PoEMAS, 5(1), 1-32.

[7] OBSERVATÓRIO DO CLIMA. Nota técnica sobre o PL 2.159/2021. Disponível em: https://oc.eco.br/nota-tecnica-detalha-desmonte-do-licenciamento-ambiental-no-senado/ Acesso em 19/05/2021.

Estudantes exigem Plano Nacional de Educação Antirracista e Antissexista

Nos dias 23 e 24 de abril, trinta jovens e adolescentes integrantes do Projeto Dandaras e Carolinas estiveram em Brasília (DF) para reivindicar que o novo Plano Nacional de Educação (PNE) priorize uma educação antirracista e antissexista. A iniciativa é promovida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Coletivo Nzinga e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq), com o apoio do Fundo Malala.

As participantes, jovens de 15 a 18 anos oriundas de 12 estados brasileiros — Bahia, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins — participaram de formações políticas e de comunicação, cujo objetivo foi prepará-las para atuar no enfrentamento ao racismo e ao sexismo estruturais na educação brasileira.

Mobilização pelo novo PNE

Foto: Agência Câmara de Notícias

O novo PNE, em análise na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei 2614/24), definirá as diretrizes da educação no Brasil até 2034. Entretanto, dados recentes revelam a persistência de profundas desigualdades raciais, de gênero e territoriais no sistema educacional.

Durante audiência pública realizada no âmbito da Comissão de Educação, a deputada federal Dandara (PT-MG) reforçou a necessidade de um PNE inclusivo, transformador e laico. Segundo ela, é inaceitável que escolas sejam ambientes de dor e discriminação. “Sem formação de professores e material didático adequado, não conseguiremos mudar essa realidade”, alertou.

A coordenadora de políticas de equidade do Ministério da Educação, Lara Vilela, apresentou dados alarmantes: em 2021, apenas 70% dos jovens negros de 15 a 17 anos frequentavam ou concluíam o ensino médio, contra 80% dos jovens brancos. Além disso, mais da metade dos estudantes indígenas ainda não têm acesso a escolas com infraestrutura adequada.

Racismo e violência nas escolas

Luísa Paiva expõe a urgência de políticas antirracistas. Foto: Agência Câmara de Notícias

Os relatos de estudantes como Luísa Paiva, de 17 anos, expõem a urgência de políticas antirracistas. Desde a creche, Luísa sofreu discriminações que impactaram profundamente sua trajetória escolar. “Tornei-me mulher e negra na escola, em meio a exclusão, racismo e violência”, revelou.

Para Benilda Brito, do Coletivo Nzinga, o desafio é garantir não apenas o acesso, mas também a permanência e o sucesso de crianças e adolescentes negros nas escolas. “Uma educação antirracista é aquela que enfrenta o genocídio da juventude negra e promove oportunidades reais de emancipação.”

Assista à audiência pública: 

Projeto Dandaras e Carolinas: protagonismo jovem na luta antirracista e antissexista

O Projeto Dandaras e Carolinas é desenvolvido por e para jovens negras, periféricas, quilombolas e rurais. Inspirado na heroína Dandara dos Palmares e na escritora Carolina Maria de Jesus, o projeto prepara as adolescentes para incidirem politicamente em pautas educacionais.

Além das atividades presenciais em Brasília, as jovens participaram de encontros virtuais de formação em políticas públicas, orçamento público, ativismo e comunicação.

Durante a mobilização em Brasília, as jovens e adolescentes:

  • reuniram-se com o Ministério da Educação para fortalecer o diálogo sobre equidade racial na educação;
  • participaram da audiência pública na Câmara dos Deputados;
  • realizaram rodas de conversa para troca de vivências;
  • visitaram o Ministério da Igualdade Racial para conhecer ações de combate ao racismo.

Petição Online: participe da mobilização por uma educação justa

Como parte da campanha, foi lançada uma petição online exigindo que o novo PNE incorpore diretrizes antirracistas e antissexistas, com financiamento adequado e políticas de permanência escolar.

Cleo Manhas, assessora política do Inesc, reforça: “participe dessa mobilização e ajude a construir uma educação de qualidade, inclusiva e emancipadora para todas e todos!”

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Avanços em políticas públicas para Quilombolas ainda são insuficientes

Apesar dos recentes esforços do governo federal para criar políticas de inclusão e reconstruir estruturas desmanteladas, os avanços ainda são insuficientes para garantir plenamente os direitos das comunidades quilombolas. De acordo com o relatório “Orçamento e Direitos: Balanço da Execução de Políticas Públicas (2024)”, divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), apenas R$ 12,67 milhões foram destinados em 2024 para ações de fortalecimento da comercialização, abastecimento e acesso a mercados da agricultura familiar e de comunidades tradicionais — um valor considerado insuficiente para fomentar a produção quilombola.

Investimento em etnodesenvolvimento também é insuficiente

O orçamento destinado a ações de etnodesenvolvimento foi de apenas R$ 2,47 milhões em 2024, dos quais apenas 41% (R$ 1,02 milhão) foram efetivamente executados. Esses dados evidenciam a necessidade urgente de maior investimento em políticas públicas específicas para quilombolas e outras comunidades tradicionais.

Recursos para regularização de territórios Quilombolas crescem, mas são insuficientes

A análise destaca o aumento dos recursos destinados ao Programa 5136 — “Governança Fundiária, Reforma Agrária e Regularização de Territórios Quilombolas e de Povos e Comunidades Tradicionais”. Em 2024, a Ação 210Z, que promove a identificação, reconhecimento e titulação de territórios quilombolas, contou com R$ 65,31 milhões autorizados. Esse valor representa um grande avanço em comparação aos apenas R$ 2,6 milhões alocados em 2023, último orçamento elaborado pela gestão anterior.

Dos valores autorizados em 2024, R$ 60,58 milhões foram empenhados e R$ 28,63 milhões executados, representando 44% do total.

“Apesar do aumento, os valores continuam aquém do necessário para garantir a autonomia, sustentabilidade e soberania alimentar das comunidades quilombolas”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

Investimentos em assistência técnica ainda são limitados para Quilombolas

Em 2024, o governo destinou R$ 239,01 milhões para Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), com execução de 99%. No entanto, apenas R$ 5,87 milhões foram direcionados especificamente para comunidades tradicionais como os quilombolas, evidenciando a desigualdade na alocação dos recursos.

Perspectivas para 2025: aumento de investimentos em regularização fundiária Quilombola

A análise do Inesc apresenta uma perspectiva mais positiva para 2025. A previsão para a Ação 210Z é de R$ 108,70 milhões autorizados — um crescimento de 40% em relação a 2024. Esse avanço sinaliza um reconhecimento mais consistente da importância da regularização fundiária para as comunidades quilombolas, conforme garantido pela Constituição Federal de 1988.

Recomendações do Inesc

Para 2025, o Inesc a implementação das seguintes ações:

  • regularização fundiária dos territórios quilombolas;
  • fomento à produção e à comercialização.

Orçamento ambiental estagnado em R$ 3,5 bilhões, mesmo com COP 30

Mesmo com a expectativa da COP 30 no Brasil, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) segue praticamente congelado em R$ 3,5 bilhões. Segundo o novo relatório “Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024)”, divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o cenário preocupa especialistas e representa um entrave para o avanço das políticas ambientais no país. Para 2025, a situação se agrava: o orçamento autorizado apresenta queda de 1% em comparação ao ano anterior.

Estagnação do orçamento ambiental em 2024

Um dos principais pontos de alerta destacados pelo relatório do Inesc é a estagnação do orçamento ambiental em R$ 3,5 bilhões em 2024. Esse valor abrange o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e suas principais autarquias: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). Também estão incluídos o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) e o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC).

Segundo o Inesc, a estagnação do orçamento é motivo de séria preocupação.

“Tal desempenho, em termos numéricos, se assemelha muito ao orçamento do governo anterior, marcado pela destruição das políticas ambientais. A agenda ambiental continua distante do centro da estratégia do governo atual”, alerta Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

Esvaziamento do FNMA compromete financiamento da política ambiental no Brasil

O relatório do Inesc destaca que a única fonte de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) provém de 50% das multas ambientais aplicadas pelo Ibama — valores que cresceram em 2023 e 2024, impulsionados pela retomada das ações de fiscalização ambiental.

No entanto, apesar desse aumento na arrecadação, o FNMA, criado para financiar projetos e políticas ambientais no Brasil, continua praticamente inoperante. Dos R$ 67,3 milhões previstos no orçamento de 2024, R$ 62,6 milhões (equivalentes a 93% do total) foram bloqueados na reserva de contingência. Na prática, conforme alerta o Inesc, o fundo “não existe”, comprometendo a capacidade do país de investir em ações ambientais estratégicas.

A urgência de reforçar a política ambiental

Para Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, a falta de crescimento no orçamento ambiental sinaliza que o tema ainda não ocupa lugar central na estratégia do atual governo:

“Não podemos enfrentar as mudanças climáticas sem uma política ambiental ampla e pautada entre os três níveis da Federação, na ciência, na capacidade de coordenação e cooperação, na divisão de responsabilidades e na disponibilidade de recursos adequados”, destaca Alessandra.

Ela reforça a necessidade de uma política ambiental robusta, articulada entre os três níveis da federação e baseada em ciência, capacidade de coordenação e financiamento adequado — elementos fundamentais para enfrentar a crise climática global.

Perspectivas para 2025: poucas melhoras à vista

O relatório do Inesc projeta para 2025 um cenário de manutenção: o orçamento autorizado para o MMA e seus órgãos deve girar em torno de R$ 4,5 bilhões, ainda com leve redução em relação a 2024.

Além disso, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) continua com forte desequilíbrio. Enquanto os recursos reembolsáveis, geridos pelo BNDES, chegam a R$ 21,2 bilhões, os recursos não reembolsáveis, sob responsabilidade do MMA, permanecem restritos a R$ 4,5 milhões — valor que já sofreu corte de 11% no ano anterior.

Recomendações do Inesc

Para 2025, o Inesc recomenda a implementação das seguintes ações:

  • revisar o Fundo Clima, com a destinação de mais recursos não reembolsáveis para a agenda de adaptação;
  • debater e construir uma proposta de financiamento para a política ambiental e climática que responda aos desafios da estruturação de um efetivo federalismo climático;
  • promover uma consulta pública, a publicação e a destinação de recursos para o Plano da Sociobioeconomia;
  • revisar o FNMA, com a liberação dos recursos na reserva de contingência para ações ligadas ao Plano da Sociobioeconomia, em construção;
  • regulamentar o Pagamento por Serviços Ambientais, como já foi apontado na análise de 2023;
  • implementar medidas de combate ao racismo ambiental.

Investimentos do governo federal em igualdade racial praticamente dobram em 2024

Os investimentos do governo federal em políticas de igualdade racial quase dobraram em 2024, de acordo com um relatório Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024) divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Impulsionado pela retomada de políticas públicas no Ministério da Igualdade Racial (MIR) e pelo novo Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, o orçamento autorizado para a área chegou a R$ 125,34 milhões — quase o dobro dos R$ 73,75 milhões de 2023.

Aumentos no Ministério da Igualdade Racial

Segundo o estudo, em 2023 o MIR iniciou uma reestruturação ampla da Política Nacional de Igualdade Racial e de Enfrentamento ao Racismo. Essa reformulação impulsionou a criação de novos programas e políticas, consolidados no PPA 2024-2027:

  • Programa 5802: Políticas para quilombolas, comunidades tradicionais de matriz africana, povos de terreiros e ciganos.

  • Programa 5803: Juventude Negra Viva.

  • Programa 5804: Promoção da igualdade étnico-racial, combate e superação do racismo.

Essas ações foram responsáveis pela destinação dos R$ 125,34 milhões em investimentos no MIR em 2024.

Execução orçamentária e avanços nas políticas de igualdade racial

Em 2024, o Ministério da Igualdade Racial executou R$ 82,19 milhões (59,25%) dos recursos autorizados e quitou R$ 35,46 milhões de restos a pagar. No total, a execução financeira do MIR em 2024 chegou a R$ 117,65 milhões.

Entre os destaques do período está a criação da Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos (SQPT). Financiada pelo Programa 5802, a nova secretaria atingiu uma execução de 76,39% do orçamento autorizado, movimentando R$ 29,25 milhões.

Compromisso com a reparação histórica

Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, reforçou a importância dos avanços:

“A gestão atual, ao retomar a atenção do Estado para públicos que sofrem severas violações de direitos humanos, fruto do racismo e da herança colonialista do nosso país, demonstra um compromisso com a reparação histórica e a construção de políticas públicas que promovam justiça social e equidade”, afirma.

Perspectivas para 2025

O relatório aponta que, em 2025, o Ministério da Igualdade Racial contará com um acréscimo real de R$ 31,52 milhões em seu orçamento. O aumento beneficiará principalmente:

  • políticas voltadas para povos e comunidades tradicionais;

  • programa de fortalecimento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR).

No entanto, houve redução no programa responsável por coordenar o Programa Juventude Negra Viva entre os outros ministérios e entes federados.

Recomendações do Inesc

O Inesc recomenda que o MIR apresente um relatório sobre o Plano Juventude Negra Viva com os respectivos recursos e segundo as classificações orçamentárias oficiais (programa, ação e plano orçamentário), com todos os ministérios envolvidos, para viabilizar um melhor monitoramento da referida política pela sociedade civil.

Baixo orçamento para transição energética no Brasil em 2024

À medida que se aproxima a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), que acontecerá no Brasil em novembro de 2025, o debate sobre a crise climática se intensifica. Um novo relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) chama atenção para a baixa prioridade orçamentária dada à transição energética no Brasil entre 2023 e 2024.

Divulgado nesta terça-feira, o relatório Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024) analisa a execução do orçamento federal em dez áreas consideradas estratégicas, entre elas a transição energética, educação, meio ambiente e igualdade racial.

Apenas duas ações do MME focam em transição energética

De acordo com o relatório, apenas duas ações do Ministério de Minas e Energia (MME) foram destinadas diretamente à transição energética:

  • Estudos da Indústria de Biocombustíveis (21BD)

  • Incentivo à Geração de Eletricidade Renovável (2E75)

Ainda segundo o Inesc, o orçamento autorizado para essas iniciativas despencou 83,06% entre 2023 e 2024, caindo de R$ 835.237,07 para apenas R$ 141.413,26. Isso representa apenas 0,002% do orçamento discricionário total do MME, que soma R$ 6,92 bilhões em 2024.

Redução de investimentos em biocombustíveis e energia renovável

O relatório também aponta que os recursos autorizados para a ação de estudos sobre biocombustíveis (21BD) sofreram uma redução de cerca de 50,7%. Em contrapartida, a execução financeira da ação aumentou 122,9%. Mas os valores continuam muito aquém do necessário frente à urgência de ampliar a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional — e a falta de prioridade do MME nesse tema “acende um alerta”.

Outro dado preocupante é a ausência de recursos para o programa de incentivo à geração de eletricidade renovável (2E75) em 2024. Em 2023, o programa contava com R$ 548 mil autorizados, embora nenhum valor tenha sido efetivamente gasto. Em 2024, não houve, sequer, previsão orçamentária.

Segundo o Inesc, a falta de investimentos demonstra a baixa disposição do governo para fomentar fontes renováveis — fundamentais, sobretudo, para regiões que dependem de soluções de energia renovável, como a geração distribuída, para se adaptarem às mudanças climáticas.

A conta recai sobre os consumidores

Sem políticas públicas fortes, a expansão das fontes renováveis de energia no Brasil ocorre principalmente por meio de investimentos oriundos da tarifa de energia elétrica, o que encarece a conta de luz dos consumidores.

Cássio Carvalho, assessor político do Inesc, alerta:

“Para alcançar uma transição energética com justiça socioambiental, é imperativo que o Brasil reavalie suas prioridades políticas e redirecione seus recursos financeiros para apoiar a descarbonização da sua economia, garantindo direitos, participação e transparência. Somente assim o Brasil poderá cumprir suas metas climáticas e garantir um futuro sustentável para todos e todas”.

Novas perspectivas para 2025

Apesar do cenário preocupante em 2024, o Inesc destaca uma novidade para 2025: a inclusão do Programa Transição Energética (3107) no Plano Plurianual 2024–2027, com previsão de R$ 10,11 milhões em recursos. No entanto, o montante ainda é pequeno se comparado ao orçamento do Programa Petróleo, Gás Natural, Derivados e Biocombustíveis (3103), que receberá R$ 53,10 milhões no mesmo ano.

Recomendações do Inesc

O Inesc recomenda a implementação de alicerces prioritários relevantes para que o Brasil possa avançar rumo a uma transição energética com justiça socioambiental. São elas:

  • promover a articulação e a coordenação das diferentes ações executadas pelos ministérios para a transição energética;
  • aumentar as dotações orçamentárias das iniciativas federais de transição energética;
  • utilizar o Fundo Clima como fonte de financiamento para as ações de transição energética;
  • expandir a geração distribuída, garantindo a resiliência do sistema e abrangendo medidas afirmativas que favoreçam as populações negras e indígenas, outras comunidades tradicionais e, em especial, as mulheres;
  • monitorar o impacto do programa Auxílio-Gás dos Brasileiros na diminuição da pobreza energética;
  • implementar medidas especificamente voltadas para combater as desigualdades energéticas, especialmente no que se refere às comunidades rurais, à população negra, aos povos indígenas e às mulheres.

Relatório revela parlamentarismo orçamentário com gastos de mais de R$ 40 bi em emendas no ano passado

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulgou o relatório Orçamento e Direitos: Balanço da Execução de Políticas Públicas (2024), que destaca o aumento expressivo dos gastos com emendas parlamentares. Segundo o estudo, em 2024, as emendas representaram 27% das despesas discricionárias da União, alcançando R$ 40,89 bilhões — um crescimento real de 12% em relação a 2023.

O valor evidencia o fortalecimento de um modelo de parlamentarismo orçamentário, onde a alocação de recursos prioriza prefeituras alinhadas à base de apoio dos parlamentares, muitas vezes sem critérios técnicos claros ou transparência.

Execução orçamentária em 2024: principais números

  • Orçamento autorizado: R$ 5,78 trilhões.

  • Execução efetiva: R$ 4,98 trilhões.

  • Refinanciamento da dívida pública: R$ 1,32 trilhão.

  • Gastos com emendas parlamentares: R$ 40,89 bilhões.

Mesmo após a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu mais transparência no processo de liberação das emendas, o domínio do Poder Legislativo na execução de políticas públicas permanece — uma atribuição que deveria ser exclusiva do Executivo. Em termos reais, a execução financeira total em 2024 foi 10% superior à de 2023.

Resultado primário apresenta melhora significativa

O relatório também destaca uma melhora no resultado primário das contas públicas. Excluindo os recursos extraordinários para enfrentar as enchentes no Sul do país, o déficit do governo federal caiu de R$ 43 bilhões em 2023 para R$ 11 bilhões em 2024, representando apenas 0,09% do PIB. Mesmo considerando os repasses emergenciais, houve uma redução de 81% no déficit.

“Esses números refletem a contenção de gastos por parte do governo federal,  o aumento da arrecadação, impulsionado pelo crescimento da massa assalariada com a retomada da economia, além de medidas aprovadas pelo Governo no Congresso Nacional para taxar fundos de investimento e offshores”, explica Cleo Manhas, assessora política do Inesc.

Arcabouço fiscal impacta a garantia de direitos

De acordo com o relatório, o atual arcabouço fiscal tem reduzido significativamente o espaço orçamentário para a efetivação de direitos. Na área da educação, por exemplo, cortes anunciados no final de 2023 afetaram o Fundeb, obrigando estados e municípios a destinarem até 20% dos recursos para a educação em tempo integral — percentual posteriormente reduzido para 10%, mas ainda com impactos negativos, especialmente em regiões periféricas, rurais, quilombolas e indígenas.

Casos como a oferta de ensino a distância para populações indígenas e quilombolas no Pará são exemplos das dificuldades geradas por essas restrições orçamentárias.

Perspectivas para 2025: cortes e desafios

A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 foi sancionada em abril, prevendo um orçamento de R$ 5,8 trilhõesR$ 100 bilhões a menos que em 2024. As emendas parlamentares seguem ocupando grande parte do orçamento, totalizando R$ 50,38 bilhões.

Apesar da expectativa de contenção fiscal, o Inesc alerta para a insuficiência de recursos para garantir direitos básicos. Um dos cortes mais preocupantes é o de quase R$ 10 bilhões no Programa Bolsa Família, cujo orçamento caiu de R$ 168,2 bilhões em 2024 para R$ 158,6 bilhões em 2025.

Para a organização, o governo justifica a redução com base em uma reavaliação do programa, que identificou fraudes e promete gerar economia. Ainda assim, muitas famílias podem ser afetadas por esta medida, e há apreensão quanto ao possível impacto sobre os beneficiários.

Recomendações do Inesc

O relatório do Inesc apresenta uma análise detalhada da execução orçamentária federal e propõe ações urgentes, como:

  • revisão do arcabouço fiscal para garantir investimentos em direitos sociais;

  • maior transparência na destinação e execução das emendas parlamentares;

  • criação de fontes permanentes de financiamento para políticas públicas redistributivas.

Governo destina R$ 1 bilhão ao Pé-de-Meia em 2025, mas valor é apenas 8% do gasto anual previsto pelo programa

O Governo Federal anunciou a destinação de R$ 1 bilhão para o programa Pé-de-Meia em 2025, mas o montante cobre apenas 8% do investimento anual previsto para a iniciativa. A informação foi divulgada no novo relatório “Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024)”, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que analisa o impacto do arcabouço fiscal na execução orçamentária, especialmente na área da educação.

Pé-de-Meia: programa é prejudicado por restrições orçamentárias

Criado em 2023 e regulamentado pela Lei nº 14.818/2024, o Pé-de-Meia é um programa de incentivo financeiro-educacional voltado para a permanência e conclusão dos estudantes do ensino médio público. Apesar de seu potencial transformador, o financiamento previsto para 2025 está muito aquém do necessário: o Ministério da Educação (MEC) estima que seriam necessários R$ 12,5 bilhões para manter o programa durante todo o ano.

Segundo o relatório, a expectativa é de que novos recursos sejam adicionados por meio de crédito suplementar.

“O programa é uma novidade bastante positiva, especialmente por atender a adolescentes do ensino médio, etapa com maior evasão na educação básica. Mas é preciso garantir fontes seguras de financiamento, para não correr riscos”, alerta Cleo Manhas, assessora política do Inesc.

Arcabouço Fiscal limita investimentos na educação

O relatório destaca que o novo arcabouço fiscal impôs restrições severas ao investimento público, impactando diretamente programas estratégicos como o Pé-de-Meia. Após análise da regulamentação, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que os recursos para o programa sejam exclusivamente orçamentários, respeitando as novas regras fiscais.

Com isso, o orçamento de 2025 prevê apenas R$ 1 bilhão para a ação “Integralização de cotas pela União”, o que evidencia a necessidade de fontes seguras e permanentes de financiamento para evitar riscos à execução do programa.

Execução financeira da educação cresce em 2024, mas despesas discricionárias caem

O relatório ainda aponta que, em 2024, houve um crescimento real de 3% na execução financeira da função Educação, em comparação com o ano anterior. Os investimentos passaram de R$ 155,9 bilhões em 2023 para R$ 166,6 bilhões em 2024.

No entanto, o aumento foi impulsionado principalmente pelas despesas obrigatórias, ligadas diretamente às receitas de impostos. Em contrapartida, as despesas discricionárias — que dependem de decisões políticas e são mais suscetíveis às restrições do arcabouço fiscal — apresentaram uma queda significativa: de R$ 50,74 bilhões em 2023 para R$ 43,71 bilhões em 2024, representando uma redução de 14%.

Essa dinâmica evidencia a dificuldade de ampliar investimentos estratégicos em educação diante das limitações fiscais impostas ao orçamento federal.

Educação básica tem crescimento limitado em 2024

Segundo a análise, os valores efetivamente executados para a educação básica em 2024 chegaram a R$ 60,33 bilhões, representando um aumento de apenas 2,6% em comparação a 2023, quando o total foi de R$ 58,79 bilhões.

Esse crescimento modesto evidencia o impacto das restrições do arcabouço fiscal sobre os investimentos em educação, dificultando a expansão necessária para atender às demandas do setor. O cenário é ainda mais preocupante considerando que o Brasil segue sob a vigência do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014–2024.

A meta 20 do PNE estabelece que o país deve investir o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação. No entanto, atualmente, o Brasil investe apenas cerca de 5%.

Perspectivas para o orçamento da educação em 2025

A projeção do Inesc para 2025 indica um aumento tímido de 1% no orçamento destinado à função educação, passando de R$ 176,5 bilhões para R$ 178,42 bilhões. O destaque será o Fundeb, que continuará crescendo e deve receber R$ 58,15 bilhões, aproximadamente R$ 6 bilhões a mais que em 2024.

Esse crescimento pode indicar, de acordo com o relatório, que outras despesas educacionais terão sido reduzidas para acomodar o aumento obrigatório do Fundo.

Recomendações do Inesc

Para 2025, o Inesc a implementação das seguintes ações:

  • defender a vinculação constitucional dos mínimos para a política pública, que está em sério risco com o novo arcabouço fiscal;
  • garantir que o governo federal não corte ainda mais as despesas discricionárias;
  • aportar mais recursos para a melhoria das infraestruturas das escolas;
  • aprovar o novo Plano Nacional de Educação com uma meta de financiamento de 10% do PIB e que seja antirracista e antissexista.

Brasil corta R$ 380 milhões para prevenção de desastres em 2025

No momento em que o Brasil se prepara para sediar a Conferência do Clima (COP 30), a expectativa era de que o orçamento público refletisse um maior compromisso com a prevenção de desastres naturais. Contudo, a realidade foi outra: o Congresso Nacional aprovou para 2025 um corte significativo nos recursos destinados à gestão de riscos e desastres urbanos.

De acordo com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Programa 2318, que trata da gestão de riscos e desastres, sofreu uma redução de R$ 380 milhões. O valor caiu de R$ 1,75 bilhão, proposto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), para R$ 1,37 bilhão na versão final da Lei Orçamentária Anual (LOA). Vale destacar que o programa já havia sofrido uma redução de R$ 200 milhões em comparação com o orçamento de 2024.

Esses dados constam no relatório Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024), divulgado hoje pelo Inesc. O estudo analisa a execução orçamentária em áreas prioritárias como educação, meio ambiente, adaptação climática, igualdade racial, mulheres, crianças e adolescentes.

Governo foca em créditos extraordinários para lidar com desastres

O Inesc destaca que, em 2024, o governo federal precisou liberar R$ 5 bilhões em créditos extraordinários para atender às emergências climáticas — quase três vezes mais que o orçamento inicialmente previsto para a área. Segundo o relatório, o corte para 2025 sinaliza a continuidade da estratégia de depender de recursos extraorçamentários para enfrentar desastres, o que é criticado por especialistas.

A atuação reativa e paliativa do orçamento público via créditos é muito ruim, pois trata-se de um recurso sem planejamento, instável, e que pode e tem sido modificado a partir da conjuntura, das emergências e do jogo político”, lamenta Sheilla Dourado, assessora política do Inesc.

O relatório sugere que essa prática pode ser uma maneira de contornar as limitações do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), que impôs novas regras de controle orçamentário. Com isso, políticas de prevenção a desastres e adaptação climática disputam espaço no orçamento com áreas como saúde e educação, dificultando o planejamento de longo prazo.

Novos programas aparecem, mas com desafios de financiamento

Apesar do corte no Programa 2318, houve um aumento expressivo no orçamento do programa Cidades Melhores, que também contempla ações de prevenção: o valor autorizado passou de R$ 141 milhões em 2024 para R$ 490 milhões em 2025.

Além disso, o governo anunciou dois novos projetos voltados para adaptação climática: o Programa Cidades Verdes Resilientes e a iniciativa AdaptaCidades. No entanto, o Inesc alerta que a maior parte do financiamento dessas iniciativas será feita via empréstimos, uma barreira significativa para municípios com pouca capacidade de endividamento.

“Conseguimos perceber um esforço do governo em construir políticas para a adaptação climática, mas faltam articulação entre elas e investimentos robustos. A escassez de orçamento e os entraves da atual governança climática interfederativa comprometem a posição de liderança global no debate climático que o Brasil poderia assumir, especialmente no ano em que sediará a COP 30”, alerta Sheilla.

Mobilidade urbana também enfrenta forte redução

Outro ponto de destaque no relatório do Inesc é o corte expressivo nos recursos para mobilidade urbana. O orçamento autorizado caiu 80,6%, passando de R$ 6,7 bilhões em 2023 para R$ 1,3 bilhão em 2024. Além disso, apenas 18% desses recursos foram efetivamente executados em 2024.

Mesmo com o pagamento de R$ 1,98 bilhão em restos a pagar de anos anteriores, a execução financeira total da área chegou a apenas R$ 2,21 bilhões.

Recomendações do Inesc

O Inesc faz uma série de recomendações, entre elas:

  • promover a regularização fundiária nas cidades, já prevista em diversas ações orçamentárias, como medida que favorece a adaptação climática;
  • fortalecer medidas que priorizem o transporte público e a mobilidade ativa, como indica a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012), tais como a criação do Sistema Único de Mobilidade (SUM), por meio da PEC nº 25/2023;
  • ampliar os recursos para ações preventivas que evitem os desastres e não apenas para ações emergenciais de resposta e recuperação que não se submetem ao controle social;
  • concretizar um modelo de federalismo climático que contemple a transferência de recursos suficientes e livres de endividamento aos municípios e o controle social das políticas climáticas.

Demarcação de Terras Indígenas avança, mas ritmo é lento

A demarcação e a proteção de Terras Indígenas no Brasil voltou a avançar nos últimos anos, mas o ritmo ainda é considerado lento. De acordo com o relatório “Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024)”, divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), houve um aumento de 62% nos recursos destinados à pauta em 2024. Apesar do avanço em relação à gestão anterior, o Inesc alerta que é urgente acelerar as demarcações para proteger os povos indígenas contra ameaças como grilagem, mineração ilegal, desmatamento e contaminação.

Aumento no orçamento para demarcações de Terras Indígenas

Em 2024, 11 Terras Indígenas foram reconhecidas por meio de portarias declaratórias e mais cinco foram homologadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas, ao passo que, em quatro anos do governo anterior, nenhuma foi.

O orçamento para a política indigenista saltou de R$ 232 milhões em 2023 para R$ 377 milhões em 2024. Deste total, aproximadamente R$ 190 milhões (50,33%) vieram de crédito extraordinário via a ADPF 709, ação judicial proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para garantir medidas de proteção emergenciais durante a pandemia.

A execução financeira também melhorou: enquanto apenas 41% dos recursos foram efetivamente utilizados em 2023, em 2024 o índice subiu para 53%.

Urgência na demarcação de Terras Indígenas

Mesmo com o aumento no orçamento, o Inesc reforça que o ritmo das demarcações ainda é insatisfatório. É necessário fortalecer os órgãos responsáveis pela política indigenista para ampliar a capacidade de execução dos recursos. Além disso, é essencial superar entraves políticos e burocráticos que travam mais de 200 processos de demarcação em curso.

“Os órgãos de política indigenista precisam continuar sendo fortalecidos para que consigam executar uma parcela maior dos recursos disponíveis. Da mesma forma, o governo precisa se dedicar a resolver os entraves políticos e burocráticos que ainda travam a demarcação de mais de 200 terras indígenas”, afirma Elisa Rosas, assessora política do Inesc.

Preocupações para 2025: cortes na saúde indígena

O relatório também aponta um cenário preocupante para 2025: a redução drástica no orçamento da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). A principal ação da pasta, “Promoção, proteção e recuperação da saúde indígena”, sofrerá um corte superior a 50%, caindo de mais de R$ 3 bilhões em 2024 para apenas R$ 1,3 bilhão no próximo ano.

Embora haja previsão de aumento nos investimentos em saneamento para populações indígenas, a redução de recursos na saúde acende um alerta. A crise sanitária enfrentada pelos Yanomami em 2022, que teve repercussão internacional, evidencia a gravidade dessa redução.

Recomendações do Inesc

Para 2025, o Inesc recomenda a implementação das seguintes ações:

  • regularização fundiária dos territórios quilombolas;
  • fomento à produção e à comercialização.

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