Pela primeira vez, candidaturas quilombolas são identificadas

As eleições municipais de 2024 no Brasil apresentam um marco significativo na representatividade de quilombolas. Para esse grupo, é a primeira vez na história eleitoral brasileira que candidatos e candidatas puderam se declarar como quilombolas, resultando em 3.455 pessoas na disputa.

Dentre os quilombolas, 2.141 são homens, representando 61,96% do total, enquanto 1.314 são mulheres, compondo 38,03%. Este grupo está distribuído por todas as regiões do país, com a maior concentração no Nordeste, que abriga 1.242 (35,94%) dos candidatos quilombolas, seguido pelo Sudeste, com 982 (28,42%).

As estatísticas fazem parte do levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com o coletivo Common Data, extraídos da base de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Segundo o estudo, a composição racial dentro das candidaturas quilombolas é diversificada.

Homens negros, incluindo pretos e pardos, dominam com 1.719 (49,74%) candidaturas. Mulheres quilombolas negras somam 1.098 (31,77%), enquanto candidatos brancos quilombolas (tanto homens quanto mulheres) perfazem 594 (17,18%). Ainda há pequenas representações de indígenas e amarelos, com 28 candidatos ao todo, demonstrando uma diversidade étnica, embora com menor expressão.

Composição por gênero e raça de quilombolas

  • 980 homens quilombolas pretos (28,36%);
  • 739 homens quilombolas pardos (21,38%);
  • 717 mulheres quilombolas pretas (20,75%);
  • 398 homens quilombolas brancos (11,51%);
  • 381 mulheres quilombolas pardas (11,02%);
  • 196 mulheres quilombolas brancas (5,67%);
  • 15 mulheres quilombolas indígenas (0,43%);
  • 13 homens quilombolas indígenas (0,37%);
  • 7 homens quilombolas amarelos (0,20%); e
  • 3 mulheres quilombolas amarelas (0,08%).

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Candidaturas seguem dominadas por homens brancos e ricos

Um estudo do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), em parceria com o coletivo Common Data, traz à tona informações detalhadas sobre a escolaridade, ocupações, bens declarados e os termos utilizados pelos candidatos em seus nomes de urna. Com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o levantamento evidencia como o acesso ao poder é moldado por fatores socioeconômicos e raciais no Brasil.

Segundo a análise, à medida que o cargo disputado detém um maior poder político, aumenta o nível de escolaridade dos candidatos. Dos 15.313 candidatos a prefeito, 58,88% possuem ensino superior completo, enquanto apenas um candidato é analfabeto. Entre os 15.307 candidatos a vice-prefeito, 46,36% têm ensino superior completo. Já no universo dos 423.908 candidatos a vereador, o percentual daqueles com ensino superior completo cai para 26,64%, e há ainda 26 candidatos que se declaram analfabetos.

Os dados indicam não somente uma concentração de indivíduos com maior escolaridade nas posições de maior influência política, como também uma maior presença de homens brancos nesses cargos. Nas candidaturas masculinas a prefeito, são 61,95% homens brancos; 37,06% são negros; 0,31% são indígenas; e 0,22% são amarelos. Para vice-prefeito, o percentual de homens brancos cai para 57,76%; ante 41% de negros; 0,31% indígenas; e 0,45% amarelos. Para o cargo de vereador, vê-se a menor proporção de brancos (44%) em relação aos negros (54,36%).

A declaração de bens dos candidatos também oferece outra camada de compreensão sobre a desigualdade presente nas eleições. Os postulantes ao cargo de prefeito, têm, em média, mais de seis bens declarados, cada um com o valor médio de R$ R$ 1.812.964,00, e o candidato que mais declarou patrimônios registrou 351 bens. Já o valor mais alto de bens declarado foi de R$ 2.851.300,00. Há, pelo menos, 18 bilionários concorrendo às eleições para Prefeitura este ano.

Para o cargo de vice-prefeito, a média do número de bens declarados é de 4,37, cujo valor médio é de R$ 1.054.526,00. Já os candidatos a vereador, informaram, em média, apenas 1,71 bens, com valor médio de R$ 689.877,00.

A disparidade é ainda mais acentuada quando se observam os extremos da pirâmide social. Mulheres negras, por exemplo, declararam uma média de apenas R$ 120.251,36 em bens, em contraste com os homens brancos, que declararam, em média, R$ 1.952.040,36.

“Essa discrepância reflete as desigualdades econômicas existentes na sociedade brasileira, associando o poder político à riqueza pessoal de cada candidato”, explica Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

O estudo também observou as ocupações das candidaturas nessas eleições. De maneira geral, no topo da lista estão os empresários (7,63%), servidores públicos municipais (6,92%), agropecuarista (7,79%), vereadores (5,85%) e comerciantes (4,33%). Esses dados indicam que a política continua a atrair indivíduos de profissões que tradicionalmente possuem maior capital econômico e social.

Entre as candidatas femininas, as ocupações mais comuns incluem funcionárias públicas (3,12%), educadoras (2,81%), donas de casa (2,60%), profissionais da saúde (2,47%) e autônomas/profissionais liberais (2,45%).

Nomes de Urna

Outro dado revelado pelo estudo foram os termos mais comuns nos nomes de urna. Para os candidatos a prefeito, o termo “Doutor” é o mais frequente, aparecendo em 766 ocasiões, seguido por “Professor” (233 ocorrências). Esses termos sugerem que os candidatos buscam transmitir uma imagem de autoridade e conhecimento, características valorizadas pelos eleitores.

Para os candidatos a vereador, os termos “Saúde” (5.687 ocorrências), “Professor” (4.738) e “Professora” (4.459) são os mais comuns, refletindo um foco maior em questões sociais essenciais, como educação e saúde. Em contraste, termos como “Pastor” e “Irmão”, que também aparecem com frequência, indicam a presença significativa de candidatos com vínculos religiosos.

Reeleição

Nas eleições de 2024, 44.580 candidatos (9,81% do total) estão tentando a reeleição. Entre os candidatos a prefeito, 2.958 (19,32%) buscam manter seus cargos, enquanto 1.926 (12,58%) dos candidatos a vice-prefeito também estão em busca de reeleição. Para o cargo de vereador, 39.696 (9,36%) das candidaturas são de indivíduos que já ocupam a posição e desejam continuar no legislativo municipal.

A predominância de homens nas candidaturas à reeleição é notável, com 37.147 (83,32%) do total, em comparação com 7.433 (16,67%) candidaturas femininas. Essa tendência reflete a continuidade do poder nas mãos dos mesmos grupos, perpetuando as desigualdades de gênero e raça na política.

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Demandas do Sul Global avançam nas negociações da COP Tributação

No campo da incidência internacional, agosto foi um mês marcado pelas negociações dos Termos de Referência da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Tributação, a chamada ‘COP Tributação’.

Os países-membros da ONU, reunidos durante três semanas em Nova York, aprovaram o documento que seguiu para a apreciação da Assembleia Geral da ONU, que deverá sancioná-la. A partir daí, um novo Comitê será constituído com a tarefa de elaborar a Convenção até o ano de 2027.

Nathalie Beghin, do Colegiado de Gestão do Inesc, durante as negociações dos Termos de Referência da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Tributação

De acordo com Nathalie Beghin, do Colegiado de Gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), as negociações refletiram as tensões existentes entre os países do Norte e Sul Global. “Por um lado, os países do Norte não querem perder seus privilégios e, por outro, os países do Sul estão cansados de acordos que não os beneficiam”, destacou Beghin, que acompanhou os debates presencialmente pela delegação da Aliança Global por Justiça Tributária representando a Rede Latino-americana de Justiça Fiscal.

O texto final aprovado incorporou demandas dos países em desenvolvimento e, também, da sociedade civil. A proposta da presidência brasileira do G20 – de taxar os super-ricos – também entrou na Convenção como um dos compromissos. “O resultado final foi promissor, especialmente porque deslocou o debate sobre tributação global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para a ONU, que é um espaço mais inclusivo e participativo”.

Nathalie lembrou que ainda restam três anos de negociações da Convenção e, para ela, é fundamental que haja maior participação da sociedade civil, inclusão da realização dos direitos humanos como um dos objetivos da cooperação tributária internacional e a elaboração de um protocolo sobre taxação das pessoas com grandes fortunas.

Em entrevista à ONU News, Nathalie reforçou a importância da cooperação internacional em tributação tendo em vista que todos os anos muitos países em desenvolvimento “perdem bilhões de dólares em evasão e elisão fiscal”.

Além disso, ela salientou que esta é uma convenção que visa reforçar a justiça fiscal para a realização dos direitos humanos, consagrados na carta Magna das Nações Unidas, e “enfrentar os desafios dos nossos tempos”, como as mudanças climáticas.

Assista:

Eleições 2024: candidaturas duplas contrariam tese de polarização

Apesar de o embate entre direita e esquerda ser o mais esperado nas eleições, na prática, a maioria das brigas nas candidaturas duplas (83% das vezes) envolve, pelo menos, um partido de direita. A análise faz parte de um estudo do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral, divulgado nesta semana. O confronto direto entre partidos de direita e esquerda ocorrerão em 23% das disputas eleitorais (644 municípios). Veja tabela abaixo:  

Tabela: Comparativo das disputas de candidaturas duplas por espectro ideológico (em 2020 e 2024)

Disputa por espectro ideológico20202024
Direita x Centro666 (32,44%)924 (33,41%)
Direita x Direita488 (23,77%)731 (26,43%)
Direita X Esquerda487 (23,72%)644 (23,28%)
Centro X Esquerda240 (11,69%)285 (10,30%)
Centro X Centro112 (5,46%)96 (3,47%)
Esquerda X Esquerda60 (2,92%)86 (3,11%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do TSE, 2020, 2024.

O estudo também revela que a maior parte das disputas nas candidaturas duplas acontece entre um partido de centro e um partido de direita, em número maior do que foi registrado em 2020. 

Para classificar o espectro ideológico dos partidos, o Inesc utilizou uma classificação adaptada da categorização feita por Sardinha e Costa, publicada no Congresso em Foco, em 2019. Como, desde então, houve a fusão e a criação de novos partidos políticos, as legendas foram classificadas em relação à sua ideologia da seguinte maneira:

  1. Centro: Avante, MDB, PSDB e Solidariedade;
  2. Direita: Agir, DC, NOVO, PL, PMB, PODE, PP, PRD, PRTB, PSD, Republicanos e União;
  3. Esquerda: Cidadania, Mobiliza, PCB, PCdoB, PCO, PDT, PSB, PSOL, PSTU, PT, PV, Rede e UP.

Considerando, portanto, essa classificação, o gráfico abaixo apresenta a distribuição por espectro ideológico entre as candidaturas duplas:

Homens e brancos

Em relação ao gênero das candidaturas duplas que ocorrerão nas eleições municipais de 2024, apenas 2,4% das disputas (ou 66 municípios) vão acontecer entre duas mulheres; 72,2% (1.996 municípios) vão ser entre homens; e 25,5% (704 municípios) serão entre um homem e uma mulher.

Quanto à raça, nos municípios com apenas 2 candidatos, 60% dos candidatos têm a raça declarada branca; 35%, parda; 2,7%, preta; 0,2%, amarela; e 0,2, indígena. A análise apurou ainda que 43,67% (1.208) desses municípios terão as prefeituras disputadas apenas entre duas pessoas brancas. 

Candidaturas duplas por cor/raça nas eleições de 2020 e 2024: 

No cenário de candidaturas duplas a prefeito, há desde cidades de pequeno porte, até municípios com mais de 100 mil habitantes.

“O cenário de candidaturas continua representando um alerta para a representatividade e a democracia. Ainda há uma prevalência expressiva de homens, especialmente brancos, com o destaque para a predominância de candidaturas ligadas ao espectro ideológico de direita”, observa Carmela.

Os dados do estudo foram tratados a partir do banco de candidaturas disponibilizado pelo TSE, coletados às 12:31:42 do dia 16 de agosto de 2024. O tratamento consistiu na retirada de candidaturas duplicadas e aquelas que já se sabe não estarem válidas, ou seja, aquelas que não estão indicadas com situação de falecimento, renúncia, pedidos não conhecidos, indeferidas e canceladas.

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Maioria das cidades possui só 1 ou 2 candidatos(as) na disputa pela Prefeitura

Estudo realizado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) sobre as eleições municipais de 2024 revela uma tendência preocupante no cenário político brasileiro: mais da metade dos municípios do país terão apenas um ou dois candidatos disputando a prefeitura. Dos 5.569 municípios, 2.993 terão até dois candidatos, sendo 227 com apenas um candidato.

Segundo a análise, houve um aumento significativo no número de municípios com candidaturas únicas ou duplas em relação às eleições de 2020, com um crescimento de mais de 10% na quantidade de cidades com apenas dois candidatos. Este fenômeno reflete uma mudança nas dinâmicas políticas locais, onde a polarização entre direita e esquerda, tão evidente em outros níveis, não se manifesta com a mesma intensidade nas disputas municipais.

“Essa situação limita drasticamente as opções de escolha dos eleitores, enfraquecendo a competição eleitoral que é fundamental para a democracia”, explica Carmela Zigoni, assessora política do Inesc. “A baixa representatividade também é nociva, pois isso pode reforçar dinâmicas de poder já estabelecidas, comprometendo a diversidade de ideias e novas propostas políticas para a melhoria das cidades”, acrescenta.

Nos municípios onde há duas candidaturas, que representam quase 50% do total, a ideia de polarização é desafiada pelos dados. A maioria das disputas ocorre entre partidos de direita e centro, com menos de 25% das disputas entre direita e esquerda, indicando que, no âmbito local, as questões ideológicas são frequentemente secundárias em relação às dinâmicas políticas locais.

Comparando com as eleições de 2020, o estudo indica um aumento na atuação de partidos de direita em disputas duplas, enquanto os partidos de esquerda apresentam uma presença menor. 

A análise ideológica dos candidatos mostra que, nas candidaturas únicas, a maioria é composta por partidos de direita, seguidos de partidos de centro e, em menor quantidade, de esquerda. Minas Gerais e Rio Grande do Sul lideram o número de municípios com candidaturas únicas, o que representa quase 10% dos municípios gaúchos sem disputa pelo executivo local.

Outra descoberta foi que as candidaturas masculinas dominam as disputas, mas há um leve aumento na participação feminina, embora ainda insuficiente para um equilíbrio de gênero. O perfil dos candidatos em municípios com candidaturas únicas tem um leve predomínio de homens, com uma representação feminina ainda limitada. Quando se observa a distribuição por cor/raça, há uma predominância de candidatos brancos, tanto entre homens quanto entre mulheres, com uma leve diminuição em relação às eleições anteriores.

Em termos de diversidade racial, a maioria dos candidatos em disputas duplas é branca, com uma pequena representação de candidatos pardos e pretos. Além disso, há casos raros de disputas entre candidatos indígenas ou entre candidatos pretos, evidenciando a desigualdade racial persistente no cenário político.

Os municípios com candidaturas únicas têm, em média, 7 mil habitantes, caracterizando-se como pequenos. Já os municípios com duas candidaturas têm uma média de 13 mil habitantes, mas incluem também cidades de grande porte, demonstrando que a falta de competitividade eleitoral não é exclusiva de cidades pequenas.

Por fim, o estudo revela que cerca de 1,6 milhão de brasileiros estarão sem poder de escolha para prefeito, devido à existência de candidaturas únicas, enquanto aproximadamente 35,7 milhões terão que escolher entre apenas dois candidatos. Este cenário levanta questões sobre a qualidade da democracia local e a representatividade política, especialmente considerando a predominância de candidatos homens, brancos e de direita.

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Inesc analisa gastos federais do primeiro semestre

Os gastos realizados pelo Governo Federal em áreas sociais e ambientais ficaram menores do que o esperado neste primeiro semestre. Em alguns setores, a situação se agrava ainda mais pela baixa execução orçamentária do total previsto para 2024.

Esta conclusão faz parte do relatório ‘Balanço semestral do Orçamento da União: janeiro a junho de 2024’, lançado hoje (20/08) pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) que analisa a execução financeira do Estado para as nove áreas que a organização acompanha: Educação, Direito à Cidade, Geração Distribuída de Energia, Meio Ambiente e Clima, Povos Indígenas, Quilombolas, Igualdade Racial, Mulheres, Crianças e Adolescentes.

Educação

Na Educação, por exemplo, embora a maior parte dos programas tenha registrado gastos proporcionais ao semestre – uma média de 50% do total orçado para 2024 –, os recursos executados para a subfunção “Educação de Jovens e Adultos” não ultrapassou 6% do autorizado para o ano. Dos R$ 342 milhões disponibilizados, foram usados R$ 20,8 milhões. Segundo o Inesc, a expectativa é que o valor aumente até dezembro, com o início do programa “Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos, a Medalha Paulo Freire”. No Brasil, o analfabetismo total afeta 6% da população em meio urbano e 15% em meio rural. Já a média do analfabetismo funcional é 12%, ou 19% no Nordeste (Inep).

Direito às Cidades

No Ministério das Cidades, os gastos revelam o quanto as enchentes no Rio Grande do Sul foram tratadas com prioridade máxima pela União. O governo federal executou 97% de todo o recurso de 2024 para a ação “Apoio Financeiro Reembolsável mediante Financiamento e outros Instrumentos Financeiros para Projetos de Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima”. Porém, se uma nova catástrofe acontecer neste ano, fica a dúvida quanto a novos recursos para enfrentá-la.

Também chama atenção o fato de os programas “Cidades Melhores”, “Periferia Viva” e outros voltados à melhoria da infraestrutura viária urbana, não terem registrado gasto algum até 30 de junho. A exceção ficou por conta do programa “Apoio a sistemas de transporte público coletivo urbano” que executou cerca de 60% do valor orçado. Uma possível explicação na lentidão de gastos no Ministério das Cidades estaria na necessidade de políticas que dependem do bom funcionamento do pacto federativo, quando é comum estados e municípios apresentarem entraves na celebração de convênios.

Geração Distribuída de Energia

No relatório, o Inesc ainda analisou a implementação de Geração Distribuída (GD) de Energia pelo governo federal. Contudo, as únicas ações que versam sobre o tema em 2024 estão alocadas no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, com R$ 2,432 milhões autorizados, sem nenhum valor executado ainda.

Meio Ambiente e Clima

Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, assim como em seus órgãos vinculados, enfrenta o desafio de recompor suas equipes e melhorar a remuneração de seus servidores. Só assim, segundo o Inesc, a área estaria preparada para enfrentar a pressão do setor de óleo e gás pela liberação de licenças ambientais. Os números da execução da pasta (pela ótica do empenho) mostram-se satisfatórios, acima de 70% do orçamento autorizado, conforme tabela abaixo.

Povos Indígenas

Para os povos indígenas, a ação “Regularização Fundiária, Proteção e Gestão dos Territórios Indígenas” executou um total de R$ 28,8 milhões de um montante autorizado em R$ 315,5 milhões, no primeiro semestre de 2024, apesar de haver registrado um empenho de R$ 167,3 milhões (53% do recurso autorizado). Segundo o relatório, a distância entre recursos empenhados e os efetivamente pagos sinalizam dificuldades estruturais para a realização de uma política indigenista no país, além da própria natureza dos gastos para essa população, que tendem a demorar mais para serem concluídos. Já o programa “Saúde Indígena” registrou gastos de R$ 1,04 bilhão, dos R$ 2,61 bilhões autorizados, ou seja, 40% dos recursos. Apesar do percentual positivo, o relatório do Inesc lembra que o quadro de servidores da Funai ainda está esvaziado e as dinâmicas administrativas, burocratizadas.

Quilombolas

Já nas ações governamentais que visam garantir o direito dos quilombolas, o programa “Governança fundiária, reforma agrária e regularização de territórios quilombolas e de povos e comunidades tradicionais” teve um valor autorizado de R$ 144,3 milhões, para os doze meses de 2024. No primeiro semestre, foram empenhados R$ 25,3 milhões no e pagos R$ 3,4 milhões.

Crianças e Adolescentes

A morosidade na execução dos recursos esteve presente ainda nos programas e ações voltados às crianças e aos adolescentes. O Inesc aponta o avanço da inclusão deste público no Plano Plurianual, no entanto, dos quase R$ 85 milhões autorizados para gastos em 2024, foram empenhados 28,7% desse valor de janeiro a junho, e 12,6% do montante, executado.

Bons Exemplos

O tema da Igualdade Racial, que também ganhou espaço na agenda do novo Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, recebeu um orçamento de R$ 130,5 milhões neste ano, quase o dobro do que foi alocado em 2023. Tal aumento materializa a prioridade que esse assunto vem sendo tratado pelo governo federal, com o novo Ministério da Igualdade Racial.

O Programa “Juventude Negra Viva”, com orçamento de R$ 15 milhões, teve quase 90% dos recursos ou empenhados ou pagos no semestre. Quanto à subfunção “Promoção da igualdade étnico-racial, combate e superação do racismo”, dos R$ 79 milhões, já foram empenhados R$ 27,7 milhões (34,1%) e R$ 18,8 milhões (23,7%), pagos.

As políticas específicas para as mulheres, também reestruturadas no novo PPA, são outro exemplo de desempenho positivo nos gastos da União de janeiro a junho. A Casa da Mulher Brasileira, que tinha R$ 37, 4 milhões de orçamento, já empenhou R$ 24,6 milhões e tem R$ 24 milhões de restos a pagar. O Ligue 180, entretanto, ainda não registrou pagamentos do total de R$ 23,8 milhões orçados para 2024, embora ainda haja R$ 10,9 milhões de restos a pagar de anos anteriores. E o programa “Autonomia Econômica das Mulheres”, que conta com R$ 121 milhões autorizados, empenhou R$ 41,2 milhões (34%), e foram pagos R$ 284,6 mil.

A conclusão do Inesc é que, embora haja um semestre pela frente para que os recursos orçados sejam efetivamente gastos, os dados de janeiro a junho preocupam, pois grande parte das políticas públicas requer gastos contínuos de modo a evitar interrupções ou atrasos nos atendimentos:

“É bem provável que muitos desses atrasos ocorram pela dificuldade de estados e municípios se organizarem para receber o recurso federal por meio de convênios. Além disso, existe a necessidade de recompor as equipes de instituições desmontadas na gestão Bolsonaro. Mas não se pode negar que o Brasil está gastando menos do que deveria ao obedecer uma austeridade fiscal a qualquer custo, prejudicando especialmente as pessoas empobrecidas, agravando o racismo e o sexismo. Diante das enormes dívidas do país nas áreas social, ambiental e climática, é preciso mais recursos públicos e não menos”, alerta o Instituto.

>>Clique aqui para baixar o Balanço semestral do Orçamento da União: janeiro a junho de 2024<<

Inesc em números: balanço 2023

Em 2023, com a eleição de Lula a presidente do Brasil, uma onda de esperança tomou conta do país, contudo, os desafios ainda são enormes.

O Inesc é uma organização não governamental sem fins lucrativos, não partidária e com finalidade pública. Tem por missão “contribuir para o aprimoramento dos processos democráticos visando à garantia dos direitos humanos, mediante o diálogo com o/a cidadão/ã e a articulação e o fortalecimento da sociedade civil para influenciar os espaços de governança nacional e internacional e a consciência da sociedade”.

Com o intuito de ampliar a participação social em espaços de poder e de deliberação de políticas públicas, nosso trabalho é centrado em formações, incidência, campanhas, produção de estudos e monitoramento do orçamento público na perspectiva dos direitos humanos e da defesa do meio ambiente.

Confira nossas principais conquistas de 2023.

Formação e sensibilização

imagem com dados e ilustrações de pessoas. Alcançamos mais de 19,7 mil pessoas, sendo 57% mulheres, em 366 atividades. Foram 519 crianças, adolescentes, jovens, ativistas e lideranças de organizações e movimentos sociais atendidos diretamente pelo Inesc. Destes, 63% são meninas ou mulheres.

Por meio da nossa Metodologia Orçamento & Direitos levamos formação para crianças e adolescentes, jovens ativistas e lideranças de organizações e movimentos sociais para aprimorar a interpretação e análise do orçamento público para a garantia de direitos. Acreditamos que compreender essas questões é um passo importante para participar dos debates sobre a distribuição dos recursos públicos.

imagem com ilustração de uma mão com megafone e o símbolo feminino e dados. Neste tema, formamos: 149 crianças e adolescentes de escolas públicas em Orçamento e Direitos, sendo 60% meninas. 37 meninas estudantes do ensino médio. 70 jovens, sendo 88% mulheres. 63 lideranças quilombolas e indígenas, sendo 69% mulheres. 200 pessoas no curso de Cidadania Fiscal na modalidade EAD, sendo 55% mulheres.

 

Estudos e pesquisas

imagem com ilustrações e reprodução das capas de 3 estudos, com o texto: Produzimos 10 estudos que contribuíram para a conjuntura sociopolítica e ações de incidência.

Os destaques são:

Balanço do Orçamento Geral da União 2022 – Depois do desmonte. 

Avaliamos o orçamento do governo federal para os quatro anos da gestão Bolsonaro, na perspectiva dos direitos humanos, para as nove áreas de atuação do Inesc: saúde, educação, direito à cidade, meio ambiente, mulheres, igualdade racial, quilombolas, indígenas e crianças e adolescentes. Revelamos como o governo Bolsonaro desmantelou as políticas sociais e ambientais como estratégia deliberada de enfraquecimento do Estado. Apontamos uma agenda possível e necessária do governo Lula para 2023.

Subsídios às fontes fósseis e renováveis no Brasil (2018-2022): reformar para uma transição energética justa.

Demos continuidade à estimativa dos subsídios para os combustíveis fósseis e, pela primeira vez, calculamos os incentivos também às energias renováveis. Os resultados da análise revelaram que o apoio fiscal às renováveis ainda é muito menor quando comparado aos fósseis: entre 2018 e 2022 foram alocados R$ 334,6 bilhões em fósseis, enquanto para as renováveis foram apenas R$ 60,1 bilhões. No período, os subsídios aos fósseis cresceram 123,9%, enquanto às renováveis aumentaram 51,7%.

Aspectos jurídicos da relação contratual entre empresas e comunidades do Nordeste brasileiro para a geração de energia renovável

Realizado pelo Inesc em parceria com o Plano Nordeste Potência, realizamos o mapeamento e uma análise inéditos sobre 50 contratos celebrados entre empresas e pequenos proprietários da região rural do Nordeste para instalação de torres de energia eólica e transmissão de eletricidade em suas propriedades. Foram identificados benefícios apenas a um lado: das empresas, além de prejuízos aos donos das terras exploradas.

Cartilha Vivências em Orçamento e Direitos de Juventudes Indígenas e Quilombolas.

Ela nasce com objetivo de que o conteúdo das formações chegue às juventudes quilombolas e indígenas em sua forma física e impressa como complemento ao formato virtual que foi necessário utilizar durante o período da pandemia de Covid-19.

Relatório Transparência: análise sobre os dados da educação nos portais de transparência das unidades federativas.

Analisa a qualidade das informações relacionadas à execução orçamentária para a educação disponíveis nos portais estaduais de transparência, com base nas diretrizes da Lei de Acesso à Informação ou Lei da Transparência (12.527/2011).

Vídeos da série “O Debate Fiscal”.

O Inesc e o coletivo Gazetinha da Guanabara se juntaram para elaborar uma série de vídeos e apresentar – em linguagem visual descomplicada e inédita – os principais conceitos econômicos do debate fiscal atual.

Mulheres Amazônidas

A segunda edição do informativo Mulheres Amazônidas mostrou que a instalação de megaprojetos de mineração, que prometem gerar mais emprego e renda nas regiões onde são instalados, na verdade, acentuam desigualdades e violência contra a mulher.

Campanhas

#ElasFicam

Participamos da coordenação da Campanha #ElasFicam, que foi elaborada em defesa dos mandatos das parlamentares de esquerda processadas no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados – Célia Xakriabá (PSOL-MG), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Juliana Cardoso (PT-SP) – e contra a violência de gênero e raça na política. Realizamos dezenas de ações digitais e presenciais na Câmara dos Deputados. A Campanha foi um sucesso, resultando na absolvição de todas as deputadas.

Balanço do Orçamento Geral da União 2022 – Depois do desmonte.

Lançamos a quarta edição anual do Balanço Geral do Orçamento da União (BGU), intitulada: “Depois do Desmonte”. A publicação, que teve ampla repercussão na mídia.

Subsídios aos Combustíveis Fósseis e Renováveis no Brasil (20182022): reformar para uma transição energética justa.

Divulgamos o estudo sobre os subsídios aos combustíveis fósseis, no qual inovamos ao apresentar os subsídios destinados às fontes renováveis de energia. Além disso, lançamos uma ferramenta que permite analisar os dados de forma interativa ao longo da série histórica analisada (2018-2022).

Incidências no Executivo, Legislativo e Judiciário

imagem com ilustrações e o texto: Realizamos em parceria com organizações e movimentos sociais 130 incidências, das quais 47 obtiveram resultados efetivos (36%). Nossas(os) formandas(os) realizaram 46 atividades de incidência em todo território nacional.

Alguns resultados de destaque que contaram com atuação do Inesc com outros:

Campanha #ElasFicam.

Aumento de 20% dos recursos das multas do Fundo Nacional de Meio Ambiente do Ibama para 50% das multas recebidas.

Criação, no Senado, da Comissão Permanente em Defesa da Democracia.

Criação do Conselho Consultivo Permanente da Sociedade Civil (CCPSC) na Plataforma Latino-americana de Tributação (PTLAC).

Nações Unidas aprovam a demanda da União Africana para a instalação de um processo de construção da Convenção sobre Cooperação em Tributação Internacional. O Inesc participou do movimento apoiando a demanda dos países da África.

Agenda internacional

Em 2023, atuamos na agenda internacional para evitar retrocessos nos territórios.

Agenda comercial internacional

Os principais objetos de atenção têm sido os acordos entre o Mercosul e a União Europeia, e o Mercosul e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) que, da forma como estão sendo negociados, apresentam impactos sociais e ambientais extremamente danosos para o Brasil.

COP 28

Com mais de três décadas de atuação em pautas relacionadas ao meio ambiente, com especial atenção às COP, o Inesc levou para os debates temas relacionados à transição energética, subsídios aos combustíveis fósseis, mercado de carbono, adaptação climática, direitos dos povos indígenas, além de chamar a atenção para os impactos climáticos do Acordo entre a União Europeia e o Mercosul.

G20

Com o objetivo de fortalecer os debates sobre transição energética em âmbito internacional, o Inesc apoiou estudos que incidem diretamente no G20. O artigo “Financiamento de uma transição energética justa através da reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis” (tradução livre do inglês) foi lançado no âmbito do Think20 (T20).

Prêmios

Prêmio APERGS de Direitos Humanos Procurador Jacques Alfonsin.

Websérie “Tapajós: uma breve história da transformação de um rio”.

Festival Samburá de Cinema e Cultura do Mar (Fortaleza-CE, 2023) – Menção Honrosa de Melhor Filme.

6º Curta Caicó (Caicó-RN, 2023) – Prêmio da Crítica da Mostra Paralela Ambiental.

Debate público

imagem com ilustração de pessoas e uma filmadora e microfone com os dados: Mais de 3.250 citações na mídia nacional. Mais de 177.800 pessoas foram alcançadas pelas nossas redes sociais. Além disso, produzimos 11 boletins de áudio que foram reproduzidos 3.094 vezes por rádios de 2.555 cidades de todo o Brasil. 16.181 visualizações de vídeos no Youtube.

 

Meninas de todo país vão à Brasília pelo direito a uma educação sem racismo, sem sexismo e sem capacitismo

“A educação deve ser livre e justa. Onde cada voz e cada corpo se ajusta. Sexismo é a raiz dos preconceitos, destrói sonhos, causas e respeito. Meninas e meninos iguais em valor, devem crescer com respeito e amor. Educação para todos sem distinção, em um mundo sem muros, sem segregação. Diversidade é a nossa força, nossa guia. Na escola da vida, essa é minha melodia. Que nasça uma educação consciente, onde a igualdade floresça eloquente. Contra o racismo, contra o sexismo e contra tudo que não é justo. Lutamos por um pouco de humanismo. Nas salas de aula, sem medo e sem dor, ensinem paz, ensinem o amor. Libertem as mentes e pensem em voar para um futuro brilhante alcançar, que essa palavra inspire uma educação mais justa e inclusiva”, poema de Ana Beatriz Alves do Nascimento, do Centro Integrado de Educação Pública César Pernetta, no Rio de Janeiro/RJ.

 

Foto: Ramona Jucá

Foi com esse espírito, mística e palavras de luta que mais de 25 meninas entre 16 e 23 anos, ocuparam espaços do governo federal, no mês de julho, em Brasília (DF). Em luta por uma educação antirracista, antissexista e anticapacitista, elas foram ao centro do poder do país afirmar que querem um novo Plano Nacional de Educação (PNE), mais diverso e inclusivo. Em agendas intensas no Congresso Nacional e no Ministério da Educação (MEC), colocaram em prática ações de incidência política em que se aprofundaram durante a participação em processos de formação e atividades promovidas nos últimos dois anos pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) por meio do Projeto Malala. Além da interação com os gestores públicos sobre suas demandas, as meninas também realizaram um ato político-cultural no Hall da Taquigrafia da Câmara dos Deputados e com discursos, música e dança, reivindicaram uma educação de qualidade para todas as pessoas. 

Vindas da Escola Bosque, em Outeiro no Pará, da CED 310 em Brasília, da Ciep 316 no Complexo da Maré no Rio de Janeiro, do Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos, no Quilombo João Surá no Paraná e do Centro de Defesa da criança e do Adolescente (Cedeca) Ceará, e acompanhadas também por professoras de suas escolas e a equipe do Inesc, as meninas tiveram agenda com a coordenação da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão), e falaram diretamente com gestores públicos. As deputadas federais Erika Kokay (PT/DF) e Sâmia Bonfim (PSOL/SP) também marcaram presença nas atividades protagonizadas pelas meninas. Esse encontro foi um marco importante do projeto, mostrando às participantes que esses espaços de poder pertencem a elas e ao povo brasileiro. 

“O novo PNE determinará diretrizes, metas e estratégias para a política educacional do Brasil no período de 2014 a 2024 e o objetivo do Inesc com a execução do projeto é de continuar reforçando uma educação emancipadora e inclusiva, que pode contribuir a redução das desigualdades que meninas, meninos e jovens também possam protagonizar essa luta colocando suas demandas e necessidades na busca do fortalecimento dos seus direitos”, explicou Cleo Manhas, assessora política do Inesc. De acordo com ela, foi por isso que, ao longo dos dois anos de execução do projeto, a equipe de educadoras do Instituto realizou formações em todas as regiões do país, sempre em construção conjunta com escolas, gestores, professoras e educadoras, além do envolvimento das meninas. 

Sabrina da Mata, de Fortaleza, no Ceará, contou que as atividades promovidas com o apoio do Fundo Malala deram voz às meninas. “Trouxemos essa pauta de cada estado e vimos que tínhamos muitas questões em comum. E o Projeto Malala possibilitou e possibilita nosso poder de fala, que muitas vezes não somos ouvidas. A gente acumulou mais conhecimento e é muito importante esse lugar que o Inesc proporciona. Eu estou muito feliz em estar com outras meninas tão incríveis”, compartilhou.

Cleo Manhas reforça a importância dessa ação com as meninas ocupando esses espaços de decisões políticas. “Conseguir reunir adolescentes e jovens mulheres em Brasília, para estarem nos espaços de poder e apresentarem suas reivindicações acerca da educação de qualidade, que seja para todas as pessoas, sem racismo ou preconceitos de qualquer natureza, é muito importante para a formação de ativistas que lutam por direitos.” 

Formação para incidência política

 

Foto: Ramona Jucá

A metodologia de trabalho do Inesc tem como princípio a participação das meninas para a incidência política. A atividade realizada por elas em Brasília foi a culminância de um processo de formação que teve como um dos módulos oficinas em educomunicação que debateram a construção do novo PNE diretamente com elas. A partir da premissa de que a comunicação é um direito humano e é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária e para luta por outros direitos, foram realizadas formações durante dez semanas. O processo de formação virtual foi um complemento das formações presenciais nas escolas, e nele trabalharam os temas relacionados ao PNE e os primeiros módulos foram facilitados pela equipe de educadoras do Inesc, com uma abordagem mais aprofundada sobre direito à educação de gênero. 

No terceiro encontro, sob a orientação das convidadas Paula Ferreira e Gal Almeida Costa, Rede de Ativistas, as meninas refletiram sobre a importância do letramento racial, tanto para pessoas negras quanto não negras, e o papel social da educação no processo de humanização. Temas como racismo, preconceito, discriminação, e a aplicação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 foram amplamente discutidos. Em seguida se iniciaram sete oficinas com foco em educomunicação e temas correlacionados, facilitados por comunicadoras da agência Angola Comunicação

Entre os temas abordados estiveram a importância das narrativas na construção da identidade e da memória coletiva, comunicação como  ferramenta de transformação social, fake news e desinformação, criação de conteúdos, entre outros. Em uma etapa seguinte, as meninas produziram seus próprios conteúdos, com a proposta de mobilizarem suas escolas e espaços de atuação para a importância de um novo PNE que priorize questões como antirracismo, antissexismo e anticapacitismo. “As formações foram momentos em que a gente construiu conhecimento junto, tecendo conexões entre os temas, mas também entre as participantes. A gente viu que algumas coisas que não são tão legais e que estão acontecendo na minha realidade sobre educação também são questões lá do outro lado do país, que tem outras pessoas também passando. E vimos com isso a grande importância de nos juntarmos para, coletivamente, buscar melhorias”, explicou a estudante Kamillly Aguiar, de Brasília. 

Além das formações e da incidência política direta das meninas em Brasília, o projeto plantou sementes para a formação de futuras ativistas. Agora, as meninas tem mais informações sobre seus direitos e mais fortemente a capacidade de influenciar políticas públicas também locais e lutar por uma educação antirracista, antissexista e anticapacitista. E demonstra como a comunicação, aliada à educação, pode ser uma ferramenta poderosa para a transformação social e de mobilização. 

“Às vezes a gente sofre racismo, mas acaba deixando pra lá, só que não pode ser assim, a gente tem que lutar pelos nossos direitos, conhecer as leis e com nossa luta poder também ajudar outras pessoas. Para mim é muito importante estar aqui participando desse encontro e poder levar os conhecimentos para minha comunidade”, conta a estudante Deisiane Lima Pereira, da Escola Estadual Quilombola Diogo Ramos, no Quilombo João Surá, Adrianópolis, no Paraná. 

A expectativa é que as meninas continuem em luta por seus direitos e que mais iniciativas como essa sejam realizadas, fortalecendo a voz e a presença das meninas e mulheres na política e na sociedade brasileira.

Festival Latinidades: trancistas enquanto ofício tradicional afro-brasileiro

“Que essa tradição não seja usurpada, nem fantasiada. Nossas tranças, nossos cabelos são a nossa linguagem, são a nossa representatividade”. A fala foi de Lydia Garcia, durante o Latinidades, maior festival de mulheres negras da América Latina, e resumiu os debates da mesa ‘Trancistas – patrimônio cultural, economia criativa e trabalho’.

O evento ocorreu em Brasília em 25 julho, Dia Internacional da Mulher Negra e Latino-Americana e Caribenha.

Carmela Zigoni, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), foi a responsável pela mediação da atividade que contou com a participação de Layla Maryzandra, coordenadora e idealizadora do Tranças no Mapa e Mestranda no MESPT/UNB; Cristiane Portela, historiadora, integrante do Programa de MESPT/UnB; Mariana Braga, assessora de Participação Social e Diversidade do Ministério da Cultura; Anatalina Lourenço da Silva, assessora de Participação Social e Diversidade; e Leandro Grass, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O objetivo foi compreender a prática de trançar enquanto ofício tradicional afro-brasileiro exercido historicamente por mulheres negras. A mesa foi realizada em parceria com o Ministério do Trabalho e Instituto Fios da Ancestralidade.

“Foi um momento importante para dar visibilidade ao ofício das próprias trancistas, do que elas entendem sobre esse trabalho, esse conhecimento e saber tradicional que gera relações sociais e renda para essas mulheres. É um legado das mulheres negras guardiãs dessa sabedoria das tranças forjadas na diáspora negra”, destacou Carmela.

Na ocasião, a trancista e pesquisadora Layla Maryzandra, apresentou dados da cartografia deste ofício no Distrito Federal, parte de sua pesquisa desenvolvida junto ao Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto aos Povos e Territórios Tradicionais (MESPT/UnB).

“Se as tranças serviram de rotas de fuga nos séculos 15 e 16 na Colômbia, será que as tranças também podem servir de rotas para construir políticas públicas no Brasil do século 21 para trancistas negras?”, questionou a pesquisadora.

Assista à apresentação dos dados da pesquisa e ao debate completo:

Carta aberta ao Presidente Lula

O Inesc, em conjunto com mais de 80 organizações e movimentos sociais, expressam, por meio de carta aberta, enorme preocupação com declarações do governo que sinalizam possíveis violações de direitos sociais e trabalhistas.

A carta alerta para estudos que estão sendo elaborados com o objetivo de reduzir substancialmente os orçamentos das políticas públicas de saúde, educação, previdência e assistência social.

O nosso objetivo é destacar que essas ações contrariam o compromisso de campanha do Presidente de colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda, e pedir que o governo faça jus à sua história, não permitindo que tais propostas sejam implementadas.

>>Acesse aqui a Carta Aberta ao Presidente Lula completa<<

Teto de gastos e novo arcabouço boicotaram Plano Nacional de Educação

O Teto dos Gastos instituído em 2016, foi diretamente responsável pelo Brasil não ter alcançado as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) no decênio 2014-2024. Essa é uma das conclusões do mais recente relatório do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que analisou o financiamento do ensino público entre os anos de 2019 a 2023 em cada um dos 26 estados e no Distrito Federal.

Salvo algumas raras exceções, os recursos financeiros voltados à educação básica (ensino infantil, fundamental e médio) permanecem estagnados em um patamar inferior ao ideal nesse período, aumentando apenas nos anos em que as regras fiscais sofreram algum tipo de flexibilização.

Entre 2019 e 2021, apenas sete estados (ou 7 das 27 UF) gastaram mais do que a média nacional de aproximadamente R$ 5.000,00/ano por aluno da rede pública (estadual e municipal). Já em 2022 houve um salto nessa comparação em virtude das eleições (14 das 27 UF estavam acima da média), seguido de um novo aumento nos gastos em 2023, pela ausência do teto.

Cleo Manhas, assessora  política do Inesc, explica que o último ano eleitoral, 2022,  foi atípico, pois, por conta das eleições, aprovaram a Emenda Constitucional dos Precatórios, abrindo um espaço fiscal grande no orçamento, pois adiou o seu pagamento, deixando o problema para o orçamento de 2023.

GASTOS ANUAIS COM EDUCAÇÃO POR MATRÍCULA (em R$ de 2023)

Em 2023, como havia caído o teto de gastos com a Emenda da Transição, e ainda não estava vigorando o Novo Arcabouço Fiscal, percebemos um aporte maior  de recursos para a educação em comparação com o quadriênio anterior, mas ainda muito aquém das necessidades represadas. A fim de comparar a realidade orçamentária prejudicada com os regimes fiscais no período e o padrão ideal de educação, o Inesc usou informações dos recursos executados por matrícula em cada estado, do ano de 2023,  com os indicadores do CAQ (Custo Aluno Qualidade) em cada UF – padrão de qualidade próximo dos países mais desenvolvidos em termos educacionais.

Rio Grande do Sul, Maranhão e Alagoas são os estados que lideram o ranking da maior diferença entre a realidade (Gastos com Educação Por Matrícula) e a expectativa (Custo Aluno Qualidade – CAQ)[1], no ano passado. Enquanto essas três UFs deveriam investir R$ 10.953; R$ 9.861; e R$ 9.969, respectivamente, o gasto ficou em R$ 3.281 (RS), R$ 2.192 (MA) e R$ 2.596 (AL), por aluno/ano. Veja o gráfico abaixo:

O estudo do Inesc também constatou que o esforço financeiro das UFs refletiu em outro importante indicador do ensino brasileiro. Os estados do Norte e Nordeste, que menos gastaram recursos, tiveram maior distorção idade e série de seus alunos.

TAXA DE DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE DO ENSINO MÉDIO POR UF EM 2022 (PORCENTAGEM)

TAXA DE DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE DO ENSINO MÉDIO POR UF EM 2022 (PORCENTAGEM)

Outra constatação foi a de que alunos negros e indígenas estão entre as maiores vítimas da falta de orçamento em educação. Para isso, o Inesc verificou que os estados com a maior porcentagem de estudantes indígenas, como Amazonas e Mato Grosso do Sul, tinham os gastos per capita com educação abaixo da média nacional. Já a população de alunos pretos e pardos, concentrados nas regiões Sudeste (especialmente Rio de Janeiro) e Nordeste, além de viver em UFs que gastam menos que a média, apresenta uma das taxas mais altas de distorção série e idade.

“A situação se agrava ainda mais se pensarmos que os recursos despendidos para a educação pública no Brasil também devem buscar corrigir a dívida educacional com as gerações passadas, bem como resgatar estudantes em idade escolar que evadiram da educação básica”, lamenta Cleo.  “Esse estudo mostra que o argumento de que a escassez de recursos melhora a sua alocação é frágil. Na verdade, regras rígidas prejudicam o financiamento de áreas importantes para o país, que não possuem lobby financeiros a seu favor, como é o caso da educação”, conclui.

Baixe o Estudo completo

Baixe o Resumo Executivo

[1] Criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o CAQi (Custo Aluno- Qualidade Inicial) é um indicador que mostra quanto deve ser investido ao ano por aluno em cada etapa e modalidade da educação básica.

Nota de repúdio ao Projeto de Lei 1904/2024

Nós, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), repudiamos veementemente o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que pretende igualar o aborto ao crime de homicídio, incluindo casos em que a prática já é legal no Brasil desde 1940. A crueldade da proposta é tamanha que os autores fizeram questão de inserir, no artigo 5º do PL, a proposição de um parágrafo único no Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal que diz: “Se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo”. Ou seja, mesmo que uma adolescente ou mulher seja estuprada e opte pelo aborto, se o juiz entender que havia possibilidade do feto viver fora do útero, ela poderá receber uma pena de seis a 20 anos de reclusão. Seria mais do que uma revitimização, mas uma violência permitida e executada pelo Estado contra meninas e mulheres, principalmente as empobrecidas e negras, que são as mais acometidas pelas violações sexuais e com menos acesso à saúde no Brasil. 

A hipocrisia dos propositores desse projeto em justificá-lo como forma de proteção à vida do nascituro, se confirma quando analisamos o direcionamento de suas emendas parlamentares. Dados disponíveis no Siga Brasil mostram que para 2024 do total dos R$ 25 bilhões autorizados em emendas individuais, apenas R$ 17,9 milhões (ou 0,07%) foram especificamente para proteção à infância e adolescência. E dos 33 autores da proposta, apenas três destinaram parcos recursos para o programa de proteção e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Não há nenhuma emenda voltada especificamente à: 1) Rede Cegonha, que tem como objetivo a atenção humanizada à gravidez, ao parto, ao puerpério (pós-parto) e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis das crianças; 2) Política de Atenção Integral à Saúde da Criança. Além disso, foram quatro anos sem recursos do executivo federal (de 2019 a 2022) direcionados para enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes.

O governo Jair Bolsonaro, também com forte viés fundamentalista e misógino, oscilou entre baixa execução dos recursos ou cortes orçamentários nos quatro anos de governo. No auge da pandemia de Covid-19, em 2020, quando as mulheres estavam mais expostas à violência doméstica, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), então comandado por Damares Alves, deixou de executar 70% do recurso disponível. Todos esses anos de cortes geraram um enorme passivo no que diz respeito ao sub-financiamento da rede de proteção às mulheres, ao mesmo tempo que os dados sobre estupro subiram, de acordo com o Atlas da Violência. Agora fora do Governo Federal, os fundamentalistas pertencentes à extrema direita escolheram o Congresso Nacional como meio para violar os direitos das mulheres e meninas. 

Diante disso, é notório que não há comprometimento dos parlamentares em questão com o fim das violências sexuais contra meninas e mulheres. Mas sim com o aumento da vulnerabilização e criminalização das mesmas. Não podemos deixar de mencionar o papel central que teve o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, neste processo, desde pautar o PL até a votação do  requerimento de urgência. Grande parte da responsabilidade pelo PL ter tramitado nesta rapidez é de responsabilidade de Lira. 

Este lastimável processo revela que não há qualquer preocupação com a dignidade das mulheres e meninas e a questão racial e de classe são marcadores que fortalecem essa desumanização. Não podemos permitir que retrocedamos em direitos. Nossa luta deve ser pela erradicação das violências e não por sua manutenção, pois o que está posto, caso esse projeto seja aprovado, é que o Estado brasileiro será conivente com o estupro e com a morte de milhares de crianças, adolescentes e mulheres em nosso país. 

 

Eco Invest traz risco de captura do Fundo Clima pelos bancos privados

Enquanto os setores econômicos e financeiros aguardam a publicação do primeiro edital do leilão do programa Eco Invest Brasil, organizações sociais alertam para o risco de captura do Fundo Clima pelo programa, que visa atrair capital externo para investimentos produtivos no país.

Uma nota técnica lançada pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e a Coalizão Energia Limpa, evidenciou que com a entrada em vigor do Eco Invest Brasil, bancos privados poderão utilizar os recursos do Fundo Clima para realizar diversas operações de crédito, que, segundo especialista do Inesc, podem representar riscos à missão principal do programa.

O estudo evidencia que as mudanças produzidas no Fundo Clima a partir do Plano de Transformação Ecológica, aprofundadas com o Eco Invest ampliam o abismo entre a parte não reembolsável gerida pelo MMA e a parte reembolsável. O que resultará na criação de um outro Fundo Clima, que seguirá estratégia, contabilidade, governança e destino próprios.

A partir da análise o estudo aponta riscos, entre eles:

  1. Risco de priorização do uso de recursos captados pelo governo (que é dívida externa) para apoiar captações privadas (Programa Eco Invest Brasil). Tal priorização pode aprofundar a marginalização de medidas e iniciativas de políticas públicas sociais e ambientais que não são passíveis de apoio pela via das “finanças sustentáveis” e que são essenciais para enfrentar as desigualdades e as mudanças climáticas, inclusive “as perdas e os danos”.
  2. Risco de que o arranjo entre finanças públicas e privadas, construído no Eco Invest Brasil, seja monopolizado: (I) por grandes corporações e tomadores, ampliando a marginalização de projetos produtivos de interesse e impacto social; (II) por projetos de mitigação, em detrimento de 15 adaptação; e (III) por projetos e atividades mais rentáveis, em detrimento de projetos urgentes e pouco atrativos.
  3. Riscos associados à perda de transparência e à fragilidade da governança. Como já dito, ao longo de sua história, o Fundo Clima padeceu de lacunas de transparência e governança; em especial, as associadas à segmentação da sua gestão entre as partes reembolsável e não reembolsável, além da falta de direcionamento estratégico dos planos anuais de aplicação e da ausência de critérios de adicionalidade climática. Com a nova configuração em curso, os riscos se avolumam, especialmente se for considerado que uma parte possivelmente importante dos recursos estará sob outra estrutura de governança, o que ampliará os desafios de participação e articulação do destino do Fundo no âmbito do atual Comitê Gestor.

Diante dos alertas acerca das transformações em curso no Fundo Clima, o estudo termina com recomendações ao governo federal, entre as quais:

– que a renda do petróleo seja estrategicamente direcionada ao Fundo Clima sob gestão do MMA;

– que parte dos recursos de novos títulos soberanos deve ser destinada ao Fundo Clima não reembolsável;

– que haja meios legais para garantir que os recursos não reembolsáveis do Fundo Clima não sejam bloqueados pelo Regime Fiscal Sustentável;

“O financiamento público estruturado e permanente é fundamental para que o Brasil alcance uma transição energética justa e uma política nacional de adaptação”, avalia Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, uma das autoras da nota técnica. “A ação do Governo Federal é essencial para priorizar recursos para o Fundo Clima e garantir uma transformação ecológica inclusiva e sustentável”, conclui.

>> Clique aqui para acessar a nota na íntegra << 

Expansão do gás fóssil compromete transição elétrica e justiça climática no Brasil, aponta novo relatório

O Brasil continua investindo no aumento da demanda e uso de gás fóssil, especialmente no setor elétrico, na contramão dos esforços necessários para reduzir as emissões de poluentes da matriz energética. Enquanto fontes como energia solar e eólica têm registrado um crescimento significativo – representando quase 30% da matriz elétrica em 2024 -, a dependência contínua do gás fóssil sabota a transição para fontes limpas e renováveis. Isso é o que mostra o relatório “Regressão Energética: Como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática“. Ele foi lançado nessa quarta-feira (12), em Brasília (DF), pela Coalizão Energia Limpa, da qual o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) faz parte, em parceria com a Frente Parlamentar Mista Ambientalista, coordenada pelo deputado federal Nilto Tatto (PT/SP), por meio do seu Grupo de Trabalho de Energias Renováveis, coordenado pelo deputado federal Pedro Campos (PSB/PE).

O evento realizado na Câmara dos Deputados contou as apresentações de: Célia Xakriabá, deputada federal (PSOL/MG); Bandeira de Mello, deputado federal (PSB/RJ); Ricardo Baitelo, da Coalizão Energia Limpa e do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA); Suely Araújo, Observatório do Clima; José Marangon, diretor da MC&E, Conselheiro da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD); Carolina Marçal, do ClimaInfo, na mediação. Além dos parlamentares, incluindo os deputados Nilto Tatto e Airton Faleiro (PT/PA), estiveram presentes 60 pessoas, entre elas, representantes de cerca de 20 organizações da sociedade civil e da indústria como Abrace Energia, Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) e Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren).

“Temos todas as condições entre as grandes economias do mundo de ser carbono negativo, e defendemos que isso pode acontecer antes de 2045. Há todo o potencial no Brasil para isso, mas a área de energia tem falhado nas propostas nesse sentido. Como se a expansão de óleo e gás fosse a grande alternativa de geração de renda. É como defender ir à guerra para alcançar a paz”, ressaltou Araújo. Segundo o levantamento, a expansão do uso do gás fóssil pode acarretar em um bloqueio de investimentos no setor elétrico por 15 a 30 anos, além de aumentar os custos da energia consumida no país.

Essa tendência é preocupante no contexto atual de agravamento da crise climática, com a intensificação de eventos extremos, como secas, que tornam a geração de eletricidade mais vulnerável. Desde a contaminação de recursos hídricos até o aumento das emissões de gases de efeito estufa, a cadeia produtiva da energia fóssil tem provocado graves consequências para o meio ambiente e comunidades locais. A fragilidade dos licenciamentos ambientais é apontada como um dos principais fatores desencadeadores desses problemas. “Quando falamos de transição energética precisamos pensar em transição política. A forma como o parlamento se posiciona com relação às mudanças climáticas é, sim, responsabilidade política”, disse Xakriabá. “A exploração de petróleo na Amazônia, segundo dados mais recentes, vai afetar 130 comunidades indígenas diretamente. É um projeto que parece civilizatório, mas um projeto de morte não pode ser considerado civilizatório, ele é primitivo”, alertou a deputada.

O material foi elaborado pela Coalizão Energia Limpa – um conglomerado de organizações da sociedade civil empenhadas na defesa de uma transição energética justa e sustentável no Brasil O principal alerta do documento é que  a crescente dependência de fontes de energia fóssil, especialmente o gás, é o maior  obstáculo para alcançar uma matriz 100% renovável e resiliente a oscilações de preço e ao clima extremo. “A transição pode ser uma oportunidade na reforma da nossa relação com outros países. Precisamos rever a lógica colonialista nas relações internacionais. A relação Norte-Sul global também precisa ser repensada, para não reproduzir a história que levou à desigualdade social. Sem isso, não vamos enfrentar a crise climática e proteger quem é mais afetado”, disse o deputado Tatto.

Para entender como o Brasil chegou a essa dependência, o estudo apresenta uma cronologia dos últimos 20 anos (2003-2023) de reformas, planos e programas de incentivo no âmbito das políticas energéticas nacionais. Essa recapitulação também traz um resumo das ações de resistência da sociedade civil, que conseguiu barrar e adiar dezenas de projetos fósseis nesse período. “Há mais de dez anos, é discutido como seria a expansão do gás. Agora é a hora que deveríamos pensar no descomissionamento de fósseis, e não cair no risco de ativos encalhados”, afirmou Baitelo. “Falamos muito da transição energética, mas temos três componentes: a transição da matriz propriamente dita, nosso papel na escala global e a inclusão energética”, completa. 

Entraves

O uso do gás fóssil deixou de ser um complemento emergencial e estratégico a ser acionado em momentos de crise hídrica para garantir uma fatia significativa dos investimentos na infraestrutura da geração elétrica brasileira, mostra o estudo. Justificativas econômicas questionáveis e um intenso marketing de sustentabilidade, leis e programas de incentivo ao uso do gás estariam comprometendo as metas climáticas nacionais e impedindo a expansão responsável e distribuída da eletricidade gerada por fontes renováveis.

Além de pontuar os custos econômicos, impactos socioambientais e retrocessos climáticos da expansão do gás fóssil na matriz elétrica, a publicação destaca casos emblemáticos de empreendimentos que já afetam diferentes regiões do país e aborda a tendência de avanço do setor petrolífero sobre a Amazônia.

A privatização da Eletrobras, instituída pela lei 14.182/2021, estabeleceu um acréscimo de 8 gigawatts de térmicas a gás por 15 anos, a serem instalados entre 2026 e 2030,  em estados sem infraestrutura de gasodutos, as chamadas térmicas-jabuti. Isso resultará na emissão de mais de 300 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente, cerca de 40% do total de emissões do setor elétrico nacional atualmente. Além disso, mais de 70 novas térmicas estão em fase de estudo e planejamento.

Brasil precisa rever seus planos

“Investir em gás agora é economicamente inviável, essa tarifa será rapidamente passada aos consumidores. Como essa compra é para ser instalada em três, cinco, dez anos, até lá teremos outras alternativas tecnológicas como as baterias, que irão baratear. Estamos, hoje, decidindo coisas para nossos filhos, mas lá na frente o mundo será totalmente diferente. Teremos uma demanda muito grande de data center, com eficiência e produção mais razoável e justa”, informou Marangon. 

O debate sobre a transição energética justa ganha força à medida que a COP 30 se aproxima, em 2025. Para os organizadores do levantamento, é urgente que o Brasil revise seus planos de expansão do uso do gás. Entre as conclusões e recomendações apresentadas, destaca-se a necessidade de uma expansão urgente de fontes renováveis, aliada à regulação efetiva do setor elétrico. “A transição energética justa passa por uma série de questões, por exemplo, promover eficiência é super importante, porém um pouco negligenciado”, finaliza o deputado Bandeira de Mello.

Em meio a catástrofes ambientais, Brasil inicia negociações climáticas em Bonn

Como parte do processo de negociações do clima, inicia-se, nesta semana, na Alemanha, a Conferência sobre Mudanças do Clima de Bonn. O evento, que começou hoje (03) e vai até o dia 13 de junho, é preparatório à COP 29 – Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a chamada Conferência das Partes (“COP”, na sigla em inglês). Em 2024, ela ocorrerá de 11 a 24 de novembro em Baku, capital do Azerbaijão.

Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), explica que o financiamento é o principal ponto de pauta das negociações climáticas deste ano. “Estamos em um momento crucial para sair do discurso e avançar para a ação. A definição de uma nova meta global de financiamento, em que os países do Norte Global, assumindo as suas responsabilidades históricas pela mudança do clima, ajudam a financiar as iniciativas de mitigação e adaptação nos países do Sul Global, inclusive o Brasil”, destaca. 

De acordo com Tatiana, em 2009, uma meta de US$ 100 bilhões anuais foi definida e nunca, de fato, alcançada, ao contrário do que anuncia o relatório da OCDE (2023). “Na análise da OCDE, a meta foi alcançada em 2022, mas questionamentos à metodologia usada no estudo já vem surgindo. Do ponto de vista dos países em desenvolvimento, o financiamento nunca chegou”, pontua a especialista.  

Financiamento climático como reparação histórica

Conforme a assessora, o Brasil tem um posicionamento histórico, pois entende o financiamento climático como reparação histórica dos países do Norte Global para os do Sul Global. Isso porque o crescimento econômico dos países mais ricos está diretamente relacionado ao nível de emissões de que eles são responsáveis. Enquanto os países do Sul, como os latino-americanos e africanos, são os mais vulnerabilizados pelas consequências das alterações do clima. 

Tatiana ainda destaca que, do ponto de vista brasileiro, essa reparação não pode ocorrer via endividamento. “Ela precisa ser adequada em volume, previsível, abordar, além da mitigação, adaptação e perdas e danos, além de ser justa no que diz respeito à reparação das desigualdades”. 

Mercado de carbono 

Ao longo dos anos, o mercado de carbono tem se apresentado como uma das principais soluções para a redução das mudanças climáticas. Contudo, Tatiana Oliveira alerta que é “preciso chamar a atenção mundial para os perigos da inclusão das florestas nos mecanismos de mercado  assim como para o lobby privado e dos fósseis  nos espaços de negociação”. 

A assessora defende que é necessário pensar estratégias justas em termos de raça, etnia e gênero e que sejam baseadas nos direitos sociais e territoriais das comunidades. 

Com o objetivo de chamar a atenção para o tema, nesta sexta-feira (7), um conjunto de organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, conduzirá em evento paralelo à Conferência de Bonn, uma mesa cujo objetivo é debater ‘a verdadeira cooperação internacional’ contra as falsas soluções de mercado. 

Tatiana salienta que nem mercado de carbono e nem outros regimes também baseados no mercado contribuem efetivamente ao enfrentamento às mudanças do clima. “Nós precisamos avançar em soluções a partir da perspectiva dos territórios, dos povos e das comunidades tradicionais, das mulheres e das juventudes”, defende. 

Ministros do G20 recebem proposta para tributação global elaborada por organizações sociais

Esta semana, nos dias 22 e 23 de maio, Brasília será palco de uma nova reunião da Trilha das Finanças do G20, desta vez, com organizações da sociedade civil. Os debates serão sobre tributação internacional e ocorrerão na presença de autoridades fiscais dos países do bloco econômico. Pela primeira vez, a presidência da Trilha, liderada pelo Ministério da Fazenda do Brasil, se dispôs a receber um documento com onze recomendações da sociedade civil sobre o tema.

As propostas foram elaboras por mais de 40 organizações nacionais, latino-americanas e internacionais, que vêm se reunindo desde fevereiro. Todas atuaram coletivamente para elaborar as propostas destinadas aos Ministros das Finanças do G20.

Para Nathalie Beghin, membro do Colegiado de Gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o encontro oportuniza a abertura de diálogos para soluções do interesse das pessoas e do planeta. “É importante construir espaços interativos para canalizar demandas e formular propostas, garantindo a responsabilização e a participação social na cooperação internacional sobre política fiscal”, afirma a especialista, que esteve diretamente envolvida na elaboração das recomendações.

Acesse o documento completo com as Recomendações da Sociedade Civil sobre Tributação Internacional para os Ministros das Finanças do G20
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As 11 recomendações listadas pela sociedade civil foram divididas em três partes e assim podem ser resumidas:

Governança da tributação internacional

  1. Apoiar a criação e a implementação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional (UNFCITC, na sua sigla em inglês).
  2. Assegurar a participação da sociedade civil nos debates e nos processos de decisão sobre tributação.

Valores gerais e princípios orientadores

  1. Incorporar os direitos humanos, as obrigações socioambientais e climáticas como princípios gerais para orientar e informar a tomada de decisões tributárias.
  2. Decolonizar as normas de tributação, adoptando critérios e medidas que promovam a equidade entre países, jurisdições e regiões e compensem as diferenças de desenvolvimento e os desequilíbrios de poder.
  3. Incorporar uma abordagem de género e raça/etnia nas políticas tributárias para combater as desigualdades de género e raça/etnia.

Reformas substantivas

  1. Incluir na UNFCITC a criação de um imposto mínimo global sobre super-ricos.
  2. Incluir na UNFCITC a criação de um Imposto sobre Transações Financeiras
  3. Promover a cooperação tributaria internacional para facilitar uma transição climática justa e equitativa, nomeadamente por meio da promoção de um comércio e investimentos mais equitativos a nível mundial.
  4. Apoiar impostos multilaterais para financiar a justiça climática, ambiental e social.
  5. Transferir recursos dos incentivos fiscais aos combustíveis fósseis para a luta contra a fome, as alterações climáticas, a pobreza e a desigualdade, e para promover a justiça climática e uma transição energética justa.
  6. Reforçar os esforços existentes em matéria de intercâmbio de informações e transparência fiscal e trabalhar no sentido da criação de um Registo Mundial de Ativos no âmbito da UNFCITC.

Das recomendações apresentadas, Nathalie Beghin destaca a criação do que está sendo chamada da “COP da Tributação” (UNFCITC), pois as Nações Unidas são o espaço adequado para discutir de forma mais justa, inclusiva e democrática a arrecadação de tributos.

O seminário organizado pelo Ministério da Fazenda, que ocorrerá na Universidade de Brasília, está sendo visto como um marco na luta das organizações da sociedade civil por justiça tributária, refletindo seu compromisso em influenciar políticas públicas de maneira significativa e responsável.

>> Acesse aqui a programação completa da Reunião da Sociedade Civil sobre G20 e Tributação Internacional <<

Organizações denunciam impacto da desigualdade fiscal sobre as mulheres

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), em parceria com as organizações Tax Justice Network, Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe e Latindadd, se uniram para a elaboração de um relatório para apoiar a avaliação do Brasil pelo comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW).

A CEDAW, sigla em inglês para “Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women“, é um tratado internacional adotado pela ONU em 1979, com objetivo de eliminar a discriminação contra as mulheres em todas as suas formas e promover a equidade de gênero. Ela estabelece uma agenda de ações para os países membros garantir direitos a esse público em áreas como educação, emprego, saúde, e participação política. Periodicamente, o Comitê da CEDAW monitora a implementação da convenção.

Em virtude da aproximação da data para o Brasil ser analisado, as quatro organizações querem alertar o órgão da ONU que o governo não mencionou a questão da justiça tributária em seu relatório. “Essa temática é fundamental no campo da promoção dos direitos de mulheres e meninas, principalmente das mulheres e meninas negras”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc. Segundo ela, na medida em que o sistema tributário nacional se concentra no consumo – e não sobre a renda –, são as pessoas mais empobrecidas as que pagam um imposto maior proporcionalmente.  “Essa realidade aumenta ainda mais as desigualdades de gênero, pois, se as mulheres têm menor renda, elas acabam arcando com uma tributação mais elevada”, acrescenta.

No Brasil, enquanto os impostos indiretos (que incidem sobre o preço final de bens e serviços) correspondem 10,6% da renda de mulheres negras, esse percentual cai para 9,7% no caso de homens brancos, segundo um estudo do Inesc de 2023.

O alerta das organizações à CEDAW virá na forma de um Shadow Report (ou Relatório Sombra), e nele estará a explicação de que, justamente pelas mulheres terem menores salários ou não serem remuneradas, e serem responsáveis pelos cuidados dos filhos, da casa e de pessoas doentes, elas têm menos estabilidade e renda. Ao mesmo tempo, são elas que tendem a utilizar sua renda para gastos em consumo de itens básicos, como alimentação, higiene, cuidados pessoais e assistência à saúde. E mais, a excessiva tributação indireta penaliza sobretudo as mulheres negras, que pertencem às camadas mais pobres da sociedade”, denuncia o documento.

Também foram acrescentadas as análises do Inesc sobre o desmonte das políticas públicas para mulheres e para a promoção da igualdade racial no período 2019 a 2022. Por exemplo, em 2020, ano mais crítico da pandemia, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não conseguiu executar 70% dos recursos destinados ao combate à violência contra as mulheres. Ao mesmo tempo, a violência contra as mulheres cresceu em, ao menos, 20% das cidades brasileiras durante a pandemia.

Elaborado a partir de pesquisas e reuniões com movimentos feministas, o relatório das organizações denuncia ainda o impacto negativo de medidas de austeridade fiscal após a emenda do Teto dos Gastos, além de abordar a participação do Brasil em discussões globais sobre tributação internacional, enfatizando a necessidade de políticas fiscais que promovam os direitos humanos. O documento apela por uma reforma tributária que leve em consideração as desigualdades de gênero e raça.

Recomendações – Entre as recomendações do relatório sombra estão a necessidade de reconhecer o impacto desigual das medidas de austeridade sobre as mulheres, especialmente as negras, o pedido de políticas tributárias que considerem questões de gênero e raça, uma regulamentação que inclua subsídios para produtos de saúde e cuidados pessoais e a implementação reembolsos de impostos para os mais pobres. Sugere também a transferência da carga fiscal das mulheres para setores mais taxados, como produtos nocivos à saúde, maior transparência e penalidades severas nos incentivos fiscais para grandes empreendimentos que impactam mulheres negras, quilombolas e indígenas, uma participação ativa do Brasil na Plataforma Latino-Americana de Tributação e fortalecer a Convenção das Nações Unidas sobre Tributação e outras medidas que combatam as desigualdades nos impostos sobre renda e riqueza para reparar a violência histórica contra mulheres e mulheres negras.

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Campanha pede política pública permanente de auxílio às vítimas de calamidades climáticas

Mais de 90 organizações da sociedade civil se uniram para o lançamento de uma campanha visando a construção de uma política pública para emergências climáticas. A ideia é que seja criado o Auxílio Calamidade Climática, não apenas para socorrer as atuais vítimas das enchentes que assolam o Rio Grande do Sul, mas sim, uma reserva de emergência permanente para quaisquer eventos extremos relacionados ao clima. Com essa medida, será possível o governo federal ajudar as populações afetadas de modo mais rápido e eficiente.

A iniciativa surgiu pela Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político, que lançará um site onde serão coletadas assinaturas e adesões de outras instituições em defesa desta causa. A página da campanha é:  www.auxiliocalamidade.org

“A proposta desta campanha é construir uma política pública para ser acionada em casos de calamidades climáticas. Uma política com instrumentos, critérios de acesso e orçamento. Isso evita que a cada evento o governo tenha que ficar dias discutindo o que fazer. Nesses casos, a agilidade, a transparência dos critérios de acesso e, principalmente, informação para os atingidos de como acessar é fundamental”, explica José Antônio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que integra a coordenação da Plataforma.

A proposta das organizações é que o Auxílio Calamidade Climática pague às vítimas desses eventos a quantia de R$ 1.400,00, somado a R$ 150,00 para cada criança e adolescente que for responsável, por um período de 24 meses. O auxílio seria concedido por CPF e somente a pessoas com idade acima de 18 anos e renda individual de até 5 salários mínimos (ou R$ 7.050,00). O pagamento aconteceria via Cadastros dos Sistemas Públicos (CadÚnico, Cartão SUS, INSS), ou seja, sem necessidade de construir novo cadastro.

O Auxilio Calamidade Climática também incluiria os chamados “empreendimentos solidários”, isto é, organizações coletivas, como associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, geralmente liderados por mulheres, mulheres negras, indígenas, catadoras/es, pessoas com deficiência e demais segmentos da sociedade em situação de vulnerabilidade, além da agricultura familiar e ecológica. Para esse grupo, haveria uma parcela única de R$ 20.000,00, pagos por meio de cadastros da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). O acesso a este auxilio não inviabiliza o acesso ao auxilio individual.

Se a política para calamidade estivesse ativa hoje, o investimento para socorrer as vítimas do Rio Grande do Sul que se enquadram no perfil da proposta seria de R$ 59 bilhões nos dois anos. No caso dos empreendimentos solidários, estima-se que o socorro atingiria 120 mil negócios sociais, o que corresponderia R$ 2,4 bilhões.

“O Brasil, com o Bolsa Família, mostrou ao mundo que é possível combater a fome de forma direta e eficaz. Agora temos a possibilidade de mostrar, novamente ao mundo, que podemos sim ter um papel de liderança mundial no auxilio direto aos atingidos. Isso não inviabiliza jamais da necessidade de implementar outras políticas de mitigação e adaptação”, acrescenta Moroni.

Sobre a Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político – Trata-se de uma articulação de movimentos, entidades, fóruns e redes que, desde 2004, atua para mudar a forma como o sistema político brasileiro está organizado institucionalmente. O ponto de partida foi a crítica aos instrumentos de participação social, que têm baixo impacto na formulação e controle social sobre as políticas públicas, restringindo-se a um tênue acompanhamento de políticas sociais. Atualmente, a plataforma reúne mais de 140 organizações.

Ferrogrão: mais de 49 mil km² podem ser desmatados caso ferrovia seja implementada

A Aliança #FerrogrãoNão, composta por mais de 30 organizações da sociedade civil, entre elas, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), lançou uma petição para recolher assinaturas contra a construção de uma ferrovia voltada para a exportação de grãos, em especial, da soja.

Conhecida como Ferrogrão (EF-170), grandes empresas transnacionais do agronegócio pressionam o governo brasileiro para executar a obra que promete baixar os custos do escoamento da produção.

Prevista para ligar os estados do Mato Grosso e Pará, a Ferrogrão ameaça destruir o equivalente a 285 mil campos de futebol de áreas protegidas. Se sair do papel, a ferrovia pode desmatar uma área de 49 mil km² em 48 cidades. Além disso, ela está sendo planejada sem que o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região seja respeitado. Pelo menos 16 terras indígenas e 104 assentamentos rurais seriam afetados.  “Ou seja, um verdadeiro trilho de destruição da Amazônia, do Cerrado e dos povos e comunidades que ali vivem”, alerta Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc.

 >> Clique aqui para assinar a petição #FerrogrãoNão <<

Pressão no Executivo

Durante o Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorreu em Brasília no final de abril, membros da Aliança #FerrogrãoNão se reuniram com diversos representantes do Executivo, entre eles: Ministério do Meio Ambiente, Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério dos Direitos Humanos, de Relações Exteriores e dos Transportes, além da Advocacia Geral da União.

De acordo com Tatiana, o objetivo foi trazer para o conhecimento dos tomadores de decisão os reais impactos que a ferrovia irá causar para o meio ambiente e para os povos e comunidades tradicionais. 

“Estamos à beira de um colapso ambiental e climático com eventos cada vez mais frequentes e extremos, como os que estamos vivenciando agora no Sul do país. No ano passado a seca intensa na bacia do Tapajós já causou danos dramáticos aos modos de vida da população local, afetando a produção das roças, a pesca e o deslocamento pela navegação dos rios. Pressionar ainda mais o desmatamento e expulsar de seus territórios quem de fato preserva nossos biomas é ir na contramão das reais necessidades do planeta”, sublinha a assessora.

Desmatamento cresce 79% no Pará

Um estudo inédito realizado pelo Inesc apontou que, de 2008 a 2022, o desmatamento anual no eixo paraense da BR – 163 aumentou 79%, com mais de 1,3 mil quilômetros de áreas desmatadas. A pesquisa revela que o aumento da produção de soja e milho na região tem relação direta com esse crescimento.

“A logística é um aspecto invisível da produção e quando feita sem levar em consideração aspectos socioambientais, traz impactos negativos aos muitos territórios, deslocando povos e comunidades tradicionais, aumentando os índices de desmatamento e de conflitos por terra”, destaca Tatiana.

Os dados foram apresentados durante o Seminário Técnico sobre Aspectos Socioambientais da Ferrogrão, realizado no Campus da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) pela Subsecretaria de Sustentabilidade do Ministério dos Transportes. O evento ocorreu no contexto de recrudescimento da pressão exercida pelo agronegócio e pelas grandes traders internacionais favoráveis ao adensamento da malha logística para o transporte graneleiro no Oeste do Pará. 

Foto: João Paulo/Tapajós de Fato

Tatiana Oliveira, durante o evento, ainda trouxe a pesquisa publicada pelo Inesc sobre investimentos em logística na Amazônia, que revela diversificação das modalidades de financiamento e dos instrumentos de incentivo ao crédito privado e as mudanças nos marcos legais que possibilitaram a maior participação do setor privado.

Entre os objetivos do seminário, estavam discussões sobre os impactos da ferrovia e sobre o direito à consulta livre a comunidades tradicionais atingidas pelo empreendimento. Na ocasião, indígenas do baixo rio Tapajós fizeram um protesto contra o projeto da Ferrogrão. 

Nota pública | Enchentes no Rio Grande do Sul são uma tragédia anunciada

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), organização que atua há mais de 40 anos em defesa dos direitos humanos, vem a público reforçar profunda solidariedade ao estado do Rio Grande do Sul, em especial, às famílias atingidas pelas enchentes que, até o momento, já deixam mais de um milhão de pessoas afetadas e dezenas de  mortos, nos cerca de 400 municípios atingidos. 

É a maior catástrofe ambiental da história do Rio Grande do Sul. Uma tragédia anunciada! 

Há décadas especialistas alertam a humanidade para as consequências das mudanças climáticas. Eventos extremos, como o que assola a população gaúcha neste momento, são (e continuarão sendo) cada vez mais frequentes. 

Altos índices de desmatamento, subsídios cada vez maiores aos combustíveis fósseis, investimentos em commodities para exportação em detrimento da priorização de modos de produção sustentáveis, alicerçado por políticas públicas que trabalham em prol do avanço do capital, todos esses fatores são responsáveis pela atual crise do clima. 

Investir em ações de mitigação das mudanças do clima é tão urgente e necessário quanto destinar recursos para adaptação e perdas e danos. 

Mais orçamento para gestão de riscos e desastres 

De acordo com a análise mais recente do Inesc sobre o balanço do orçamento da União, os gastos do governo federal para gestão de riscos e resposta a desastres, por exemplo, foi aumentado em 30 vezes, saindo de R$ 1,44 milhão em 2022 para R$ 43,72 milhões em 2023. Mesmo com o incremento, é possível avançar mais. Isso porque quando olhamos para o orçamento total autorizado para essa política no ano passado, R$ 299,7 milhões, a execução financeira foi de apenas 16%. Para 2024, o Programa Gestão de Crise e Desastres teve o orçamento autorizado de R$ 2,29 bilhões, o que possibilitará a realização de uma política mais consistente de enfrentamento e prevenção dos extremos climáticos.

Avançar em políticas de meio ambiente e clima 

Em 2023, o orçamento destinado aos órgãos ambientais conseguiu um incremento de recursos por meio da chamada “PEC da Transição”. Foram acrescentados cerca de R$ 500 milhões para as ações vinculadas ao meio ambiente, principalmente para o combate ao desmatamento. 

Contudo, ainda é necessária a estruturação de mecanismos orçamentários mais robustos. É inadiável a criação de condições políticas para a busca de soluções para estruturar mecanismos de financiamento da Política Nacional de Meio Ambiente e do Clima, em especial na dimensão da solidariedade do Governo Federal no apoio aos demais entes federativos, para que eles consigam melhorar as capacidades de implementação das agendas de meio ambiente e clima.

Zerar os subsídios aos combustíveis fósseis 

Apesar de o Brasil ser reconhecido internacionalmente por ter uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo e um papel de liderança nas negociações climáticas, o País é um grande  produtores de petróleo. Apoiado por uma forte e histórica política de subsídios, o Brasil está em processo de expansão da sua produção petroleira. Segundo dados do Inesc, entre 2018 e 2022 foram alocados R$ 334,6 bilhões em fósseis, enquanto para as renováveis foram apenas R$ 60,1 bilhões. No período, os subsídios aos fósseis cresceram 123,9%, enquanto às renováveis aumentaram apenas 51,7%.

O governo brasileiro teve em mãos a oportunidade histórica de conciliar o cronograma de mudança da estrutura tributária via Reforma Tributária com a revisão dos subsídios à produção de combustíveis fósseis, mas não o fez. O Brasil precisa assumir o seu compromisso com a justiça social e climática, liderando o esforço nacional e global para que os subsídios às fontes de energia fóssil sejam eliminados.

Garantir direitos de povos e comunidades tradicionais

Povos e comunidades tradicionais, entre elas indígenas e quilombolas, são cada vez mais pressionados pelo avanço desenfreado do agronegócio e da mineração no Brasil. Além de forçar por mais desmatamento, a demanda por infraestrutura logística afeta gravemente comunidades inteiras. 

Atualmente, grandes empresas transnacionais do agronegócio pressionam o governo brasileiro para executar uma obra que promete baixar os custos do escoamento da produção. Conhecida como Ferrogrão, a ferrovia ameaça destruir o equivalente a 285 mil campos de futebol de áreas protegidas. Além disso, ela está sendo planejada sem que o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região seja respeitado. Pelo menos 16 terras indígenas e 104 assentamentos rurais seriam afetados. 

É urgente a implementação  de políticas públicas fortes de adaptação

A crise climática que enfrentamos agrava problemas históricos dos setores empobrecidos do Brasil, como habitações em locais de risco e sujeitos a enchentes, alagamentos e enxurradas. É principalmente a população negra e periférica a mais  afetada pelos desastres que vivemos e viveremos, caracterizando o racismo ambiental. 

Organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, estão articuladas para pressionar o Congresso e o governo federal para a criação de um auxílio emergencial para famílias afetadas por desastres naturais. 

Urge a implementação  de políticas públicas de adaptação, de  enfrentamento dos desastres e, principalmente, de gestão dos  riscos que deles ocorrerem, preservando as vidas e os bens de suas possíveis vítimas. Urge a atuação firme do Estado brasileiro na garantia de políticas com participação social que, de fato, avancem no enfrentamento das mudanças climáticas.

A falta de compromisso e ousadia tem o seu preço! 

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