E a educação pública poderá ir para o ralo…

Final de 2020, em meio a tantas notícias ruins, houve vitória do movimento social pela educação, com a aprovação de um Fundeb permanente e com potencial de mais recursos de 2021 até 2025. No entanto, há uma crença popular de que quem muito ri, em seguida há de chorar. E não é que a pequena vitória está se voltando contra nós, com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186, que acaba com vinculações orçamentárias de saúde e educação? Ainda com a falsa premissa que sem isso não é possível oferecer o auxílio emergencial.

Como linguista de formação, mas não de profissão, fico triste com os usos que muitas pessoas têm feito da língua, significado e significante não se juntam mais nem no infinito. Além disso, não há compromisso com a verossimilhança: fala-se o que quer, sem que o dito tenha lastro com o que de fato é. O presidente da Câmara dos Deputados, por exemplo, falou para o Portal UOL que muitos prefeitos jogam dinheiro fora para cumprir com os mínimos constitucionais, quando se sabe que os mínimos não são suficientes nem para educação, nem para a saúde; e que há tempos gasta-se além dos mínimos.

Com relação à educação, sabe-se que as escolas públicas estão longe de serem centros de excelência, ou mesmo de oferta da educação de qualidade que se quer; não por falta de empenho dos profissionais da educação, mas porque o cobertor é curto. Os recursos não são suficientes para que tenhamos escolas com quadras cobertas, laboratórios, bibliotecas equipadas com computadores, menos alunos por sala de aula. Há, até mesmo, 2 milhões de estudantes sem acesso à água potável em suas escolas. Uma educação mais voltada para o século XXI e menos século XIX.  No entanto, foi a partir da Constituição de 1988 que o direito a educação para todas as pessoas tornou-se real.

Até então, as escolas públicas eram para poucos, que conseguiam aprovação em seleções difíceis, ou sorteio de vagas, ou mesmo por indicação de alguém do andar de cima, afinal, sempre fomos o país do “sabe com quem está falando?”. Desse período sobrou uma lembrança idílica de que as escolas públicas eram maravilhosas e hoje são péssimas. Às vezes cansa repetir que direito restrito a poucos, não é direito, mas sim privilégio. E quando é para poucos, fica mais fácil ser de excelência.

Então, quando o acesso foi universalizado caiu a qualidade, porque as redes públicas cresceram vertiginosamente. E é por isso que lutamos por mais recursos, com a aplicação do Custo Aluno Qualidade- CAQ, criado e defendido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que estabelece referenciais para que alcancemos a educação de qualidade, onde quer que as escolas estejam. Leva-se em consideração o tamanho das turmas, infraestrutura das escolas, salários dos profissionais da educação compatíveis com outras carreiras de nível superior, formação continuada para professoras e professores. O CAQ inverte a lógica da política orçamentária de partir do que se tem disponível para decidir o quanto vai para cada área, propondo que se veja o valor necessário para se ter educação de qualidade e aplicar.

O Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014, Lei 13.005/2014, parece peça de museu guardada dentro de uma redoma, amarelado pelo tempo e esquecido por aqueles que deveriam cumpri-lo, em especial, o Ministério da Educação (MEC). Na meta 20, que se refere ao financiamento da educação, as estratégias 20.7 e 20.8 mencionam o CAQ, estabelecendo que este seja o referencial para financiamento de todas as etapas da educação básica, implantado em 3 anos, ou seja, deveria ser 2017, acompanhado pelo Fórum Nacional de Educação (FNE).  Moral da história, até mesmo o FNE foi extinto, bem como todas as instâncias de participação popular no atual governo.

Então, a expectativa apresentada com a aprovação do PNE, de que teríamos 7% do PIB para a educação pública até 2019 e 10% até 2024 virou fumaça e dispersou-se antes mesmo de 2019. E agora, em 2021, com a situação precária de todas as políticas públicas realizadoras de direitos, educação e saúde públicas estão em risco de extinção.

E é isso que precisa ficar nítido para toda a população brasileira. Há um projeto neoliberal de acabar com políticas públicas. Reduzindo o Estado ao mínimo que garanta boa vida a grandes empresários, agronegócio, privilégios aos de sempre. Não podemos esquecer que um dos grandes incômodos provocados pelos governos do PT foi a ampliação de vagas nas universidades para pessoas negras e oriundas das escolas públicas.  Além de ampliar significativamente as universidades públicas em número e tamanho.

Neste momento estão negociando o fim do financiamento obrigatório para as universidades e institutos federais. Pode ser a pá de cal que faltava para acabar com ensino superior público, nos assemelhando aos Estados Unidos, onde as melhores universidades são pagas e os valores acessíveis apenas para a elite econômica. Se já somos um dos países mais desiguais do mundo, talvez agora cheguemos em primeiro lugar no ranking do horror.

Ao que parece estamos presenciando um momento verdade daqueles que sempre foram os donos do poder, que financiaram a escravidão, que fazem casas e apartamentos com “dependência completa para empregadas”, que dizem que índios e quilombolas são preguiçosos, que colocam no paredão qualquer pessoa negra, mas preservam os seus, mesmo que assassinos, milicianos, genocidas…

Vídeo: Caatinga, hierarquias e pandemias

“Nós, para vivermos de forma integrada, para termos qualidade de vida, nós precisamos respeitar todas as vidas, sem hierarquizar e sem classificar.” (Nêgo Bispo).

A marca do modo de pensar de Antonio Bispo dos Santos, Nêgo Bispo, é a originalidade. Provocado a falar sobre a Covid-19, ele escolheu abordar o aspecto socioambiental. “Há no Brasil, uma super-discriminação em relação ao bioma semiárido.” E emendou: “Subestimar um bioma é subestimar as vidas que ali existem. É também praticar a pandemia. Todas as vidas importam. Todos os biomas importam.”

Este vídeo foi feito respeitando o distanciamento social. A produção e direção é de Dacia Ibiapina, com apoio do Inesc e da Conaq. O depoimento foi gravado por Sérgio Gomes com seu celular, em dezembro/2020. As demais imagens foram gravadas por Ivan Costa, em Saco Curtume, comunidade quilombola onde reside Nêgo Bispo, em São João do Paiuí (PI). Foi durante as comemorações dos 60 anos de Nêgo Bispo, em dezembro/2019, antes da Covid-19. A direção é de Dácia Ibiapina, a edição é de Isabelle Araújo, a edição de som é de Guile Martins e a música é de Luiz de Chubel.

Dacia Ibiapina, cineasta

 

 

Quilombolas no contexto da pandemia Covid-19

Carmela Zigoni, Assessora Política do Inesc

A pandemia Covid-19 vitimou mais de 179 quilombolas no Brasil, e contaminou mais de 5 mil. Os dados são da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas ( Conaq), que tem feito o registro de casos e óbitos, pois os órgãos de saúde não têm marcadores étnico-raciais que os contemplem.

As comunidades quilombolas estão presentes em todo o território nacional e são um dos grupos mais afetados por projetos com impactos socioambientais negativos, tais como mineração e agronegócio. Somente 7% dos territórios quilombolas são titulados no país, a despeito do direito previsto na Constituição de 1988 e no Decreto 4887/2004. Desde 2017, nenhum recurso orçamentário foi alocado para regularização fundiária destes territórios.

Em contrapartida, os territórios quilombolas permanecem resistindo, e buscam praticar outros modelos de produção não predatório, como a agroecologia e a agricultura familiar.

Os quilombolas lutam desde o início da pandemia contra a invisibilidade e por políticas públicas específicas que respeitem sua cultura e vulnerabilidade das comunidades.  No entanto, têm sido sistematicamente vítimas do racismo institucional. Durante todo o ano de 2020, incidiram em busca de direitos, o que se materializou pela ADPF 742 enviada ao Supremo Tribunal Federal – STF.

O ano de 2021 iniciou com a notícia de que os quilombolas estão sendo excluídos dos grupos prioritários de acesso a vacina contra o coronavírus.

A contribuição do mestre Antônio Bispo dos Santos para a reflexão sobre a pandemia, feita por meio do vídeo dirigido pela cineasta Dacia Ibiapina, se inscreve neste contexto. Para o mestre, a pandemia é fruto de processos de hierarquização e discriminação mais amplos, nos quais não só os humanos são afetados, mas todos os seres daquilo que os humanos denominam natureza. Essa falsa oposição entre humanidade e natureza intensifica processos socioambientais destrutivos que desembocaram na pandemia Covid-19.

Suas reflexões sobre a colonialidade perene e contemporânea na sociedade brasileira, bem como seus conceitos de confluência e transfluência como formas de contra-colonialidade, estão desenvolvidas no livro Colonização – Quilombos! Modos e Significações (2019), bem como no artigo Somos da Terra (2018). Nestas obras, Mestre Bispo sinaliza para a inviabilidade do modelo colonial – mal disfarçado por instituições ditas democráticas – para a reprodução dos modos de vida quilombola, e da própria vida no planeta.

Ao construir um conceito local de pandemia no vídeo “Caatinga, Hierarquias e Pandemias”, Antonio Bispo dos Santos se posiciona em relação a esta colonialidade, trazendo para o centro a visão de mundo e os modos de vida quilombola e a sua relação particular com o território, visto como um espaço de compartilhamento entre pessoas e meio ambiente.

Funai gastou apenas 52% dos recursos para enfrentamento da Covid entre indígenas

Levantamento inédito do Inesc (Instituto de Estudos Socioecnômicos) mostra que até o início de dezembro, a Funai gastou apenas 52% dos recursos destinados ao enfrentamento do novo coronavírus entre povos indígenas. Os gastos do órgão com o programa “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas” também seguiram ritmo contrário ao exigido pela gravidade da pandemia: apenas 46% do orçamento foi executado até agora. “O baixo índice de execução orçamentária é emblemático da fragilização da política indigenista que, esvaziada de pessoal, corpo técnico e prioridade política, ausenta-se de cumprir seus deveres constitucionais”, alertou Leila Saraiva, assessora política do Inesc.

Os números endossam o relatório  Nossa luta é pela vida, lançado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na semana passada, que apresenta um panorama sobre as situações vividas pelos povos indígenas do Brasil em decorrência da pandemia. O novo coronavírus já atingiu diretamente mais da metade dos 305 povos indígenas que vivem no Brasil. Até 9 de dezembro, o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena registrou 41.250 infectados e 889 óbitos em decorrência da Covid-19.

 

Leia a íntegra do levantamento:

Genocídio em curso: até o início de dezembro de 2020, Funai gastou apenas 52% dos recursos destinados ao enfrentamento do novo Coronavírus entre povos indígenas.

Com a chegada do novo Coronavírus em território brasileiro, foram destinados para a Fundação Nacional do Índio (Funai) R$18.340.000,00 em recursos extraordinários e redirecionados R$23.073.386,00 dos recursos próprios para o enfrentamento da pandemia entre povos indígenas. O gasto efetivo do recurso, no entanto, não acompanha a gravidade dos efeitos do vírus entre os povos originários: apenas 52% dos recursos foram efetivamente pagos até o início de dezembro de 2020.

O Gráfico 1 aponta para uma taxa de execução orçamentária de 74% nos recursos extraordinários, mas de apenas 33% nos recursos próprios da Funai redirecionados para o enfrentamento da pandemia. Pode-se aferir que a taxa de execução dos recursos extraordinários responde à pressão e organização dos movimentos indígenas que, entre outras coisas, obtiveram sucesso na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 709, exigindo, no Supremo Tribunal Federal, ação do Executivo contra a pandemia. O ritmo de execução dos recursos próprios, no entanto, segue mesmo ritmo dos demais gastos do órgão: dados do Siga Brasil demonstram que apenas 46% do orçamento de seu principal programa finalístico (0617 – Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas) foram gastos até o início de dezembro. O baixo índice de execução orçamentária é emblemático da fragilização da política indigenista que, esvaziada de pessoal, corpo técnico e prioridade política, ausenta-se de cumprir seus deveres constitucionais.

Os efeitos do novo Coronavírus entre os povos indígenas foram, desde a chegada da pandemia no Brasil, dramáticos. Dados do monitoramento autônomo realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil em parceria com o Instituto Socioambiental do dia 8 de dezembro afirmam que há 41.250 casos confirmados em 161 povos afetados, resultando em 889 indígenas mortos em decorrência da doença. As perdas, como o movimento indígena tem afirmado desde maio, não são mensuráveis: representam mais um ataque na série de ofensivas contra os povos originários que, além da pandemia, enfrentam também invasões e violações de seus territórios, violência política e ambiental e a sanha de um governo que se posiciona explicitamente contra seus direitos.

 

Para que piorar as coisas?

Em artigo para o Le Monde Diplomatique Brasil, Adhemar Mineiro, consultor do Inesc, explica como os acordos de livre comércio com a União Europeia e EFTA ampliam pressão do agronegócio sobre o meio ambiente. Para saber mais sobre os acordos acesse os informativos do Inesc sobre o assunto:

> > Entenda o acordo Mercosul – EFTA

>> Entenda o acordo Mercosul – União Europeia

 

Leia a íntegra do artigo:

Dois biomas brasileiros estão em chamas. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para setembro de 2020, a Amazônia teve seu segundo pior mês de setembro, só superado pelo ano de 2017, com 32.017 focos de calor – um aumento de cerca de 60% em relação ao mesmo mês do ano passado. No Pantanal, o aumento foi três vezes maior: 180% em relação ao mesmo mês do ano passado, chegando a 8.106 focos de calor, constituindo, de longe, o pior setembro da série desde 1998.

Analisando as informações entre 2016 e 2019 para a Amazônia, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) é bastante claro em sua avaliação: “As queimadas associadas ao manejo agropecuário foram o principal tipo de fogo registrado no período.” E isso não acontece por acaso: entre 2016 e 2020, os governos que se sucederam no Brasil (Michel Temer e Jair Bolsonaro), implícita ou explicitamente, foram apoiados pelo agronegócio, e no caso do segundo, o seu discurso de campanha foi um incentivo não apenas ao agronegócio, mas a madeireiros, garimpeiros e grileiros, especialmente no Norte do país.

Assim, o crescimento do agronegócio corresponde a uma pressão pelo aumento da produção, seja pela intensificação em áreas onde já se produz, seja pela ocupação de novas áreas. Parte expressiva dessa pressão ocorreu a partir da virada do século com a busca dos chineses por produtos agropecuários, e o aumento da intensidade do comércio do Brasil (e muitos outros países da América Latina e do restante do Mundo) com a China. Essa já era uma pressão existente, e com fortes danos ambientais causados pela extensão da área de produção do agronegócio,  e pelo aumento de adubos, defensivos e outros produtos agressivos ao meio ambiente.

A questão agora é que esse processo pode ser ampliado com a assinatura de acordos de livre comércio com a União Europeia e com a Área Europeia de Livre Comércio (conhecida pelo acrônimo em inglês EFTA, European Free Trade Area, e que inclui Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia). Esses acordos, embora representem universos diferentes (enquanto os quatro países do EFTA representam pouco mais de 14 milhões de habitantes e cerca de US$ 1 trilhão de PIB, a EU representa cerca de 32 vezes a população do EFTA, e cerca de 20 vezes o PIB dos países que compõem o EFTA), vão no mesmo sentido em geral – um sentido que poderia se chamar de “neo-colonial”, onde os países do Mercosul se especializam em produzir produtos primários, do agronegócio ou da mineração, e em importar produtos de mais alto valor agregado industrial e serviços, seja da UE, seja do EFTA. Assim, teremos uma pressão ainda maior nos países do Mercosul em geral, e no Brasil, em particular, pelo aumento da produção do agronegócio caso sejam ratificados esses acordos já negociados.

É importante observar que os impactos negativos dos acordos não se restringem à área ambiental, já que a pressão pela expansão da área de produção do agronegócio ameaça áreas hoje ocupadas por reservas indígenas, populações tradicionais (ribeirinhos, quilombolas, quebradeiras de coco, e outras populações), assim como áreas onde hoje produz a pequena agricultura camponesa e a agricultura familiar em geral. Assim, existe também uma forte pressão social na expansão do agronegócio.

Outro ponto é que os impactos ambientais dos acordos não se restringem à expansão da área de produção do agronegócio e ao desmatamento. Na área industrial, com a liberalização de tarifas e os acordos, acaba cabendo ao Mercosul se especializar em produtos de menor valor agregado, muitos deles intensivos em impactos ambientais, ou em consumo de energia (e aí, sabemos que vai nos caber gerar energia para as cadeias industriais, o que também têm custos ambientais, como as barragens).

Cabe então uma pergunta importante: para que piorar a situação ratificando os acordos comerciais em discussão?

Adhemar S. Mineiro é economista e consultar da Rede Brasileira pela Integração dos Povos e do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Eleições 2020: perfil das candidaturas eleitas em 1º turno

Considerando o resultado das eleições nos 5.408 municípios onde o pleito foi definido no último domingo (15/11)[1], já é possível visualizar um “perfil do poder”, relacionando raça, gênero, patrimônio e posição ideológica dos eleitos para mandatos de prefeitura e vereança nos próximos quatro anos. Haverá segundo turno em 57 municípios e 102 cidades estão com candidatos, eleitos ou ainda disputando, sub judice.

Nas capitais, os partidos de centro elegeram 2 prefeitos no 1º turno (Campo Grande e Palmas), os de direita, 5 (Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Natal e Salvador) e os de esquerda nenhum. O confronto entre esquerda e direita ocorrerá em 3 capitais no segundo turno (Belém, Rio Branco, Vitória);  entre centro e direita em 5 (Cuiabá, Goiânia, João Pessoa, Manaus, Porto Velho); entre esquerda e esquerda em 2 (Aracaju, Recife); entre centro e centro em 2 (Boa Vista, Teresina), entre centro e esquerda em 4 (Fortaleza, Maceió, Porto Alegre, São Paulo) e entre direita e direita em 2 (Rio de Janeiro, São Luís)[2].

Para vereança, as proporções foram:

Mais mulheres eleitas

A proporção de mulheres eleitas no primeiro turno foi de 15,7%, um aumento de 2,3% em relação ao primeiro turno de 2016, quando foram eleitas 13,4% de mulheres para todos os cargos. Os partidos que mais elegeram mulheres foram MDB (1.468), PP (1.155) e PSD (977); e os que mais elegeram negros foram MDB (3.064), PSD (3.060) e PP (2.958).

As prefeituras serão chefiadas por mulheres em 12,1% de municípios (659).  Destas 32% serão mulheres negras, 66,5% brancas, 1,1% amarelas, 0,15% indígena, 0,15% sem informação. Para o cargo de vereadora, foram 16% de mulheres eleitas. Das quais, 39,3% são negras e 59% brancas.

Das mais de 88 mil mulheres negras candidatas, 4,54% (4.026) foram eleitas (3.510 pardas e 516 pretas). Das 706 mulheres indígenas que se candidataram, 31 foram eleitas.

Os homens negros representaram 33,84% do total de candidaturas, sendo 6,92% pretos e 26,92% pardos, e a proporção de eleitos até agora foi de 36,9% (38,4% para vereador e 28,2% para prefeitos). Os homens brancos, que  representavam 47,15% dos candidatos, são 59,6% dos eleitos para prefeituras e 44,1% para vereança.

Das 695 mulheres indígenas candidatas, 29 foram eleitas vereadoras, 1 prefeita e 2 vice-prefeitas. Dos 1.407 homens indígenas candidatos, 168 foram eleitos – 153 vereadores, 8 vice-prefeitos e 7 prefeitos.

Considerando homens e mulheres, e perfil raça/cor, a proporção de brancos e negros para os próximos quatro anos é a seguinte:

Entre os jovens eleitos (18 a 35 anos), foram 4.813 homens negros e 803 mulheres negras. Mas já na juventude a desigualdade se reproduz: foram 5.737 homens brancos eleitos e 1.166 mulheres brancas. As jovens negras representaram 22.193 candidaturas a vereadora, 94 a prefeita e 266 a vice-prefeita (18 a 35 anos), mas foram eleitas 735, 32 e 36, respectivamente.

Em relação ao patrimônio, as candidaturas eleitas se concentram mais na faixa de R$ 100 a R$ 500 mil, R$ 1 milhão a R$ 5 milhões, e R$ 500 mil a R$ 1 milhão, respectivamente. Como demonstramos em artigo, cerca de 19,69% dos candidatos receberam pelo menos uma parcela do auxílio emergencial, e 30% das candidatas negras com patrimônio inferior a R$ 50 mil recorreram ao auxílio.  Destas, se elegeram 170.

Das 151 candidaturas de pessoas trans para vereança inscritas no TSE com nome social, 3 foram eleitas: Filipa Brunelli (PT, Araraquara/SP), Anabella Pavão (PSOL, Batatais/SP) e Paulinha da Saúde (MDB, Eldorado dos Carajás/PA). Não houve candidaturas para prefeitura inscritas com nome social no TSE.

Das 328 candidaturas coletivas que identificamos  registradas no TSE, 24 foram eleitas. Destas, 16 têm como nome de urna uma mulher, e 5 de uma mulher negra.

Em 2.054 municípios brasileiros houve um cenário com apenas duas candidaturas para prefeitura. A proporção dos resultados por espectro político neste caso foi 27,4%  de centro, 53,3%  de direita e 19,3%  de esquerda. Lembrando que, conforme demonstramos em artigo anterior, em 112 municípios, a disputa se deu somente entre candidatos de partidos de centro; em 488 a disputa ocorreu apenas entre partidos de direita; e, em 60 municípios, somente entre partidos de esquerda. Nos confrontos que envolvem dois espectros políticos diferentes, temos 666 municípios em que a disputa será entre centro e direita; 487, entre direita e esquerda; e 240, entre centro e esquerda.

Promoção da equidade

Podemos dizer que há um saldo positivo, pois a cada eleição aumenta o número de candidaturas de mulheres, negros, indígenas e LGBTIs, ainda que, estatisticamente, sejam aumentos discretos. O simbolismo de algumas candidatas eleitas também contribui para mudanças importantes na cultura política do país, como a primeira mulher negra no legislativo de Curitiba, Carol Dartora (PT) e a vereadora mais votada de São Paulo ser uma mulher trans negra, Erika Hilton (PSOL). Há também que ampliar o debate sobre representatividade nos espaços de poder, pois em termos de resultados, o perfil das candidaturas eleitas em sua maioria ainda é de pessoas brancas, sendo os homens, brancos, com idade acima de 40 anos a maioria para todos os cargos. Até as próximas eleições, em 2022, existe o desafio de aperfeiçoar os mecanismos obrigatórios para promoção de equidade, como a distribuição do Fundo Eleitoral para mulheres e negros, mas também fazer propostas para que sejam criados outros mecanismos, para que de fato estas candidaturas possam ser eleitas.

 

Coordenação: Inesc
Tratamento de dados: CommonData

 

[1] Até o momento do fechamento das análises, o Tribunal Superior Eleitoral não havia liberado os microdados completos dos resultados e boletins de urna do 1º turno das Eleições Municipais 2020. Os dados apresentados são resultado de um trabalho de coleta dos painéis interativos disponibilizados pelo TSE, com as prévias.

[2] O Brasil conta hoje com 33 partidos. Para fins de análise, adotamos a classificação elaborada pelo Congresso em Foco (2019),, que divide os partidos em três grandes grupos do espectro político: direita, centro e esquerda: Direita: DC; DEM; NOVO; PATRIOTA; PL; PMB; PODEMOS; PP; PRTB; PSC; PSD; PSL; PTB; PTC; e REPUBLICANOS; Centro: AVANTE; MDB; PROS; PSDB; e SOLIDARIEDADE; Esquerda: CIDADANIA; PCB; PCdoB; PCO; PDT; PMN; PSB; PSOL; PSTU; PT; PV; REDE; e UP.

 

Eleições 2020: os casos de municípios com apenas uma ou duas candidaturas

Uma parceria do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) com o coletivo científico Common Data resultou em artigo publicado no UOL sobre municípios com apenas uma ou duas candidaturas disputando os cargos para a prefeitura nas Eleições 2020. Os dados levantados traçam um perfil por gênero, raça e espectro ideológico.

>>> Leia a íntegra do artigo publicado no UOl aqui

Saiba mais sobre o levantamento:

O sistema político brasileiro permite acontecimentos pouco imaginados pela maioria das pessoas: nas Eleições 2020, serão 2.053 municípios com apenas dois candidatos(as) a prefeito(a) e 108 municípios onde existe apenas uma candidatura registrada para concorrer à prefeitura. Nestes cenários, predomina a polarização observada na política nacional? O que significam candidaturas únicas em um processo de exercício da soberania popular pelo voto?

Nos casos de municípios com apenas um(a) candidato(a) observamos a ausência de contraponto ao concorrente para chefe do executivo municipal durante o período eleitoral, ainda que durante o mandato outras formas de controle social possam ser exercidas pela sociedade, por meio de conselhos, audiências públicas, pelas organizações e movimentos sociais. Existem diversas barreiras (inclusive materiais) ao registro de candidaturas e isso também restringe a possibilidade de organização partidária.  Portanto, o fato de existir só uma candidatura não indica, de forma alguma, homogeneidade política ou consenso. É mais provável que indique um certo apagamento/silenciamento da oposição, dos conflitos e das divergências.

Nos processos eleitorais com duas candidaturas, um cenário que será realidade em 36,87% dos municípios brasileiros, a polarização, enquanto disputa de apenas duas propostas políticas para a cidade, estaria posta na largada das eleições. No entanto, a dinâmica partidária e as características estruturais da sociedade brasileira – de reprodução de privilégios e desigualdades – incidem para complexificar a noção de polarização.

Ressaltamos que a polarização política é um conceito complexo que guarda divergências entre analistas e cientistas políticos. Trata-se de um fenômeno que pode ser entendido pelo viés do debate democrático ou pela interdição do mesmo, a depender da intensidade com que ocorre. O cientista político Leonardo Avritzer (2019) afirma que a polarização é expressa pelo “(…) aumento da distância entre os diferentes polos políticos, já que extremos sempre existem e sua existência não parece ser o problema. O problema ocorre quando a distância entre direita e esquerda aumenta e a questão analítica é entender o significado dessa ampliação”. Para o cientista político Armando Boito Junior (2020)[1], no caso brasileiro recente, o sistema partidário que vigorou até 1990, pluripartidário e com polarização moderada entre PT e PSDB estaria em crise, dando lugar a “(…) uma nova polarização, agora entre a extrema direita neofascista e a centro esquerda capitaneada pelo PT.” Já a antropóloga Rosana Pinheiro Machado, estudiosa das jornadas de junho de 2013 e da ascensão do bolsonarismo, aposta em uma “outra etapa da polarização no Brasil”, para além de esquerda e direita, entre homens brancos do patriarcado e mulheres negras e LGBT[2].

Estas análises se debruçam sobre a política nacional e não podem ser facilmente aplicadas para as dinâmicas eleitorais locais, onde a polarização – se existir – pode se dar por questões variadas. Por exemplo, a instalação ou não de um projeto de mineração pode dividir uma cidade, trazendo interesses transnacionais ao território, mobilizando atores políticos externos ao município, e alinhando a política local à política nacional. Por outro lado, podem existir contextos onde as querelas são de natureza estritamente local, como a construção de uma praça ou um posto de saúde – não que sejam menos importantes, mas mobilizam menos capital político relacionado à política nacional.

O Brasil conta hoje com 33 partidos. Para fins de análise, adotamos a classificação elaborada pelo Congresso em Foco (2019)[3],, que divide os partidos em três grandes grupos do espectro político: direita, centro e esquerda.

  • Direita: DC; DEM; NOVO; PATRIOTA; PL; PMB; PODEMOS; PP; PRTB; PSC; PSD; PSL; PTB; PTC; e REPUBLICANOS;
  • Centro: AVANTE; MDB; PROS; PSDB; e SOLIDARIEDADE;
  • Esquerda: CIDADANIA; PCB; PCdoB; PCO; PDT; PMN; PSB; PSOL; PSTU; PT; PV; REDE; e

Destaca-se os municípios com uma ou duas candidaturas tem população inferior a 20.000 habitantes (90,19%), porém temos 3 municípios com mais de 100 mil habitantes com candidaturas duplas: Ourinhos-SP, Tailândia-PA e Sobral-CE. Lembrando que o segundo turno só é possível em municípios com mais de 200 mil eleitores, os casos em tela podem sinalizar para tentativas de mudança no poder local, pois a disputa ocorre em uma só rodada de votação.

Municípios com apenas uma candidatura

Em 108 municípios brasileiros, os perfis dos novos governantes municipais já estão definidos antes mesmo das eleições. Considerando o espectro político acima, dos 108 casos em que há apenas um(a) candidato(a), 50 possuem um(a) candidato(a) da direita; 38 possuem uma candidatura ligada ao centro; e 20 possuem um(a) candidato(a) da esquerda.

 

Os cenários deste tipo estão espalhados em todas as regiões do Brasil, mas concentram-se sobretudo na Região Sul (43,51%)[4].

Dos 108 candidatos a prefeituras que não enfrentarão concorrência, 100 (92,59%) são homens e, dentre eles:

  • 45 são de partidos de direita; 20 são de esquerda; e 35 são de centro;
  • 82 são brancos; 16 são pardos; 1 é amarelo; e 1 é preto;
  • 61 possuem ensino superior completo; 24 possuem ensino médio completo; 7 possuem ensino fundamental completo; e 8 não concluíram o ensino fundamental.

Das 8 mulheres (7,40%) concorrendo:

  • 3 são de partidos de centro e 5 são de direita, ou seja, não há candidatas de esquerda nestes perfis únicos;
  • 7 mulheres são brancas e 01 mulher é parda;
  • 3 declararam sua ocupação como prefeita;
  • 7 destas mulheres possuem ensino superior completo e 01 não concluiu o ensino superior (possui, então, ensino médio completo);
  • 3 destes municípios com apenas uma candidata mulher se encontram no Rio Grande do Norte; 1 no Piauí; 1 em Santa Catarina; 1 no Paraná; e 2 no Rio Grande do Sul.

 

 

 

Municípios com duas candidaturas

São 2.053 municípios brasileiros que irão enfrentar esse cenário dicotômico nas eleições para o Executivo municipal. Em 112 municípios, a disputa se dará somente entre candidatos de partidos de centro; em 488 a disputa será somente entre partidos de direita; e, em 60 municípios, somente entre partidos de esquerda. Nos confrontos que envolvem dois espectros políticos diferentes, temos 666 municípios em que a disputa será entre centro e direita; 487, entre direita e esquerda; e 240, entre centro e esquerda.

 

 

 

 

Os dados coletados demonstram que o risco de polarização não é tão grande nas disputas com apenas dois candidatos: a polarização direita-esquerda, por exemplo, ocorre em apenas 23,7% dos casos e em 32,2% dos casos a disputa se dará dentro do mesmo espectro. Por outro lado, o elevado número de candidatos homens e brancos concorrendo entre si revela um sistema político em que ainda prevalecem as hegemonias branca e masculina, reproduzindo, portanto, os privilégios do grupo social com maior concentração de poder e riqueza na sociedade brasileira

Das eleições com duas candidaturas, 1.581 disputas serão entre homens (77%), 443 serão entre candidaturas masculinas x candidaturas femininas (21,57%) e 29 serão entre candidaturas femininas (1,15%). Nos casos onde a disputa é entre homens e mulheres, as mulheres estão mais concentradas no MDB, PP e PSD, somando 239 de direita, 122 de centro e 82 candidatas de esquerda; no caso da disputa entre as mulheres, há 33 de direita, 12 de centro e 13 de esquerda.

Em relação ao perfil racial, a hegemonia branca nas disputas é marcante: as disputas entre dois candidatos brancos representam 52% (1084), seguido de disputas entre brancos e pardos, 26,7%, e brancos e pretos somam 2%. As candidaturas de raça/cor parda disputando entre si representam 14,08% (289).  Se utilizarmos a categoria negro (pretos + pardos) disputando entre si o percentual é de 15,73% (323). Os brancos aparecem em seis das quinze combinações possíveis a partir das categorias raciais do IBGE (se contarmos o cruzamento com candidaturas sem informação). Os dados evidenciam, sobretudo, a predominância de disputas entre candidatos brancos, mas também revelam que em 323 municípios (15,73%), o próximo governante será, necessariamente, preto ou pardo.

Sobre a polarização ideológica, observamos que o embate entre direita e esquerda não passará de ⅓ da totalidade de confrontos entre dois candidatos. Se considerarmos o tipo de polarização impressa no âmbito nacional pelo PSL em relação ao PT, temos apenas 03 municípios onde isso acontece: Nova Resende – MG (16.645 habitantes), Guiricema-MG (8.697 habitantes) e Quilombo-SC (10.255 habitantes). Se considerarmos a correlação de forças implementada pelo chamado centrão – que apoia o bolsonarismo como implementador de políticas neoliberais, a exemplo do Teto de Gastos – a polarização entre PT, de um lado, e DEM/MDB/PSDB/PP/PL/PSD, de outro, ocorre em 166 casos. Destaca-se, porém, o predomínio de disputas envolvendo partidos apenas de direita e de centro: em 1.266 casos (61,67%), os partidos de esquerda sequer participarão da disputa eleitoral: enquanto o próximo governante será obrigatoriamente de um partido de direita em 488 municípios, para a esquerda, essa garantia só existe em 60 municípios.

 

[1] Avanços do Conservadorismo e do Neofascismo no Brasil recente – Entrevista com Armando Boito Jr., por Bruna Andrade Irineu e Leon     ardo Nogueira. 360Revista Direitos, trabalho e política social, CUIABÁ, V. 6, n. 10, p. 352-362, Jan./jun. 2020. file:///C:/Users/Admin/AppData/Local/Temp/9759-Texto%20do%20Artigo-34842-1-10-20200131.pdf

[2] Em: https://catarinas.info/homens-brancos-contra-mulheres-negras-e-lgbts-a-nova-polarizacao-politica-brasileira/ ; para mais detalhes das análises da autora sobre o tema, ver Amanhã vai ser maior, Ed. Planeta do Brasil 2019.

[3] Os novos partidos, que não estavam arrolados na classificação do Congresso em Foco, foram analisados e enquadrados em um dos três grupos, considerando a forma como os próprios partidos se definem.

[4] Dentre os municípios com apenas um candidato, 01 fica na Bahia; 01 no Ceará; 04 em Goiás; 17 em Minas Gerais; 02 em Mato Grosso do Sul; 07 em Mato Grosso; 01 na Paraíba; 03 em Pernambuco; 03 no Piauí; 14 no Paraná; 01 no Rio de Janeiro; 01 no Rio Grande do Norte; 01 em Rondônia; 31 no Rio Grande do Sul; 02 em Santa Catarina; 09 em São Paulo; e 02 em Tocantins.

*Carmela Zigoni é doutora em antropologia social e assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), parceiro da Campanha Quero Me Ver no Poder, da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, com apoio do Fundo Pulsante. Janaina Peres é doutora em desenvolvimento e políticas públicas. Lara Laranja e Luciana Guedes são doutorandas em desenvolvimento, tecnologias e políticas públicas, e Camila Fraccaro é cientista de dados. Todas integram o Coletivo CommonData.

Um passo à frente, dez passos para trás – a volta da fome

O Dia Mundial da Alimentação é celebrado todo 16 de outubro desde 1981. Esta data corresponde ao dia de criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 1945. A FAO, que este ano celebra seu 75º aniversário, foi fundada logo após o término da IIª Guerra Mundial, com o objetivo primordial de erradicar a fome, a desnutrição e a insegurança alimentar e nutricional ao redor do mundo.

Este ano, o lema do Dia Mundial da Alimentação é “Crescer, Nutrir, Sustentar. Juntos”. E como estamos no Brasil?

Não estamos bem, não havendo nada para celebrar, muito pelo contrário. Apesar do nosso agronegócio dito pujante e chamado de “pop”, não só a fome aumentou como pioraram as condições de sustentabilidade ambiental e climática da produção de alimentos.

A fome, uma mazela que pensávamos resolvida, nos ronda novamente. Segundo os dados mais recentes do IBGE, em 2017/2018, 85 milhões de brasileiros habitavam em domicílios com algum grau de insegurança alimentar e nutricional, dos quais 10 milhões sofriam de Insegurança Alimentar Grave (IAG). Isso equivale a toda a população de Portugal.

Insegurança Alimentar Grave é a expressão da fome vivenciada no domicilio, que corresponde a uma ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores, incluindo as crianças. Como pode ser observado no Gráfico 1, entre 2004 e 2013, o número de pessoas em IAG caiu pela metade, passando de 14,9 milhões para 7,2 milhões no período. Contudo, a partir de 2013, a situação vem piorando e em 2017/2018 o número de pessoas com fome aumentou para 10,2 milhões. Isso foi antes da pandemia da Covid-19, agora o quadro deve ser muito pior devido à crise econômica que resultou na perda de milhões de empregos e de diminuição da renda, especialmente dos mais pobres, associada ao pouco caso que o governo federal vem dando ao tema.

A fome tem endereço, cor e sexo

Como não poderia deixar de ser em um país eminentemente racista e sexista, a fome tem endereço, cor e sexo. Com efeito, ela está proporcionalmente mais presente nas áreas rurais, no Nordeste e em famílias chefiadas por mulheres ou negros. Assim, por exemplo, 74% dos domicílios com Insegurança Alimentar Grave têm como referência uma pessoa negra.

Diante desse quadro, qual a resposta do governo federal? Acabar com a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que, até então, gozava de reconhecimento internacional devido aos expressivos resultados que vinha apresentando, especialmente com a diminuição da fome no Brasil. Esse foi um dos primeiros atos do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019.

Piso mínimo emergencial para combater a fome

É para se contrapor a esse absurdo que 200 organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, articuladas na Coalização Direitos Valem Mais, apresentaram ao Congresso Nacional propostas concretas de um piso mínimo emergencial destinado a serviços essenciais para o Orçamento da União de 2021, dentre os quais, os de combate à fome.

Como se não bastasse desarticular a agricultura familiar e a agroecologia, o governo Bolsonaro desmontou as políticas socioambientais, desconsiderou os acordos de clima e incentivou o avanço da agropecuária, especialmente na Amazônia, contribuindo para o aumento das queimadas e do desmatamento. No Brasil do presidente Bolsonaro, fome, destruição do meio ambiente e aumento das emissões de gazes de efeito estufa andam juntos formando uma perfeita tempestade.

Se é verdade que o auxílio emergencial contribuiu para evitar o pior, a diminuição do valor pela metade a partir de outubro e sua interrupção no final do ano irão resultar em crise alimentar grave. Não seremos capazes de cumprir nenhum dos itens do bordão do Dia Mundial da Alimentação: não iremos crescer, não iremos nutrir, nem sustentar e muito menos juntos, uma vez que, tanto o governo quanto nossas elites que o sustentam, se preocupam mais com a diminuição dos gastos para atender o mercado do que com a fome de seu povo.

No Brasil, clima e floresta tornaram-se questão de polícia

No apagar das luzes de agosto, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que detalha as expectativas de despesa para 2021. O documento reforça as especulações que vinham sendo feitas desde 18 de agosto, quando uma versão do documento vazou à imprensa. De um lado, a peça revela a estratégia agressiva dos militares a fim de garantir recursos para as suas áreas. De outro lado, mostra que o governo cedeu à pressão e optou por proteger recursos para o Ministério da Defesa.

A imprensa havia divulgado a informação de que militares pressionaram o governo para ampliar a fatia de recursos “ressalvados”, ou seja, aqueles sobre os quais o Legislativo tem baixo poder de veto. Relatou-se, ainda, que a equipe econômica pretendia abrir ampla negociação a respeito das ações subordinadas à aprovação do Legislativo. No entanto, uma série de atropelos e um suposto acordo entre militares e a Junta de Execução Orçamentária, aparentemente sem o conhecimento do Ministério da Economia, teria garantido a proteção dos recursos para Defesa em 2021.

Mas essa não foi a única polêmica envolvendo o orçamento público e os militares no governo durante o mês de agosto. No dia 21, a Defesa anunciou que gastaria R$145 milhões com a compra de microssatélites, sob a alegação de que os novos equipamentos seriam mais eficazes para o monitoramento do desmatamento e das queimadas na Amazônia. A aquisição favorece o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), vinculado à Defesa. O Inpe, que vem sendo desacreditado e sucateado, afirmou não ter sido consultado sobre esta aquisição. O órgão também questionou a compra, alegando que não há vantagem em relação aos instrumentos que já se encontram em uso.

Quem tem poder no governo Bolsonaro?

Tais notícias deixam dúvidas sobre quem terá o poder para direcionar a prioridade dos gastos no governo Bolsonaro, se o Ministério da Economia ou os militares. Além disso, no contexto da pandemia da Covid-19 e da piora significativa da qualidade de vida dos brasileiros (enlutados, doentes e desempregados), parece inapropriado insistir que os gastos com o equipamento da Defesa definam a prioridade orçamentária do governo. Mas o que diz o projeto de lei orçamentária para o próximo ano?

Na comparação com 2020, o PLOA para 2021 aumenta os recursos destinados à Defesa. A comparação foi feita entre os projetos de lei orçamentária de ambos os anos. Os dados foram extraídos do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP). Para 2021, a Defesa terá R$ 110,8 bilhões. Isto representa R$ 5,1 bilhões extras em comparação com o previsto na proposta orçamentária anterior (R$ 105,7 bilhões). Também é necessário considerar que, no correr do ano orçamentário, recursos podem ser adicionados (ou subtraídos) desta previsão inicial.

Em relação a outros ministérios, a tendência foi de recuo: Saúde, Educação, Infraestrutura e Meio Ambiente tiveram perdas reais. Educação, crianças e adolescentes e saúde sofreram cortes. Na saúde, a perda foi de cerca de R$ 40 bilhões. Na Infraestrutura, a aposta do governo são concessões, privatizações, finanças mistas e títulos verdes. Embora trate-se de um setor que se beneficia, comumente, pela concessão de créditos suplementares, a redução do orçamento antecipa o desejo do governo em experimentar novas modalidades de financiamento disponíveis no mercado.

Militares disputam recursos do Meio Ambiente

O Meio Ambiente parece levar para o próximo ano a grave crise que corrói suas capacidades. Na comparação com o PLOA de 2020, a pasta, cujo orçamento já vinha caindo de forma dramática, perdeu 35%. O Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento e dos Incêndios nos Biomas (6014) não aparece nesta proposta. A Funai teve leve aumento no orçamento. Mas os novos recursos não são suficientes para repor as perdas dos últimos anos.

Com a criação do Conselho Nacional da Amazônia, o ministério passou a concentrar recursos e funções de órgãos com mandato legal para administrar a política ambiental. Em 2020, créditos suplementares garantiram a entrada dos militares na disputa pelo meio ambiente. Para 2021, o grupo se esforçou para garantir, no projeto de lei, os recursos para implementação das suas políticas.

Por tudo isso, é possível dizer que o clima e a gestão das florestas, no Brasil, tornaram-se questão de polícia. Além disso, a articulação dos militares para apropriação crescente de recursos e a opção por proteger uma agenda de gastos fútil, no cenário de pandemia e de crise social, parece um enorme equívoco. O desinvestimento em áreas fundamentais para garantir direitos cobra o seu preço climático, social e econômico.

>>> Leia também: Governo federal dá ao Ministério da Defesa 84% de parte dos recursos recuperados pela Lava Jato

Os impactos do PLOA 2021 na política indigenista

Um rápido olhar para o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2021 parece trazer boas notícias para a política indigenista. O projeto de lei prevê R$11,49 milhões a mais para o principal órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e R$6,1 milhões a mais que a dotação atual do órgão no ano em curso. É importante, no entanto, que façamos duas observações.

Em primeiro lugar, esse pequeno acréscimo está longe de remediar os impactos de anos de estrangulamento. Os R$648,6 milhões atribuídos para a Funai em 2021 estão, por exemplo, muito distantes dos R$870 milhões atribuídos à fundação em 2013. A queda orçamentária contínua é aliada da reorientação do atual executivo para política indigenista, marcada por um retorno ao viés militarizado e assimilacionista do órgão.

Em segundo lugar, boa parte dos recursos apontados no PLOA 2021 estão sujeitos à aprovação legislativa, devido ao sufocamento orçamentário fruto da regra de ouro: dos R$648,6 milhões atribuídos para a Funai em 2021, R$ 338,6 mi estão sujeitos à aprovação do congresso. Desses, boa parte é para gastos com a já precária estrutura do órgão: são R$230,2 milhões condicionados destinados a pessoal e encargos sociais.

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É importante ressaltar esse alto índice de recursos condicionados à aprovação legislativa, mesmo que nos últimos dois anos o governo tenha sido autorizado pelo congresso a quebrar a regra de ouro. Isso porque os 52% dos recursos condicionados no PLOA 2021 para Funai contrastam com os 20% na mesma situação no PLOA 2020.  O quadro levanta ainda mais suspeitas se considerarmos que, mesmo com os valores condicionados de 2020 aprovados pelo Congresso, até agora nada deste recurso foi executado pela Funai no ano em curso.  Parece até mesmo que estamos diante de uma diretriz tácita, seguida pela chefia da Funai, de seguir reduzindo os gastos do órgão para aproximá-lo mais do orçamento não condicionado – o que basicamente impossibilitaria a atuação indigenista no ano que vem.

Por fim, é bom retomarmos a situação da Funai em 2020 para termos a dimensão real da gravidade da situação. Mesmo diante do violento impacto do novo coronavírus nos territórios indígenas, os gastos executados pelo órgão indigenistas seguem a passos lentos.  Até o início de setembro, apenas 58% da dotação atual da Funai foi efetivamente pago (R$376,9 milhões). O quadro torna-se ainda mais dramático quando analisamos as ações finalísticas do órgão. Apenas 30% dos recursos destinados para regularização, demarcação e fiscalização das terras indígenas e para proteção dos povos indígenas em isolamento voluntário (ação orçamentária 20UF) foram executados, (R$6,3 milhões). Já a ação que passou a reunir todos os demais direitos indígenas (direitos sociais, gestão ambiental e territorial, preservação cultural etc.) teve apenas 14% dos seus recursos efetivamente pagos até agora (R$6,5 milhões).  Mesmo a ação orçamentária criada a partir da atribuição de recursos extraordinários para contenção da pandemia teve apenas 50% de seu orçamento executado (R$9,2 milhões). Ou seja, até o nono mês de um ano dramático, apenas R$22 milhões foram gastos em ações finalísticas pelo órgão indigenista.

Simultaneamente, crescem as ameaças de toda sorte aos territórios: além do avanço da Covid-19, também abundam invasões, perseguição de lideranças, projetos de altos impactos para as comunidades e destruição dos biomas por elas ocupados. Como nunca deixou dúvidas o atual mandatário do governo federal, a crise da política indigenista não é crise, é projeto.

Leia também: Orçamento de 2021 mantém equilíbrio fiscal acima das necessidades da população.

Baixe o infográfico que resume os principais pontos do PLOA 2021 e a política indigenista.

Orçamento de 2021 mantém equilíbrio fiscal acima das necessidades da população

No dia 31 de agosto, o executivo enviou para o Congresso Nacional o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2021, com todos os gastos que o governo pretende realizar no próximo ano. Em um cenário de crise econômica, social, política e sanitária, faz-se ainda mais fundamental analisar esse instrumento sob a ótica dos direitos humanos, para entender quais os planos e prioridades do governo Bolsonaro para ano que vem, já que o documento não prevê os impactos da pandemia em 2021. O PLOA ainda será emendado pelos parlamentares (entre 1 e 20 de outubro) e precisa ser aprovado até o final do ano.

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado para o Congresso em abril, já foi analisado pelo Inesc. O texto coloca que o Teto de Gastos será a “âncora fiscal” de 2021, pois o governo não pretende gastar ano que vem além do delimitado pelo teto. Atitude diferente da que o governo tomou este ano, quando vem realizando gastos extraordinários além do teto para enfrentar a pandemia, ainda que estes gastos tenham apresentado graves atrasos em sua execução.

No PLOA não é diferente. Seguindo as diretrizes do PLDO, a pandemia e suas consequências se restringirão a 2020, e em 2021 voltaríamos ao normal, com prioridade para o equilíbrio fiscal e redução do déficit primário. “Não trabalhamos com extensão de calamidade para 2021”, disse Waldery Rodrigues, secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, ao justificar que os gastos extraordinários em função da pandemia ficaram restritos a 2020.

Mas o que é o “normal”? O país está mergulhado numa recessão econômica e vivenciando cortes de gastos sociais há anos que, como analisado pelo Inesc, deixaram o Brasil sem imunidade para o enfrentamento da Covid-19. As consequências da pandemia sequer são completamente conhecidas, que dirá superadas. Indiferente a esse cenário, o governo pretende voltar à austeridade e aos cortes aos gastos sociais.

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Veja abaixo o que isso significa em termos de garantia de alguns direitos: saúde, meio ambiente, povos indígenas, mulheres, população negra e criança e adolescente.

Saúde: governo Bolsonaro ignora a pandemia e suas consequências

A saúde foi uma das áreas que sofreu cortes com o PLOA 2021 apesar de o Brasil ser o epicentro da pandemia do novo coronavírus na América Latina. O projeto de lei, que reserva R$ 136,7 bilhões para o Ministério da Saúde, simplesmente ignora a continuidade da pandemia da Covid-19 e seus efeitos no próximo ano. O recurso previsto tem quase R$ 40 bilhões a menos que a dotação atual do programa em 2020 e é apenas 4% maior que o apresentado no PLOA 2020. O governo federal desconsidera também o aumento do desemprego resultante da crise econômica, que certamente fará com que várias famílias fiquem sem plano de saúde e passem a depender do SUS.

A principal queda em relação à verba autorizada em 2020 é observada no programa de Atenção Especializada, que tem cerca de 40% a menos de recursos. Ou seja, a gestão do Presidente Bolsonaro não pretende contribuir com a manutenção dos leitos de UTI que foram criados para o enfrentamento da pandemia. Ademais, a Atenção Básica e o Desenvolvimento Científico e Tecnológico terão perdas de 13% e 3%, respectivamente. Apesar da importância de uma vacina contra o novo coronavírus, os programas de Assistência Farmacêutica e Vigilância em Saúde, de onde sairão os custos para sua aquisição, e o programa de Vacinação terão aumentos irrisórios, por volta de 4%. Em resumo, em 2021 o governo federal pretende manter sua gestão negacionista e irresponsável da saúde pública.

Educação: ainda estamos longe de cumprir o PNE

Para a Função Educação, foram pervistos R$ 108,8 bilhões (2020) e  R$ 111,8 bilhões (2021): apenas R$ 3 bilhões a mais diante do atual quadro de crise e abandono da política de educação por parte do governo federal. Para as ações de Manutenção e Desenvolvimento da Educação (MDE) previu-se R$ 95 bilhões (2020) e R$ 98 bilhões (2021) , os mesmos R$ 3 bilhões a mais, ainda que o sistema de educação atravesse uma de suas maiores crises, advinda da pandemia: escolas públicas precisam se adaptar sem recursos financeiros ou tecnológicos, agravando desigualdades entre estudantes de escolas públicas e privadas, especialmente das periferias, zonas rurais, territórios indígenas e quilombolas. Então, em vez do poder público investir mais recursos para mitigar os efeitos da crise sanitária, que também se transformou em uma crise para a educação, há recursos de menos e maiores responsabilidades para os entes que menos arrecadam.

Há um Plano Nacional de Educação a ser cumprido, o qual registra em sua meta 20 que a partir de 2019 o financiamento da educação deveria ficar em 7% do PIB e 10% em 2024. Ao que tudo indica, o Brasil caminha no sentido contrário, não apenas com relação aos recursos, como também na busca por educação de qualidade.

Direito à cidade: orçamento não garante segurança no direito ao transporte

O PLOA 2021 propõe para a função Urbanismo R$ 1,5 bilhão: R$ 200 milhões a menos do que foi aprovado para 2020. As principais políticas que possibilitam maior acesso ao direito às cidades inserem-se nesta função orçamentária, tais como projetos de acessibilidade, reformulação de áreas centrais, urbanização de assentamentos precários, regularização fundiária, além de implementação, modernização e contribuição para o funcionamento dos sistemas coletivos de transporte urbano.

A parte que cabe à União é apoio a estas ações que são de responsabilidade dos municípios. No entanto, este ente federado é quem menos arrecada, especialmente os de menor porte. São, ainda, os que mais têm sentido os efeitos da pandemia. Aqueles que precisam de um sistema de transporte urbano e rural estão sofrendo nas mãos de empresas, que cobram caro do poder público para não fecharem as portas. O Governo Federal, portanto, tem obrigação de aportar mais recursos para contribuir com a urbanização das favelas, locais com menos acesso a água potável e saneamento básico. Os recursos propostos não atendem às necessidades mais básicas da população, como ir e vir com tarifas acessíveis e segurança contra os efeitos da pandemia, ao serem ofertados mais veículos para locomoção, evitando aglomerações.

Meio Ambiente: o desmonte orçamentário segue como projeto de governo

Entre 2019 e 2020, assistimos a sucessivas medidas infra legais de esfacelamento da capacidade institucional dos órgãos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), o que amplificou a dificuldade desses órgãos executarem seus poucos recursos autorizados. Em 2021 a tendência é que isto piore. O MMA, incluindo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro (IJBRJ), perdeu 35% do orçamento se comparado ao PLOA 2020 e 40% se comparado à dotação atual.

No PLOA 2021, a previsão de corte de pessoal e encargos é de 45% se comparado com o valor autorizado para o ano em curso. A falta de pessoal tem sido motivo de alerta e denúncia, nacional e internacional.

Além disso, observa-se uma queda geral de recursos para ações finalísticas. Duas perdas chamam atenção. Primeiro, no programa “Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e dos Recursos Naturais”, sob responsabilidade do ICMBIo. No PLOA de 2021 o programa perde R$ 33 milhões, se comparado ao PLOA  2020. Segundo, a extinção em 2021 do programa “Prevenção e Controle do Desmatamento e dos Incêndios nos Biomas”. Cabe lembrar, como já analisado pelo Inesc, que na tramitação do PPA 2020-2023 no Parlamento este programa havia sido inserido por meio de emenda, com uma meta de redução do desmatamento e incêndios ilegais nos biomas em 90% durante os quatro anos do PPA, com  a linha de base estabelecida em dezembro de 2019. E, ainda, que no primeiro semestre de 2020 houve um aumento de 24% no desmatamento se comparado ao primeiro semestre de 2020: foram 2.544 km² de floresta perdida. Em 2020 o orçamento atual deste programa é de R$ 173 milhões dos quais foram gastos até agosto R$ 48 milhões somente.

O Ministério da Defesa vinha há dois anos arregimentando recursos públicos para operações de Garantia da Leia e da Ordem (GLO) e intensificando a presença militar na Amazônia. Esta estratégia, do ponto de vista orçamentário, perdeu fôlego, pelo menos se analisado na perspectiva da intenção do governo expressa no PLOA 2021. De uma dotação atual de R$ 1,68 bilhão para ações vinculadas à Amazônia, restou no PLOA 2021 apenas R$ 112 milhões. Há que se notar, contudo, que ao longo do ano de 2020 os militares conseguiram aprovar créditos suplementares que inflaram ainda mais seu orçamento, movimento que tem passado desapercebido do debate público.

Indígenas: aumento do orçamento para a saúde indígena deve ser monitorado

Em uma primeira análise, a comparação entre o orçamento atribuído para a Funai pelo PLOA 2021 parece otimista: no ano que vem o órgão conta com cerca de R$ 11,5 milhões a mais do que no PLOA 2020 e R$ 6,1 milhões a mais que a dotação atual. No entanto, boa parte desses recursos está sujeita à aprovação legislativa, devido ao sufocamento orçamentário fruto da Regra de Ouro: dos R$ 648,5 milhões atribuídos para a Funai em 2021, R$ 338,5 milhões estão sujeitos à aprovação do Congresso. Além disso, o acréscimo orçamentário previsto para o ano que vem está longe de ser suficiente para recuperar a esgarçada estrutura do órgão. O valor, por exemplo, está muito distante dos R$ 870 milhões atribuídos à Fundação em 2013, o que representa uma queda de 26%.

No que tange à Saúde Indígena, o PLOA 2021 atribuiu R$ 67,9 milhões a mais para a principal ação orçamentária da área, totalizando R$ 1,4 bilhão. É possível que tal aumento seja resultado das mobilizações por ações mais efetivas no enfrentamento ao novo coronavírus nos territórios indígenas. No entanto, levando em conta que um estudo recente do Inesc demonstrou que a os recursos para a Saúde Indígena não têm chegado mesmo diante da pandemia, e que em setembro segue na taxa de 62% de execução orçamentária, resta saber se o acréscimo orçamentário na principal ação da saúde indígena implicará em melhor atendimento para indígenas por parte da SESAI.

Mulheres e População Negra: baixa execução orçamentária em 2020 não pode continuar

Os recursos para garantir direitos humanos no orçamento do governo Bolsonaro foram, em sua maior parte, aglutinados em um só programa orçamentário, executado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). O PLOA 2021 prevê R$ 132,3 milhões para este programa, que abriga políticas para diversos públicos: mulheres, população negra, idosos, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, indígenas e quilombolas. Esse recurso é 66% inferior ao PLOA 2020 (R$ 394 milhões) e 77% inferior ao autorizado em 2020 (R$ 575 milhões), que leva em consideração o incremento dos créditos extraordinários da Covid-19.

Para as políticas específicas voltadas para a promoção dos direitos das mulheres, o PLOA 2021 prevê apenas R$ 1 milhão, a ser investido na implementação de Casas da Mulher Brasileira e Centros de Atendimento à Mulher. Esta ação conta em 2020 com quase R$ 64 milhões, mas nenhum recurso foi pago até o presente momento. Outras ações orçamentárias para mulheres não foram citadas no PLOA para o ano que vem, como por exemplo, a Ação Políticas de Igualdade e Enfrentamento a Violência contra as Mulheres, que em 2020 conta com R$ 24 milhões, mas apenas R$ 1,5 milhão foram executados.

As políticas de enfrentamento ao racismo são de responsabilidade do MMFDH, que possui inclusive uma Secretaria Nacional dedicada ao tema. Todavia, assim como em 2020, não há recursos específicos para estas políticas, a não ser para o funcionamento do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

Sobre os quilombolas, o MMFDH também não destinou qualquer recurso para esse grupo, ainda que seja possível que verbas de ações mais genéricas possam ser alocadas ao longo de 2021. No que se refere à regularização fundiária dos territórios quilombolas, realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a situação é vergonhosa: o PLOA 2021 prevê cerca de R$ 330 mil reais. Em 2020, R$ 3,2 milhões foram autorizados para esta ação, mas nada foi pago até o momento. O governo prevê R$ 80 milhões para Ações e Serviços de Saneamento Básico em Pequenas Comunidades Rurais ou Comunidades Tradicionais – entre elas, quilombos. O programa apresenta um valor significativo, considerando que em 2020 não teve dotação orçamentária. Contudo, os valores apresentados para 2021 são 20% menores que o efetivamente observado em 2019, quando a ação teve execução de R$ 100 milhões. O Programa de Segurança Alimentar e Nutricional, por sua vez, destinou R$ 18,6 milhões para a distribuição de alimentos a grupos populacionais tradicionais e específicos. Em 2020, essa política contou com R$ 7,2 milhões, mas até o momento foram pagos somente R$ 364 mil reais. Por fim, para a Fundação Cultural Palmares foram destinados apenas R$ 2,7 milhões, um corte de 35% em relação aos R$ 4,2 milhões autorizados em 2020, dos quais foram executados 50% até o momento.

Podemos aferir que a execução orçamentária das políticas para mulheres e população negra em 2020 está muito baixa e as perspectivas para 2021 não são promissoras.

Criança e adolescente: o desmonte das políticas da infância e adolescência

A política de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente vem sendo progressivamente desmantelada. No PPA 2020-2023, a palavra adolescente sequer aparece e o programa voltado para o público em questão foi excluído. O único programa direcionado a esses sujeitos de direitos é o de Atenção Integral à Primeira Infância, que contém ações na área da assistência social para crianças desde a gestação até os 6 anos de idade. A proposta do orçamento do ano que vem apresenta valores inferiores aos disponíveis atualmente: o PLOA 2021 prevê R$ 448 milhões para este programa, 13% inferior ao previsto na PLOA 2020 e 7% a menos da dotação atual do programa.

Algumas outras ações direcionadas a crianças e adolescentes estão inseridas no programa Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para Todos. A única ação orçamentária específica é a Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Socioeducativo que tem alocação no PLOA 2021 de R$ 1,6 milhões, bem maior que a PLOA 2020, que tinha previsto apenas R$ 450 mil. Contudo, esse valor é 79% menor do que a dotação atual. Quanto ao Funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, diferentemente do observado nas demais iniciativas, o valor previsto na PLOA 2021 é bem maior do que a PLOA 2020 e do que a dotação atual, R$450 mil, uma diferença de quase 90%.

O Projeto de Lei Orçamentária para 2021 aloca R$ 279 milhões para a Educação Infantil, 68,79% a mais do que a PLOA 2020. Deve-se garantir que esse valor seja aprovado pelo Congresso Nacional, pois o déficit de creches e de escolas de educação infantil é expressivo no Brasil. Por fim, em relação ao enfrentamento do trabalho infantil, o PLOA 2021 prevê um aumento de 60% em seus recursos. A execução dessas políticas em 2020, porém, está muito baixa. Urge, portanto, monitorar se os recursos prometidos de fato serão gastos para o combate ao trabalho infantil.

Confira o resumo dos principais pontos da análise.

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Pandemia escancara dura realidade de usuárias (os) do Transporte Público Urbano

O acesso ao transporte público – fundamental para o deslocamento de parte da população que ficou ainda mais vulnerável nesse momento de profunda crise – está entre os vários problemas sociais escancarados pela pandemia.

Os movimentos sociais por tarifa zero e pela mobilidade urbana sempre questionaram o modelo de oferta do serviço, que hoje acontece por meio da tarifa, calculada por passageiro e não pelo custo da operação, provocando superlotação e, em momentos de baixa circulação, falta de recursos para as empresas, que em tempos normais, lucram em cima da falta de qualidade.

Apenas em Brasília e São Paulo há recursos extratarifários, por meio dos orçamentos públicos locais. No entanto, como os contratos e licitações são sempre mais ao gosto das empresas do que da população, além de não haver fiscalização por parte do governo junto aos empresários, o subsídio não garante passagens acessíveis, ao contrário, Brasília tem uma das tarifas mais altas do Brasil.

Queda na utilização do TPU

Com a pandemia, houve uma queda no número de usuários do sistema, fazendo com que, em vários lugares, as empresas recorressem aos governos para terem um aporte de recursos que as permita continuarem atuando. Como o Transporte Público Urbano (TPU) é fundamental, não se espera que no pós-pandemia se tenha de enfrentar, entre tantas mazelas, a ausência desse serviço. Então, o aporte governamental é necessário, mas critérios de oferta do serviço, com qualidade e segurança para usuárias (os), precisam ser assegurados.

Além disso, tem-se que pensar em longo prazo, pois a crise instalada reforça a necessidade de repensar o sistema, fazendo dele uma política de fato pública, tal qual estabelecido no artigo 6º da Constituição Federal, que diz ser o transporte um direito social, ao lado de políticas como saúde, educação, moradia etc. E se é direito, precisa ser regulamentado para que a população o acesse com todas as premissas necessárias, como qualidade, acessibilidade, segurança, modicidade de tarifas, ou tarifa zero, como já está previsto na Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Relevante dizer que em meio à pandemia, as frotas em várias cidades brasileiras foram reduzidas sem que fosse feito estudo para saber onde há maior demanda, que, em geral, são nas periferias, cujos moradores continuaram trabalhando e superlotando o TPU, com todos os riscos de contaminação, tanto de passageiros, quanto de motoristas. Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que motoristas de ônibus têm 70% mais chances de se infectarem que outros trabalhadores, há registros de contágio, com alto índice de mortes, em todas as cidades brasileiras com sistema de transporte público. Entre os passageiros, a população periférica e negra é a mais afetada com a impossibilidade de cumprimento das regras impostas pela Organização Mundial de Saúde em transporte abarrotado de pessoas.

Várias pesquisas têm sido realizadas e há uma tendência da população a restringir o uso do transporte público por medo de contágio. Muitos dizem querer trocar por transporte individual motorizado. Caso a demanda por TPU reduza ainda mais, com o consequente aumento dos automóveis individuais motorizados nas vias públicas, as cidades, especialmente as maiores, ficarão inviáveis, pois muitas já estão com capacidade máxima de veículos em suas ruas.  As externalidades provocadas por tal processo vão além de tempo perdido, são mais acidentes, maior demanda para o Sistema Único de Saúde, mais poluição, maior emissão de gases de efeito estufa, agravando ainda mais o aquecimento do planeta.

Levando em consideração que nos últimos anos o TPU já vinha perdendo passageiros por inúmeras razões, como tarifas muito altas, falta de infraestrutura dedicada, superlotação, congestionamentos causados, principalmente, pelos automóveis, não é ocioso repetir que o modelo de lucro por passageiro exige, segundo a Associação Nacional de Empresa de Transportes (NTU), seis passageiros por metro quadrado. O que já era inviável em tempos normais, imagine em tempos de pandemia. Falta transparência sobre as operações, quem comanda todo o processo são os empresários, que certamente almejam as maiores taxas de lucro, a despeito do que é oferecido à população.

Fundo de financiamento do TPU

O que se propõe, então, é que o sistema seja repensado integralmente e não mais remunerado por tarifa, mas sim por fretamento de empresas, ou por empresas públicas, remunerando pelo custo da operação, com veículos suficientes para usuárias (os) trafegarem sentadas (os). Com segurança, tanto para trabalhadores, quanto para os passageiros, especialmente mulheres, que além de utilizarem transporte sem qualidade, ainda são alvo de assédios.

Para tanto, a criação de um fundo de financiamento do TPU é emergencial, a pandemia acelerou a necessidade de repensar a política e atender ao direito social por mobilidade com conforto e segurança, especialmente para a população periférica, que mais utiliza os modais públicos. E os usuários do transporte individual motorizado precisam contribuir para esse fundo, afinal, a maior parte da infraestrutura urbana, construída com recursos dos impostos de todas as pessoas, proprietárias de automóveis, ou não, é utilizada por veículos individuais. O TPU precisa disputar as vias com inúmeros carros particulares, sem que tenha infraestrutura própria, pois os corredores individuais não são regra, mas sim exceção.

O TPU é instrumento que contribui para a efetivação do direito à cidade para todas as pessoas. Sem mobilidade, esse direito não se realiza. E quando se pensa em transporte de qualidade, pensa-se em linhas para todas as localidades, com veículos suficientes, limpos e confortáveis, em todos os dias da semana e em diversos horários – não apenas para que se possa ir ao trabalho, como ocorre em vários lugares do país, em que o racismo institucional opera em todos os níveis, transformando o TPU em verdadeiros navios negreiros, citando um membro do Movimento Passe Livre- DF.

 

O ECA não opera milagres: precisamos superar o racismo

2020: Rayane Lopes, 10 anos – RJ (vítima de chacina); Otávio Miguel, 5 anos – PE (morto por frieza e desprezo da patroa da mãe); João Pedro, 14 anos – RJ (morto em operação policial na casa de parente); Luiza Gabriela, 15 anos e Brenda Weyne, 14 anos – CE (mortas por decretação); Rodrigo dos Santos, 16 anos – RJ (morto por tiros); Isaac Muniz, 1 ano – RJ (morto por bala dita perdida); Ana Carolina, 8 anos (morta em casa por bala dita perdida)… 2019:Ágatha Félix, 8 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Rodrigo Silva Santos, 16 anos – BA (encontrado morto por tiros); Jenifer Silene, 11 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Kauê Ribeiro, 12 anos – RJ (morto em operação policial); KauãRozário, 11 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Kauan Peixoto, 12 anos – RJ (morto em tiroteio); Vitória C, 11 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Athila Paixão, de 14 anos; Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, 14 anos; Bernardo Pisetta, 14 anos; Christian Esmério, 15 anos; Gedson Santos, 14 anos; Jorge Eduardo Santos, 15 anos; Pablo Henrique da Silva Matos, 14 anos; Rykelmo de Souza Vianna, 16 anos; Samuel Thomas Rosa, 15 anos; Vitor Isaías, 15 anos – RJ (mortos em incêndio no alojamento do Flamengo); Gustavo Xavier, 14 anos; Denys Henrique, 16 anos; Marcos Paulo Santos, 16 anos; Dennys Guilherme, 16 anos – SP (mortos em ação policial em baile funk); 2018: Guilherme Henrique Pereira, 14 anos – RJ (morto por tiros); Marcus Vinícius da Silva, 14 anos – RJ (morto em operação policial); Emily Sofia, 3 anos – RJ (morta por tiro em assalto); Marlon Andrade, 10 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Jeremias Moraes, 13 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Benjamin Silva, 2 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Larissa Soeiro Maia, 14 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Maria Eduarda, 13 anos – RJ (morta por bala dita perdida na escola)…

Não por acaso, todas as vítimas eram negras. A infância e adolescência negras seguem desumanizadas.

Segundo o relatório do Unicef“30 anos da convenção sobre os direitos da criança: avanços e desafios para meninas e meninos no Brasil” (2019), os adolescentes assassinados “são, em sua maioria, meninos negros, pobres, que vivem nas periferias e áreas metropolitanas das grandes cidades”. O número de homicídios de crianças e adolescentes no Brasil aumentou 47,3% nos últimos 10 anos. Ainda segundo o estudo, no Estado de São Paulo, adolescentes têm 85% mais chances de morrer vítimas de homicídios do que a população em geral. De acordo com o Comitê Cearense pela prevenção de homicídios na adolescência, em 2020, o número de assassinatos de adolescentes por dia naquele estado dobrou em relação a 2019.

O Brasil nasceu violento, intolerante, racista e vem promovendo exclusão e morte desde então. Nunca houve tréguas, mas houve momentos em que algum constrangimento inibiu agressões, em outros,  circunstâncias em que a violência é instituída numa normalidade perversa.Oitenta  tiros por militares no carro de um músico com a sua família é um episódio emblemático do quanto o estado é promotor da violência racista, assim como a morte de Maria Eduarda na escola “Hoje foi executada com três tiros, pela Polícia Militar, um na cabeça, um na nuca e outro nas costas, uma menina de 13 anos. Dentro da escola, em aula. Não é a primeira e não será a última. Morreu com black na cabeça, camisa e bermuda do uniforme da prefeitura do Rio de Janeiro, e um tênis rosa” – relato anônimo de um professor (2018). A morte da menina foi tratada como uma fatalidade da guerra do tráfico.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veio como uma reação popular à inaceitável prática de assassinato de crianças pobres que se registrava no momento; muitos eram cometidos por milícias comprometidas com os comerciantes locais. Até então, o Código de Menores se incumbia de criminalizar as infâncias pobres sem compromisso com a defesa e promoção de direitos. Toda autoridade se concentrava nas mãos do Juizado de Menores que enfocava no ‘potencial criminoso’ de meninos e meninas pretas e pobres.

O que mudou?

A lei, que recentemente completou 30 anos, é democrática,tanto por conta da participação social na sua elaboração, como pelo seu conteúdo. Nenhuma criança ou adolescente fica de fora.Pela primeira vez, o país reconheceu meninos e meninas como sujeitos de direitos no momento presente.Conseguimos mudar muita coisa e celebramos isso. Com o ECA, veio a descentralização da política de atendimento, que agora é ancorada no princípio da proteção integral. Todas as políticas públicas são convocadas a abraçar todas e cada criança e adolescente assegurando-lhes condições para a vida digna.

Estranho. Assegurar, garantir, dignidade… palavras que não encontram eco nas vidas de muitas crianças e adolescentes.Colorações diferentes definem modos diversos de experimentar a vida. Privilégios e intolerâncias determinam suas vivências e direito não pode ser confundido com privilégio.Um país, ao não assegurar condições de vida e pleno desenvolvimento para crianças e adolescentes,está investindo no encarceramento e morte dessa parcela da sociedade. A lei que ampara e protege tem desafios quanto ao processo educativo para o reconhecimento das infâncias e adolescências que se desenvolvem em corpos não brancos. A cultura racista enraizada em nosso país revela que o não investimento em políticas públicas de proteção que garantam efetivação nas ações do ECA fomenta a desigualdade que mantém grande parte das crianças à margem do processo de cidadania.

A violência seletiva faz vítimas entre determinados grupos. Ainda de acordo com o Unicef, a cada dia, 32 crianças e adolescentes morrem assassinadas no Brasil, sendo a maioria negra. Meninos e meninas negras são as mais penalizadas na medida socioeducativa de restrição de liberdade. O número de internação aumentou em 57% em oito anos, em contradição com o que apregoa o ECA de excepcionalidade, em caso de maior gravidade. Na pandemia esta tendência terá que ser revista, sob o risco de contaminação em massa.

Crianças e adolescentes indígenas frágeis frente à pandemia, sem acesso à saúde, no confronto com os posseiros, têm seus pais e parentes mortos, e seus territórios roubados. Crianças e adolescentes quilombolas vivem o mesmo abandono que as indígenas e as crianças ciganas ainda carregam outras formas de exclusão, discriminação e violência.Não há infância sem suas complexas relações familiares, comunitárias e ambientais, portanto, sem direitos comunitários, não há vida digna.

O ECA não opera milagres. A grande conquista que significou o novo marco legal deixa de fazer sentido quando o poder público e a sociedade têm práticas e são estimulados a operar segundo parâmetros excludentes.

O direito não se concretiza sem políticas públicas universalizadas, e cada política depende do orçamento a ela destinado. Mas, não basta orçamento, é necessária, antes de tudo, uma concepção de proteção e promoção de direitos com premissas antirracistas que cheguem às vidas, fazendo o texto reverberar no cotidiano de cada criança e em suas respectivas comunidades.

Celebramos os 30 anos do ECA e convocamos a uma efetivação urgente que alcance a todos as infâncias e adolescência sem distinção de cor, raça, credo, religião, orientação sexual. Nesse exercício, celebrar é monitorar, cobrar que a lei seja cumprida, é cobrar orçamento público e execução desse recurso,bem como o fim das práticas das mãos racistas,que a todo tempo violam infâncias. Garantir proteção às diversidades das infâncias e adolescências é celebrar o ECA.

Sem políticas de proteção, ficar em casa é seguro?

Negligência, castigos físicos, abandono, abusos, humilhação, tortura, isolamento, racismo, violência sexual, envenenamento, chantagem, privações, tráfico de órgãos, exclusão, expulsão de lares e de escolas, censura, espancamento, silenciamento, pornografia, casamento infantil… são modalidades de violência contra crianças presentes na sociedade brasileira em diferentes graus. Muitas destas práticas culminam em morte, outras em automutilação e todas produzem sofrimento.

No dia 4 de junho de 1982 a ONU estabeleceu o Dia Mundial Contra Agressão Infantil. Certamente a data nasce com o intuito de provocar indignação, reflexão, para mudar comportamentos e culturas que vitimizam milhões de crianças no mundo a cada ano.

O que está por trás dessas violências? A desumanização da criança é um modo de relacionamento entre gerações. Não são todas as culturas que desqualificam o velho e a criança, mas as que o fazem provocam estragos muitas vezes insuperáveis. O maior problema é quando a violência não é notada, pois a sua naturalização a torna imperceptível. Ela é cotidiana e muitas crianças não conhecem outro modo de estar no mundo.

Vidas de crianças negras importam

Somada à desumanização por conta da idade, quando a criança é negra, sofre as consequências do racismo cometidas pela sociedade que privilegia as elites brancas que se recusam a compartilhar a condição humana com pessoas negras, indígenas e ciganas. Crianças negras experimentam a violência racial nas ruas, escolas, parquinhos e hospitais, ora sendo agredidas, ora sendo negligenciadas. Meninos e meninas negras são violentados diretamente a ponto de não se sentirem seguros para ir à escola ou perderem perspectivas de afeto. O adolescente negro é logo visto como delinqüente, marginal ou traficante, sendo frequentemente abordado pela polícia, muitas vezes como vítimas fatais ou mesmo submetido a terríveis castigos físicos e psicológicos, como o garoto torturado nu no Supermercado Ricoy em São Paulo (2019). A menina negra é frequentemente abordada pela sua sexualidade e tratada como pequena prostituta, como o caso em que uma juíza condenou uma adolescente de 15 anos a ficar presa em uma cela com 30 homens adultos – Abaetetuba, Pará (2007) onde sofreu obviamente as mais bárbaras violências sexuais.

Enfim, o cenário nos indica que é preocupante o quadro de violência contra crianças e adolescentes. Há uma certa naturalização da violência e culpabilização da vítima, fato que se percebe nos grupos socialmente mais excluídos que demandam proteção específica, como crianças e adolescentes  negras, indígenas e ciganas.

Sem presente, à espera do futuro

Nos discursos institucionais a infância é tratada como um ‘vir a ser’ como se não existissem hoje e a sua importância social está apenas na sua condição futura, como se suas vidas estivessem condicionadas a um inatingível depois. Falta-lhes o reconhecimento como cidadãs hoje. Desprezadas, acabam sendo alvos fáceis dos desmandos e das perversidades dos adultos.

Relatório Covid-19 Aftershocksda Visão Mundial, organização cristã de desenvolvimento e resposta às situações de emergência,estima que até 85 milhões de crianças e adolescentes no mundo estão vulneráveisa sofrer violência no período da pandemia da Covid-19. O aumento representa em torno de 20% a 32% da média atual,de acordo com as estatísticas oficiais – uma alta atribuída às medidas de isolamento social que visam frear o avanço do novo coronavírus no mundo.

Violência em casa

No Brasil, quase 70% da violência sexual contra crianças no Brasil ocorre nas casas das vítimas e 34 % em caráter de repetição, segundo o Boletim Epidemiológico 27 (2018) do Ministério da Saúde. Nota-se, portanto, que a prática é habitual na medida em que há registros da recorrência. Considerando que crianças encontram muita dificuldade em fazer uma denúncia, seja por medo, insegurança, desconhecimento ou constrangimento,sabemos que lidamos com uma realidade muito mais desafiadora do que mostram os dados.

A informação nos alerta ao fato de que ao proteger da pandemia, é provável que estejamos submetendo crianças e adolescentes a um outro perigo. Mais uma tragédia anunciada.Sabendo disso, é imperativo que se apresente urgentemente um plano de proteção, redução de riscos. Não é o caso de se abrir mão do isolamento social. A questão é assegurarproteção no sentido mais amplo, é a proteção concebida peloEstatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sobre o direito ao respeito:

Artigo 17 – O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Ainda levando em conta a legislação brasileira sobre os direitos da criança e do adolescente, o direito à saúde preconiza:

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Não é o caso de um direito em detrimento do outro. O isolamento social é comprovadamente a forma mais eficaz para a proteção contra a contaminação pelo novo coronavírus. Portanto, as crianças e os adolescentes devem estar duplamente protegidos.

A proteção integral, fundamento do Estatuto da Criança e do Adolescente, requer todos os direitos ao mesmo tempo. Diante do desafio, perguntamos o que o governo federal propõe para minimizar o risco da violência em casa?  A depender do orçamento público não há perspectivas.

Em 2019 apesar de ter um valor ínfimo para enfrentar violências contra crianças e adolescentes, nada foi gasto. Sem orçamento não há política pública.

O governo federal precisa apresentar, urgentemente, um programa de ações para enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes nesse período. Esse é um momento ainda mais oportuno para realizar campanhas e formações que dialoguem sobre o que é violência e sobre prevenção, sobre como garantir a segurança de crianças e adolescentes, como e onde denunciar de forma protegida.

A educação é elemento chave para a redução da violência contra crianças que deve vir articulada com programas de suporte às famílias para redução do estresse. Defendemos uma educação que assegure adultos preparados e instituições dispostas a novas formas de relação intergeracional onde se exercite diariamente a arte do diálogo e do respeito e crianças educadas para serem plenas.

A pandemia aprofundou a exclusão dos povos amazônicos

Se está difícil pensar a conjuntura política nacional, analisar a realidade amazônica (na sua porção brasileira) apresenta o desafio particular de comunicar sobre uma região ainda desconhecida, num país que é lido a partir das suas grandes capitais no centro-sul.

Por isso, e aproveitando a metáfora do vírus como ameaça intangível, este é um texto sobre a diferença impossível. Este é um texto sobre aquilo que o desenho das políticas de massa raramente alcança, seja porque incorpora o cálculo das perdas ao seu desenho, seja porque investe na disciplina de toda diferença cultural.

Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, caiçaras, raizeiras, quebradeiras-de-coco, entre outros grupos, são alvos desta política de apagamento. E no contexto de um governo comandado pela aliança entre militares, conservadores e extrema-direita (ao qual se somou a complicação de uma pandemia global) não é preciso muito para que se configure uma situação de extermínio interessado.

O governo brasileiro não está paralisado em meio à pandemia. Ele tem trabalhado em favor do acirramento da exploração dos recursos da natureza e das comunidades que se relacionam mais diretamente com ela. Exemplo disso, se, por um lado, a tramitação do PL 1142, que institui o Plano Emergencial de enfrentamento da Covid-19 para Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), se arrasta, por outro lado, assusta a velocidade vertiginosa com que projetos de lei contrários aos direitos territoriais desses grupos, como PL 2633, são considerados.

“Só tem um povo nesse país”

Na reunião ministerial do dia 22 de março, que foi tornada pública por supostamente comprovar as tentativas de intervenção do presidente da República na Polícia Federal, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, declarou odiar o termo “povos indígenas” e “povo cigano”. Para completar, Weintraub afirmou existir apenas um povo no país.

No Brasil, a pluralidade de nacionalidades foi reconhecida constitucionalmente (capítulo VIII, art. 231 e 232) em 1988. A declaração do ministro fere, portanto, um princípio constitucional. Mas é verdade que a burocracia de governo opera, no cotidiano, esta presunção de homogeneidade. O que distingue a lógica da rotina burocrática e o enunciado do ministro é, de um lado, a potência da presunção (a dúvida), e, do outro lado, a força de uma afirmação “evidente” (a certeza, destrutiva e com tonalidade autoritária).

O problema da inclusão

A assimilação é o problema da inclusão. Políticas de inclusão, mesmo as mais bem-intencionadas, são por definição assimilacionistas. A consideração de grupos étnicos ou culturalmente diversos no âmbito das políticas assistenciais, por exemplo, de transferência de renda ou de saúde, ocorre frequentemente pelo ponto de vista (macro) da nação.

Isso significa que, para o Estado, PCTs precisam ser integrados às estatísticas de pobreza e desigualdade estrutural a fim de fazerem “sentido”. A discussão sobre se os modos de vida dos PCTs são ou não “pobreza” é longa. Porque “pobreza” é um fenômeno moderno e ocidental que não cabe na cosmologia desses povos e comunidades.

Outro elemento para discussão, a “raça” é uma ideia que organiza o exercício de separação, classificação e adequação desses grupos, “os pobres” do campo e da floresta, a políticas universais. E a geografia acaba delimitando o lugar dos corpos matáveis e morríveis. Nesse sentido, é possível falar sobre um extermínio físico e também cultural.

Construir políticas públicas para a Amazônia é, portanto, um desafio. Pois, a região norte do país é não só singular na comparação com o resto do território brasileiro, como reúne (e acolhe) culturas diversas.

O problema é justamente que essas culturas diversas nem sempre respondem ou querem viver segundo os objetivos do desenvolvimento definidos nos grandes centros urbanos e financeiros. A estratégia bolsonarista, que foi capaz de produzir o “agro-indígena”, discurso violento e civilizatório, se conecta com a percepção de que é preciso forçar uma mudança de comportamento desses grupos.

No contexto da Covid-19, a dificuldade do Estado para mapear os infectados e controlar o ritmo do contágio da doença denuncia uma falha antiga da governança das políticas públicas, a universalidade acachapante e colonialista, mas também aponta o desinteresse atual no que se refere ao cuidado e à proteção da população. Como disse Weintraub, quem não se conformar que vá embora (ame-nos ou deixe-nos).

O contexto econômico da pandemia

A pandemia causada pelo coronavírus chega no contexto de crise e atualização do regime de acumulação e das suas formas de exploração. Esse processo vem causando transformações profundas no modo de organização do Estado, bem como na sua relação com a sociedade e as corporações.

A economia verde, o desenvolvimento sustentável ou as soluções comerciais para a crise climática baseadas na natureza são, hoje, fronteiras do capitalismo, na atual fase do neoliberalismo.

Daí testemunharmos o acirramento dos processos de apropriação fundiária por interesses privados, bem como ataques reiterados a grupos para os quais a terra significa mais do que um ativo financeiro. Nova economia e velha economia sempre andam juntas, e às vezes chegam a se confundir.

Esse movimento de renovação econômica por meio de velhas práticas segue um roteiro conhecido: desmatamento, grilagem, despossessão ou apropriação ilegal e violenta de terras, expansão da fronteira agrícola, da pecuária e da mineração para áreas protegidas ou terras públicas sem destinação.

É importante lembrar, como mostrou recentemente uma declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, que o governo não está alheio a este processo e cumpre uma função primordial: em nome do desenvolvimento, é dever do Estado realizar o planejamento econômico setorial, organizando as oportunidades de mercado para as empresas.

Esta é uma percepção da natureza e da população como ativos econômicos/financeiros sob posse do Estado. Natureza e povo devem trabalhar para o desenvolvimento. E o Estado deve trabalhar para permitir a colonização, isto é, a “modernização”, do território, a sujeição do “outro” indomável.

As políticas de saúde

O Sistema Único de Saúde (SUS) ocupa um lugar de importância inquestionável no cuidado com a saúde dos brasileiros. No entanto, o desmonte orçamentário que o atingiu nos últimos anos, bem como a adoção de um modelo de governança fragmentado, que delega muito à iniciativa privada, faz com que ele desempenhe, hoje, um papel-chave na estratégia genocida da extrema direita que governa o país.

A ineficiência “estrutural” do sistema justifica antecipadamente as dificuldades encontradas durante a crise da Covid-19.

A saúde como política pública é resultado da luta social, mas também responde a um serviço fundamental para a reprodução do trabalho, portanto, do valor e do lucro. A compreensão da política sanitária não pode ser reduzida à promoção da felicidade e do bem-estar. Pois ela tem uma função no regime de acumulação, na medida em que se destina a “consertar” trabalhadores para devolvê-los ao mundo da produção.

Além disso, é preciso considerar, como ensina a história, que a saúde também é instrumento de política demográfica e de eugenia.

No norte do país, a estrutura do SUS não parece considerar as características demográficas e infraestruturais peculiares da região. A assistência ambulatorial básica não encontra respaldo em estruturas hospitalares mais complexas, dificultando o acesso ao atendimento e sobrecarregando o sistema das capitais na região.

Com densidade populacional menor e com maiores distâncias a percorrer até o atendimento emergencial, a desassistência é grande. No contexto da Covid-19, esse cenário contribui para elevar o nível (já alto) de subnotificações, refletindo mortes domiciliares. Quem morre as mortes evitáveis nestas condições são indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses…

E daí!?, disse o presidente

O “e daí!?” de Jair Bolsonaro substitui um dar de ombros simplório, uma lamentação rasa e distante, uma verdadeira psicopatia do poder constituído. Por outro lado, a reação do presidente não denota loucura ou má compreensão dos fatos. Sob a razão neoliberal, aqueles que foram acometidos por uma doença e morrem falharam individualmente.

O raciocínio, nu e cru, é que mortos e infectados foram incapazes de se proteger (e muitas vezes também às suas famílias), devendo assumir a responsabilidade por essa fraqueza. Não conseguir pagar pelo tratamento ou pelo remédio adequado basta para justificar o sofrimento e a morte.

O neoliberalismo funciona na base do toma lá dá cá, tal qual a rudeza bolsonarista.

A evolução ascendente da Covid-19 transformou-se num drama nacional, mas não pode ser lida apenas por este viés. Ao chegar, ela acelerou um processo de mudança que já estava em curso (ao menos desde 2008).

Esta doença atua sobre a necessária reconfiguração das sensibilidades para uma nova era histórica: a do estado corporativo, do individualismo possessivo como liberdade, da servidão como novo regime de trabalho e organização social, do endividamento como dispositivo primordial para alavancagem do valor.

Não há lugar para visões de mundo alternativas nesse neoliberalismo extremista e conservador. A pandemia, além de tudo, reforçou o vigilantismo de uma lógica de governo autoritária.

O mundo depois da pandemia será outro. Esta é a única certeza que pode ser dita agora. Mas a boa notícia é que tudo isso não chega sem enfrentamento. Iniciativas de solidariedade e resistência têm surgido em várias partes do mundo, do norte ao sul global.

Se não quisermos que as coisas sigam o velho normal, precisaremos ser capazes de conceber um Estado em que a diferença seja possível, onde todos caibam nele e possam se expressar na sua singularidade. Sem abrir espaço para esse “mundo embaralhado” nossos esforços de combate serão perdidos.

Deixar-se morrer não é uma opção

No dia 20 de março, quando os casos de covid-19 não haviam chegado ainda à casa do milhar no país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) escreveu uma nota exigindo do Governo Federal a implementação de um Plano de Ação Emergencial para preservar as comunidades diante da chegada da pandemia. As reivindicações apontavam em duas direções: aprimoramento do Subsistema de Saúde Indígena, incluindo dotação orçamentária adicional, e proteção dos territórios para que as comunidades pudessem evitar a chegada do vírus.

Como esperado, o governo fez o oposto. À já desmontada Funai, cujo estrangulamento orçamentário analisamos em relatório recente, impôs a Instrução Normativa n. 9 que, junto ao PL2633, incentiva e regulariza a grilagem das terras indígenas. Como é fácil de prever, a invasão dos territórios por gente estranha à comunidade é uma das causas da disseminação do vírus nas aldeias, somada a habitual violência dos conflitos fundiários. Além disso, a Sesai que se depara com a pandemia é a mesma que vem sofrendo com as tentativas sistemáticas de desmantelamento do modelo de saúde diferenciada. O PL1142, que institui o Plano Emergencial de enfrentamento da Covid-19 para Povos e Comunidades Tradicionais, foi aprovado apenas no dia 21/05 na Câmara dos Deputados, e segue aguardando a tramitação no Senado. Enquanto isso, os povos indígenas insistem em viver e nos mostram a urgência de aprendermos, nós também, a adiarmos os fins de mundo.

Nova epidemia, velho pesadelo

As epidemias são parte do pacote perverso com o qual os indígenas lidam desde o começo da colonização. A contaminação por doenças de branco serviu como arma contra as populações originárias desde a invasão de suas terras pelos portugueses. Agora, 520 anos depois, o novo coronavírus reedita o pesadelo que, a bem da verdade, nunca cessou.

Ainda em abril, a Fundação Oswaldo Cruz divulgou um relatório no qual apontava as terras indígenas de maior vulnerabilidade à chegada do vírus. Segundo o documento, 34% dos indígenas residiam em municípios de alto risco de contaminação naquele mês, antes, portanto, da interiorização da doença. Já o indicador construído pelo Instituto Socioambiental, atualizado em tempo real, mostra que há territórios de alto risco em todo o país, sendo a região amazônica a principal afetada. Hoje, segundo dados coletados pela Apib, são 610 indígenas contaminados pelo novo coronavírus, 44 povos atingidos e 103 mortos.

Rondinelli Fulni-ô. Foto: Raíssa Azeredo
Feliciano Lana
Aldenor Basques Félix Gutchicü

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os números, como a Apib faz sempre questão de frisar, são antes de tudo pessoas, com sonhos, trajetórias, histórias. São como Rondinelli Fulni-ô, 42 anos, cantor e artesão. Ou como o Tikuna Aldenor Basques Félix Gutchicü, um dos articuladores do Curso de Pedagogia Intercultural da Universidade do Estado do Amazonas. Ou ainda como o ilustrador Desana Feliciano Lana, de 83 anos.  Muitos deles, ainda que não todos, idosos. Talvez nos escape o significado das mortes dos velhos. Como povo da mercadoria, vemos no idoso aquele que já não produz, que só dá despesa. Como bem ressaltou a carta da Assembleia da Resistência Indígena, para esses povos é justo o contrário. Os anciões são pilares de saberes, seus melhores professores. As perdas são incalculáveis.

Solidariedade

Diante de um governo de política abertamente genocida e assimilacionista, a disseminação da Covid-19 entre os indígenas não é um problema, mas uma mãozinha, uma ajuda no projeto de morte. Por outro lado, como fazem há 500 anos, o que as comunidades estão nos mostrando é que deixar-se morrer não é uma opção. Contra a intencional subnotificação estatal, multiplicam-se as iniciativas de monitoramento autônomo, que se negam a enterrar parentes na invisibilidade. Contra a política assassina, a organização da vida, explícita em iniciativas como a construção de cartilhas de conscientização na língua como as feitas pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) distribuída em territórios como a já colapsada São Gabriel da Cachoeira (AM) ou produção de equipamentos de proteção individuais que tem sido feita pelos Fulni-ô em Aguas Belas (PE). Contra a indiferença, as dezenas de campanhas de solidariedade.

Alguns de nós talvez ainda não tivéssemos nos dado conta de como o neoliberalismo é, muito mais que um regime econômico, uma forma de produzir subjetividades. O sujeito neoliberal é esse, que faz questão de usar o corpo como vetor de contágio nas ruas, que diz que as vidas importam menos que a economia, que fala os “e daís?” que escutamos diariamente. A nossa luta passa, portanto, fundamentalmente por nos contrapor a essa forma de estar no mundo, tal como essas dezenas de iniciativas já estão fazendo no cotidiano das comunidades. Se, como declarou Djuena Tikuna, para os povos indígenas estar vivo é um ato de rebeldia, é nessa e em outras rebeldias perenes que encontraremos saída para esse buraco – da pandemia, mas também do capitalismo extrativista, do colapso climático – que estamos todos/as.

Apoie as iniciativas de solidariedade às comunidades indígenas.

Há recursos para salvar as mulheres na pandemia: Damares precisa gastar

Para além das consequências na saúde da população decorrentes da contaminação pelo novo coronavírus, há um debate amplo hoje sobre os impactos econômicos, sociais, políticos e culturais que estão postos para a sociedade.

Um resultado perverso da pandemia é o aumento da violência doméstica: obrigadas a estarem confinadas com os agressores devido ao isolamento social, e com o aprofundamento da pobreza em territórios mais vulneráveis, muitas mulheres encontram-se sem alternativas de proteção. De acordo com a Folha, o número de assassinatos quase dobrou no estado de São Paulo no período da quarentena.

Ocorre que depois de cinco anos de subfinanciamento das políticas para as mulheres, como mostrou o estudo do Inesc “O Brasil com baixa imunidade”, o governo dispõe agora de surpreendentes R$425[1] milhões alocados no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH). Deste montante, R$45 milhões são da Ação Orçamentária 21C0: Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente do Coronavírus.

Porém, até meados de maio de 2020, o ministério executou somente R$11,3 milhões, o equivalente a 2,6% do que está disponível. E o governo ainda não apresentou à sociedade como pretende efetivar o gasto deste recurso: a execução depende de vontade política e realização de contratos (licitações, convênios), que já foram facilitados pela Medida Provisória 926/2020.

No dia 2 de abril, a ministra Damares Alves, à frente da pasta, anunciou ações de combate à violência contra as mulheres no contexto da pandemia, e duas campanhas informativas foram lançadas nos dias subsequentes: uma com o objetivo de mobilizar os vizinhos para denúncias e outra para orientar mulheres neste período, por meio de uma cartilha que traz informações sobre os serviços de atendimento disponíveis.

No entanto, como a própria cartilha informa, a maioria dos serviços, exceto as delegacias especializadas e os ambulatórios de saúde, estão com o atendimento restrito. É o caso da Casa da Mulher Brasileira, presente em seis capitais e dos centros de referência de atendimento à mulher, ambos fechados durante a pandemia, atendendo de forma virtual.

Se aterrissarmos nosso olhar nos territórios periféricos e mais pobres do país, podemos imaginar a dificuldade para uma mulher, sem trabalho, com filhos, convivendo com o agressor, realizar uma ligação como essa no contexto de violência doméstica, o que dirá acessar um site para ter atendimento ou mesmo para leitura da cartilha.

Projetos na Câmara dos Deputados

Alguns Projetos de Lei foram apresentados na Câmara dos Deputados para o enfrentamento real à violência doméstica durante o isolamento social: o projeto da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) prevê acolhimento para mulheres e seus filhos em equipamentos seguros, com deslocamento a estes espaços garantido pelo poder público, e, na ausência de vagas, disponibilidade de pousadas e hotéis, visando que as mulheres possam de fato sair de casa e se afastarem do risco.

A deputada Talíria Petrone (PSOL-SP) também apresentou projeto para ampliação dos serviços de atendimento virtual e telefônico com garantia de gratuidade no acesso – importante, considerando que as mulheres pobres, em sua maioria negras, tem pouco ou nenhum acesso à internet. Por fim, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) apresentou projeto para obrigatoriedade do atendimento presencial em casos de estupro e tentativa de feminicídio. Todos estes projetos precisarão de recursos, se aprovados, para se efetivarem nos estados e municípios.

Além dos R$45 milhões específicos para o combate à Covid-19, dos R$425 milhões disponíveis hoje para serem gastos pelo MDH já existem linhas orçamentárias específicas para mulheres, como R$25 milhões para “Políticas de Igualdade e Enfrentamento à Violência” (Ação 218B); R$66 milhões para a “Construção da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres em Fronteira Seca” (Ação 14XS); e R$46 milhões para os canais de atendimento, Ligue 100 e Ligue 180 (Ação 21AU/PO0003). Outras linhas podem ser alocadas para o combate à violência doméstica.

Indígenas e quilombolas

No caso das mulheres indígenas e quilombolas, grupos que o MDH também tem atribuição de atender, a violência se manifesta na invasão dos territórios, presente mesmo no período da pandemia, e na incapacidade do governo em prover serviços de saúde e proteção social – a política de saúde indígena está em frangalhos, e as quilombolas nem sequer contam com um desenho de saúde pública que atenda suas realidades culturais e territoriais específicas.

A ministra anunciou – e as redes sociais da família Bolsonaro repercutiram – R$ 4,2 bilhões para estes públicos. No entanto, esse montante é composto, em parte, pela renda básica emergencial (R$ 3,2 bi) e custeio de merenda escolar (R$ 1,5 bi), ou seja, recursos a serem executados por outros ministérios.

No que diz respeito à renda emergencial, o governo terá que dizer como superar a dificuldade de acesso ao benefício justamente pelos povos e comunidades tradicionais, seja pela exclusão digital, as restrições da regulamentação (como CPF regular), mas também pelo desenho desta política não considerar especificidades culturais, como as línguas indígenas.

No caso da alimentação escolar, o recurso autorizado para 2020 foi de R$ 4,1 bilhões, dos quais já foram executados R$ 1,4 bilhão. Em 30 de março, o Senado aprovou, em regime de urgência, que os alunos da rede pública recebam os itens alimentícios mesmo com as escolas fechadas por causa do coronavírus, mas não encontramos informações de como os municípios tem realizado a entrega destes alimentos. Destacamos, ainda, que dos R$425 milhões disponíveis no MDH, nenhum recurso foi alocado especificamente para indígenas e quilombolas. Aliás, os quilombolas foram subtraídos do Plano Plurianual do governo Bolsonaro (PPA 2020-2023), uma atitude tanto simbólica quanto expressiva do racismo institucional deliberado desta gestão.

O tempo está passando e as mulheres estão morrendo

Há recursos disponíveis para salvar a vida das mulheres. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não pode apenas fazer campanhas informativas que, no limite, comunicam que os serviços não estão funcionando.  Nem pode promover malabarismos com os dados orçamentários para gerar notícias, quando nos territórios indígenas e quilombolas a situação é calamitosa. É urgente que os recursos do MDH saiam de Brasília e cheguem aos rincões do Brasil, por meio dos instrumentos legais existentes, como convênios com prefeituras.  O que não podemos aceitar é o que está acontecendo, disponibilidade de recursos e baixíssima execução. Incompetência ou vidas de mulheres não importam?

[1] Fonte: Portal Siga Brasil. Acesso em 12 de maio de 2020, todos os dados corrigidos pelo IPCA.

Pandemia não é carnaval! Sem recursos, não há enfrentamento à violência sexual

A medida mais segura para deter o avanço da pandemia da Covid-19 é a quarentena. “Fica em casa” é o nosso mantra a despeito de um governo federal irresponsável que faz uma queda de braço com cientistas e médicos de todo o mundo.

A maioria das famílias das periferias vive da renda do comércio informal exercido nas ruas, do trabalho doméstico e outros não protegidos. As favelas estão enfrentando as maiores dificuldades por tudo o que já tem sido dito: falta de equipamentos públicos de saúde (leitos e respiradores) e de assistência, falta de espaço para o isolamento ideal, fornecimento de água irregular, queda drástica dos proventos e, por fim, racismo estrutural que move pessoas negras para o fim da fila.

As comunidades têm se organizado com redes de comunicação próprias, ações de solidariedade e organização política. Mas nada disso é suficiente para reverter o cenário de ameaças que recai sobre a sua população. A letalidade dos moradores de periferia é comprovadamente mais elevada num país em que o sistema de privilégios determina quais vidas devem ser salvas.

A questão fundamental é que o confinamento acentua os riscos de abuso e violência para mulheres e crianças, das mais ricas às mais pobres. O confinamento expõe a criança mais tempo à presença do agressor de modo a não haver momento de alívio, nem contato com redes de proteção, como escolas, conselhos tutelares e outros familiares.

A redução de ganhos da família por desligamento de trabalhos ou mesmo por ter suas atividades laborais suspensas temporariamente empurra crianças e adolescentes para o trabalho infantil e, na pior das instâncias, à exploração sexual.

O problema não acontece só no Brasil. Relatório de abril de 2020 da Europol, inteligência da União Europeia, revela que as organizações criminosas têm mudado suas formas de atuar. Enquanto houve redução dos crimes de tráfico e de contrabando, registrou-se aumento significativo de produção e consumo de pornografia infantil.

Maio é mês de combate à violência sexual. Dia 18 de maio traz o lema: “esquecer é permitir, lembrar é combater”. Vamos então recordar dados de anos anteriores. Segundo o Boletim Epidemiológico 27 do Ministério da Saúde (2018), entre 2011 e 2017, houve 184.524 casos notificados de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Sabe-se, no entanto, que esta modalidade de violência é bastante subnotificada por motivo de constrangimento, insegurança, medo e desinformação. Das vítimas, 74,2% eram meninas enquanto 25,8% eram meninos. Segundo o referido Boletim Epidemiológico, entre as meninas, 51,2% estavam na faixa etária de  1 a5 anos e 42,9%  encontravam-se entre 6 e 9 anos. Chama a atenção o fato de 69,2% ter ocorrido dentro de casa, sendo que 33,7% com caráter de repetição, evidenciando que o lar não é necessariamente ambiente seguro. Em tempos de pandemia, ao se proteger do vírus, é possível que estejamos expondo crianças a outros riscos.

Espera-se com este cenário aterrador uma posição incisiva do governo para enfrentar com seriedade e responsabilidade uma violência tão previsível e anunciada. Por ingenuidade ou desprezo pela vida a Ministra Damares Alves do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos anunciou que vai promover um concurso para estimular o uso de máscaras com estampas lúdicas para crianças. A proposta pode ser singela, mas urgem iniciativas mais contundentes, afinal, pandemia não é carnaval! Pandemia promove uma sobreposição de riscos, ameaças e violências e requer respostas sérias, organizadas e rápidas. Esse é um momento ainda mais propício para realizar campanhas e formações que dialoguem sobre o que é violência sexual e sobre prevenção, sobre como se proteger e proteger crianças e adolescentes, como e onde denunciar de forma protegida.

Orçamento Público para enfrentamento da violência sexual

Analisando o orçamento público referente ao enfrentamento à violência sexual de 2013 a 2019 percebeu-se uma redução drástica de recursos públicos destinados especificamente ao enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes, chegando ao seu desaparecimento em 2019, como pode ser visto na tabela a seguir. O que também indica despreparo do governo federal para atuar na prevenção das violências contra crianças e adolescentes nesse período de pandemia em que é necessário o isolamento social.

Desde 2017, o termo violência sexual passou a ser integrado a um Plano Orçamentário (PO) mais amplo: Enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes, reduzindo a transparência das ações específicas. Além de o valor autorizado ser insignificante para ações complexas em um país de tamanho continental (R$ 938.637,82), em 2019 não se gastou recurso algum, como mostrou o estudo do Inesc “O Brasil com Baixa Imunidade”. Em 2018, o gasto foi maior, talvez por conta do impacto da lei 13.431 aprovada em 2017 que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Mas em 2019, já com o novo governo, nada foi gasto com esta política e agora em 2020 esse PO nem aparece no orçamento do governo federal. Se tiver algum recurso para esse tipo de ação, não sabemos de qual rubrica orçamentária será retirado.

O governo federal precisa apresentar, urgentemente, um programa de ações para enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes nesse período. Se nada for feito, com ou sem máscaras, mais e mais crianças serão marcadas irreversivelmente por uma das mais brutais violências que possa se imaginar. A responsabilidade pesará sobre os ombros dos perpetradores da violência, mas também de quem foi negligente. Não esqueceremos!

O escárnio que esconde a incompetência

Em entrevista à CNN na noite de ontem (7/5), a atriz Regina Duarte, que hoje ocupa o maior cargo público no campo da gestão de políticas de cultura, desempenhou seu pior papel à frente da Secretaria Especial da Cultura até o momento. Grosseira e autoritária, chegou a entoar um canto associado à ditadura e a diminuir as mais de nove mil mortes decorrentes do novo coronavírus no Brasil.

Regina foi cobrada ao vivo por Maitê Proença – um “contraponto” escolhido pela emissora para dialogar sobre ações no campo da cultura neste momento de crise –, mas também nas redes sociais por outros artistas, como Anitta, Bruno Gagliasso e José de Abreu, que se manifestaram após o show de horrores da “gestora”.

Mas o que ela poderia fazer para contribuir neste momento de crise? Uma rápida análise da execução orçamentária para políticas da cultura nos dá pistas.

O recurso autorizado para o Programa 5025: Cultura na Lei Orçamentária de 2020 é da ordem de R$ 1,3 bilhão. Deste montante, foram pagos somente 19 milhões[1], além de restos a pagar de anos anteriores no valor de 85 milhões[2], representando uma execução de apenas 7,6% do orçamento disponível para a Secretaria. Estamos no quinto mês do ano e ações não foram anunciadas para viabilizar a execução deste recurso tão necessário aos artistas e ao povo brasileiro neste momento.

A pandemia da Covid-19 trouxe impactos econômicos e sociais para diversos setores em nossa sociedade, entre eles, a impossibilidade de trabalho para diversas classes, como a artística. Impedidos de realizar seus espetáculos ou levar adiante projetos frente ao isolamento social, artistas de diversas áreas estão deixando de receber salários e acessar editais. Alguns governos têm criado ações para diminuir estes impactos, como os do Maranhão e Niterói, que desenvolveram editais específicos para apoiar financeiramente espetáculos virtuais.

Brasil com baixa imunidade

O relatório recém-lançado do Inesc, “O Brasil com baixa imunidade”, revelou que a cultura tem sofrido cortes orçamentários desde 2014, o que em 2019 significou menos 25% de recursos em relação a 2018. O relatório também aponta a desigualdade internalizada na concepção de cultura: a análise sobre o direito a cidade revela que os equipamentos e artistas periféricos pouco ou em nada são contemplados com os recursos públicos destinados à cultura. Soma-se a isso o racismo institucional, quando observamos que o único recurso específico para a promoção da cultura negra, a saber, o financiamento das ações da Fundação Cultural Palmares, representaram, em 2019, menos de 3% dos mais de R$ 1 bilhão disponíveis no Programa Orçamentário 2027: Cultura – Dimensão Essencial do Desenvolvimento.

Apesar dos cortes, ainda há um enorme montante em 2020 a ser gasto com empreendedorismo cultural, fortalecimento da educação cultural, preservação do patrimônio, audiovisual e infraestrutura para o setor. Enquanto a secretária especial da Cultura Regina Duarte cultua a morte com suas gargalhadas de escárnio, o Brasil segue enterrando pessoas e negligenciando seus artistas em um dos momentos mais difíceis da história. Nos resta a esperança equilibrista, pois o papel de gestora, dificilmente Regina Duarte irá interpretar.

[1] Programa 5025: Cultura (PPA 2020-2023).

[2] Programa 2027: Cultura – Dimensão essencial do Desenvolvimento (PPA 2019-2022)

Como a Covid-19 chega à Amazônia?

Quando pensamos sobre a entrada do coronavírus na Amazônia, a pergunta que precisa ser feita é sobre o contexto em que a doença atinge o território. O passado recente pode responder a algumas perguntas sobre o quão grave serão os efeitos da pandemia para a região. No Brasil, a sobreposição de um cenário político conturbado a uma realidade de vulnerabilidade social, mais o medo e a incerteza causados pela doença, vai deixando um trágico rastro de destruição.

Ao chegar à Amazônia, a Covid-19 aprofunda uma série de problemas já colocados para a região. Após eleição e posse do presidente Jair Bolsonaro, observamos o aumento da violência no campo; índices alarmantes de desmatamento; intensificação da grilagem de terras e da ação de madeireiros; o avanço dos megaempreendimentos em infraestrutura logística; e a impunidade de empresas, nacionais e estrangeiras, cuja atuação traz impactos negativos, muitas vezes irreversíveis, para a natureza e para o bem-estar da população.

Quem vive e circula pelo norte do país sente o peso do discurso oficial, que chega de Brasília e aterrissa sobre as cidades amazônicas. Um clima nervoso se instalou sobre o território, dando indícios de que as provocações bolsonaristas e os ataques sistemáticos à floresta e aos seus povos contribuem para o aumento significativo da violência. É como se aqueles que apoiam o governo se sentissem autorizados à prática da violência. Mas se sentir não for o bastante para descrever o que acontece no norte do país, um levantamento, feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), nos oferece os números.

Números da violência

Lançado, em abril, pela CPT, o relatório registra a série histórica dos conflitos no campo brasileiro. A edição de 2020 confirmou a tendência, já observada em anos anteriores, de que a Amazônia Legal é onde se concentram os maiores índices de conflito e violência no campo. No entanto, os dados apresentados no documento mostram que a situação se agravou muito em 2019.

>> Acesse aqui o Relatório da CPT

Naquele ano, o norte do país concentrou 84% dos assassinatos de pessoas, equivalentes a 27 de um total de 32 em todo território nacional; 73% das tentativas de assassinato (22 de 30); e 79% dos ameaçados de morte (158 de 201 pessoas). Além disso, 84% das famílias da região sofreram alguma invasão de terra ou das suas casas. O relatório aponta, ainda, para o aumento da violência contra mulheres e indígenas; denuncia a milicianização da Amazônia e chama a atenção para a intensificação dos conflitos por água e para o recrudescimento de relações de trabalho que podem ser consideradas como análogas à escravidão.

O grau de violência registrado pelo caderno da CPT deve ser considerado tão grave quanto o desmatamento, que recebe maior cobertura dos veículos de comunicação tradicionais. Frequentemente, as duas coisas estão conectadas. Na comparação com o ano anterior, observamos o aumento expressivo, superior a 50%, dos alertas de destruição florestal em 2020. Até o final de março deste ano, 796 km² haviam sido desmatados contra 526 km² no mesmo período de 2019. A sabedoria que corre os rios e igarapés amazônicos cochicha: as forças de destruição da floresta não estão em quarentena nem fazem home office.

A ação de grileiros, garimpeiros e madeireiros ajuda a explicar a intensificação do desmatamento durante a estação de chuvas na Amazônia, isto é, no primeiro trimestre do ano. Mas a isto devemos acrescentar ainda a redução drástica das ações de fiscalização pelos órgãos públicos, por um lado, consequência do isolamento social; e, por outro lado, resultado dos cortes orçamentários destes órgãos ao longo dos últimos dois anos.

Asfixia orçamentária

Aumento da violência e do desmatamento, bem como a fragilização da governança e da fiscalização socioambiental no Brasil são elementos da conjuntura que foram capturados por outro estudo, desta vez, conduzido no Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O relatório faz um Balanço do Orçamento Geral da União, relativo ao ano de 2019. No documento, o Inesc alerta para a relação entre a restrição do orçamento de vários órgãos governamentais, a ineficácia das ações de fiscalização, o desmonte da governança socioambiental e o aumento do desmatamento, além de outros crimes ambientais.

>> Acesse aqui o Relatório do Inesc

No Balanço, lê-se que o Ministério do Meio Ambiente perdeu 8,5% do seu orçamento entre 2018 e 2019 e 20% entre 2012 e 2019. Em 2019, os recursos do órgão não ultrapassaram 0,11% do Orçamento Geral da União. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a taxa de crescimento do desmatamento nas unidades de conservação federais, sob responsabilidade do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), foi de 84% entre agosto de 2018 e julho de 2019. A asfixia orçamentária prejudica a execução de políticas públicas, mas também se vincula a iniciativas legislativas e disputas intraburocráticas que perturbam ainda mais a dinâmica territorial local.

Agenda legislativa e política burocrática

No Legislativo, em meio à pandemia da Covid-19, deputados da bancada ruralista, composta pela elite agropecuária e extrativista, tenta aprovar o maior roubo de terras públicas da história do Brasil, a Medida Provisória n. 910/2019. A medida prevê a legalização da ocupação irregular de terras públicas sem destinação em até 2.500 hectares e amplia o marco temporal para a regularização das propriedades. É a segunda vez, em três anos, que esse critério é alterado. Em 2017, o governo de Michel Temer já havia aprovado uma lei para flexibilização das regras sobre a regularização fundiária. Por isso, especialistas insistem, uma nova determinação nesse sentido incentiva a grilagem (ou falsificação de documentos comprobatórios de propriedade). A MP, que se encontra na Câmara dos Deputados, caduca em 19 de maio, mas os meios de comunicação relatam enorme pressão para o cumprimento dos prazos.

Nessa mesma direção, em 16 de abril, a Funai (Fundação Nacional do Índio) emitiu uma Instrução Normativa n. 9 que orienta órgãos públicos a reconhecer como terras indígenas somente aquelas com demarcação concluída. Ao fragilizar o reconhecimento costumeiro do perímetro de terras indígenas não demarcadas, a Funai põe em risco a vida dos povos indígenas e contribui para piorar uma situação de conflitualidade que já é intensa. O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) emitiu nota exigindo a revogação da medida. Da mesma forma, o MPF recomendou ao presidente do órgão a anulação da Instrução. A Funai respondeu ao Cimi com um novo ataque, que, por sua vez, torna notória a guinada do órgão no sentido contrário do seu mandato legal.

No início de abril, o diretor do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Eduardo Bim, suspendeu a necessidade de autorização, concedida pela agência, para a exportação de carregamentos de madeira. A decisão ignorou o parecer técnico de cinco analistas do órgão. Ela se dá na sequência de uma notificação emitida por autoridades estrangeiras, endereçada ao governo brasileiro, de que carregamentos de madeira estavam chegando em seus países sem registro de origem legal. O caso já havia sido denunciado pela agência de notícias Reuters. Embora o mercado brasileiro seja o principal destino da madeira ilegal, a Interpol estima que esse comércio movimente cerca de 150 bilhões de dólares por ano. África e América Latina são enclaves do comércio ilegal de madeira.

Investimentos e megaobras

Outra marca da política bolsonarista para a região amazônica é a retomada do projeto de ocupação territorial adotado, no passado, por governos militares. Com o lema “integrar para não entregar” (a região para “agentes estrangeiros”), essas políticas, responsáveis em parte pela criação de assentamentos agrários, deslocaram pessoas de todo o país para a Amazônia entre as décadas de 1960 e 1970. A construção de infraestrutura no coração da floresta Amazônica também foi responsável por ciclos de dizimação de povos indígenas afetados por essas megaobras, porque alteraram o uso da terra e trouxeram doenças desconhecidas pelas comunidades.  As suas consequências se arrastam até hoje.

O conflito fundiário cristalizado em torno desta história deixa inúmeras famílias sob grave insegurança jurídica quanto à posse das terras onde vivem, uma situação que piorou com o avanço do interesse especulativo sobre a região. Bolsonaro e sua equipe anunciaram um “novo ciclo de investimentos” para a Amazônia que deverão ser estruturados com base nas diretrizes do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos) do governo federal. Com isso, o objetivo do governo é revitalizar o chamado “Arco Norte”, região de potencial logístico portuário, como eixo preferencial para a exportação de grãos e minérios ao mercado externo. Como no passado, os efeitos desse novo esforço de colonização do território amazônico têm sido graves violações de direitos humanos e predação ambiental.

Desmatamento e violência

O aumento do desmatamento em 2020, não obedece ao mesmo padrão que no ano anterior, quando os índices elevados refletiam, em boa medida, uma característica sazonal do bioma amazônico, a seca. Os novos índices alertam para o fato de que nenhuma explicação para a devastação florestal é suficiente se desconsiderarmos a presença dos povos que nela habitam, as disputas em torno do uso do solo, do desenvolvimento regional e os modos de vida conflitantes. Devemos tratar o aumento do desmatamento na Amazônia, como um problema socioambiental. Há que se dialogar com a realidade dos povos que vivenciam, na prática, toda ofensiva de degradação ambiental.

A chegada da covid-19 na região adicionou a camada da crise humanitária a outra crise já instalada e diretamente relacionada às decisões (e declarações) do atual governo, as quais vem colocando em risco a vida das pessoas, seus modos de vida e o meio ambiente. O isolamento social alargou o espaço para todo tipo de atividade ilegal na região, mas, somado às iniciativas legislativas que facilitam roubos de terras, vem favorecendo também o desmatamento e o aumento da violência no campo. Está é uma violência contra mulheres e homens que defendem um modo de vida baseado na preservação ambiental e sustentável, opondo-se à lógica da exploração predatória da floresta e dos recursos naturais.

O governo que odeia as mulheres: a inércia de Damares Alves na crise da Covid-19

O Brasil vive hoje uma crise sem precedentes gerada pela pandemia da Covid-19. Com 16.188 casos notificados e 820 mortes confirmadas[1] decorrentes do vírus em todo o país, o governo bate cabeça diariamente buscando uma linha de atuação para gerenciar a crise de saúde. O Presidente Jair Bolsonaro tem sofrido desgastes contínuos, disseminando teorias da conspiração e atuando contra do isolamento social recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Chegou ao ponto de convocar “protestos” em sua defesa, ir a uma manifestação, e realizar chamado a um jejum nacional, no último domingo 5 de abril.

A maioria dos governadores, por seu turno, optaram pelo isolamento horizontal à revelia do presidente, gerando acirramento de disputas políticas que acabam atrapalhando o traçado de um plano eficaz para contenção da doença e proteção dos cidadãos e cidadãs. Esta semana – a terceira ou quarta em isolamento para muitas famílias brasileiras –, iniciou com a notícia de demissão do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também por motivações políticas: estaria ele desagradando Bolsonaro em suas decisões para gestão da crise, mas acabou permanecendo no cargo, ao que parece por pressão da ala militar do governo.

Uma boa notícia foi a aprovação da renda básica emergencial, que poderá impactar diretamente a vida de milhões de mulheres brasileiras sem renda, principalmente mulheres negras que vivem nas periferias dos grandes centros urbanos. No projeto aprovado no Congresso e assinado com demora pelo presidente, autoriza-se o pagamento de R$600 reais por três meses, para até 2 adultos em uma família com renda de até 3 salários mínimos. As mães solo poderão acumular 2 benefícios. Ainda não é possível avaliar a implementação da medida, pois há dúvidas em relação à logística de movimentação nas agências bancárias e sobre o real acesso do público alvo ao aplicativo digital, lançado na terça feira, 7 de abril.

Em meio a toda esta crise e às confusões desnecessárias no campo diplomático – como os ataques racistas à China, maior parceira econômica do Brasil –, chama a atenção a inoperância do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH). A Ministra Damares Alves foi a público apoiar o jejum, mas demorou quase um mês para se pronunciar sobre a gestão da pasta sob sua responsabilidade na Covid-19: no último dia 2 de abril anunciou as medidas do MDH, em sua maioria ações de conscientização da população e articulação com outros órgãos. A ação mais concreta parece ser a ampliação dos serviços Ligue 100 e Ligue 180, canais de denuncia de violência, reconhecendo que a convivência intermitente com o agressor aumenta a vulnerabilidade das mulheres.

No entanto, nada foi dito sobre a execução do orçamento do MDH, que teve recursos autorizados de cerca de R$394 milhões de reais para 2020[2]. É importante salientar, como destacamos em artigo anterior, que R$25 milhões estão carimbados para “Políticas de Igualdade e Enfrentamento à Violência”; mais de R$71 milhões para a “Construção da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres em Fronteira Seca”; e mais de R$35 milhões para os dois canais de atendimento, Ligue 100 e Ligue 180 (canais para os quais uma empresa já foi contratada no ano passado, ou seja, já está em andamento). Estas três ações somam cerca de R$132 milhões em recursos do MDH voltados para o enfrentamento a violência contra as mulheres.

Passados 4 meses do início do ano orçamentário, o MDH executou somente R$536 mil reais: isso mesmo, 0,13% do recurso autorizado para o ano de 2020![3] Deste parco recurso, foram R$336.000,00 para “Despesas diversas” e o restante para o funcionamento dos conselhos da Pessoa Idosa, Pessoa com Deficiência e Juventude, além de publicidade institucional.

Com a crise da Covid-19, uma nova ação orçamentária foi criada, a Ação Orçamentária 21C0: Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente do Corona Vírus, que conta, para execução do MDH, com R$40 milhões de reais, mas ainda não sabemos como será executado. O recurso total do MDH, hoje, é de R$416 milhões de reais[4].

As questões que se colocam são: como estes recursos irão chegar aos municípios e territórios neste momento de emergência? Qual o plano do MDH para execução destes recursos, visando cumprir um objetivo bem prático, salvar a vida das mulheres? Como as mulheres periféricas, em sua maioria negras, terão acesso ao sistema de proteção social em um quadro onde os serviços de atendimento encontram-se praticamente, todos, fechados?

A maior parte do recurso autorizado do MDH foi para a Ação 21AR – Promoção e Defesa de Direitos para Todos, no valor de R$159 milhões[5], sem detalhamento de como seria gasto: o Plano Orçamentário desta ação ainda consta como “PO – 0000: Despesas Diversas. Como os planos orçamentários podem ser alterados durante o ano orçamentário, realizamos um pedido via Lei de Acesso à Informação (março/2020) para verificar a destinação destes recursos, e obtivemos como resposta que se trata de orçamento advindo de emendas individuais impositivas para o ministério. O que descobrimos?

Checando a listagem e descrição de tais emendas, podemos encontrar diversas ações que seriam de suma importância serem executadas neste momento da Covid-19, como equipamentos para instituições de longa permanência para idosos e atendimento a meninas e meninos em situação de rua. Outras, perdem o sentido, por enquanto, em uma situação de isolamento social, como equipamentos para centros de atendimento a crianças e adolescentes e conselhos tutelares, bem como projetos de educação presencial.

Diversas emendas são voltadas para o enfrentamento a violência contra as mulheres, e devem ser executadas o quantos antes, pois somam cerca de R$39 milhões de reais, para os seguintes estados: Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Sergipe, Pernambuco, Bahia, Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

O fato é que será impossível construir as casas da mulher brasileira este ano, e se estes equipamentos já estivessem prontos, provavelmente não poderiam abrir para atendimento – para não gerar uma situação de contágio –, ou mesmo poderiam ser solicitados para instalação de hospitais de emergência. Em um cenário de escassez de recursos e com os impactos da Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos) se fazendo sentir no Sistema Único de Saúde (SUS), todos os recursos disponíveis devem ser executados pelo bem da sociedade. O MDH precisa apresentar para a sociedade como pretende proteger, concretamente, os direitos humanos de mulheres, idosos, pessoas com deficiência, em situação de rua, quilombolas e indígenas, neste momento de Codiv-19.

É possível e necessário apoiar ações locais para acesso à renda emergencial, pois sabemos que os mais vulneráveis terão dificuldades com o acesso ao benefício, seja pela limitação em encontrar informações, seja pela exclusão digital. As mulheres em situação de violência precisam da renda básica para se proteger. Esta é uma pauta relacionada às mulheres, famílias e direitos humanos!

Há recursos autorizados disponíveis para execução. São mais de R$400 milhões de reais. A Ministra precisa arregaçar as mangas e fazer o seu trabalho, pois a fome, a violência e o vírus Sars-Cov-2 já chegaram à casa das famílias brasileiras.

[1] Fonte: https://www.worldometers.info/coronavirus/

[2] Fonte: Siga Brasil, acesso em fevereiro de 2020, dados corrigidos pelo IPCA.

[3] Fonte: Siga Brasil, acesso em 8 de abril de 2020. Dados corrigidos pelo IPCA.

[4] Fonte: Siga Brasil, acesso em 8 de abril de 2020. Dados corrigidos pelo IPCA.

[5] Fonte: Siga Brasil, acesso em fevereiro de 2020: R$159.340.917,00; e em 8 de abril de 2020: R$159.739.312,00. Dados corrigidos pelo IPCA.

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