Nota de repúdio ao Projeto de Lei 1904/2024

Nós, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), repudiamos veementemente o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que pretende igualar o aborto ao crime de homicídio, incluindo casos em que a prática já é legal no Brasil desde 1940. A crueldade da proposta é tamanha que os autores fizeram questão de inserir, no artigo 5º do PL, a proposição de um parágrafo único no Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal que diz: “Se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo”. Ou seja, mesmo que uma adolescente ou mulher seja estuprada e opte pelo aborto, se o juiz entender que havia possibilidade do feto viver fora do útero, ela poderá receber uma pena de seis a 20 anos de reclusão. Seria mais do que uma revitimização, mas uma violência permitida e executada pelo Estado contra meninas e mulheres, principalmente as empobrecidas e negras, que são as mais acometidas pelas violações sexuais e com menos acesso à saúde no Brasil. 

A hipocrisia dos propositores desse projeto em justificá-lo como forma de proteção à vida do nascituro, se confirma quando analisamos o direcionamento de suas emendas parlamentares. Dados disponíveis no Siga Brasil mostram que para 2024 do total dos R$ 25 bilhões autorizados em emendas individuais, apenas R$ 17,9 milhões (ou 0,07%) foram especificamente para proteção à infância e adolescência. E dos 33 autores da proposta, apenas três destinaram parcos recursos para o programa de proteção e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Não há nenhuma emenda voltada especificamente à: 1) Rede Cegonha, que tem como objetivo a atenção humanizada à gravidez, ao parto, ao puerpério (pós-parto) e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis das crianças; 2) Política de Atenção Integral à Saúde da Criança. Além disso, foram quatro anos sem recursos do executivo federal (de 2019 a 2022) direcionados para enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes.

O governo Jair Bolsonaro, também com forte viés fundamentalista e misógino, oscilou entre baixa execução dos recursos ou cortes orçamentários nos quatro anos de governo. No auge da pandemia de Covid-19, em 2020, quando as mulheres estavam mais expostas à violência doméstica, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), então comandado por Damares Alves, deixou de executar 70% do recurso disponível. Todos esses anos de cortes geraram um enorme passivo no que diz respeito ao sub-financiamento da rede de proteção às mulheres, ao mesmo tempo que os dados sobre estupro subiram, de acordo com o Atlas da Violência. Agora fora do Governo Federal, os fundamentalistas pertencentes à extrema direita escolheram o Congresso Nacional como meio para violar os direitos das mulheres e meninas. 

Diante disso, é notório que não há comprometimento dos parlamentares em questão com o fim das violências sexuais contra meninas e mulheres. Mas sim com o aumento da vulnerabilização e criminalização das mesmas. Não podemos deixar de mencionar o papel central que teve o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, neste processo, desde pautar o PL até a votação do  requerimento de urgência. Grande parte da responsabilidade pelo PL ter tramitado nesta rapidez é de responsabilidade de Lira. 

Este lastimável processo revela que não há qualquer preocupação com a dignidade das mulheres e meninas e a questão racial e de classe são marcadores que fortalecem essa desumanização. Não podemos permitir que retrocedamos em direitos. Nossa luta deve ser pela erradicação das violências e não por sua manutenção, pois o que está posto, caso esse projeto seja aprovado, é que o Estado brasileiro será conivente com o estupro e com a morte de milhares de crianças, adolescentes e mulheres em nosso país. 

 

Eco Invest traz risco de captura do Fundo Clima pelos bancos privados

Enquanto os setores econômicos e financeiros aguardam a publicação do primeiro edital do leilão do programa Eco Invest Brasil, organizações sociais alertam para o risco de captura do Fundo Clima pelo programa, que visa atrair capital externo para investimentos produtivos no país.

Uma nota técnica lançada pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e a Coalizão Energia Limpa, evidenciou que com a entrada em vigor do Eco Invest Brasil, bancos privados poderão utilizar os recursos do Fundo Clima para realizar diversas operações de crédito, que, segundo especialista do Inesc, podem representar riscos à missão principal do programa.

O estudo evidencia que as mudanças produzidas no Fundo Clima a partir do Plano de Transformação Ecológica, aprofundadas com o Eco Invest ampliam o abismo entre a parte não reembolsável gerida pelo MMA e a parte reembolsável. O que resultará na criação de um outro Fundo Clima, que seguirá estratégia, contabilidade, governança e destino próprios.

A partir da análise o estudo aponta riscos, entre eles:

  1. Risco de priorização do uso de recursos captados pelo governo (que é dívida externa) para apoiar captações privadas (Programa Eco Invest Brasil). Tal priorização pode aprofundar a marginalização de medidas e iniciativas de políticas públicas sociais e ambientais que não são passíveis de apoio pela via das “finanças sustentáveis” e que são essenciais para enfrentar as desigualdades e as mudanças climáticas, inclusive “as perdas e os danos”.
  2. Risco de que o arranjo entre finanças públicas e privadas, construído no Eco Invest Brasil, seja monopolizado: (I) por grandes corporações e tomadores, ampliando a marginalização de projetos produtivos de interesse e impacto social; (II) por projetos de mitigação, em detrimento de 15 adaptação; e (III) por projetos e atividades mais rentáveis, em detrimento de projetos urgentes e pouco atrativos.
  3. Riscos associados à perda de transparência e à fragilidade da governança. Como já dito, ao longo de sua história, o Fundo Clima padeceu de lacunas de transparência e governança; em especial, as associadas à segmentação da sua gestão entre as partes reembolsável e não reembolsável, além da falta de direcionamento estratégico dos planos anuais de aplicação e da ausência de critérios de adicionalidade climática. Com a nova configuração em curso, os riscos se avolumam, especialmente se for considerado que uma parte possivelmente importante dos recursos estará sob outra estrutura de governança, o que ampliará os desafios de participação e articulação do destino do Fundo no âmbito do atual Comitê Gestor.

Diante dos alertas acerca das transformações em curso no Fundo Clima, o estudo termina com recomendações ao governo federal, entre as quais:

– que a renda do petróleo seja estrategicamente direcionada ao Fundo Clima sob gestão do MMA;

– que parte dos recursos de novos títulos soberanos deve ser destinada ao Fundo Clima não reembolsável;

– que haja meios legais para garantir que os recursos não reembolsáveis do Fundo Clima não sejam bloqueados pelo Regime Fiscal Sustentável;

“O financiamento público estruturado e permanente é fundamental para que o Brasil alcance uma transição energética justa e uma política nacional de adaptação”, avalia Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, uma das autoras da nota técnica. “A ação do Governo Federal é essencial para priorizar recursos para o Fundo Clima e garantir uma transformação ecológica inclusiva e sustentável”, conclui.

>> Clique aqui para acessar a nota na íntegra << 

Expansão do gás fóssil compromete transição elétrica e justiça climática no Brasil, aponta novo relatório

O Brasil continua investindo no aumento da demanda e uso de gás fóssil, especialmente no setor elétrico, na contramão dos esforços necessários para reduzir as emissões de poluentes da matriz energética. Enquanto fontes como energia solar e eólica têm registrado um crescimento significativo – representando quase 30% da matriz elétrica em 2024 -, a dependência contínua do gás fóssil sabota a transição para fontes limpas e renováveis. Isso é o que mostra o relatório “Regressão Energética: Como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática“. Ele foi lançado nessa quarta-feira (12), em Brasília (DF), pela Coalizão Energia Limpa, da qual o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) faz parte, em parceria com a Frente Parlamentar Mista Ambientalista, coordenada pelo deputado federal Nilto Tatto (PT/SP), por meio do seu Grupo de Trabalho de Energias Renováveis, coordenado pelo deputado federal Pedro Campos (PSB/PE).

O evento realizado na Câmara dos Deputados contou as apresentações de: Célia Xakriabá, deputada federal (PSOL/MG); Bandeira de Mello, deputado federal (PSB/RJ); Ricardo Baitelo, da Coalizão Energia Limpa e do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA); Suely Araújo, Observatório do Clima; José Marangon, diretor da MC&E, Conselheiro da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD); Carolina Marçal, do ClimaInfo, na mediação. Além dos parlamentares, incluindo os deputados Nilto Tatto e Airton Faleiro (PT/PA), estiveram presentes 60 pessoas, entre elas, representantes de cerca de 20 organizações da sociedade civil e da indústria como Abrace Energia, Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) e Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren).

“Temos todas as condições entre as grandes economias do mundo de ser carbono negativo, e defendemos que isso pode acontecer antes de 2045. Há todo o potencial no Brasil para isso, mas a área de energia tem falhado nas propostas nesse sentido. Como se a expansão de óleo e gás fosse a grande alternativa de geração de renda. É como defender ir à guerra para alcançar a paz”, ressaltou Araújo. Segundo o levantamento, a expansão do uso do gás fóssil pode acarretar em um bloqueio de investimentos no setor elétrico por 15 a 30 anos, além de aumentar os custos da energia consumida no país.

Essa tendência é preocupante no contexto atual de agravamento da crise climática, com a intensificação de eventos extremos, como secas, que tornam a geração de eletricidade mais vulnerável. Desde a contaminação de recursos hídricos até o aumento das emissões de gases de efeito estufa, a cadeia produtiva da energia fóssil tem provocado graves consequências para o meio ambiente e comunidades locais. A fragilidade dos licenciamentos ambientais é apontada como um dos principais fatores desencadeadores desses problemas. “Quando falamos de transição energética precisamos pensar em transição política. A forma como o parlamento se posiciona com relação às mudanças climáticas é, sim, responsabilidade política”, disse Xakriabá. “A exploração de petróleo na Amazônia, segundo dados mais recentes, vai afetar 130 comunidades indígenas diretamente. É um projeto que parece civilizatório, mas um projeto de morte não pode ser considerado civilizatório, ele é primitivo”, alertou a deputada.

O material foi elaborado pela Coalizão Energia Limpa – um conglomerado de organizações da sociedade civil empenhadas na defesa de uma transição energética justa e sustentável no Brasil O principal alerta do documento é que  a crescente dependência de fontes de energia fóssil, especialmente o gás, é o maior  obstáculo para alcançar uma matriz 100% renovável e resiliente a oscilações de preço e ao clima extremo. “A transição pode ser uma oportunidade na reforma da nossa relação com outros países. Precisamos rever a lógica colonialista nas relações internacionais. A relação Norte-Sul global também precisa ser repensada, para não reproduzir a história que levou à desigualdade social. Sem isso, não vamos enfrentar a crise climática e proteger quem é mais afetado”, disse o deputado Tatto.

Para entender como o Brasil chegou a essa dependência, o estudo apresenta uma cronologia dos últimos 20 anos (2003-2023) de reformas, planos e programas de incentivo no âmbito das políticas energéticas nacionais. Essa recapitulação também traz um resumo das ações de resistência da sociedade civil, que conseguiu barrar e adiar dezenas de projetos fósseis nesse período. “Há mais de dez anos, é discutido como seria a expansão do gás. Agora é a hora que deveríamos pensar no descomissionamento de fósseis, e não cair no risco de ativos encalhados”, afirmou Baitelo. “Falamos muito da transição energética, mas temos três componentes: a transição da matriz propriamente dita, nosso papel na escala global e a inclusão energética”, completa. 

Entraves

O uso do gás fóssil deixou de ser um complemento emergencial e estratégico a ser acionado em momentos de crise hídrica para garantir uma fatia significativa dos investimentos na infraestrutura da geração elétrica brasileira, mostra o estudo. Justificativas econômicas questionáveis e um intenso marketing de sustentabilidade, leis e programas de incentivo ao uso do gás estariam comprometendo as metas climáticas nacionais e impedindo a expansão responsável e distribuída da eletricidade gerada por fontes renováveis.

Além de pontuar os custos econômicos, impactos socioambientais e retrocessos climáticos da expansão do gás fóssil na matriz elétrica, a publicação destaca casos emblemáticos de empreendimentos que já afetam diferentes regiões do país e aborda a tendência de avanço do setor petrolífero sobre a Amazônia.

A privatização da Eletrobras, instituída pela lei 14.182/2021, estabeleceu um acréscimo de 8 gigawatts de térmicas a gás por 15 anos, a serem instalados entre 2026 e 2030,  em estados sem infraestrutura de gasodutos, as chamadas térmicas-jabuti. Isso resultará na emissão de mais de 300 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente, cerca de 40% do total de emissões do setor elétrico nacional atualmente. Além disso, mais de 70 novas térmicas estão em fase de estudo e planejamento.

Brasil precisa rever seus planos

“Investir em gás agora é economicamente inviável, essa tarifa será rapidamente passada aos consumidores. Como essa compra é para ser instalada em três, cinco, dez anos, até lá teremos outras alternativas tecnológicas como as baterias, que irão baratear. Estamos, hoje, decidindo coisas para nossos filhos, mas lá na frente o mundo será totalmente diferente. Teremos uma demanda muito grande de data center, com eficiência e produção mais razoável e justa”, informou Marangon. 

O debate sobre a transição energética justa ganha força à medida que a COP 30 se aproxima, em 2025. Para os organizadores do levantamento, é urgente que o Brasil revise seus planos de expansão do uso do gás. Entre as conclusões e recomendações apresentadas, destaca-se a necessidade de uma expansão urgente de fontes renováveis, aliada à regulação efetiva do setor elétrico. “A transição energética justa passa por uma série de questões, por exemplo, promover eficiência é super importante, porém um pouco negligenciado”, finaliza o deputado Bandeira de Mello.

NOTA TÉCNICA | Transformação ecológica, Fundo Clima e Eco Invest: por onde caminha o financiamento climático no Brasil?

Já é um consenso global de que é enorme a necessidade de financiamento para enfrentar o problema das emissões, da adaptação e, cada vez mais, das perdas e dos danos. De igual modo, também é unânime o entendimento de que os arranjos entre os financiamentos públicos e privados deverão ser construídos frente ao imperativo climático.

Por isso, é central ir para além da narrativa e acompanhar como tais arranjos estão acontecendo e seus potenciais desdobramentos. O novo ciclo de investimentos que se avizinha deve contribuir para garantir e, ao mesmo tempo, afastar riscos de violações a direitos.

O presente documento tem por objetivo reunir e articular informações sobre como o referido processo está se dando no Brasil, ancorado na narrativa da “transformação ecológica”.

Em meio a catástrofes ambientais, Brasil inicia negociações climáticas em Bonn

Como parte do processo de negociações do clima, inicia-se, nesta semana, na Alemanha, a Conferência sobre Mudanças do Clima de Bonn. O evento, que começou hoje (03) e vai até o dia 13 de junho, é preparatório à COP 29 – Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a chamada Conferência das Partes (“COP”, na sigla em inglês). Em 2024, ela ocorrerá de 11 a 24 de novembro em Baku, capital do Azerbaijão.

Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), explica que o financiamento é o principal ponto de pauta das negociações climáticas deste ano. “Estamos em um momento crucial para sair do discurso e avançar para a ação. A definição de uma nova meta global de financiamento, em que os países do Norte Global, assumindo as suas responsabilidades históricas pela mudança do clima, ajudam a financiar as iniciativas de mitigação e adaptação nos países do Sul Global, inclusive o Brasil”, destaca. 

De acordo com Tatiana, em 2009, uma meta de US$ 100 bilhões anuais foi definida e nunca, de fato, alcançada, ao contrário do que anuncia o relatório da OCDE (2023). “Na análise da OCDE, a meta foi alcançada em 2022, mas questionamentos à metodologia usada no estudo já vem surgindo. Do ponto de vista dos países em desenvolvimento, o financiamento nunca chegou”, pontua a especialista.  

Financiamento climático como reparação histórica

Conforme a assessora, o Brasil tem um posicionamento histórico, pois entende o financiamento climático como reparação histórica dos países do Norte Global para os do Sul Global. Isso porque o crescimento econômico dos países mais ricos está diretamente relacionado ao nível de emissões de que eles são responsáveis. Enquanto os países do Sul, como os latino-americanos e africanos, são os mais vulnerabilizados pelas consequências das alterações do clima. 

Tatiana ainda destaca que, do ponto de vista brasileiro, essa reparação não pode ocorrer via endividamento. “Ela precisa ser adequada em volume, previsível, abordar, além da mitigação, adaptação e perdas e danos, além de ser justa no que diz respeito à reparação das desigualdades”. 

Mercado de carbono 

Ao longo dos anos, o mercado de carbono tem se apresentado como uma das principais soluções para a redução das mudanças climáticas. Contudo, Tatiana Oliveira alerta que é “preciso chamar a atenção mundial para os perigos da inclusão das florestas nos mecanismos de mercado  assim como para o lobby privado e dos fósseis  nos espaços de negociação”. 

A assessora defende que é necessário pensar estratégias justas em termos de raça, etnia e gênero e que sejam baseadas nos direitos sociais e territoriais das comunidades. 

Com o objetivo de chamar a atenção para o tema, nesta sexta-feira (7), um conjunto de organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, conduzirá em evento paralelo à Conferência de Bonn, uma mesa cujo objetivo é debater ‘a verdadeira cooperação internacional’ contra as falsas soluções de mercado. 

Tatiana salienta que nem mercado de carbono e nem outros regimes também baseados no mercado contribuem efetivamente ao enfrentamento às mudanças do clima. “Nós precisamos avançar em soluções a partir da perspectiva dos territórios, dos povos e das comunidades tradicionais, das mulheres e das juventudes”, defende. 

Ministros do G20 recebem proposta para tributação global elaborada por organizações sociais

Esta semana, nos dias 22 e 23 de maio, Brasília será palco de uma nova reunião da Trilha das Finanças do G20, desta vez, com organizações da sociedade civil. Os debates serão sobre tributação internacional e ocorrerão na presença de autoridades fiscais dos países do bloco econômico. Pela primeira vez, a presidência da Trilha, liderada pelo Ministério da Fazenda do Brasil, se dispôs a receber um documento com onze recomendações da sociedade civil sobre o tema.

As propostas foram elaboras por mais de 40 organizações nacionais, latino-americanas e internacionais, que vêm se reunindo desde fevereiro. Todas atuaram coletivamente para elaborar as propostas destinadas aos Ministros das Finanças do G20.

Para Nathalie Beghin, membro do Colegiado de Gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o encontro oportuniza a abertura de diálogos para soluções do interesse das pessoas e do planeta. “É importante construir espaços interativos para canalizar demandas e formular propostas, garantindo a responsabilização e a participação social na cooperação internacional sobre política fiscal”, afirma a especialista, que esteve diretamente envolvida na elaboração das recomendações.

Acesse o documento completo com as Recomendações da Sociedade Civil sobre Tributação Internacional para os Ministros das Finanças do G20
Português | English | Español

As 11 recomendações listadas pela sociedade civil foram divididas em três partes e assim podem ser resumidas:

Governança da tributação internacional

  1. Apoiar a criação e a implementação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional (UNFCITC, na sua sigla em inglês).
  2. Assegurar a participação da sociedade civil nos debates e nos processos de decisão sobre tributação.

Valores gerais e princípios orientadores

  1. Incorporar os direitos humanos, as obrigações socioambientais e climáticas como princípios gerais para orientar e informar a tomada de decisões tributárias.
  2. Decolonizar as normas de tributação, adoptando critérios e medidas que promovam a equidade entre países, jurisdições e regiões e compensem as diferenças de desenvolvimento e os desequilíbrios de poder.
  3. Incorporar uma abordagem de género e raça/etnia nas políticas tributárias para combater as desigualdades de género e raça/etnia.

Reformas substantivas

  1. Incluir na UNFCITC a criação de um imposto mínimo global sobre super-ricos.
  2. Incluir na UNFCITC a criação de um Imposto sobre Transações Financeiras
  3. Promover a cooperação tributaria internacional para facilitar uma transição climática justa e equitativa, nomeadamente por meio da promoção de um comércio e investimentos mais equitativos a nível mundial.
  4. Apoiar impostos multilaterais para financiar a justiça climática, ambiental e social.
  5. Transferir recursos dos incentivos fiscais aos combustíveis fósseis para a luta contra a fome, as alterações climáticas, a pobreza e a desigualdade, e para promover a justiça climática e uma transição energética justa.
  6. Reforçar os esforços existentes em matéria de intercâmbio de informações e transparência fiscal e trabalhar no sentido da criação de um Registo Mundial de Ativos no âmbito da UNFCITC.

Das recomendações apresentadas, Nathalie Beghin destaca a criação do que está sendo chamada da “COP da Tributação” (UNFCITC), pois as Nações Unidas são o espaço adequado para discutir de forma mais justa, inclusiva e democrática a arrecadação de tributos.

O seminário organizado pelo Ministério da Fazenda, que ocorrerá na Universidade de Brasília, está sendo visto como um marco na luta das organizações da sociedade civil por justiça tributária, refletindo seu compromisso em influenciar políticas públicas de maneira significativa e responsável.

>> Acesse aqui a programação completa da Reunião da Sociedade Civil sobre G20 e Tributação Internacional <<

Recomendações da Sociedade Civil sobre Tributação Internacional para os Ministros das Finanças do G20

Mais de 40 organizações da sociedade civil (OSCs) acolhem a iniciativa da presidência brasileira do G20 de receber as propostas das OSCs sobre tributação internacional. A iniciativa cria uma oportunidade de encontrar caminhos para o diálogo em busca de soluções que sejam do interesse das pessoas e do planeta. Precisamos construir espaços interativos para canalizar demandas e formular propostas, garantindo a transparência, a prestação de contas e a participação social na cooperação internacional sobre política tributária.

Para conhecer as 11 recomendações aos líderes do G20, baixe os arquivos a seguir.

Organizações denunciam impacto da desigualdade fiscal sobre as mulheres

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), em parceria com as organizações Tax Justice Network, Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe e Latindadd, se uniram para a elaboração de um relatório para apoiar a avaliação do Brasil pelo comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW).

A CEDAW, sigla em inglês para “Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women“, é um tratado internacional adotado pela ONU em 1979, com objetivo de eliminar a discriminação contra as mulheres em todas as suas formas e promover a equidade de gênero. Ela estabelece uma agenda de ações para os países membros garantir direitos a esse público em áreas como educação, emprego, saúde, e participação política. Periodicamente, o Comitê da CEDAW monitora a implementação da convenção.

Em virtude da aproximação da data para o Brasil ser analisado, as quatro organizações querem alertar o órgão da ONU que o governo não mencionou a questão da justiça tributária em seu relatório. “Essa temática é fundamental no campo da promoção dos direitos de mulheres e meninas, principalmente das mulheres e meninas negras”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc. Segundo ela, na medida em que o sistema tributário nacional se concentra no consumo – e não sobre a renda –, são as pessoas mais empobrecidas as que pagam um imposto maior proporcionalmente.  “Essa realidade aumenta ainda mais as desigualdades de gênero, pois, se as mulheres têm menor renda, elas acabam arcando com uma tributação mais elevada”, acrescenta.

No Brasil, enquanto os impostos indiretos (que incidem sobre o preço final de bens e serviços) correspondem 10,6% da renda de mulheres negras, esse percentual cai para 9,7% no caso de homens brancos, segundo um estudo do Inesc de 2023.

O alerta das organizações à CEDAW virá na forma de um Shadow Report (ou Relatório Sombra), e nele estará a explicação de que, justamente pelas mulheres terem menores salários ou não serem remuneradas, e serem responsáveis pelos cuidados dos filhos, da casa e de pessoas doentes, elas têm menos estabilidade e renda. Ao mesmo tempo, são elas que tendem a utilizar sua renda para gastos em consumo de itens básicos, como alimentação, higiene, cuidados pessoais e assistência à saúde. E mais, a excessiva tributação indireta penaliza sobretudo as mulheres negras, que pertencem às camadas mais pobres da sociedade”, denuncia o documento.

Também foram acrescentadas as análises do Inesc sobre o desmonte das políticas públicas para mulheres e para a promoção da igualdade racial no período 2019 a 2022. Por exemplo, em 2020, ano mais crítico da pandemia, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não conseguiu executar 70% dos recursos destinados ao combate à violência contra as mulheres. Ao mesmo tempo, a violência contra as mulheres cresceu em, ao menos, 20% das cidades brasileiras durante a pandemia.

Elaborado a partir de pesquisas e reuniões com movimentos feministas, o relatório das organizações denuncia ainda o impacto negativo de medidas de austeridade fiscal após a emenda do Teto dos Gastos, além de abordar a participação do Brasil em discussões globais sobre tributação internacional, enfatizando a necessidade de políticas fiscais que promovam os direitos humanos. O documento apela por uma reforma tributária que leve em consideração as desigualdades de gênero e raça.

Recomendações – Entre as recomendações do relatório sombra estão a necessidade de reconhecer o impacto desigual das medidas de austeridade sobre as mulheres, especialmente as negras, o pedido de políticas tributárias que considerem questões de gênero e raça, uma regulamentação que inclua subsídios para produtos de saúde e cuidados pessoais e a implementação reembolsos de impostos para os mais pobres. Sugere também a transferência da carga fiscal das mulheres para setores mais taxados, como produtos nocivos à saúde, maior transparência e penalidades severas nos incentivos fiscais para grandes empreendimentos que impactam mulheres negras, quilombolas e indígenas, uma participação ativa do Brasil na Plataforma Latino-Americana de Tributação e fortalecer a Convenção das Nações Unidas sobre Tributação e outras medidas que combatam as desigualdades nos impostos sobre renda e riqueza para reparar a violência histórica contra mulheres e mulheres negras.

> Clique aqui para acessar os documentos em português <<

>> Click here to access the documents in English <<

Violência sexual contra crianças e adolescentes: a permissividade da sociedade e do Estado

A violência sexual que tem ocorrido nos abrigos que acolhem a população afetada pelas enchentes no Rio Grande do Sul (RS) é um reflexo da vivência diária de muitas meninas no Brasil. E essa realidade que constrange e indigna algumas pessoas, é fortalecida pela própria sociedade e pelo Estado. 

Vivemos em uma cultura adultocêntrica, em que crianças e adolescentes são objetificadas e tratadas como inferiores aos adultos. Há uma concepção de não totalidade na infância e adolescência baseada no entendimento de que o adulto é a norma e que, portanto, a busca pelo vir a ser é o importante na vivência desse grupo. Nesse sentido, o adultocentrismo deslegitima tudo o que foge dessa centralidade e viola o direito das meninas(os) de existirem e serem consideradas como tal. Essa é uma das construções sociais que dá a sensação de permissividade para o adulto violentar a criança. No Brasil, em 2022, 61% das vítimas de estupro eram pessoas na faixa etária de 0 a 13 anos e 8 em cada 10 vítimas eram menores de idade, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública-2023

Mesmo que a legislação brasileira seja avançada ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e que devem ter suas reivindicações reconhecidas, o assujeitamento no dia-a-dia das relações ainda é superior. As famílias, escolas, comunidades e igrejas pouco conhecem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e como acionar o Sistema de Garantia de Direitos (SGD). Mantêm estigmas sobre o que é ser criança e adolescente a partir de ideologias moralizantes e colonialistas que retiram a autonomia e impossibilitam a emancipação desses sujeitos políticos. O que os vulnerabiliza ainda mais nas relações de poder assimétricas com os adultos para ocorrências de violências sexuais. 

A intersecção com o gênero potencializa essa assimetria, pois também é marcado por hierarquias, em que o masculino exerce poder sobre o feminino. O entendimento da mulher como vulnerável e a serviço do homem, sexual e socialmente, fortalecido pelas desigualdades de gênero, gera a compreensão de permissividade para abusar sexualmente de meninas, que são as mais afetadas por essa violência. 

Por conseguinte, ao invés de se investir na formação sobre gênero e sexualidade para que meninas saibam como se proteger e meninos comecem a produzir e reproduzir outros papéis diversos, que sejam saudáveis e se diferenciam do padrão de masculinidade imposto hoje, há um grande movimento de repressão dessa discussão nos espaços públicos. Logo, todas as pessoas e grupos que cerceiam ou compactuam com a coibição dos estudos de gênero e dos direitos sexuais nas escolas também são responsáveis pelos milhares de casos de violências sexuais contra crianças no Brasil.

Todas as meninas estão suscetíveis a violências sexuais, no entanto, as desigualdades de raça e classe no país redobram a vulnerabilização de crianças e adolescentes negras e empobrecidas. Desde a escravização, em que a crueldade com pessoas negras era permitida e naturalizada, o abuso sexual fazia parte dessa desumanização. Hoje, o racismo se mantém e traz os resquícios da busca pela dominação de pessoas não brancas. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública também revelou que em 2022, nas faixas de idade de 6 a 17 anos, mais de 55% das meninas vítimas de estupro eram negras, dos 12 aos 14 anos mais de 59% eram negras e mais de 7% indígenas. 

No que diz respeito à classe social, fatores como menor acesso à renda e a políticas públicas favorecem a ocorrência e manutenção de violências. A vulnerabilidade econômica facilita a coerção por parte de exploradores e abusadores para exploração e abuso sexual de crianças. A falta de acesso a creches, escolas em tempo integral, atividades culturais e de lazer no contraturno da escola dificultam que os casos sejam revelados. A baixa renda cria, muitas vezes, uma dependência financeira com o agressor, dificultando a realização de denúncias. 

De 2019 a 2023, o governo federal não investiu um centavo para ações específicas de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Para 2024, o governo atual autorizou R$ 3,3 milhões para o plano orçamentário intitulado: Enfrentamento às violências contra as crianças e adolescentes, como pode ser visto no Balanço do Orçamento da União elaborado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O Plano Plurianual (PPA) 2024-2027 da União prevê, dentro desse objetivo de enfrentar violência, a equipagem de 10 Centros de Atendimento Integrados para Crianças e Adolescentes vítimas ou testemunhas de violência em 2024. 

O planejamento dos governos ainda falha na perspectiva de prevenção, em que os gastos públicos estão direcionados para remediação das problemáticas e não para a erradicação delas. É importante ter todo o acolhimento e suporte para quem já vivenciou uma violação, mas sem abrir mão de priorizar políticas que tenham como objetivo o fim das violências e isso perpassa: 1) pelo trabalho integrado de todos os setores do Estado e da sociedade; 2) por mudanças estruturais das concepções sobre o que é ser criança e adolescente, sobre raça e sobre gênero, o que inclui aprovar no Plano Nacional de Educação, que será discutido no Congresso Nacional, metas antissexistas e antirracistas; e 3) pela eliminação das desigualdades. Enquanto não nos movermos intensamente nessa direção, também somos responsáveis pelas violências sofridas diariamente por meninas e meninos do nosso país. 

Justiça fiscal para mulheres brasileiras

Apresentamos a iniciativa de incidência no tema da justiça fiscal, gênero e raça no Brasil, construída em colaboração entre Inesc, Tax Justice Network, Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe e Latinidadd.

A ação consistiu na entrega de um shadow report (‘relatório sombra’) e a participação na Sessão 88 do Comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW) da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em maio de 2024.

No documento, exploramos como medidas de austeridade e políticas fiscais regressivas afetam diretamente os direitos das mulheres no Brasil, especialmente das mulheres negras. Além disso, situamos o país dentro do contexto da política tributária global e nas atuais discussões da Convenção das Nações Unidas sobre Tributação Internacional.

Campanha pede política pública permanente de auxílio às vítimas de calamidades climáticas

Mais de 90 organizações da sociedade civil se uniram para o lançamento de uma campanha visando a construção de uma política pública para emergências climáticas. A ideia é que seja criado o Auxílio Calamidade Climática, não apenas para socorrer as atuais vítimas das enchentes que assolam o Rio Grande do Sul, mas sim, uma reserva de emergência permanente para quaisquer eventos extremos relacionados ao clima. Com essa medida, será possível o governo federal ajudar as populações afetadas de modo mais rápido e eficiente.

A iniciativa surgiu pela Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político, que lançará um site onde serão coletadas assinaturas e adesões de outras instituições em defesa desta causa. A página da campanha é:  www.auxiliocalamidade.org

“A proposta desta campanha é construir uma política pública para ser acionada em casos de calamidades climáticas. Uma política com instrumentos, critérios de acesso e orçamento. Isso evita que a cada evento o governo tenha que ficar dias discutindo o que fazer. Nesses casos, a agilidade, a transparência dos critérios de acesso e, principalmente, informação para os atingidos de como acessar é fundamental”, explica José Antônio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que integra a coordenação da Plataforma.

A proposta das organizações é que o Auxílio Calamidade Climática pague às vítimas desses eventos a quantia de R$ 1.400,00, somado a R$ 150,00 para cada criança e adolescente que for responsável, por um período de 24 meses. O auxílio seria concedido por CPF e somente a pessoas com idade acima de 18 anos e renda individual de até 5 salários mínimos (ou R$ 7.050,00). O pagamento aconteceria via Cadastros dos Sistemas Públicos (CadÚnico, Cartão SUS, INSS), ou seja, sem necessidade de construir novo cadastro.

O Auxilio Calamidade Climática também incluiria os chamados “empreendimentos solidários”, isto é, organizações coletivas, como associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, geralmente liderados por mulheres, mulheres negras, indígenas, catadoras/es, pessoas com deficiência e demais segmentos da sociedade em situação de vulnerabilidade, além da agricultura familiar e ecológica. Para esse grupo, haveria uma parcela única de R$ 20.000,00, pagos por meio de cadastros da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). O acesso a este auxilio não inviabiliza o acesso ao auxilio individual.

Se a política para calamidade estivesse ativa hoje, o investimento para socorrer as vítimas do Rio Grande do Sul que se enquadram no perfil da proposta seria de R$ 59 bilhões nos dois anos. No caso dos empreendimentos solidários, estima-se que o socorro atingiria 120 mil negócios sociais, o que corresponderia R$ 2,4 bilhões.

“O Brasil, com o Bolsa Família, mostrou ao mundo que é possível combater a fome de forma direta e eficaz. Agora temos a possibilidade de mostrar, novamente ao mundo, que podemos sim ter um papel de liderança mundial no auxilio direto aos atingidos. Isso não inviabiliza jamais da necessidade de implementar outras políticas de mitigação e adaptação”, acrescenta Moroni.

Sobre a Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político – Trata-se de uma articulação de movimentos, entidades, fóruns e redes que, desde 2004, atua para mudar a forma como o sistema político brasileiro está organizado institucionalmente. O ponto de partida foi a crítica aos instrumentos de participação social, que têm baixo impacto na formulação e controle social sobre as políticas públicas, restringindo-se a um tênue acompanhamento de políticas sociais. Atualmente, a plataforma reúne mais de 140 organizações.

Ferrogrão: mais de 49 mil km² podem ser desmatados caso ferrovia seja implementada

A Aliança #FerrogrãoNão, composta por mais de 30 organizações da sociedade civil, entre elas, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), lançou uma petição para recolher assinaturas contra a construção de uma ferrovia voltada para a exportação de grãos, em especial, da soja.

Conhecida como Ferrogrão (EF-170), grandes empresas transnacionais do agronegócio pressionam o governo brasileiro para executar a obra que promete baixar os custos do escoamento da produção.

Prevista para ligar os estados do Mato Grosso e Pará, a Ferrogrão ameaça destruir o equivalente a 285 mil campos de futebol de áreas protegidas. Se sair do papel, a ferrovia pode desmatar uma área de 49 mil km² em 48 cidades. Além disso, ela está sendo planejada sem que o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região seja respeitado. Pelo menos 16 terras indígenas e 104 assentamentos rurais seriam afetados.  “Ou seja, um verdadeiro trilho de destruição da Amazônia, do Cerrado e dos povos e comunidades que ali vivem”, alerta Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc.

 >> Clique aqui para assinar a petição #FerrogrãoNão <<

Pressão no Executivo

Durante o Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorreu em Brasília no final de abril, membros da Aliança #FerrogrãoNão se reuniram com diversos representantes do Executivo, entre eles: Ministério do Meio Ambiente, Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério dos Direitos Humanos, de Relações Exteriores e dos Transportes, além da Advocacia Geral da União.

De acordo com Tatiana, o objetivo foi trazer para o conhecimento dos tomadores de decisão os reais impactos que a ferrovia irá causar para o meio ambiente e para os povos e comunidades tradicionais. 

“Estamos à beira de um colapso ambiental e climático com eventos cada vez mais frequentes e extremos, como os que estamos vivenciando agora no Sul do país. No ano passado a seca intensa na bacia do Tapajós já causou danos dramáticos aos modos de vida da população local, afetando a produção das roças, a pesca e o deslocamento pela navegação dos rios. Pressionar ainda mais o desmatamento e expulsar de seus territórios quem de fato preserva nossos biomas é ir na contramão das reais necessidades do planeta”, sublinha a assessora.

Desmatamento cresce 79% no Pará

Um estudo inédito realizado pelo Inesc apontou que, de 2008 a 2022, o desmatamento anual no eixo paraense da BR – 163 aumentou 79%, com mais de 1,3 mil quilômetros de áreas desmatadas. A pesquisa revela que o aumento da produção de soja e milho na região tem relação direta com esse crescimento.

“A logística é um aspecto invisível da produção e quando feita sem levar em consideração aspectos socioambientais, traz impactos negativos aos muitos territórios, deslocando povos e comunidades tradicionais, aumentando os índices de desmatamento e de conflitos por terra”, destaca Tatiana.

Os dados foram apresentados durante o Seminário Técnico sobre Aspectos Socioambientais da Ferrogrão, realizado no Campus da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) pela Subsecretaria de Sustentabilidade do Ministério dos Transportes. O evento ocorreu no contexto de recrudescimento da pressão exercida pelo agronegócio e pelas grandes traders internacionais favoráveis ao adensamento da malha logística para o transporte graneleiro no Oeste do Pará. 

Foto: João Paulo/Tapajós de Fato

Tatiana Oliveira, durante o evento, ainda trouxe a pesquisa publicada pelo Inesc sobre investimentos em logística na Amazônia, que revela diversificação das modalidades de financiamento e dos instrumentos de incentivo ao crédito privado e as mudanças nos marcos legais que possibilitaram a maior participação do setor privado.

Entre os objetivos do seminário, estavam discussões sobre os impactos da ferrovia e sobre o direito à consulta livre a comunidades tradicionais atingidas pelo empreendimento. Na ocasião, indígenas do baixo rio Tapajós fizeram um protesto contra o projeto da Ferrogrão. 

Nota pública | Enchentes no Rio Grande do Sul são uma tragédia anunciada

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), organização que atua há mais de 40 anos em defesa dos direitos humanos, vem a público reforçar profunda solidariedade ao estado do Rio Grande do Sul, em especial, às famílias atingidas pelas enchentes que, até o momento, já deixam mais de um milhão de pessoas afetadas e dezenas de  mortos, nos cerca de 400 municípios atingidos. 

É a maior catástrofe ambiental da história do Rio Grande do Sul. Uma tragédia anunciada! 

Há décadas especialistas alertam a humanidade para as consequências das mudanças climáticas. Eventos extremos, como o que assola a população gaúcha neste momento, são (e continuarão sendo) cada vez mais frequentes. 

Altos índices de desmatamento, subsídios cada vez maiores aos combustíveis fósseis, investimentos em commodities para exportação em detrimento da priorização de modos de produção sustentáveis, alicerçado por políticas públicas que trabalham em prol do avanço do capital, todos esses fatores são responsáveis pela atual crise do clima. 

Investir em ações de mitigação das mudanças do clima é tão urgente e necessário quanto destinar recursos para adaptação e perdas e danos. 

Mais orçamento para gestão de riscos e desastres 

De acordo com a análise mais recente do Inesc sobre o balanço do orçamento da União, os gastos do governo federal para gestão de riscos e resposta a desastres, por exemplo, foi aumentado em 30 vezes, saindo de R$ 1,44 milhão em 2022 para R$ 43,72 milhões em 2023. Mesmo com o incremento, é possível avançar mais. Isso porque quando olhamos para o orçamento total autorizado para essa política no ano passado, R$ 299,7 milhões, a execução financeira foi de apenas 16%. Para 2024, o Programa Gestão de Crise e Desastres teve o orçamento autorizado de R$ 2,29 bilhões, o que possibilitará a realização de uma política mais consistente de enfrentamento e prevenção dos extremos climáticos.

Avançar em políticas de meio ambiente e clima 

Em 2023, o orçamento destinado aos órgãos ambientais conseguiu um incremento de recursos por meio da chamada “PEC da Transição”. Foram acrescentados cerca de R$ 500 milhões para as ações vinculadas ao meio ambiente, principalmente para o combate ao desmatamento. 

Contudo, ainda é necessária a estruturação de mecanismos orçamentários mais robustos. É inadiável a criação de condições políticas para a busca de soluções para estruturar mecanismos de financiamento da Política Nacional de Meio Ambiente e do Clima, em especial na dimensão da solidariedade do Governo Federal no apoio aos demais entes federativos, para que eles consigam melhorar as capacidades de implementação das agendas de meio ambiente e clima.

Zerar os subsídios aos combustíveis fósseis 

Apesar de o Brasil ser reconhecido internacionalmente por ter uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo e um papel de liderança nas negociações climáticas, o País é um grande  produtores de petróleo. Apoiado por uma forte e histórica política de subsídios, o Brasil está em processo de expansão da sua produção petroleira. Segundo dados do Inesc, entre 2018 e 2022 foram alocados R$ 334,6 bilhões em fósseis, enquanto para as renováveis foram apenas R$ 60,1 bilhões. No período, os subsídios aos fósseis cresceram 123,9%, enquanto às renováveis aumentaram apenas 51,7%.

O governo brasileiro teve em mãos a oportunidade histórica de conciliar o cronograma de mudança da estrutura tributária via Reforma Tributária com a revisão dos subsídios à produção de combustíveis fósseis, mas não o fez. O Brasil precisa assumir o seu compromisso com a justiça social e climática, liderando o esforço nacional e global para que os subsídios às fontes de energia fóssil sejam eliminados.

Garantir direitos de povos e comunidades tradicionais

Povos e comunidades tradicionais, entre elas indígenas e quilombolas, são cada vez mais pressionados pelo avanço desenfreado do agronegócio e da mineração no Brasil. Além de forçar por mais desmatamento, a demanda por infraestrutura logística afeta gravemente comunidades inteiras. 

Atualmente, grandes empresas transnacionais do agronegócio pressionam o governo brasileiro para executar uma obra que promete baixar os custos do escoamento da produção. Conhecida como Ferrogrão, a ferrovia ameaça destruir o equivalente a 285 mil campos de futebol de áreas protegidas. Além disso, ela está sendo planejada sem que o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região seja respeitado. Pelo menos 16 terras indígenas e 104 assentamentos rurais seriam afetados. 

É urgente a implementação  de políticas públicas fortes de adaptação

A crise climática que enfrentamos agrava problemas históricos dos setores empobrecidos do Brasil, como habitações em locais de risco e sujeitos a enchentes, alagamentos e enxurradas. É principalmente a população negra e periférica a mais  afetada pelos desastres que vivemos e viveremos, caracterizando o racismo ambiental. 

Organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, estão articuladas para pressionar o Congresso e o governo federal para a criação de um auxílio emergencial para famílias afetadas por desastres naturais. 

Urge a implementação  de políticas públicas de adaptação, de  enfrentamento dos desastres e, principalmente, de gestão dos  riscos que deles ocorrerem, preservando as vidas e os bens de suas possíveis vítimas. Urge a atuação firme do Estado brasileiro na garantia de políticas com participação social que, de fato, avancem no enfrentamento das mudanças climáticas.

A falta de compromisso e ousadia tem o seu preço! 

A soja no corredor logístico Norte

O Brasil é o maior produtor e exportador de soja no mundo. Em 2022/2023, a safra alcançou números recordes, chegando a 154,6 milhões de toneladas. Este montante equivale a aumento de 23% (29 milhões de toneladas) em relação à safra anterior (2021/2022), que havia sido a maior registrada na série histórica do País.

A saída pelo Norte, com a expansão e a estruturação do corredor logístico multimodal conhecido como Arco Norte, é vista como prioritária por setores da economia brasileira e, principalmente, pelo setor agrícola.

O esforço para a promoção de novas infraestruturas econômicas têm se beneficiado do discurso climático focado na descarbonização. Contudo, falta aos projetos uma análise qualitativa dos efeitos cumulativos associados à promoção dessas infraestruturas em um território tão complexo como o da Amazônia. As infraestruturas logísticas desempenham papel central na produção e extração de bens naturais, causando efeitos sociais e ambientais adversos nos territórios por onde se expandem, deslocando povos e comunidades tradicionais, destruindo territórios e aumentando os índices de desmatamento e conflitos territoriais.

Países latino-americanos se reúnem nesta semana para debater tributação

Tem início nesta segunda-feira (6), em Santiago, no Chile, uma sequência de dois eventos que reunirá representantes dos governos e da sociedade civil de países da América Latina e do Caribe. Na pauta dos debates: tributação. 

O início dos trabalhos se dará com o Seminário Regional sobre Política Fiscal, de 6 a 8 de maio, seguido pela reunião da Plataforma Latino-Americana de Tributação (PT LAC), que ocorrerá na quarta-feira (8). Os eventos são promovidos pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e contam com a participação de ministros da Fazenda dos países da região. 

Nathalie Beghin, do colegiado de gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) acompanha os eventos representando a Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe, da qual o Instituto faz parte. De acordo com ela, iniciativas inovadoras como o PT LAC, contribuem no combate às desigualdades, à fome, à pobreza, ao aquecimento global, além de promover maior coesão social em âmbitos nacional e internacional. 

“A iniciativa da Plataforma nasceu em julho de 2023 sob liderança do governo colombiano e, em pouco tempo, alcançou resultados inovadores: é a primeira vez que os países da região discutem conjuntamente questões tributárias. É também a primeira vez que uma instituição intergovernamental regional tem um órgão formal de participação social, o Conselho Consultivo Permanente da Sociedade Civil da PT LAC. Apesar dos resultados inegáveis, é necessário progredir, como no envolvimento de mais países”, observou Nathalie. 

O Inesc atua na reconfiguração do sistema fiscal para atender as demandas sociais, ambientais e climáticas e para garantir o financiamento adequado de políticas públicas. A organização acredita na aplicação dos princípios de direitos humanos na elaboração, implementação e monitoramento da política fiscal na América Latina.

Para saber mais, acesse aqui a nossa página sobre os Princípios de Direitos Humanos na Política Fiscal

Mais recursos para áreas sociais e desafio na reconstrução de políticas públicas marcam primeiro ano da gestão Lula

O primeiro ano do governo Lula foi marcado por um extenso esforço de reconstrução de políticas sociais e ambientais no País, após o desmonte assistido nessas áreas na gestão anterior. Contudo, o aumento de recursos orçamentários não teve o efeito esperado. A recomposição de equipes e das instituições que haviam sido sucateadas dificultou a execução do orçamento de vários ministérios, especialmente os recém criados. Essa constatação está presente nos números do Balanço do Orçamento da União 2023: Brasil em reconstrução?, documento divulgado nesta segunda (29) pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

A organização analisou os gastos públicos federais em dez áreas – saúde; educação; direito à cidade; energia: geração distribuída; meio ambiente; indígenas; quilombolas; igualdade racial; mulheres; e crianças e adolescentes –, contextualizando o ambiente econômico, a execução financeira de 2023 e o orçamento previsto para 2024. Em algumas delas, houve dificuldade de executar o orçamento previsto, o que em parte pode ser explicado tanto pela necessidade de retomada de políticas públicas (que foram sucateadas na gestão anterior) como pela morosidade na celebração de convênios com os entes subnacionais.

“Não é uma tarefa fácil, diante do desmonte operado pela gestão Bolsonaro. No entanto, é preciso ressaltar que temos muito o que avançar em termos de proteção, defesa e promoção de direitos, principalmente, nos grupos de indígenas, mulheres, negros e negras, assim como de crianças e adolescentes”, afirma Cléo Manhas, assessora política do Inesc.

Segundo ela, para além da baixa execução em alguns casos, outro ponto que chama a atenção nos gastos federais em 2023 e no planejado para 2024 é que a efetividade dos direitos sociais e ambientais da população ainda está subordinada à política fiscal, quando deveria ser o contrário. “O Teto dos Gastos foi substituído por um novo regime fiscal, que, apesar de menos prejudicial, ainda impõe restrições em áreas cruciais como saúde e educação”, explica. “Merece atenção o novo Plano Plurianual (PPA) para o período 2024-2027, com um orçamento previsto em R$ 13,3 trilhões e objetivos transversais que incluem crianças e adolescentes, mulheres, igualdade racial, povos indígenas e meio ambiente.”

A seguir, os principais dados do documento:

Saúde

  • No primeiro ano do governo Lula, em 2023, os gastos com saúde no Brasil alcançaram R$ 176,9 bilhões, representando um aumento significativo de R$ 27,5 bilhões em termos reais ou 18% em relação ao ano anterior.
  • Para 2024, está previsto um orçamento de R$ 217,7 bilhões para a saúde, um aumento de 18% em relação a 2023, com destaque para a ampliação de despesas discricionárias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na área da saúde, com variação de 16.887% em relação a 2023.

Educação

  • Houve um aumento de cerca de 20% no orçamento autorizado para o Ministério da Educação, que passou de R$ 142,2 bilhões em 2022 para R$ 169,1 bilhões em 2023. Em 2023, foram executados 17% a mais de recursos em relação a 2022 (R$ 137,6 bilhões em 2022 e R$160,1 bilhões em 2023).
  • A Educação de jovens e adultos (EJA) teve uma execução financeira quase três vezes maior que em 2022 (de R$ 14,9 milhões para R$ 39,5 milhões). No entanto, ainda há muitos desafios, pois a política estava abandonada.
  • A Educação infantil também recebeu mais recursos em 2023, com execução de R$ 761,4 milhões, cerca de R$ 300 milhões a mais do que no ano anterior.
  • Uma boa novidade foi o Pé-de-Meia, programa de incentivo à permanência e à conclusão escolar para o Ensino Médio público.
  • A educação superior também recebeu mais recursos e ficaram em torno de R$ 40 bilhões. No entanto, ainda é insuficiente para o tamanho do desafio. Esses recursos são semelhantes a 2014, quando o orçamento começou a cair. Além da recuperação são necessários mais recursos para atender as demandas reprimidas.

Direito à Cidade

  • Os recursos investidos em saneamento básico cresceram quase 40 vezes entre 2022 e 2023, saindo dos R$ 3,4 milhões para R$ 135,58 milhões de execução financeira. Apesar do aumento, esse valor, em 2023, representou 12% do total autorizado.
  • No programa “Moradia Digna”, também houve um salto notável, de um pouco menos de um milhão de reais em 2022 para quase R$ 10 bilhões, em 2023. Neste caso, 96% do recurso autorizado para 2023 foi executado. O Programa Minha Casa Minha Vida retornou e está garantindo recursos para Habitação de Interesse Social, ou seja, para quem recebe Bolsa Família e BPC e também para famílias da Faixa 1, que têm renda de até R$ 2.600,00. No governo anterior os financiamentos foram direcionados para as rendas mais altas, a partir da Faixa 2.
  • No recém criado Ministério das Cidades como um todo, foram executados R$ 11,3 bilhões, o que equivale a 57% do recurso autorizado.

Energia: Geração Distribuída

  • A análise do Inesc sobre a execução financeira dos programas de energia é focada na geração distribuída com ênfase social. Deste modo, a transição energética considera, além da diversificação das fontes de energia, os impactos sociais e ambientais, a geração de empregos e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades afetadas.
  • Ainda que o Brasil esteja se destacando internacionalmente como líder na transição energética, ainda persiste no governo uma contradição nas políticas públicas para esse fim.
  • A análise do orçamento do Ministério de Minas e Energia (MME) revela que, apesar da existência de uma ação orçamentária para incentivar a geração de eletricidade renovável, os recursos autorizados foram insignificantes (R$ 525 mil) e não houve execução nos anos de 2022 e nem de 2023.

Meio Ambiente e Clima

  • Em 2023, o orçamento executado pelos órgãos ambientais ligados ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima foi de R$ 3,29 bilhões, valor praticamente inalterado em relação a 2022.
  • O Ibama teve uma leve redução na sua execução orçamentária em 2023. Parte significativa do orçamento autorizado em alguns setores permaneceu contingenciada, incluindo no Fundo Nacional do Meio Ambiente e na administração direta do Ministério. Mas para as ações destinadas ao combate ao desmatamento, houve aumento, alcançando um total de R$ 422 milhões.
  • Para 2024, o orçamento ambiental promete uma elevação significativa nas operações oficiais de crédito, saltando de R$ 634 milhões em 2023 para R$ 10 bilhões, devido ao novo formato do Fundo Clima e ao lançamento do Plano de Transformação Ecológica pelo Ministério da Fazenda. No entanto, esses recursos, que serão geridos pelo BNDES, não fazem parte do financiamento direto das políticas ambientais.

Povos Indígenas

  • Embora o governo tenha criado em 2023, de forma inédita, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), liderado pela indígena Sônia Guajajara, não houve ações orçamentárias finalísticas sob administração direta do órgão, e a Funai foi responsável pela execução dessas ações. Os gastos do Ministério, na ordem de R$ 10,29 milhões, destinaram-se essencialmente para sua criação e manutenção.
  • A execução financeira da Funai em 2023 foi de R$ 589,77 milhões, o que está um pouco abaixo da execução financeira em 2022. A queda dos gastos, mesmo que pequena, acende um alerta para as dificuldades políticas e estruturais do órgão.
  • Na Saúde Indígena, o esforço realizado em 2023 foi notável. Os recursos autorizados, na casa dos R$ 1,8 bilhão em 2022, tiveram um acréscimo de R$ 400 milhões para 2023. A execução financeira da Saúde Indígena chegou a 95% do recurso autorizado.

Quilombolas

  • Durante a gestão anterior, as comunidades quilombolas foram excluídas do Plano Plurianual (PPA) 2020–2023, o que representou um claro ato de racismo institucional e resultou em menores recursos para políticas públicas voltadas para esse grupo populacional.
  • Em 2023, o orçamento para a regularização fundiária dos territórios quilombolas foi de R$ 2,4 milhões, uma melhoria em relação ao ano anterior, mas ainda aquém do necessário para uma política pública efetiva. A execução financeira, afetada por reestruturações administrativas, ficou abaixo do esperado.
  • Além disso, permanece a necessidade de maior investimento em áreas como saneamento e educação.

Igualdade Racial

  • Para 2023, a gestão anterior não destinou orçamento no Plano Plurianual para a promoção da igualdade racial, mas o governo atual alocou R$ 70,8 milhões, dos quais foram executados R$ 30,5 milhões (43%).
  • Destaca-se a criação do Ministério da Igualdade Racial, comandado por uma ativista negra, Anielle Franco.
  • O recurso autorizado para 2024, da ordem de R$ 130,5 milhões, é quase o dobro do que foi alocado em 2023, a ser distribuído em áreas como políticas para quilombolas, juventude negra e combate e superação do racismo, entre outras.

Mulheres

  • Em 2023, o orçamento inicialmente previsto pelo governo anterior para o enfrentamento à violência contra as mulheres era de apenas R$ 13,6 milhões, considerado o menor em anos. Esse valor subiu para R$ 152 milhões, com uma execução financeira de R$ 83,7 milhões e um empenho de R$ 146,6 milhões.
  • A criação do Ministério das Mulheres em 2023 revitalizou a política pública para as mulheres, coordenada pela ministra Aparecida Gonçalves, que conseguiu a aprovação da lei da equiparação salarial entre homens e mulheres.
  • A Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) em 2023 teve uma execução de 99% do total autorizado, mas as Casas da Mulher Brasileira enfrentaram baixa execução, mas foram efetivas em empenhar 94% dos recursos.

Crianças e Adolescentes

  • Em 2023, a execução financeira em assistência para crianças e adolescentes (R$ 369,9 milhões) ficou inferior à de 2022, apesar do orçamento maior.
  • A absoluta maioria dos recursos destinados ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil em 2023 foram empenhados (96%), mas não houve execução financeira.
  • Em 2023, o governo aportou mais recursos, comparado a 2022, tanto para a Política de Atenção Integral à Saúde da Criança, que inclui o grupo de 0 a nove anos, quanto para a Rede Cegonha, de atenção materno-infantil, que acompanha gestantes e seus filhos até os dois anos de idade. O aumento de um ano para o outro foi de 59% e 93,3% respectivamente.

Governo federal insiste em não rever subsídios aos combustíveis fósseis

A proposta de regulamentação da reforma tributária enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional nessa quarta-feira, (24) é decepcionante sob a ótica da justiça tributária e climática.

O Executivo tinha em mãos uma oportunidade histórica de conciliar o cronograma de mudança da estrutura tributária com a reforma dos subsídios à produção de combustíveis fósseis.

Esses subsídios se dão, em sua maior parte, por meio dos Regimes Especiais de Tributação que beneficiam o setor. Neste caso, uma parte importante das isenções fiscais se deve a não cobrança das Contribuições Sociais, como o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Com a extinção desses tributos e contribuições promovida pela Reforma Tributária e sua consequente transformação em Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o governo teve a oportunidade de construir uma regulamentação que facilitasse a transição entre regimes de forma a encurtar o tempo desses subsídios, em especial o Repetro que já dura 25 anos e tem duração prevista até 2040.

O alerta e pedido já haviam sido feitos por diversas organizações sociais em carta pública assinada e entregue ao governo durante a preparação do Projeto de Lei de regulamentação da Reforma Tributária.

O esforço se mostrou em vão e muito aquém do poder do lobby do setor petroleiro, representado pelo Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), que se movimentou politicamente para garantir a manutenção dos seus subsídios.

O projeto enviado pelo Executivo prevê a suspensão do pagamento do CBS (e também do IBS) sobre certas importações e operações submetidas ao Regime Aduaneiro Especial Aplicável ao Setor de Petróleo e Gás – Repetro”. A proposta de regulamentação mantém, ainda, as isenções em outros dois regimes que também beneficiam o setor de óleo & gás: o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação a Estrutura Portuária (Reporto) e o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).

São exatamente esses regimes que representam a maior parte dos subsídios concedidos à produção de óleo & gás. Entre 2018 e 2022, o Repetro representou, sozinho, R$ 159 bilhões em renúncias de tributos federais. Vale lembrar que o ICMS é também reduzido nessas operações, resultando em renúncia também para aos estados.

A seção V do Projeto de Lei encaminhado trata especificamente do Repetro.

Além de garantir a isenção sobre a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá a Cofins e o PIS, o Projeto encaminhado também garante a isenção do IBS (que substituirá o ICMS e o ISS).

Atualmente há redução do ICMS também nas operações similares às do Repetro. A proposta piora a situação, pois vai ocorrer a suspensão total do IBS, com conversão em alíquota zero, resultado em não tributação.

Para piorar, a proposta de regulamentação trouxe a previsão de avaliação dos Regimes Aduaneiros Especiais, apenas no caso do Reporto e Reidi. A avaliação deverá ser quinquenal e tem como critérios a eficiência, eficácia e efetividade, enquanto políticas sociais, ambientais e de desenvolvimento econômico quanto ao tratamento do IBS e da CBS.

O governo optou em deixar o Repetro de fora, o que demonstra o poder do lobby petroleiro e sua falta de compromisso com a reforma dos subsídios aos fósseis.

Uma gestão com severas restrições fiscais – que limitam a capacidade de executar políticas públicas essenciais para reduzir desigualdades e gerar alternativas econômicas de baixa emissão – não poderia desperdiçar uma oportunidade histórica como essa.

Além de tudo, como presidência do G20 e rumo à COP 30 – espaços multilaterais onde a reforma dos subsídios aos fósseis é uma agenda chave – a proposta do governo soa como uma realidade inconveniente.

Cabe agora ao Congresso Nacional a tarefa de melhorar o que está muito ruim:

  • incluindo o Repetro na avaliação quinquenal dos benefícios. Isso é fundamental para que se possa avaliar os subsídios concedidos ao setor de óleo e gás e caminhar para a reforma dos subsídios ineficientes.
  • Antecipando para 31 de dezembro de 2030 a data limite para suspensões do IBS e da CBS no setor de extração e exploração de petróleo e gás natural, ficando sua potencial extensão pelo limite de mais 10 anos, não prorrogável, condicionada à avaliação quinquenal.

Organizações da sociedade civil lançam nota de repúdio ao novo código eleitoral

A Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político e mais de 100 organizações parceiras, emitiram nota de repúdio ao Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 112/2021, que objetiva instaurar um novo Código Eleitoral. A nova legislação, apesar de alguns avanços, têm uma série de retrocessos, sobretudo nas questões que tangem à participação política das mulheres e das comunidades negras e indígenas. 

Um dos pontos questionados na nota é a proposta de eliminar a política de cotas para mulheres, substituindo por uma reserva de apenas 30% das candidaturas femininas. Caso aprovada, a medida poderia resultar na eleição de 100% de candidatos homens, visto que os partidos teriam a possibilidade de não apresentar candidatas femininas. Além disso, a expressão “candidaturas desnecessárias” utilizada no texto do relator levanta preocupações sobre seu impacto nas candidaturas de pessoas negras e indígenas.

“É gravíssima a intencionalidade de acabar com a política de cotas para mulheres: em lugar da obrigatoriedade de 30% e 70% de candidaturas de cada “sexo” (sic), o relator propõe a reserva de 30%, e, em caso de os partidos não preencherem as vagas, as mesmas ficarão vazias (…) Mais grave ainda é a expressão utilizada pelo relator, ‘candidaturas desnecessárias’, que só serviriam para cumprir a cota. Não está nítido no texto, ainda, como isso poderá impactar as candidaturas de pessoas negras e indígenas”, aponta trecho da nota.

No artigo 181, outro problema foi identificado, houve a tentativa de alteração na redação para que haja brecha para que os partidos não repassem o dinheiro para candidaturas femininas, substituindo o termo “devem” por “podem”. A proposta do texto era: “Durante a convenção partidária, os dirigentes podem apresentar planejamento específico sobre as ações institucionais de apoio financeiro e político às mulheres selecionadas como candidatas”.  A proposta de alteração, no entanto, foi rejeitada pelo senador relator. 

A não obrigatoriedade do apoio financeiro, deixa a cargo dos partidos a definição sobre este apoio a candidaturas de femininas, legalizando uma prática recorrente de não repassarem os recursos do Fundo Partidário e Fundo Eleitoral às mulheres, o que se materializa nas posteriores Propostas de Emendas Constitucionais (PEC) visando anistiar os partidos quando descumprem a norma. As organizações que assinam a nota, reivindicam que o novo Código Eleitoral apresente sanções efetivas aos partidos que descumprem o repasse financeiro às mulheres, pessoas negras e indígenas.  

Outra reivindicação é a realização de consultas públicas amplas e inclusivas para garantir a legitimidade das decisões políticas, permitindo que as vozes de diversos setores da sociedade sejam ouvidas. No entanto, até então sequer existiu diálogo com a sociedade para elaboração do PLP. O extenso e complexo texto do relatório do senador Marcelo Castro, com 162 páginas que incidem em um Código Eleitoral com 898 artigos, torna ainda mais crucial esse processo de consulta. 

Clique aqui para ler a nota na integra e as organizações que assinam. 

No Dia dos Povos Indígenas, estudo alerta para urgência de repensar funcionamento da Funai

As celebrações do dia 19 de abril poderiam ser mais festivas se a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) não enfrentasse dificuldades para cumprir sua missão institucional e urgente de proteger e promover os direitos dessas comunidades. Seja para a demarcação de terras ou na defesa contra ameaças e violências, o órgão carece de estrutura adequada e de recursos orçamentários suficientes para políticas que garantam a autonomia e o desenvolvimento sustentável dos territórios indígenas.

O alerta vem do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que divulga nesta data uma análise sobre os gastos da União durante o primeiro ano do governo Lula. Segundo a organização, a execução financeira da Funai em 2023 foi de R$ 589,77 milhões – número 13% menor do que o registrado em 2022 (R$ 666,19).

Em 2023, merece destaque a criação, pela primeira vez na história do País, do Ministério dos Povos Indígenas, liderado, também de forma inédita, por uma indígena, Sonia Guajajara. A pasta, em processo de estruturação, recebeu neste ano R$ 10,29 milhões, dedicados, essencialmente, para a criação e manutenção do órgão.

O estudo do Inesc também mostra uma discrepância entre o orçamento autorizado e a execução financeira da Funai em 2023. Os recursos executados para as ações finalísticas – ações cujos efeitos são diretamente sentidos pelas comunidades indígenas – foram maiores em relação a 2022 (de R$ 123 milhões em 2022 para R$ 134 milhões, no ano passado). Para 2023, estavam autorizados R$ 278,6 milhões, dos quais R$ 271 milhões foram empenhados e menos da metade, gasto efetivamente.

A ação “Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados” é um exemplo desse descompasso: o valor autorizado quadruplicou entre 2022 e 2023, mas a execução financeira cresceu na metade deste ritmo: saiu de R$ 50 milhões, em 2022, para R$ 91 milhões, em 2023.

A complexidade para a execução dos recursos por parte da Funai tem múltiplas razões. Para Leila Saraiva, assessora política do Inesc, “a Funai tem dificuldades estruturais para executar os recursos, que se somam ao legado de destruição deixado pela gestão anterior. A alta porcentagem de recursos empenhados demonstra a dedicação do órgão para retomar a política indigenista, mas as formas como os processos administrativos se dão internamente, além da falta de servidores nas Coordenações Regionais, dificulta que a execução financeira aconteça da forma como deveria”.

Avanços a saúde indígena

Em meio a um cenário que combina emergências sanitárias, como a vivenciada pela população Yanomami, e a necessidade de enfrentamento de estruturas criminosas em seus territórios, o documento do Inesc destaca o quanto as políticas anti-indígenas praticadas pelo governo anterior causaram danos a essas comunidades, capazes de atrasar a retomada de uma política de proteção aos povos originários do País.

Ainda assim, diversos avanços mereceram destaques no relatório. Segundo o Inesc, ocorreu um grande avanço na saúde indígena durante o período. Enquanto, em 2022, os recursos autorizados foram de cerca de R$ 1,8 bilhão, no ano de 2023, houve um aumento de cerca de R$ 400 milhões, sendo que a execução financeira chegou a 95%.

A excelência no patamar de gastos sinaliza o empenho da Secretaria de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, em enfrentar desastres sanitários como a situação vivida pelos Yanomami.

“O esforço articulado para recuperar a saúde indígena é urgente e necessita da ação efetiva de todo o Estado, inclusive de setores que parecem reticentes em fazer sua parte, como as forças policiais e as forças armadas”, destaca a publicação.

Demarcação de Terras Indígenas

No último ano, foram homologadas oito Terras Indígenas:  Acapuri de Cima (AM), Rio Gregório (AC), Avá Canoeiro (GO), Arara do Rio Amonia (AC), Kariri-Xoco (AL), Rio dos índios (RS) e Tremembé da Barra do Mundaú (CE). Trata-se de um avanço indiscutível, especialmente após quatro anos sem nenhuma terra demarcada, mas está longe de ser suficiente, tendo em vista que o governo Lula se comprometeu com a homologação de 14 Terras Indígenas nos 100 primeiros dias.

Quanto à questão das indenizações por benfeitorias de boa-fé, o Inesc aponta um cenário em que, apesar do pagamento dessas indenizações, os conflitos e violências contra os povos indígenas persistem. Isso indica que medidas isoladas não são suficientes para garantir a proteção efetiva dos territórios indígenas, sendo necessárias ações integradas e abrangentes de proteção territorial.

Desafios como esse, somados às dificuldades de execução financeira da Funai, estão na pauta da proposta de reestruturação do órgão, que já estabeleceu um Grupo de Trabalho (composto por servidores, membros do Ministério dos Povos Indígenas e lideranças dos movimentos indígenas) dedicado a elaborar uma nova estrutura organizacional do órgão.

No estudo, o Inesc recomenda algumas ações prioritárias para o avanço da política indigenista no Brasil, entre elas a reestruturação da Funai, a recomposição do quadro de servidores, a recomposição do orçamento para políticas indigenistas e o avanço nas homologações das Terras Indígenas.

>> Acesse aqui a análise completa <<

Reforma tributária: alimentação saudável em risco

Organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), lançaram nesta sexta (12) uma nota pública em defesa do direito humano à alimentação adequada e saudável. No posicionamento, as organizações repudiam as ações de interferência da indústria de produtos alimentícios ultraprocessados no contexto de discussão das leis complementares da Reforma Tributária.

Representantes do setor produtivo vêm se articulando e atuando para incluir ultraprocessados e bebidas alcóolicas na cesta básica, e para se eximir da nova tributação sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente via Imposto Seletivo.

O objetivo é claro: atender a interesses comerciais e privados em detrimento da saúde coletiva, da segurança alimentar e nutricional e da proteção ao meio ambiente.

“A reforma tributária é uma oportunidade histórica para o país, que pode não apenas tornar seu sistema de impostos mais simples e eficiente do ponto de vista econômico, mas também promover justiça social, saúde e alimentação adequada e saudável para sua população”, afirma a nota.

>> Clique aqui para acessar a íntegra <<

Cadastre-se e
fique por dentro
das novidades!