Maior desmatamento na Amazônia em 11 anos: atingidos pelo desmonte ambiental de Bolsonaro se reúnem em Brasília

Uma área equivalente ao Distrito Federal e as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belém somadas foi desmatada na Amazônia de agosto de 2018 a julho de 2019. Foram embora 9.762km2 de floresta, a mais alta taxa desde 2008 e um aumento percentual de 29,5% – o maior salto anual dos últimos 22 anos.

Esse é o resultado do primeiro índice divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no governo Bolsonaro. Na avaliação dos ouvidos pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), nada disso é por acaso.

Para Iremar Ferreira, da Aliança dos Rios da Panamazônica, os governos anteriores construíram políticas públicas para proteger as áreas de floresta. “Diferente do atual, que tem um discurso racista, inimigo da floresta e promove um total desmonte, não só das políticas públicas, como incentiva os invasores a se apropriarem e avançarem sobre a Amazônia”, afirma.

Para Ferreira, antes, as denúncias eram averiguadas pelos órgãos de fiscalização. Hoje, são muitas as inseguranças, os riscos e as incertezas.

Josep Iborra Plans, o Zezinho da CPT Amazônia, conta que a crise econômica já empurrou muita gente para a ilegalidade, diante da falta de soluções para geração de renda. Pessoas que passaram a apostar na grilagem de terras como fonte de recursos.

Desde a posse de Bolsonaro, no entanto, isso tomou outra proporção. Em Rondônia, os indígenas e os seringueiros têm sentido mais intensamente o impacto desses desdobramentos e relatam a invasão das suas terras, bem como das reservas extrativistas.

Caos fundiário e empobrecimento da população

A situação se conecta com o problema fundiário, histórico no Brasil. Zezinho avalia que “Em geral, tem aumentado o caos fundiário, de ocupação de áreas derrubadas e descumprimento de leis ambientais”.

Para Pedro Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos em Santarém (PA), o primeiro impacto do desmonte das políticas socioambientais está no empobrecimento da população. O cenário inclui a precarização do trabalho e a diminuição do apoio para a produção rural, que faz com que as rendas familiares caiam.

‘Em seguida está a perda da qualidade de vida com o aumento do desmatamento. Apesar de os governos anteriores terem os seus problemas, as políticas assistenciais foram garantidas”, diz. Já Bolsonaro ainda não garantiu os recursos para o pagamento do 13º do Bolsa Família, por exemplo.

Seminário “Tendências e Dinâmicas Recentes do Desmatamento e Queimadas na Amazônia”

Estas questões estarão em pauta no seminário “Tendências e Dinâmicas Recentes do Desmatamento e Queimadas na Amazônia” organizado pelo GT Infraestrutura, do qual participa o Inesc, que acontecerá dia 28 de novembro no Plenário 02, Anexo II, da Câmara dos Deputados em Brasília. O Inpe, o MPF e representantes de diversas ONGs e movimentos sociais participarão do debate, de 09 às 18h. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também foi convidado para a mesa de abertura.

Queimada não é questão cultural

Questionado sobre o expressivo aumento do desmatamento e o número de focos de queimadas na Amazônia durante o seu governo, Bolsonaro disse que não é possível acabar com esses problemas, pois trata-se de “uma questão cultural”. Os dados mostram que o presidente está errado.

Análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) mostra que 35% do desmatamento é fruto de grilagem de terras. Outra análise, do InfoAmazônia, revela que a parcela de grandes desmatamentos – acima de 500 hectares – foi a mais elevada desde 2008. Já as terras indígenas e unidades de conservação tiveram em 2019 o maior índice de desmatamento da última década.

Ao mesmo tempo, entre janeiro e setembro de 2019 o IBAMA aplicou 39% menos multas que no ano anterior. Episódios como o “Dia do Fogo”, organizado por fazendeiros, madeireiros e empresários em Novo Progresso (PA), boa parte deles apoiadores de Bolsonaro, triplicou os focos de incêndio na região.

Para Jackson Dias, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Pará, tudo isso indica que esse processo de desmatamento e queimadas é coordenado. “É fundamental desmistificar o que o presidente falou, tentando colocar a culpa nos pequenos agricultores e na população em geral, como se isso fosse práticas culturais da população da Amazônia. Muito pelo contrário. Os fatos mostram uma realidade bem diferente. E o desmatamento em Terras Indígenas e Unidades de Conservação revela um processo de invasão dessas terras públicas para que haja uma expulsão dessas populações tradicionais dos seus territórios”, lembra Jackson.

Figura 1 – Mapa de calor da ocorrência de desmatamento. Elaboração: Inpe

Estados também são responsáveis

O cenário local influencia decisivamente neste cenário. A maior taxa de desmatamento foi registrada no Pará, com 39,5% do total na Amazônia, seguido de Mato Grosso, com 17,2%. Chama a atenção, no entanto, o caso de Roraima, que teve uma alta de 216,4%. No período, uma área de 617 km² foi desmatada no estado, a maior taxa já registrada desde 2004.

Em Roraima, o governador eleito em 2018 foi Antonio Denarium (PSL), que tem negócios no plantio de soja, milho e na pecuária. Denarium também foi diretor-presidente do Frigo 10 e diretor da Coopercarne Cooperativa dos Produtores de Carne de Roraima.

De acordo com o governador, em evento este mês em Brasília, o país precisa acabar com “o radicalismo ambiental”.

Em Rondônia, a atuação do governador, Coronel Marcos Rocha (PSL), é inexpressiva, na avaliação de Zezinho da CPT: “Uma atitude mais passiva realmente, de tolerância”, diz. O Pará, estado campeão em desmatamento, perdeu 3.862 km2 de floresta entre agosto do ano passado e julho deste ano, aumento de 41% em relação ao ano anterior.

Em julho, o governador Helder Barbalho (MDB) promulgou uma nova Lei de Terras, que, na avaliação do Ministério Público Federal, abre espaço para a legalização de grilagem, do desmatamento ilegal e está repleta de inconstitucionalidades. As terras públicas paraenses somam 21,4 milhões de hectares, área pouco menor que o Reino Unido inteiro.

Para Jackson Dias, do MAB, que atua em Altamira, município que sofre os impactos de Belo Monte, o processo de desmatamento anda de mãos dadas com os grandes projetos de infraestrutura, a soja e a pecuária, que expulsam as famílias e pequenos agricultores de seu território: “O discurso de Bolsonaro incentiva esses grileiros e desmatadores e criminaliza os movimentos sociais, isso é muito ruim para quem está na Amazônia”, diz.

Na avaliação de Jackson, o governo de Helder Barbalho tenta vender a imagem de que é “sustentável”. Para isso, formou um consórcio com outros governadores da Amazônia para debater o tema. No entanto, a iniciativa não conta com a participação popular e de movimentos sociais.

“Estão tentando criar um fundo da Amazônia Oriental, por exemplo, e viabilizar algumas soluções institucionais sem discutir com a população atingida e as organizações”, conta Jackson. Enquanto isso, o desmatamento volta a bater recordes.

Estratégias de enfrentamento

No contexto de organização da sociedade civil e movimentos sociais para enfrentar a realidade atual, Iremar Ferreira cita a atuação na região de fronteira do Brasil com a Bolívia, na Campanha “No a Represas en la Amazonia, sí a la vida”, feita com as comunidades ameaçadas pela continuidade do projeto da Hidrelétrica Binacional. “Nossa meta é fortalecer essas comunidades com a construção de Protocolos de Consulta e Consentimento. A estratégia direta é mobilizar Indígenas, seringueiros, ribeirinhos, pescadores e campesinos, esse é o processo em curso para resistir a essa ofensiva”, conta.

Para Zezinho, da CPT, o caminho é fortalecer os grupos de debate, reorganizar as comunidades, a resistência e a união para reivindicar os direitos na justiça, além das denúncias internacionais como um dos principais eixos de atuação.

Para Pedro Martins, da Terra de Direitos, a população local esteve e ainda está organizada. “O diferencial agora será a construção de mais alianças. O problema não é soltar a mão de alguém, mas de segurar a mão de quem tinha se afastado”, acredita.

Já de acordo com Jackson Dias, do MAB, a primeira coisa é não se desesperar e não pensar em medidas individuais, mas ter uma unidade no pensamento e ação. “Esse seminário que vai ter dia 28 é importante para que as organizações possam se posicionar na sua análise e no que fazer diante desse cenário. Isso deve ser pautado na agroecologia, na soberania popular na mineração, na energia, na agricultura, na segurança alimentar. São vários aspectos em que é preciso uma unidade para que se possa avançar do ponto de vista da pressão política e na organização da população”, acredita.

Jackson lembra ainda que é fundamental que esse debate chegue nos rincões da Amazônia. “É um debate que a população local tem que se apropriar também porque estamos sofrendo na pele com o aumento da temperatura, as queimadas, o desmatamento. É preciso dialogar o máximo possível com a população e avançar em uma política que tenha de fato um tripé da soberania, da distribuição da riqueza e controle popular”, finaliza.

Nota de solidariedade ao povo Guajajara

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) manifesta preocupação pela frágil situação dos defensores de direitos humanos – que vivem hoje, no Brasil, sob forte ameaça e risco de morte. A emboscada que, em 1° de novembro de 2019, foi preparada contra o grupo de guardas florestais indígenas, “Guardiões da Floresta”, e contra o Povo Indígena Guajajara, resultando no assassinato de Paulo Paulino Guajajara, é expressão de uma sociedade convulsionada pelo desmonte deliberado das políticas públicas e socioambientais.

Além disso, os ataques reiteradamente vocalizados pelo governo contra os indígenas e a política indigenista brasileira estimulam os conflitos e a violência no campo e na floresta. Nunca é o bastante lembrar que o Brasil carrega a vergonha de estar no ranking dos países que mais matam ambientalistas no mundo.

Por tudo isso, nos somamos às vozes que vêm a público exigir respeito aos direitos indígenas, povos originários da nossa terra. Nem uma gota de sangue indígena a mais. Toda solidariedade ao povo Guajajara!

Apenas um quarto do orçamento aprovado para mobilidade urbana no País foi usado na última década

Apenas 27,2% dos recursos da União aprovados para o Programa Mobilidade Urbana (que prioriza o transporte público em detrimento aos veículos individuais motorizados) foram efetivamente gastos pelos  estados e municípios, entre 2008 e 2019. A iniciativa sempre esteve prevista nos três últimos Planos Plurianuais (PPA), mas nesses três períodos, o valor proposto pelo Governo Federal foi muito pouco realizado, conforme a tabela a seguir:

A comparação entre cada PPA também chama a atenção pela grande diferença de valores previstos nos três períodos: de 2008 a 2011, foram R$ 3 bilhões; indo para um montante 5 vezes maior entre 2012 – 2015 ou R$ 14 bilhões; reduzindo para uma quantia inferior orçada há uma década R$ 2,9 bilhões. A obras para a Copa do Mundo e a fixação de limites para o gasto público explicam esse sobe e desce orçamentário.

“Mas a principal conclusão é o descaso sobre as ações orçamentárias da União para a mobilidade em geral, visto que o que é orçado não é efetivamente gasto”, explica Cleo Manhas, pesquisadora do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), órgão que coordenou o estudo no âmbito do Projeto MobCidades. “Infelizmente, vimos que na última década, a maior parte dos projetos são desenvolvidos pelos próprios municípios, de forma descentralizada, e – no caso de grandes obras – usando um  financiamento do BNDES e da Caixa Econômica Federal, ou seja, recursos extra orçamentários”, acrescenta ela.

Iniciado em 2017, o Projeto MobCidades – Mobilidade, Orçamento e Direitos é coordenado pelo Inesc em parceria com organizações da sociedade civil, para o monitoramento do orçamento e a incidência da Política de Mobilidade Urbana. A iniciativa não só analisou os últimos três Planos Plurianuais da União, mas também de 10 cidades participantes, separadamente: Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Ilhabela (SP), Ilhéus (BA), João Pessoa (PB), Piracicaba (SP), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), São Luís (MA) e São Paulo (SP).

Esses dados serão levados pelo Inesc à Câmara dos Deputados, na próxima quarta-feira (30), durante a audiência pública sobre o tema. O instituto ainda mostrará um segundo estudo, com cálculos que provam que é possível reduzir a tarifa do transporte público no Brasil (ou até zerar), a partir da criação de um fundo para todos financiarem este setor – via IPTU, IPVA por exemplo -, considerando que a cidade inteira se beneficia com menos carros nas ruas.

O documento traz informações como a de que um ônibus equivale a 50 automóveis a menos em circulação, além de 8 vezes menos poluição e menor custo com acidentes. Hoje 90% da receita das empresas de transporte vem das tarifas.

Sobre o MobCidades – Criado em 2017, o MobCidades tem atuado na articulação e capacitação de organizações da sociedade civil para a popularização do conceito de direito à cidade e o monitoramento e atuação política na elaboração das leis orçamentárias. Além disso, os movimentos que o integram têm atuado no levantamento de dados sobre transparência e mobilidade nos municípios, na elaboração de Orçamentos Nacional e Municipais Temáticos da Mobilidade Urbana, na incidência para a regulamentação do transporte como direito social e na discussão da temática mobilidade e gênero.

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Criação de um fundo de financiamento do transporte possibilita tarifa zero, diz estudo

Transporte público, gratuito e de qualidade é possível? A resposta a essa pergunta permeia todo o estudo “Financiamento Extratarifário da Operação dos Serviços de Transporte Público Urbano no Brasil”, produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O documento apresenta soluções que possibilitariam a oferta de um transporte coletivo de qualidade, com tarifas zeradas ou reduzidas, garantindo seu acesso universal.

O estudo foi escrito por um dos maiores especialistas em mobilidade urbana no País, Carlos Henrique de Carvalho, em parceira com o Instituto, e suas conclusões serão apresentadas nesta quarta-feira 30, durante a audiência pública, na Câmara dos Deputados, que trata da regulamentação do transporte como direito social. Em resumo, o texto identifica fontes de recursos diferentes para subsidiar os gastos da população usuária de ônibus, já que hoje essas pessoas – em geral, de baixa renda – arcam quase sozinhas com a receita desse sistema no Brasil. Há estados como São Paulo e DF, que já usam algum tipo de subsídio público, mas são exceções.

O Inesc levará para a audiência pública na Câmara alguns exemplos de como seria o financiamento do transporte público, pensando em três situações: a) tarifa zero de transporte público; b) redução de 30% no valor atual da tarifa; c) redução da tarifa de transporte público em 60%. Em todas elas, o aumento da demanda de usuários foi calculado, já que um ônibus barato atrairia muitas pessoas que hoje preferem o carro. “Preparamos diversas sugestões para mostrar que não existe uma composição única de fontes de financiamento e, por isso, esse tema merece ser amplamente discutido, desde que fique garantido o acesso de toda a população a um transporte público de qualidade e a progressividade no modo de cobrança dos novos recursos para sustentá-lo”, explicou Cleo Manhas, assessora política do Inesc.

Os cálculos elaborados preveem um custo de R$ 70,8 bilhões para o cenário onde a tarifa zero seria implementada em todo país. “Isso equivale a 1% do PIB ou dois programas Bolsa Família. É um custo-benefício que vale a pena, considerando os impactos positivos para o meio ambiente e o combate às desigualdades sociais”, argumentou a especialista do Inesc. Para efeitos de comparação, o governo gasta R$ 85 bilhões com isenções fiscais destinadas aos combustíveis fósseis.

Também são apresentados no estudo modelos de composição do fundo de financiamento ao transporte coletivo, com recursos vindos de novas alíquotas para os impostos IPTU, IPVA, ICMS da gasolina, de maneira progressiva (quem tem maior renda paga mais). As respectivas justificativas para a escolha dessas receitas são: quem tem imóveis em regiões valorizadas pela oferta de ônibus e metrô no local deve pagar um IPTU maior; donos de automóveis precisam aceitar um aumento no IPVA, pois com mais gente migrando para um transporte coletivo barato, menos trânsito encontrarão no seu trajeto; o Estado, que abrirá mão de uma pequena parte da arrecadação com ICMS, estará cumprindo seu papel social; e os empresários devem participar desse rateio, pois recebem, em contrapartida, o aumento na circulação de potenciais clientes pela cidade, além de reduzir ou zerar o valor pago em vale transporte aos seus funcionários.

Modelo atual

Atualmente, o transporte coletivo no Brasil se mantém com R$ 59 bilhões ao ano, dos quais 89,8% (ou R$ 52,9 bi) vêm de tarifas cobradas dos passageiros, quase sempre pagas pela população de baixa renda. As subvenções públicas representam apenas 10,2% desse montante, enquanto as receitas não tarifárias (publicidade, por exemplo) somam R$ 375 mil.

Entendendo a injustiça de deixar 90% do custo de um serviço primordial à sociedade somente nas mãos dos usuários, o Inesc vai propor ao Congresso a criação de um fundo de financiamento ao transporte público, com recursos vindos dos cofres públicos, de empresas privadas e até de pessoas que optam por não utilizar o transporte coletivo para se locomover. “Usando ou não o ônibus, todos se beneficiam do transporte coletivo, seja ao encontrar mais espaços nas vias ou ao garantir que um funcionário dependente deste meio chegue ao trabalho”, explica Cleo Manhas.

Com os custos desse sistema financiados por um fundo, as empresas de ônibus poderão reduzir o valor das tarifas, mantendo a qualidade e promovendo a expansão das linhas.  Para a especialista do Inesc, só assim será cumprida a Emenda Constitucional 90, promulgada em 2015 e de autoria da deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), que transformou o transporte público em um direito social no Brasil, colocando-o no rol das garantias do Estado para com seus cidadãos. “Do mesmo modo que existem subsídios para garantir o acesso da população à educação, saúde, alimentação, lazer e outras condições essenciais a uma vida digna, o transporte público também deve ser financeiramente acessível a todos”, defende.

Na avaliação do Inesc, o atual modelo do sistema de transporte está preso a um ciclo vicioso, na medida em que o encarecimento das tarifas de ônibus empurra a demanda para o veículo individual, onerando ainda mais o custo do transporte público, já que menos pessoas pagarão por ele. Com mais carros nas ruas, os congestionamentos urbanos crescem, o que aumentam os gastos para as empresas de ônibus, que compensam a diferença em novos reajustes, resultando em outra perda de demanda. “Além disso, hoje o sistema não oferece transparência sobre o lucro das empresas, transformando um direito em mercadoria”, acrescenta.

Nas duas últimas décadas, o encarecimento das tarifas e as políticas de estímulo à indústria automobilística fizeram o transporte público perder espaço para o veículo individual no País. Hoje, do total de quilômetros percorridos por veículos motorizados nas grandes cidades, os carros representam 44% do trajeto, acima do deslocamento feito por ônibus (42%) e motocicletas (7%), segundo dados da Associação Nacional de Transporte Público. Entre os anos de 2016 e 2018, a passagem de ônibus urbano aumentou 20,9% no País, superando a inflação (IPCA) de 13,5% acumulada no período.

A porta voz do Inesc lembra ainda que sua proposta está alinhada à edição da Lei da Mobilidade Urbana (12.587, de 2012), cujo texto deixou clara a possibilidade da implementação de um financiamento extratarifário, entendendo que a mobilidade nas grandes cidades é uma responsabilidade de todos, incluindo as pessoas que optam pelo automóvel, mas continuam sendo beneficiadas pela existência de meios de locomoção coletivos.

Além de menos vias congestionadas, toda a sociedade é impactada positivamente com um transporte público de qualidade e economicamente acessível. Afinal, o prejuízo econômico gerado pelos ônibus – considerando a poluição, os danos ambientais e os acidentes –  é de R$ 16,6 bilhões por ano, contra uma perda 8 vezes maior (R$ 137,8 bilhões) provocada pela circulação de carros e motos. “Não faz sentido só os passageiros sustentarem o transporte coletivo, quando cada ônibus consegue tirar 50 carros da rua, e uma composição de metrô elimina 800 automóveis das vias públicas”, finaliza Cleo.

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Informações para a Imprensa – Agência Pauta Social

Adriana Souza (11) 98264-2364 (whatsapp)

e-mail: adriana@pautasocial.org

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Ministério do Meio Ambiente executou apenas 15% dos recursos para oceanos e zona costeira nesta década

Cerca de 1 milhão de reais em 8 anos efetivamente pagos diante de quase R$ 7 milhões previstos. Apenas 15 por cento do orçamento. Isso foi tudo o que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) gastou de 2012 a 2019 para o programa de Oceanos, Zona Costeira e Antártica, de acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.

O Brasil tem mais de 7 mil quilômetros de litoral, sendo mais de 3 mil apenas no Nordeste, que sofre há mais de 40 dias com o maior crime ambiental da história da costa brasileira.

Vazamento de óleo de origem ainda não identificada atinge centenas de praias do Brasil, ameaçando toda a vida marinha e comprometendo diretamente a subsistência de milhões de pessoas que dependem do mar para sobreviver.

Pensado como um plano interministerial, que envolve, além do MMA, também o Ministério de Ciência e Tecnologia, a Defesa, o Ministério de Minas e Energia, a Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar e outros, constam como metas de responsabilidade direta do Ministério do Meio Ambiente as seguintes ações:

  • Implantação do Sistema de Monitoramento da Costa Brasileira (SIMCOSTA).
  • Promover o uso compartilhado do ambiente marinho e realizar o gerenciamento da zona costeira de forma sustentável
  • Proposição de indicadores para monitoramento da qualidade ambiental e das atividades econômicas na Zona Costeira e Marinha.
  • Apoio técnico e qualificação para estados e municípios costeiros na elaboração e aplicação dos instrumentos previstos no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.
  • Incremento das atividades de gerenciamento costeiro por meio de melhorias no arranjo institucional e do fortalecimento dos estados e municípios.
  • Ampliar de 5% para 20% o total de municípios costeiros com diretrizes de uso e ocupação da orla marítima definidas (Projeto Orla).
  • Atualizar o macrodiagnóstico de 100% da Zona Costeira, na escala da União.
  • Garantir a presença brasileira na região Antártica, desenvolvendo pesquisa científica com a preservação do meio ambiente.

Em 2019, do total previsto de R$ 950 mil, foi efetivamente pago até o momento R$ 243 mil. Estamos no fim de outubro.

Falta de coordenação e gestão comprometida

O que o Brasil perde com tantas ações estratégicas deixadas de lado e encaradas com mera formalidade, quando não abandonadas? A resposta talvez esteja acontecendo agora nas praias nordestinas.

Somente na ação  que tem o objetivo de “Promover o uso compartilhado do ambiente marinho e realizar o gerenciamento da zona costeira de forma sustentável”, por exemplo, as metas específicas incluem: implementação de políticas visando a ocupação ordenada e planejada dos espaços costeiros; instrumentalização e capacitação de estados e municípios para o gerenciamento costeiro; avaliação das dinâmicas social, ambiental e econômica, desenvolvendo ações para o enfrentamento dos problemas identificados, incluindo aqueles relacionados com as mudanças climáticas; estabelecimento de cenários e proposição de medidas e normas para gestão dos espaços litorâneos.

A execução insuficiente de um programa como esse, portanto, afeta diretamente a capacidade de estados e municípios em responder a crimes da magnitude que estamos enfrentando agora.

Para a implementação, a União previa buscar financiamento com instituições externas e em acordos de cooperação, além de firmar parcerias com universidades, organismos internacionais, organizações não governamentais, empresas ou outras organizações da sociedade civil.

Se os governos Dilma e Temer já patinavam nessas possibilidades de cooperação, a franca perseguição do governo Bolsonaro a muitos desses atores citados é uma barreira e tanto para que esses eixos estratégicos saiam do papel ou sequer sigam existindo.

Corte pela metade em 2020, foco na Antártica e MMA zerado

No caso de um programa interministerial como esse, a falta de uma coordenação eficaz coloca em xeque a capacidade do estado brasileiro em lidar com o complexo cenário de que trata e 7 mil quilômetros de litoral onde estão boa parte das capitais dos estados.

Mais de 80% do orçamento é consumido pelo Ministério da Defesa e quase que exclusivamente voltado para a pesquisa do Brasil na Antártica. Em 2019 foram pagos, até o momento, R$ 23,6 milhões do total de R$ 50 milhões previsto no orçamento.

A reconstrução da Estação Antártica Comandante Ferraz recebeu R$ 12,2 milhões e o “Apoio Logístico à Pesquisa Científica na Antártica” ficou com R$ 7,8 milhões. Resumido na ação genérica de “Políticas para a Gestão Ambiental e Territorial da Zona Costeira”, o MMA ficou com R$ 243 mil.

Para 2020 é ainda pior: o orçamento para o MMA simplesmente foi zerado na previsão do PLOA 2020. Considerando ações que ainda carecem de aprovação, o programa “Oceanos, Zona Costeira e Antártica” deve ser reduzido quase pela metade, com R$ 29 milhões previstos no melhor dos cenários.

Procurado para comentar o andamento da implantação do programa, as metas estabelecidas, a baixa execução orçamentária e como isso poderia ajudar na gestão da crise do óleo no litoral brasileiro, o Ministério do Meio Ambiente decidiu não se manifestar.

Plano acionado 41 dias depois

Responsável legal pelo Plano Nacional de Contingência, o MMA acionou formalmente o plano somente 41 dias depois que as primeiras manchas de óleo começaram a aparecer. Ambientalistas e até membros do próprio governo apontam que essa demora indica que o governo Bolsonaro sequer sabia da existência de um plano de contingência.

Enquanto o governo ignora o problema ou demora a responder, milhares de voluntários estão se unindo pela costa nordestina para limpar no braço as manchas de óleo que aparecem nas praias. Trabalho árduo e paliativo que não encontra o suporte institucional com ações efetivas em alto mar, de responsabilidade do governo federal.

Muitos desses voluntários, inclusive, que não receberam apoio e o equipamento adequado para a remoção, começaram a sentir os efeitos do contato com o óleo. Em Pernambuco, 17 voluntários foram atendidos em um hospital com dor de cabeça, enjoo, vômitos, erupções e pontos vermelhos na pele. A subsistência de milhares de pessoas também está ameaçada.

A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) lembrou em nota que, em decreto de 11 de abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu diversos colegiados, dentre os quais aqueles que estariam responsáveis por operacionalizar e acionar o Plano de Contingência.

Segundo a Ascema, trata-se de “claro ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública”. A extinção dos colegiados teria acontecido “de forma unicamente ideológica, sem qualquer motivação razoável”.

“Tal irresponsabilidade deixou o país desguarnecido para esta situação de crise nacional, que se configura no maior desastre ambiental de vazamento de óleo no Brasil, cujas consequências ambientais e sociais são agravadas a cada momento de lentidão e improviso”, afirmam. A demora também acabou gerando “ações desarticuladas e sem fontes de recursos orçamentários necessárias para a situação de emergência que logo se formou”, finalizam os servidores.

Soma-se a isso o descaso do governo com a gestão pública. O Departamento de Qualidade Ambiental e Gestão de Resíduos, responsável por definir estratégias para emergências ambientais no Ministério do Meio Ambiente, ficou sem chefe por seis meses neste ano, e o cargo só foi ocupado 35 dias após o início da crise das manchas de óleo nas praias do Nordeste.

Faltam recursos para gestão, sobram em subsídios fiscais

Enquanto programas estratégicos que poderiam no mínimo mitigar crises e melhorar consideravelmente a gestão da zona costeira brasileira ficam à míngua, a indústria de combustíveis fósseis vive uma realidade bem diferente. O governo é bem generoso com aqueles que poluem de modo gravíssimo o nosso litoral.

Estudo do INESC mostrou que o governo federal concedeu, somente em 2018, R$ 85 bilhões em subsídios aos setores de petróleo, gás e carvão por meio de isenção de impostos, regimes especiais de tributação e até verba garantida no Orçamento.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual 2020 (PLOA 2020) enviado pelo Executivo ao Congresso também corta severamente programas sociais e ambientais e mantém incentivos fiscais que consomem 20% da arrecadação do governo.

Para completar, o Plano Plurianual (PPA) de Bolsonaro privilegia os mais ricos e nada faz para combater a desigualdade ou aumentar a cobertura de programas ambientais. Não é por acaso que a desigualdade brasileira é recorde e o país segue firme entre os países mais desiguais do mundo.

Dos militares ao novo PGR, grandes projetos ameaçam uma das áreas mais preservadas da Amazônia

O governo Bolsonaro tem cerca de 100 militares ocupando cargos importantes. Desses, pelo menos 46 são estratégicos, tendo a palavra final sobre questões como matriz energética, extração de minérios, construção de estradas e questões indígenas. Além do Ministério de Minas e Energia, os militares assumiram também cargos de gerência na Petrobras, Eletrobras, da Zona Franca de Manaus e da usina de Itaipu.

Assim, não surpreende que o governo federal tenha anunciado o interesse em retomar grandes projetos na região Amazônica, uma tônica do período da ditadura militar.

Dessa vez, uma das áreas mais preservadas da Amazônia, a Calha Norte do rio Amazonas, está no alvo. O governo pretende construir uma nova hidrelétrica em Oriximiná, no rio Trombetas, em Cachoeira Porteira, onde existe uma terra quilombola, com o objetivo alegado de “abastecer a Zona Franca de Manaus e região, reduzindo apagões”.  Tentativas de governos anteriores de construir usinas nessa área fracassaram justamente em virtude dos conflitos socioambientais inevitáveis.

Localizada no noroeste do Pará, a Calha Norte possui o maior bloco de áreas protegidas do Brasil e representa 12% do Escudo das Guianas, uma das formações geológicas mais antigas do planeta Terra, com 4,5 bilhões de anos. Apenas nesta parte há 23 áreas protegidas e 2 milhões de hectares de floresta tropical. Ao todo, são 11 Unidades de Conservação (UCs) – das quais 7 estaduais e 4 federais, além de 5 Terras Indígenas (TIs) e 7 Territórios Quilombolas.

Além da construção da hidrelétrica, o governo também planeja a instalação de uma ponte sobre o Rio Amazonas, no município de Óbidos (PA), e estender a BR-163 até a fronteira do Suriname.

Documentos e áudios divulgados pela Open Democracy e pelo The Intercept Brasil confirmam os planos de Bolsonaro e as intenções do núcleo militar do governo que já tinham sido divulgados ao longo de 2019 e que nunca fizeram questão de esconder.

Para o professor Durbens Nascimento, cientista político e diretor geral do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da UFPA, os planos do governo Bolsonaro remontam totalmente a um ideário militar sobre a Amazônia que foi largamente difundido durante a ditadura. A prática, no entanto, dependerá de articulação política.

“A implantação desse programa dependerá decisivamente da capacidade de articulação do governo federal no Congresso. Ao meu modo de ver, é insustentável a crença de que ele não sairá do papel”, alerta.

Coalização de direita heterogênea e discurso militar também

Em entrevista à Voz do Brasil, o Secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, general Santa Rosa, afirmou que não é mais possível fechar os olhos a essa região da Amazônia e tratá-la como um “latifúndio improdutivo”. O general não mencionou os impactos para os povos indígenas e quilombolas que correm o risco de ter suas terras inundadas.

Os primeiros estudos para hidrelétricas na região remontam à década de 80. Atualmente, o “Plano Nacional de Energia 2030″ do Ministério de Minas e Energia projeta 15 hidroelétricas na Bacia do Rio Trombetas. A hidrelétrica em fase de estudo mais adiantada, UHE Cachoeira Porteira, inundaria Terras Indígenas, Terras Quilombolas e Unidades de Conservação.

Na avaliação de Durbens Nascimento, o governo é formado por uma coalizão de direita heterogênea na prática e na concepção ideológica. Ele fundamenta o anúncio de suas múltiplas políticas em supostos teóricos neoliberais. “Os militares não veem problema nisso, desde que os agentes que capturarem os recursos naturais estimulados pelo “progresso” não sejam os indígenas, as populações tradicionais, enfim, o povo brasileiro”, afirma.

Assim, o que resta de nacionalismo nas Forças Armadas estaria se ressignificando, sem contradição em patrocinar o comércio em princípios neoliberais e recepcionar investimentos de EUA e/ou China com relação à exploração da Amazônia, pois ambos trariam “progresso”, analisa o professor.

Novo PGR quer avançar em projetos de infraestrutura e enfraquecer atuação ambiental do MPF

A capacidade de articulação do Ministério Público Federal em atuar na defesa dos povos e comunidades afetadas também pode ser colocada em dúvida com a posse do novo PGR nomeado por Bolsonaro, Augusto Aras. Estes projetos na Calha Norte e tantos outros na região amazônica ficariam, portanto, sem um mecanismo de defesa institucional que, até o momento, existe.

O PGR tem, na teoria e na prática, atuado para “destravar” projetos de infraestrutura no Brasil, com atenção especial para a Amazônia.

Se definindo como “desenvolvimentista”, Aras afirmou que não é possível relevar os “minerais estratégicos” que possuem as terras indígenas, por exemplo. “Não podemos ignorar que proteção das minorias, inclusive indígenas, passa por interesses econômicos relevantes, internos e externos”, disse o PGR.

Mais: a principal “marca da sua gestão” seria justamente o “destravamento burocrático de grandes projetos de infraestrutura”. Os procuradores têm autonomia funcional para atuar juridicamente e pedir liminares contra obras, em geral por razões ambientais.

Na avaliação de Aras, segundo reportagem, caberá a ele, como chefe da PGR, “construir consensos e mudar a postura do órgão em relação a projetos estratégicos”. O novo nomeado já começou a rever posições da antecessora, Raquel Dodge, que “desagradaram” Bolsonaro, como ir contra o Marco Temporal, que afeta diretamente a demarcação de terras indígenas.

A atuação de Aras em favor do Linhão de Tucuruí, que vai de Manaus a Boa Vista e que atravessa a terra indígena Waimiri-Atroari, e sua posição favorável à Ferrogrão teria sido um dos trunfos que levou a escolha de Bolsonaro.

Desmatamento e pecuária avançam na região

Parte de um projeto estratégico permanente mantido pelas Forças Armadas desde 1985 e movidos pela “cobiça internacional sobre as reservas naturais do Brasil”, os militares mantém o Programa Calha Norte para “promover a ocupação e o desenvolvimento ordenado e sustentável da região amazônica”, além, é claro, da defesa nacional.

O programa abrange 379 municípios, distribuídos pelo Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul (faixa de fronteira), Pará, Rondônia e Roraima. São quase nove milhões de brasileiros abrangidos, incluindo 46% da população indígena em uma área que corresponde a 44% do território nacional. Segundo as Forças Armadas, o programa já investiu, desde a sua criação até os dias de hoje, aproximadamente 3 bilhões de reais.

Até 2017, 9,6% do território da Calha Norte havia sido desmatado. 97% desse desmatamento ocorreu fora das áreas protegidas, uma demonstração da sua eficácia na proteção da floresta.

Mas isso tem começado a mudar justamente pelas promessas de obras de infraestrutura na região, favorecendo a criação de gado e o desmatamento. As florestas estaduais de Paru, de Trombetas e de Faro, mais ao sul da Calha Norte, são as mais afetadas.

Isso é reflexo direto das políticas e declarações do governo Bolsonaro.

Para Durbens Nascimento, a maior ameaça à soberania nacional está no próprio governo atual e nos seus paradoxos conceituais sobre a soberania.

Assim, a defesa dos interesses nacionais volta-se contra as ONGs, os indígenas e a diversidade de grupos sociais existentes na Amazônia, ao invés de erguer-se contra os conglomerados financeiros e as grandes corporações de todo tipo interessadas na exploração desenfreadas dos recursos naturais na Amazônia. “Como se o problema do desenvolvimento do Brasil estivesse no solo e no subsolo da região e não na forma pela qual, política e socialmente, a exploração dos recursos se dão e como são distribuídos na sociedade os seus benefícios”, lembra.

Essa comprovada permanência de velhos princípios geopolíticos no imaginário dos militares brasileiros impede que eles repensem o conceito de nacionalismo e de soberania na contemporaneidade. E quem paga, tanto no passado quanto no presente, é o Brasil.

“A nação dos militares é egoisticamente definida para eles, sua identidade, seus valores, sua instituição e seus projetos, definidos homogeneamente em interação com os “outros” grupos “sensíveis politicamente”: comunistas, indígenas e ongueiros, os quais formam uma coalizão antinacional, antiprogresso e antissoberania”, finaliza Nascimento.

Credibilidade orçamentária no Brasil

Em 2018, o International Budget Partnership (IBP) promoveu estudo sobre credibilidade do orçamento, realizado em parceria com 24 organizações da sociedade civil em 23 países, entre outubro de 2018 e janeiro de 2019. Desafios de credibilidade orçamentária surgem em todo o mundo, em uma ampla gama de setores e programas, e impactam a transparência das contas públicas. Dado o grau em que as mudanças no orçamento podem afetar as principais prioridades sociais em saúde, educação e além, é essencial que os governos comuniquem à sociedade informações confiáveis.

Cada organização parceira identificou um desafio de credibilidade orçamentária em seu país e analisou um caso em que o governo não conseguiu garantir receitas que estavam previstas no início do ano fiscal, ou que as metas previstas nas políticas públicas não eram viáveis pelo que foi programado pelo governo, ou ainda, casos de baixa execução de orçamento garantido para o qual não havia explicação oficial do governo. Os parceiros procuraram explicações para as alterações no orçamento em documentos publicados e depois procuraram realizar entrevistas com funcionários públicos. Embora as descobertas do estudo mostrem que a maioria dos governos não publica explicações adequadas para mudanças orçamentárias, elas também sugerem que isso é possível e relativamente fácil.

Brasil:

O Inesc[i] participou do estudo com o tema do orçamento público para as mulheres no Brasil, considerando especificamente o programa Políticas para as Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento a Violência, no período de 2013 a 2017. Foram analisados os seguintes documentos oficiais:

  • Plano Pluri-Anual (PPA) 2016-2019
  • Lei Orçamentária Anual (LOA)
  • Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, elaborado pelo Tesouro Nacional
  • Relatório de Gestão da Secretaria de Políticas para as Mulheres
  • Relatório Anual de Prestação de Contas da Presidência da República, divulgado pela Controladoria Geral da União (CGU)

Onde estão as explicações para mudanças no orçamento?

Nenhum desses relatórios explicou por que esse programa específico teve baixa execução orçamentária ou as razões para o contingenciamento de recursos. No entanto, o Relatório Anual de Prestação de Contas da Presidência da República fornece algumas explicações gerais sobre por que as mudanças orçamentárias foram feitas. Por exemplo, em 2013 o referido relatório afirma que ajustes foram feitos com “o objetivo de evitar perdas para o desenvolvimento das ações prioritárias do governo, sem, no entanto, comprometer as metas fiscais”.

O governo concordou em ser entrevistado?

Parcialmente. Os pedidos de entrevista foram enviados ao Departamento de Políticas para as Mulheres e ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, mas eles não foram respondidos. Foram feitos pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo E-sic ao Ministério dos Direitos Humanos, que inclui o programa das mulheres, e o Ministério do Planejamento. O primeiro afirmou que os recursos foram cortados do programa porque o Departamento de Políticas para as Mulheres passou por reformulação interna, que impactou a gestão. O segundo reafirmou a autoridade legal do governo para modificar o orçamento, sem dar uma explicação do motivo pelo qual foram feitas alterações específicas.

As razões de mudanças no orçamento durante o ano fiscal, apresentadas pelo governo, são adequadas?

Os tipos de justificativas apresentados em documentos oficiais são gerais e não podem explicar mudanças no nível do programa. Por exemplo, as explicações oficiais enfatizam os ajustes no orçamento geral para atingir as metas fiscais sem comprometer as ações prioritárias, mas não explicam quaisquer compensações específicas feitas. Entrevistas com funcionários renderam apenas argumentos genéricos. Nem o Ministério do Planejamento nem o Departamento de Políticas para Mulheres assumiriam a responsabilidade pelos cortes em itens específicos dentro do orçamento da Secretaria. No entanto, a evidência mostra que escolhas estão sendo feitas: com efeito, nem todos os programas estão em declínio e alguns até estão melhorando sua execução ao longo do período. Em 2013, a Assistência às Mulheres em Situação de Violência executou 52,6% de sua alocação e, em 2017, apenas 26,4%, mas, no mesmo período, o Serviço de Atendimento à Mulher passou de um patamar de 52,6% de execução para 79,5%. Nenhum dos argumentos apresentados pode explicar esses padrões. Importante sinalizar que a legislação[1] que rege os decretos de programação não exige a apresentação de motivações no seu conteúdo.

Sobre o contingenciamento

Para atender à Lei de Responsabilidade Fiscal[2], o orçamento sofre ajustes durante a execução orçamentária anual por meio dos Decretos de Programação Orçamentária, um instrumento pelo qual o Governo autoriza o desembolso mensal de despesas, com exceção dos gastos com Pessoal e Encargos Sociais, Juros e Encargos da Dívida Pública e Operações de Crédito, além de algumas outras despesas muito específicas e de diminuta dimensão (como gastos de recursos provenientes de convênios com instituições multilaterais). De acordo com a legislação orçamentária[3] essa programação de desembolso ajusta o ritmo de execuções financeiras ao fluxo de arrecadação durante o ano, sendo acompanhada de avaliação periódica da receita.

Durante os cinco anos analisados, esses decretos apresentam impactos bastante relevantes para os órgãos responsáveis pelas políticas voltadas para as mulheres. A Tabela 1 expõe como os decretos de programação orçamentária alteraram, por meio do Limite de Movimentação e Empenho dos órgãos[4], a autorização de despesas da dotação inicial, elaborada pelo próprio Governo. Nos três primeiros anos, os dados se referem à Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM), com status de Ministério. Com a fusão de pastas, a SPM passou a integrar o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos em 2016, e em 2017 se tornou um setor dentro do Ministério da Justiça e Cidadania. Desse modo, se tornou inviável identificar o contingenciamento específico para a política de mulheres, uma vez que os decretos incidem somente sobre os montantes dos Ministérios: se os cortes fossem realizados por programa orçamentário, seria mais transparente inclusive em casos de mudança na estrutura da política pública. Também nesses dois últimos anos, os decretos não apresentaram a dotação inicial dos valores a que se referem discriminados entre despesas obrigatórias e discricionárias.

A relação entre o orçamento autorizado e a reprogramação orçamentária realizada por decreto em relação às metas físicas é muito frágil. Analisamos dois Relatórios de Avaliação do PPA para este estudo, aquele com ano base 2014[5], e aquele com ano base 2017[6]. No relatório ano base 2014, há uma descrição sobre as metas alcançadas naquele ano[7] como por exemplo entrega da primeira Casa da Mulher Brasileira[8] e de ampliação da rede de atendimento às mulheres vítimas de violência[9], mas estas informações não são apresentadas com dados orçamentários de dotação autorizada ou reprogramação por decreto. Ou seja, o custo da política não está transparente em relação a suas metas físicas.

*Após o fim da pesquisa, o Inesc realizou incidência junto ao Portal Siga Brasil para que disponibilizasse os dados do contingenciamento por programa e ação. O Portal disponibilizou a informação entre os anos 2017 e 2019, o que impacta positivamente a credibilidade do orçamento

Restos a Pagar

Os restos a pagar representam parte importante da execução financeira em algumas áreas, como ocorre nas políticas para mulheres, bem como experimenta níveis baixos de execução em diversos anos – ainda que neste caso, seja uma execução em média maior em termos absolutos que a do recurso da LOA –, conforme apresenta a Tabela 2.

Para mais informações, acesse:

>>> O detalhamento da pesquisa 

>>> Informações por país

>>> Resumo Executivo Brasil

 

[1] Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964; Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967.

[2] Lei Complementar nº 101, de 2000.

[3] Decreto-Lei n. 200/1967; Lei n. 101/2000.

[4] De acordo com a legislação orçamentária (LCP 101/2000), os decretos de programação não incidem sobre despesas com pessoal e encargos sociais, despesas financeiras, e despesas de recursos provenientes de doações e convênios.

[5] http://www.planejamento.gov.br/assuntos/planeja/plano-plurianual/ppas-anteriores

[6] http://www.planejamento.gov.br/noticias/abertura-do-monitoramento-tematico-do-ppa-2017

[7] Sumário Executivo, página 61.

[8] Meta PPA 2012-2015: 25 casas construídas.

[9] O relatório fala em 497 delegacias especializadas, mas não existe meta numérica nem linha de base para esta ação no PPA 2012-2015, apenas meta de ampliação da rede.

[i] Pesquisadores responsáveis no Inesc: Nathalie Beghin (Coordenação), Carmela Zigoni e Matheus Magalhães.

Cuidar de quem cuida

No final do mês de agosto, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) promoveu um dia de atividades com familiares de adolescentes que cumprem medida socioeducativa. O objetivo foi propiciar um ambiente de acolhimento para aquelas (es) que sempre cuidam, a maioria mães.

O encontro aconteceu no Espaço Cultural Palco, no Varjão (DF), e reuniu 25 pessoas. Foram ofertadas atividades com a abordagem da pedagogia Griô, terapias, massagens, beleza negra (com trançadeira), cirandas, brincadeiras e muita dança. Ao final, cada familiar pôde escrever cartas para seus filhos, sobrinhos e primos que ainda estão cumprindo a medida socioeducativa em meio fechado.

Além das atividades com as famílias, o encontro – realizado no âmbito do projeto Vozes da Cidadania, uma iniciativa do Inesc que promove atividades formativas nas Unidades de Internação – contou com a preciosa participação de jovens egressos e egressas.

Foto: Webert da Cruz

O cuidado, a escuta e o olhar para os familiares da socioeducação são importantes para romper com o ciclo de culpabilização de mão única, afirma Thaywane, psicóloga e educadora do projeto Vozes da Cidadania. “Por vezes, a família não é vista como aliada do processo socioeducativo. No fazer socioeducativo, a família é acionada meramente para compor avaliações ou trazer informações acerca do jovem em cumprimento de medida socioeducativa”, afirmou.

Thaywane conta que não é fácil ter um parente na restrição de liberdade. “O adolescente não está preso sozinho. A família também se encontra emaranhada nessa rede do encarceramento”, disse a educadora.

Privação em massa

A realidade de profundas desigualdades e uma organização social com base na exploração de corpos negros e periféricos amplia a incidência da violência na vida dessas famílias. Esse contexto, portanto, deve ser lido com mais profundidade, como uma questão de toda a sociedade e do Estado.

“Errou sim, mas vamos saber o porquê o adolescente errou? Vamos saber a trajetória da vida dele, por que aconteceu isso?” questionou a tia de um dos adolescentes do projeto. “Muitas vezes a família não tem apoio”, contou a familiar. Ela defende que as famílias também fazem parte desse processo de reeducação dos adolescentes.

É muito comum relatos de noites mal dormidas, nervosismo, angústia e medo durante o período de cumprimento da medida socioeducativa de internação pelos familiares. “Oportunizar e criar espaço de cuidado a essas pessoas é fortalecer a resistência desses corpos, é denunciar o descaso tão naturalizado para com esse grupo”, afirmou a educadora do Inesc Dyarley Viana, pedagoga que conduziu o encontro.

Dyarley conta que “esses familiares, em grande maioria, são mulheres negras. Para além da questão de gênero, esses familiares têm corpos periféricos”. Ela diz que reconectar, reconhecer e abrir espaço para a humanidade desse grupo é fundamental. “O cuidado nutrido nesses encontros chega nos adolescentes”, acredita.

“Amei estar aqui”, disse uma mãe. “Era o que eu precisava”, “vou começar a ver mais meu filho” disseram outras durante o encontro.

Foto: Webert da Cruz

Afeto diferencial

Márcia Acioli, assessora política do Inesc, acredita que o afeto é uma dimensão essencial nas relações sociais. “O cuidado como exercício coletivo proporciona o fortalecimento de redes e é essencial para mudanças culturais tão necessárias para uma sociedade mais justa”, diz a assessora.

O projeto Vozes da Cidadania é vinculado à iniciativa ONDA – Adolescentes em Movimento Pelos Direitos, do Inesc, e trabalha formação política e cidadã com os adolescentes da socioeducação. A proposta inclui as famílias por serem importantes referências para os/as adolescentes e que, uma vez fortalecidas, podem ajudar.

“O foco não se restringe ao mero cumprimento da medida, mas preocupa-se com o que vem depois. Cuidar dessas famílias é preparar o solo para que adolescentes tenham acolhida, possibilidade de ser e sonhar. Cuidar da família não é cuidar só de pessoas, é cuidar do mundo” acredita Thaywane.

“Fortalecer quem está ‘livre’ e tem em sua liberdade o exercício de construir horizontes de esperança com quem está preso é calçar pés desnudos de justiça social e acolher em cuidado seus rastros e passos pela liberdade dos seus”, explica Dyarley.

Diante de tanta beleza e potência, os passos coletivos fortaleceram não só as mães e familiares, mas a equipe inteira do projeto que também tece a rede que ampara e dá suporte à construção da tão ansiada justiça social.

Inesc lança campanha pela regulamentação do transporte como direito

Desde 2015, o transporte é um direito social garantido pela Constituição Federal. Esse direito, no entanto, nunca se concretizou. Para que a decisão passe a valer é preciso que o poder público diga como será implementada. É por isso que, por meio do projeto MobCidades, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lança nesta quarta-feira (18), a campanha “Próxima parada: embarque por direitos”, em parceria com a Rede Cidades por territórios justos, democráticos e sustentáveis.

A campanha visa chamar a atenção da sociedade e do Poder Legislativo para a importância da efetivação da medida. “O direito ao transporte diz respeito à forma como se acessa as cidades e seus equipamentos públicos, ou como se dá a convivência nos espaços compartilhados. É do direito à cidade e do combate às desigualdades que estamos falando”, explicou Cleo Manhas, assessora política do Inesc.

Os direitos sociais são aqueles que garantem aos indivíduos o usufruto dos direitos fundamentais, para que tenham vida digna e gozem das políticas com igualdade de condições. Contudo, a população brasileira, principalmente a mais pobre, paga altas tarifas para conseguir acessar equipamentos públicos importantes, como hospitais e escolas. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma pessoa que ganha um salário mínimo por mês, chega a gastar cerca de R$110 só em transporte.

A aprovação da Emenda Constitucional 90/2015 foi fruto da mobilização e luta dos movimentos populares, desde os primeiros anos da década de 2000, com o surgimento do Movimento Passe Livre (MPL) em várias cidades brasileiras, devido à dificuldade da população arcar com as altas tarifas do transporte coletivo.

Tarifa zero

Um manifesto que pede transporte gratuito e de qualidade para todas (os) será entregue em audiência pública na Câmara dos Deputados, prevista para acontecer em outubro.

A proposta para que o transporte venha a ser um direito de fato chama-se Tarifa Zero e passa pela criação de um fundo de financiamento público. Por isso, além do manifesto, o Inesc vai apresentar ao Poder Legislativo um estudo, elaborado pelo pesquisador Carlos Henrique Carvalho, com uma proposta de custeio solidário entre os três entres da federação, que reduza progressivamente as tarifas do transporte público urbano.

Audiências públicas

Como parte da campanha, três audiências públicas na Câmara dos Deputados discutirão o transporte como direito da sociedade, em diferentes perspectivas:

Dia 16/10 – Gênero, raça, acessibilidade e mobilidade urbana
Dia 23/10 – Energia Limpa e Transporte Coletivo
Dia 30/10 – Financiamento do transporte público: alternativas à tarifa
Horário: sempre às 15h30
Local: Comissão de Legislação Participativa | Plenário 3 | Câmara dos Deputados – Anexo II, Brasília – DF
Informações: 3212-0200
>>>Confirme presença no evento

Orçamento para mobilidade

Ao longo da campanha, o Inesc vai apresentar ainda um diagnóstico da situação do orçamento público direcionado à mobilidade urbana em nível federal e municipal. Os orçamentos temáticos municipais são fruto das formações do projeto MobCidades – Mobilidade, Orçamento e Direitos, que reúne dez organizações da sociedade civil em diferentes cidades brasileiras. A iniciativa visa fortalecer e fomentar a participação popular na gestão da mobilidade urbana, com foco na garantia do direito à cidade e ao transporte.

“Na maioria das cidades o gasto maior é com transporte individual. Faltam investimentos em acessibilidade, iluminação de calçadas e ciclovias. Além disso, nem sempre um gasto com transporte coletivo é sinal de atendimento das demandas da população. Por isso, é tão importante a participação popular e o monitoramento da gestão do orçamento da mobilidade”, defendeu Cleo Manhas.

Para mais informações sobre a campanha, acesse: www.embarquepordireitos.org.br e acompanhe as redes sociais do Inesc e Mobcidades!

Projeto da Ferrogrão, alvo de disputa internacional, segue sem consulta prévia aos povos indígenas

Uma ferrovia de 933 km de extensão, do Mato Grosso ao Pará, para escoar grãos e outras mercadorias, com custo previsto de R$ 14 bilhões, uma concessão de 65 anos e que acumula violações socioambientais e jurídicas. A Ferrogrão consegue ser rejeitada tanto por povos indígenas quanto por caminhoneiros e é alvo de ações do Ministério Público.

Em audiências públicas esta semana em Itaituba e Novo Progresso, no Pará, uma nova rodada de debate colocou a ferrovia em xeque. Com a presença de aproximadamente 70 pessoas, representantes das comunidades de Trairão e Miritituba questionaram o próprio acesso e o formato da audiência, em local e horário impróprio para a participação dos trabalhadores. Com apenas 3 minutos para a fala de cada inscrito e um cronômetro intimidatório rodando no telão, prática que não é comum em audiências do tipo, pouco se avançou.

Na avaliação do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a ausência do governo do Pará mostra a fragilidade da audiência do ponto de vista legal, uma vez que o Ministério Público Federal mantém sua posição sobre as consultas prévias aos povos indígenas, como exige a Constituição.

Do outro lado da história está o governo federal e o lobby de grandes traders multinacionais como Cargill, Bunge, ADM, Louis Dreyfus e outras. No meio, o contexto de pressão crescente sobre o território amazônico via o aumento exponencial do desmatamento, as queimadas, a grilagem de terras e centenas de projetos de infraestrutura que o governo Bolsonaro quer retomar.

Em outubro de 2018 a concessão da Ferrogrão foi paralisada por insuficiência de estudos socioambientais. A Justiça Federal em Belém ordenou que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) interrompesse o processo por identificar falhas graves, como omissão das comunidades quilombolas afetadas; cópia de trechos de estudos feitos para as hidrelétricas da bacia do Tapajós; ausência de estudos técnicos prévios essenciais; falta de entrevistas com moradores afetados e ausência de levantamento dos vestígios culturais e arqueológicos no traçado da ferrovia.

Em fevereiro de 2019, o MPF reforçou a necessidade de consulta prévia aos povos indígenas impactados pelo traçado do projeto, exigência da Constituição Federal. Até o momento, o processo correu sem que as comunidades indígenas e tradicionais fossem ouvidas, uma clara violação. Além disso, pelo menos 48 áreas de proteção podem ser impactadas pela obra.

Alessandra Munduruku, liderança indígena do povo que sofre diretamente as consequências dos projetos na região do Tapajós, lembra que a Ferrogrão faz parte de um grande arco de obras com impactos sistêmicos que incluem hidrelétricas, portos, rodovias, mineração, desmatamento, invasões e grilagens de terra.

“A gente tem medo de andar na cidade, de ir sozinho, porque a ameaça está sendo muito grande. As pessoas que brigam pelos rios, pelos assentados, estão sendo ameaçadas de morte. A Ferrogrão vem para prejudicar ainda mais nosso território e a vida dos povos indígenas”, declara Alessandra.

Outro povo afetado são os Kayapós, que também se articulam para resistir ao projeto. No total, 19 etnias estão no arco de influência da obra. A Ferrogrão é considerada uma prioridade para o governo de Jair Bolsonaro (PSL). O ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, já afirmou que a licitação deverá sair entre 2019 e início de 2020, e que a ferrovia representaria uma “segunda revolução do agronegócio”.

Na avaliação de Felipe Palha, procurador do MPF em Belém, a consulta prévia deveria ser realizada antes mesmo do leilão ou da análise do edital pelo TCU. “A concessão da obra nesse momento, sem a participação dos povos afetados, seria um desastre social e ambiental. Pensamos que a consulta prévia deve ser anterior ao licenciamento ambiental, para que a população afetada possa influenciar inclusive na decisão de viabilidade ou inviabilidade do projeto”, afirma Palha, em entrevista.

Segundo o procurador, o governo federal firmou um compromisso de respeitar a consulta, o que está sendo descumprido integralmente.

Jogo de interesses internacional

Levantamentos setoriais indicam que a estimativa é de escoar até 20 milhões de toneladas de grãos do Mato Grosso pelos portos da Bacia Amazônica via Ferrogrão. Todo esse volume deixaria de circular pelas rodovias, como a BR 163, o que afeta diretamente os milhares de caminhoneiros que trabalham no trajeto.

O sindicato dos caminhoneiros entrou com ações civis que deram origem ao bloqueio inicial da concessão na justiça. Eles pedem a anulação do relatório da ANTT, mais audiências públicas e apresentam como alternativa a duplicação da BR 163 e a retomada do Projeto “BR 163 Sustentável”, lançado em 2006 e atualmente parado.

A área de influência da rodovia envolve 1,232 milhão de km2, que inclui 79 municípios dos Estados do Pará, Mato Grosso e Amazonas. Teoricamente, o plano seria baseado na valorização da floresta em pé, em cadeias produtivas sustentáveis e na participação das comunidades locais.

O problema é que a BR-163 já é, sozinha, um grande vetor que impulsiona o desmatamento. A região dos kayapós, por exemplo, foi duramente afetada pela construção da rodovia 163. Desde 2000, o desmatamento no entorno das terras indígenas Baú e Menkragnoti saltou de 11,5 mil km² para 32,6 mil km², segundo dados do Instituto Kabu, organização formada por 12 aldeias de kayapós.

Nesse contexto, cresce a pressão dos interesses internacionais envolvidos na questão, das principais traders ao poder econômico chinês, totalmente disseminado na Amazônia.

A América Latina é fruto de disputa cada vez mais intensa entre os EUA e Pequim: dependência de exportação de commodities sem desenvolvimento e diversificação da agricultura e indústria locais, acirramento de conflitos sociais, ambientais e laborais, financeirização excessiva sem controles internos eficientes, pressões políticas, lobby e falta de transparência. A Amazônia ocupa espaço central nisso.

Nos últimos dez anos, US$ 71 bilhões foram gastos pelos chineses para garantir aquisições de empresas no continente e a China já compra mais de um quarto de toda a exportação de commodities da América Latina. O estoque atual de investimentos chineses na região é de US$ 207 bilhões, sobretudo em infraestrutura, energia, mineração, hidrocarbonetos, agronegócio e tecnologia.

As transações comerciais chinesas com a América Latina já superam US$ 200 bilhões. No âmbito financeiro, a China forneceu crédito de 141 bilhões de dólares na última década para os países da região, superando o fornecido por instituições como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial.

Em comemoração aos 40 anos, Inesc realiza o Festival “Mais direitos, mais democracia”

No último dia 23, O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) promoveu o festival “Mais direitos, mais democracia”. O evento fez parte das celebrações dos 40 anos do Inesc, com o objetivo de sensibilizar os participantes para a importância da garantia dos direitos humanos e da democracia no Brasil – bandeiras históricas que perpassam todo o trabalho da organização.

A Praça Central, no Setor Comercial Sul, ficou movimentada com muito forró, samba, rap, pop rock, entre outros ritmos. O Forró do B e a DJ Kashuu movimentaram o almoço dos transeuntes. Pela tarde, a animação ficou por conta dos DJs Bola e Eldy, do cantor Eliabe, da batalha de rimas, da oficina de charme com Pegada Black e das apresentações artísticas da companhia de teatro Bisquetes e do palhaço Rafael Trevo. No fim do dia, as Mulheres de Samba fizeram todo mundo dançar e o Distrito Drag, com as drag queens Dionísio, Cássia Labaxúria e Ruth Venceremos, emocionou a plateia. Outro ponto alto foi o lançamento da Cypher dos jovens do projeto “Fortalecendo o Corre”.

“Eu adorei o Festival. Esse tipo de evento, essa celebração toda em torno da democracia e dos direitos humanos, é muito importante nos tempos que vivemos. E a apresentação das drags me fez chorar de emoção!”, relata a geóloga de 26 anos, Larissa Valadão.

“Participar do Festival Mais Direitos, Mais Democracia me trouxe alegria e satisfação, pois em tempos tão difíceis que nosso povo atravessa, saber que existem eventos como esse é de extrema importância. Incentivando a diversidade cultural, unindo as variadas matizes sociais, acolhendo minorias, colocando em pauta assuntos que muitas vezes são deixados de lado e denunciando os ataques diários aos nossos direitos fundamentais. O encontro me deu esperança de um futuro melhor.”, emenda a estudante de direito Maria Heloísa Gonçalves, 22 anos.

Drag queens Dionísio, Cássia Labaxúria e Ruth Venceremos no Festival Mais Direitos, Mais Democracia. Foto: Webert da Cruz

A feira ficou movimentada durante toda a tarde. Participantes do “Fortalecendo o corre” – um projeto de inclusão econômica de jovens da periferia  – e outros parceiros do Inesc comercializaram produtos e serviços diversos como artesanatos, roupas, cosméticos, entre outros.

Santuário dos pajés e Arte Kamayurá, foram alguns dos expositores e expositoras na feira do festival Mais Direitos, Mais Democracia. Foto: Webert da Cruz

 

Banquinha dos Direitos Humanos

Funcionárias e funcionários do Inesc passaram o dia na Banquinha dos Direitos Humanos. Entre jogos, distribuição gratuita de publicações feitas pela instituição e outros brindes, o objetivo da banquinha era explicar de forma lúdica e simples os temas principais da instituição: direitos humanos, democracia e orçamento público. Durante todo o dia, o local permaneceu rodeado de pessoas, principalmente jovens que passavam pela praça. A estimativa dos organizadores é que, só pela banquinha, tenha passado cerca de 200 pessoas.

Jogos para explicar direitos humanos e orçamento público na Banquinha dos Direitos Humanos. Foto: Webert da Cruz

Ocupação do Setor Comercial Sul

O Inesc existe há 40 anos, sempre com sede em Brasília. Há uma década a sede está no Setor Comercial Sul, onde circulam, diariamente, cerca de 200 mil pessoas de diversas partes do Distrito Federal, por conta da proximidade com a rodoviária central e estação de metrô. Por isso, em parceria com o coletivo No Setor, a organização decidiu fazer uma comemoração gratuita, aberta e democrática, ocupando esse espaço por onde passa, todos os dias, uma diversidade de pessoas de todas as regiões da cidade.

“O Festival do Inesc, primeiro procurando ocupar o Setor Comercial Sul, local onde habitamos, foi uma iniciativa super interessante e desafiadora porque é como abrir as portas a todos e todas que queiram entender o que fazemos, e mais que isso, convidar as pessoas das ruas para estarem junto conosco nessa luta por mais democracia e mais direitos.”, afirma Iara Pietricovsky, do colegiado de Gestão do Inesc.

História do Inesc

Há 40 anos, o Inesc era fundado por Maria José Jaime, a Bizeh. Por conta da perseguição da ditadura, ela viveu clandestina e exilada por mais de seis anos, mas nunca perdeu a determinação de lutar por uma sociedade verdadeiramente igualitária.

Por meio da atuação da Bizeh, o Inesc esteve diretamente imbricado na elaboração da Lei da Anistia estabelecida no mesmo ano em que o Instituto foi fundado, em 1979. “Estivemos presentes ativamente nos processos que resultaram na Constituição de 88, na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, no movimento pela moralização da política, entre outros momentos importantes. A história do Inesc se funde com a história da luta pelos direitos humanos e pela democracia, ainda tão atual no Brasil de hoje”, relembra José Antônio Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto.

Veja o vídeo comemorativo de 40 anos:

Saiba mais sobre a história do Inesc na nossa linha do tempo.

Inesc hoje

Hoje o Inesc atua principalmente como facilitador, colaborando para simplificar o entendimento do orçamento público pela população. Preparando jovens, adultos e movimentos sociais para compreenderem esse importante instrumento de distribuição do dinheiro público e, a partir daí, fiscalizar e cobrar do Estado o respeito aos direitos fundamentais.

Produção de informação, análises e incidência política são outras frentes de atuação do Instituto. Atualmente, o trabalho do Inesc está organizado em sete eixos: Orçamento e direitos; Crianças, adolescentes e jovens; Direito à cidade; Raça, Gênero e Etnia; Reforma política e democracia; Socioambiental e Amazônia e Agenda internacional.

Confira mais fotos do Festival Mais Direitos, Mais Democracia

Bolsonaro não precisa das ONGs para queimar a imagem do Brasil no mundo inteiro

Os focos de incêndio em todo Brasil aumentaram 82% desde o início deste ano, para um total de 71.497 registros feitos pelo INPE, dos quais 54% ocorreram na Amazônia. Diante da escandalosa situação, Bolsonaro disse que o seu “sentimento” é de que “ONGs estão por trás” do alastramento do fogo para “enviar mensagens ao exterior”.

O aumento das queimadas não é um fato isolado. No seu curto período de governo, também cresceram o desmatamento, a invasão de parques e terras indígenas, a exploração ilegal e predatória de recursos naturais e o assassinato de lideranças de comunidades tradicionais, indígenas e ambientalistas. Ao mesmo tempo, Bolsonaro desmontou e desmoralizou a fiscalização ambiental, deu inúmeras declarações de incentivo à ocupação predatória da Amazônia e de criminalização dos que defendem a sua conservação.

O aumento do desmatamento e das queimadas representa, também, o aumento das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, distanciando o país do cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris. Enquanto o governo justifica a flexibilização das políticas ambientais como necessárias para a melhoria da economia, a realidade é que enquanto as emissões explodem, o aumento do PIB se aproxima do zero.

O Presidente deve agir com responsabilidade e provar o que diz, ao invés de fazer ilações irresponsáveis e inconsequentes, repetindo a tentativa de criminalizar as organizações, manipulando a opinião pública contra o trabalho realizado pela sociedade civil.

Bolsonaro não precisa das ONGs para queimar a imagem do Brasil no mundo inteiro.

Brasil, 21 de agosto de 2019

Publicado originalmente no site da Abong

Assinam:

Ação Educativa

Angá;

Articulação Antinuclear Brasileira;

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, APIB;

Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente, APEDEMA;

Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia, AGENDHA;

Associação Agroecológica Tijupá;

Associação Alternativa Terrazul;

Associação Ambientalista Copaíba;

Associação Ambientalista Floresta em Pé, AAFEP;

Associação Ambientalista Floresta em Pé, AAFEP;

Associação Amigos do Meio Ambiente, AMA;

Associação Arara do Igarapé Humaitá, AAIH;

Associação Brasileira de ONGs, ABONG;

Associação Civil Alternativa Terrazul;

Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos, AQUASIS;

Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí;

Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida, APREMAVI;

Associação Defensores da Terra;

Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre, AMAAIAC;

Associação em Defesa do rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar, APOENA;

Associação Flora Brasil;

Associação MarBrasil;

Associação Mico-Leão-Dourado;

Associação Mineira de Defesa do Ambiente, AMDA;

Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia, CAPA / FLD;

Centro de Assessoria Multiprofissional, CAMP;

Centro de Estudos Ambientais, CEA;

Centro de Trabalho Indigenista, CTI;

Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileiro;

Cidade Escola Aprendiz;

Coletivo BANQUETAÇO;

Coletivo Delibera Brasil;

Coletivo do Fórum Social das Resistências de Porto Alegre;

Coletivo Socioambiental de Marilia;

Comissão Pró-Índio do Acre, CPI-Acre;

Conselho de Missão entre Povos Indígenas, COMIN / FLD;

Conselho Indigenista Missionário, CIMI;

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, COIAB;

Coordenadoria Ecumênica de Serviço, CESE;

Ecossistemas Costeiros, APREC;

Elo Ligação e Organização;

Espaço de Formação, Assessoria e Documentação;

FADS – Frente Ampla Democrática Socioambiental;

FEACT Brasil (representando 23 organizações nacionais baseadas na fé);

Federação de Órgãos para Assistencial Social e Educacional, FASE;

Fórum Baiano de Economia Solidária;

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, FBOMS;

Fórum da Amazônia Oriental, FAOR;

Fórum de Direitos Humanos e da Terra;

Fórum de ONGs Ambientalistas do Distrito Federal;

Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo, FOAESP;

Fórum Ecumênico ACT Brasil;

Fórum Social da Panamazônia;

Fundação Avina;

Fundação Luterana de Diaconia, FLD;

Fundação Vitória Amazônica, FVA;

GEEP – Açungui;

Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero;

Grupo Ambientalista da Bahia, GAMBA;

Grupo Carta de Belém;

Grupo de Estudos Espeleológicos do Paraná;

Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030;

Grupo Ecológico Rio de Contas, GERC;

Habitat para humanidade Brasil;

Iniciativa Verde;

Instituto AUÁ;

Instituto Augusto Carneiro;

Instituto Bem Ambiental, IBAM;

Instituto Centro Vida, ICV;

Instituto de Estudos Ambientais – Mater Natura;

Instituto de Estudos Jurídicos de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, IDhES;

Instituto de Estudos Socioeconômicos, Inesc;

Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, Iepé;

Instituto de Pesquisas Ecológicas, IPÊ;

Instituto Ecoar;

Instituto EQUIT – Gênero, Economia e Cidadania Global;

Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental;

Instituto Internacional de Educação do Brasil, IEB;

Instituto MIRA-SERRA;

Instituto Socioambiental, ISA;

Instituto Universidade Popular, UNIPOP;

Iser Assessoria;

Movimento de Defesa de Porto Seguro, MDPS;

Movimento dos Trabalhadores/as Rurais sem Terra, MST;

Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas de São Paulo;

Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça e Cidadania;

Movimento Roessler;

Movimento SOS Natureza de Luiz Correia;

Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva, NEPAC UNICAMP;

Observatório do Clima;

OekoBr;

Operação Amazônia Nativa, OPAN;

Organização dos Professores Indígenas do Acre, OPIAC;

Pacto Organizações Regenerativas;

Plataforma DHESCA Brasil;

ProAnima – Associação Protetora dos Animais do Distrito Federal;

Processo de Articulação e Diálogo, PAD;

Projeto Saúde e Alegria;

Rede Brasileira De Justiça Ambiental;

Rede Conhecimento Social;

Rede de Cooperação Amazônia, RCA;

Rede de ONGs da Mata Atlântica, RMA;

Rede de ONGs da Mata Atlântica;

Rede Feminista de Juristas, deFEMde;

Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS, RNP+BRASIL;

Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS do Estado de São Paulo, RNP+SP;

Sempreviva Organização Feminista, SOF;

SOS Mata Atlântica;

Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, SPVS;

Terra de Direitos;

TERRA VIVA – Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Extremo Sul da Bahia;

União Protetora do Ambiente Natural, UPAN;

Vida Brasil;

Festival “Mais direitos, mais democracia”

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) promove, no próximo dia 23, o festival “Mais direitos, mais democracia”. Uma feira colaborativa, atrações musicais e peças de teatro de rua compõem a programação que vai agitar a Praça Central, no Setor Comercial Sul, local que abriga a sede do Instituto há mais de dez anos.

O evento faz parte das celebrações dos 40 anos do Inesc, uma organização não governamental, sem fins lucrativos e não partidária. Com a iniciativa, a ONG pretende sensibilizar os participantes para a importância da garantia dos direitos humanos e da democracia no Brasil – bandeiras históricas que perpassam todo o trabalho da organização.

Quem circular pelo local na hora do almoço poderá dançar ao som da banda Forró do B. Os que chegarem ao final da tarde serão recebidos por uma roda de samba só de mulheres, as Mulheres de Samba.  A programação completa do festival, que vai das 12h às 20h, conta ainda oficina de charme, batalha do conhecimento e outras atrações.

O evento é aberto, gratuito e com intérprete de libras.

Feira

Durante toda a tarde, participantes do “Fortalecendo o corre” – um projeto de inclusão econômica de jovens da periferia  realizado pelo Inesc e parceiros – terão a oportunidade de comercializar produtos e serviços que seguem princípios de economia solidária. Outros expositores convidados pelo Inesc também vão participar da feira, vendendo artesanatos, roupas, cosméticos, entre outros produtos.

História do Inesc

Há 40 anos, o Inesc era fundado por Maria José Jaime, a Bizeh. Por conta da perseguição da ditadura, ela viveu clandestina e exilada por mais de seis anos, mas nunca perdeu a determinação de lutar por uma sociedade verdadeiramente igualitária.

Por meio da atuação da Bizeh, o Inesc esteve diretamente imbricado na elaboração da Lei da Anistia estabelecida no mesmo ano em que o Instituto foi fundado, em 1979. “Nós já nascemos com essa vocação democrática e igualitária, nos consolidando, no período de transição política, como importante mediador entre a sociedade civil organizada e os parlamentares”, relembra Iara Pietricovisky, do colegiado de gestão do Inesc.

“Estivemos presentes ativamente nos processos que resultaram na Constituição de 88, na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, no movimento pela moralização da política, entre outros momentos importantes. A história do Inesc se funde com a história da luta pelos direitos humanos e pela democracia, ainda tão atual no Brasil de hoje”, completou José Antônio Moroni, também do colegiado de gestão do Instituto.

Veja o manifesto dos 40 anos do Inesc

Saiba mais sobre a história do Inesc na nossa linha do tempo.

Inesc hoje

Hoje o Inesc atua principalmente como facilitador, colaborando para simplificar o entendimento do orçamento público pela população. Preparando jovens, adultos e movimentos sociais para compreenderem esse importante instrumento de distribuição do dinheiro público e, a partir daí, fiscalizar e cobrar do Estado o respeito aos direitos fundamentais.

Produção de informação, análises e incidência política são outras frentes de atuação do Instituto. Atualmente, o trabalho do Inesc está organizado em sete eixos: Orçamento e direitos; Crianças, adolescentes e jovens; Direito à cidade; Raça, Gênero e Etnia; Reforma política e democracia; Socioambiental e Amazônia e Agenda internacional.

Programação Festival “Mais direitos, mais democracia”

– 12h às 12h30 – Dj Kashuu

– 12h30 às 13h30 – Forró do B

– 13h30 às 14h –  Dj Bola

– 14h às 14h30 – Intervenção Cia Bisquetes

– 14h30 às 15h – Batalha de Rimas/ Tema: DH

– 15h às 15h30 – Trevo da Sorte – Intervenção Circense

– 15h30 às 16h – Dj Eldy

– 16h às 16h30 – Eliabe – MPB (voz e violão)

– 16h30 às 17h – Oficina de charme com Pegada Black

– 17h30 às 18h – Carlão Rocha – Pop Rock (voz e violao)

– 18h às 19h – Mulheres de Samba

– 19h às 19h20 – Distrito Drag

-19h20 às 19h30 – Lançamento da Cypher Juventudes nas Cidades

-19h30 às 20h – Markão Aborigine

+ Exposição de Grafitti – Telas / Poesia nas Quebradas

+ Feira

Expositores:

12h às 20h

– Contratak (Camisetas)
– Alt Let (Bazar)
– Tabaco das Mina (Tabaco orgânico)
– Gordinho sem Freio (Bombons caseiros)
– Doce Ateliê, por Bárbara Vasconcelos (Docinhos)
– Zav Brechó
– Banquinha dos Direitos Humanos (Inesc)
– Santuário dos paoés (artesanato indígena)
– Mulheres xinguanas (artesanato indígena)
– HL (Cachaças Artesanais)
– Conspiração Libertina (tatuagens temporárias e adesivos)
– Alecrin (Acessórios de prata)
– 764 da barragem pra cá e Poesia nas Quebradas (Livros)
– Produtos Quilombola
– Se toca, garota (Produtos de sexshop)
– Mãe Natureba (Artesanatos)
– Letícia Borges (sabonetes artesanais e absorvente de pano)

 

SERVIÇO

Festival Mais direitos, mais democracia!

Quando: 23 de agosto de 2019 (sexta-feira), das 12h às 20h.

Onde: Praça Central, SCS Q. 5 (próximo ao posto policial, BRB e restaurante Coisas da Terra)

Mais informações: comunicacao@inesc.org.br / (61) 3212-0204

 

Orçamento Temático de Medicamentos analisa 10 anos de recursos do Ministério da Saúde

Para avaliar em que medida o orçamento público realiza os direitos humanos, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) utiliza a ferramenta dos Orçamentos Temáticos. Um deles é o Orçamento Temático de Acesso a Medicamentos (OTMED), que tem como objetivo avaliar a alocação de recursos federais na promoção do acesso a medicamentos no Brasil e os impactos do comportamento financeiro para a garantia de parte fundamental do direito à saúde.

Em 2018, a série histórica da execução financeira do Ministério da Saúde analisada pelo Inesc completa dez anos. Esta análise foi publicada em dois estudos, um que abrange o período de 2008 a 2015,  e outro, lançado no início de 2018, que foca nos anos de 2016 e 2017.

Por ocasião da 16ª Conferência Nacional da Saúde (CNS), apresentamos o resumo dos principais dados do OTMED dos últimos dez anos. É importante notar que são considerados os valores Pagos e os Restos a Pagar Pagos extraídos do portal SIGA Brasil, do Senado Federal, em julho de 2019. Os valores estão deflacionados para preços médios de 2018 pelo IPCA. A cada ano, são selecionadas e incluídas as ações orçamentárias referentes à assistência farmacêutica, incluindo as destinadas à saúde indígena.

A execução financeira do Ministério da Saúde com medicamentos, após atingir um ápice em 2016, praticamente se manteve estável de 2017 para 2018. Nos últimos dez anos, o gasto com medicamentos dobrou (92%). No mesmo período, o orçamento do Ministério cresceu 41% em termos reais. Mas passou por uma tendência de queda entre 2015 e 2017, voltando a crescer em 2018.

No detalhamento por componente, o gasto com CESAF é o que teve maior crescimento no período, chegando 2,5 vezes maior em 2018. O CEAF cresceu 53%, enquanto o CBAF permaneceu praticamente constante, crescendo apenas 3%. Todavia, a categoria que mais cresceu no período foi o programa Farmácia Popular, cujo recurso triplicou.

O Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas recebe por ano, em média, R$1,5 bilhão. Deste total, 1,4% é gasto com medicamentos. O valor investido na saúde indígena é insuficiente para atender de forma adequada os 24 Distritos de Saúde Indígena espalhados por todo o território nacional, considerando as características específicas destas populações e seu acesso.

Esta é apenas uma amostra dos principais dados. Todos os estudos contêm análises aprofundadas e outras informações mais detalhadas. O lançamento da edição atualizada com os dados de 2018, e que revisita toda a série histórica, está previsto para outubro e será disponibilizado no site do Inesc.

>>> Acesse os infográficos em versão factsheet

Metodologia Orçamento e Direitos

Desde os anos de 1990, o Inesc analisa o orçamento de políticas e serviços públicos com o prisma da realização dos direitos humanos. Para isto, desenvolveu a metodologia Orçamento & Direitos, que foi revisitada e atualizada no ano de 2017, processo que originou a publicação de sua nova edição, disponível aqui.

A metodologia prevê os Orçamentos Temáticos, construídos por meio de agrupamentos de despesas, utilizando-se plataformas de dados abertos oficiais e solicitações de informação, de forma a integrar as rubricas que destinam recursos à promoção do direito que se pretende pesquisar – o que nos permite monitorar séries históricas e acompanhar tendências dentro de um mesmo tema, sem que nos limitemos a uma política ou a um programa específicos.

Orçamento público e direitos quilombolas

Este ano, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), iniciou um processo de formação com lideranças jovens do Norte e Nordeste, iniciativa que pretende fomentar a atuação da juventude quilombola no monitoramento do orçamento público, visando à efetivação de programas sociais para suas comunidades.

A partir de 2003, políticas públicas passaram a ser desenhadas para garantir a titulação, a qualidade de vida e a sustentabilidade das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. No entanto, desde que o governo de Michel Temer adotou uma política de austeridade fiscal, onde a garantia de direitos passou a ser ameaçada pela Emenda do Teto dos Gastos (EC 95), cortes orçamentários têm atingido todas as ações que chegam aos territórios, em áreas como saúde, educação, fomento à agricultura familiar, assistência técnica, entre outras.

Cortes no orçamento para população quilombola

Material produzido pelo Inesc para subsidiar as oficinas de formação em orçamento e direitos quilombolas mostra que, no atual governo, a situação tende a se agravar. Por exemplo, os recursos alocados no Programa Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial (2034) em 2019 foram quase 60% menores se comparados a 2016 (caiu de R$ 46 milhões para R$15 milhões). Este Programa abriga fomento a ações afirmativas, desenvolvimento sustentável de comunidades quilombolas, reconhecimento e indenização para regularização fundiária destes territórios e atendimento a pessoas vítimas de racismo.

Para a assistência técnica e extensão rural (ATER) destinada à agricultura familiar quilombola, entre 2016 e 2017 foram autorizados no total somente R$ 2 milhões: deste recurso, nada foi pago. No entanto, foram executados restos a pagar de anos anteriores cerca de R$ 4 milhões. Em 2018 e 2019, nenhum recurso novo foi autorizado para esta ação.

Além disso, como mostrou o levantamento do Inesc sobre o contingenciamento do governo Bolsonaro, a concessão de bolsa permanência nas universidades teve contingenciamento de 100% do autorizado em 2019. O governo já havia enviado orçamento zerado para esta ação, contudo, houve um esforço no Congresso de se fazer emenda do relator e de comissão para garantir a permanência de indígenas, quilombolas e estudantes de baixa renda nas universidades, que teve todo o recurso suspenso. Como este é um gasto necessário todos os meses, na prática, as bolsas não atenderão ao seu público.

“Os números mostram um desmonte dessas políticas públicas conquistadas por meio de muita luta dos quilombolas. Com o acúmulo do Inesc, pretendemos contribuir para uma incidência mais efetiva dos quilombolas no controle social do orçamento, pois a vida de toda a comunidade é afetada pela decisão dos governantes na hora de distribuir os recursos arrecadados pelo Estado”, afirmou Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

Givânia Maria da Silva, educadora quilombola e integrante da CONAQ, lembra que a parceria com o Inesc nasceu de uma necessidade do movimento aprofundar o tema do orçamento público. “A gente sabe da ausência de recursos, mas pouco sabemos sobre como o orçamento é constituído, como são definidas as prioridades e quais os efeitos dele nas políticas públicas – ou na ausência delas – nos quilombos”, afirmou. Além disso, ressaltou que investir na formação da juventude é outra demanda dos quilombolas: “é a possibilidade da gente fortalecer as nossas comunidades, o nosso movimento”.

Oficinas

Inesc e Conaq têm realizado processos de formação em orçamento público e direitos para lideranças do movimento social já há alguns anos: oficinas aconteceram em 2014 e 2018.

Oficina orçamento e direitos quilombolas em Belém. Foto: Sibely Nunes
Oficina orçamento e direitos quilombolas em Belém. Foto: Sibely Nunes

Este ano, foco das oficinas está nas lideranças jovens. Nos dias 14 e 15 de julho, 28 jovens quilombolas dos estados do Pará, Rondônia, Tocantins, Amapá e Amazonas estiveram reunidos em Belém. No encontro, o orçamento público de cada estado foi analisado pela lente dos direitos humanos. Utilizando a metodologia Orçamento & Direitos, baseada na educação popular, o Inesc atua para simplificar o entendimento das estruturas de arrecadação e aplicação dos recursos públicos, preparando as comunidades para, a partir daí, fiscalizar e incidir.

Também foram apresentados mecanismos de controle social do orçamento. Contudo, problemas na transparência dos portais dos estados da Região Norte foram identificados, como ausência do Plano Plurianual (PPA) no site ou diferença entre o que está no Plano e o que está na Lei Orçamentária Anual (LOA), detalhamento somente da função do orçamento, e não por programa, entre outras questões que descumprem a Lei de Acesso a Informação (LAI).

 

O que esperar da Política de Responsabilidade Social e Ambiental do BNDES

Criada em 2010 e atualizada de 5 em 5 anos, a Política de Responsabilidade Social e Ambiental (PRSA) do BNDES está passando por nova revisão. O contexto político atual confere ainda mais relevância ao tema: estamos diante de um governo com uma grande disposição de desmontar a política social e ambiental brasileira.

A despeito disso, a consulta pública, que se encerrou em 05 de julho, com o objetivo de ouvir a sociedade para aprimorar os princípios e diretrizes que norteiam as ações socioambientais da instituição, foi protocolar e generalista. O BNDES perdeu mais uma chance de responder a uma antiga e recorrente crítica de comunidades impactadas pelos projetos financiados pelo Banco, organizações e movimentos sociais que há tempos acompanham esta Política, apontam suas fragilidades e a falta de diálogo.

Ainda assim, na avaliação do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a expectativa, que se agiganta no atual contexto, é que o BNDES não fuja da sua responsabilidade socioambiental. “Isto hoje, mais que nunca, significa não só cumprir a legislação ambiental, mas ir além, influenciando diretamente para uma mudança de práticas e de postura do conjunto dos órgãos públicos envolvidos na realização de grandes obras, desde o federal até o local”, avaliou Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

Não é pedir pouco, de fato, pois o BNDES é um “braço financeiro” a serviço da política de investimento do governo federal. E a orientação do atual governo, além de tentar criminalizá-lo e sufocar sua capacidade de financiamento, é colocá-lo a serviço da estratégia de privatização. Mas o BNDES é, ainda, um dos maiores Bancos de Desenvolvimento do mundo, tem uma sólida estrutura interna, apesar da sua pouca disposição de diálogo com a sociedade.

Por isto, também, várias organizações somam esforços sistemáticos de avaliação da PRSA do BNDES, seguem acompanhando sua implementação e, inclusive, participam de processos de consulta.

Avanços na transparência, mas é preciso ir além

Para Júlia Cruz, advogada e pesquisadora da Conectas Direitos Humanos, houve melhorias significativas nas políticas de transparência do BNDES nos últimos anos em relação a contratos, valores e operações. No entanto, isso não chegou até a área socioambiental. Os mecanismos institucionais do banco também podem melhorar – e a consulta pública é um exemplo disso, assim como a Ouvidoria e eventos temáticos que o BNDES promove.

“O banco de fato avançou muito, mas essa abertura foi limitada. Para muitos projetos ainda é difícil conseguir documentos sobre a parte socioambiental, isso quando não são negados com a alegação de ser sigilosos. Ou seja: para evitar isso, a transparência socioambiental precisa estar no próprio contrato dos projetos”, afirma Júlia.

Temas estratégicos como mudanças climáticas, conservação da biodiversidade, direitos humanos e questões de gênero não podem ficar alheias à política do BNDES. A população precisa de instrumentos de monitoramento de impactos socioambientais com transparência e participação de grupos afetados. Só assim será possível uma tomada de decisões realmente eficaz sobre a mitigação, compensação e reparação de danos.

O caso de Belo Monte ilustra a dificuldade do BNDES de avançar nos procedimentos de avaliação e monitoramento dos impactos por meio de auditorias independentes e, também, na transparência deste monitoramento. O acesso pela sociedade aos relatórios da auditoria de Belo Monte foram objeto de longa disputa judicial protagonizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) que se iniciou em 2014.

Somente depois de três anos, em setembro de 2016, foi firmado um acordo extrajudicial entre o BNDES, Ministério Público Federal e Norte Energia, empresa responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. Pelo acordo, a empresa foi obrigada a divulgar em seu site os relatórios produzidos pela auditoria independente. Contudo, essa não passou a ser uma prática do Banco para outros projetos.

Critérios mais claros e medidas objetivas para aprovar financiamentos

Organizações sociais tem insistido no tema da revisão dos critérios para o financiamento de grandes obras, que foi a tônica da atuação do BNDES na última década, sobretudo hidrelétricas. Esses projetos, obsoletos na maior parte do mundo, geram altíssimo impacto socioambiental e não dão o retorno esperado mesmo do ponto de vista puramente econômico.

É preciso aprimorar os mecanismos de governança para checagem sistemática do histórico de quem pleiteia recursos do banco. A falta de medidas objetivas é grave. Por exemplo: levantamento realizado pelo Inesc revelou que o banco emprestou, entre os anos 2000 e 2016 quase R$ 90 milhões para empresas e pessoas físicas que integram a Lista Suja do Trabalho Escravo nos estados da Amazônia Legal. É imprescindível que esses empreendedores cumpram a legislação sobre a proteção ambiental e os direitos humanos;

É importante que estas salvaguardas sejam passíveis de avaliação pelo público externo quanto à sua eficácia, além de possibilitar espaços de consulta para sua atualização periódica e mecanismos de recebimento de denúncias e investigação sobre eventuais desvios de conduta por parte de empreendedores e próprio BNDES.

Por isso, uma aplicação efetiva de suas diretrizes socioambientais exige, por exemplo, a criação de processos de avaliação dos impactos socioambientais por meio de auditorias externas independentes, construídas a partir de parâmetros definidos em diálogo com os afetados e tornadas públicas.

Entre as fragilidades da PRSA do Banco, está a chamada “Política do Entorno” do BNDES que, basicamente, estabelece como parte do contrato para projetos de elevado impacto socioambiental a obrigação de inclusão de subcréditos sociais. Esta tem sido a resposta do Banco para o problema dos impactos gerados pelas obras – não mitigados ou compensados pelo licenciamento e exponenciados pela ausência de políticas públicas.

Para Alessandra Cardoso, assessora do Inesc, os subcréditos sociais não resolvem o problema dos impactos sociais. Para ela, “a política socioambiental do BNDES deveria responder ao complexo desafio de contribuir para a redução das fragilidades do licenciamento ambiental (permanentemente sob ataque e risco de rebaixamento), assim como das fragilidades do próprio monitoramento do cumprimento das legislações ambientais, trabalhistas e de direitos humanos”.

Fundo Amazônia e Fundo Verde do Clima: que caminho o BNDES quer seguir?

O Fundo Amazônia, criado em 2008 para prevenir, monitorar e combater o desmatamento e que já recebeu mais de R$ 3,4 bilhões da Noruega e Alemanha para centenas de projetos em parceria com estados, municípios, universidades e o terceiro setor, corre o risco de acabar.

O BNDES é responsável pela gestão do Fundo, cuidando da captação de recursos, da contratação e do monitoramento dos projetos apoiados.  Na avaliação de Brent Millikan, diretor do Programa Amazônia da International Rivers, apesar de uma série de dificuldades, a experiência com o Fundo Amazônia representou um avanço para o BNDES, que provou ser capaz de atuar na área ambiental em parceria com comunidades e organizações da sociedade civil.

No entanto, isso ainda não entrou de forma permanente no DNA do banco. E as políticas radicais do governo Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles, colocado no Meio Ambiente para atender aos interesses dos ruralistas, colocam em xeque a existência do Fundo e a experiência exitosa do BNDES e de outros atores públicos acumulada nos últimos anos.

Ao mesmo tempo em que o Fundo Amazônia corre risco, o BNDES acaba de se qualificar para apresentar projetos no “Green Climate Fund”. O fundo é uma iniciativa da ONU e financia projetos para enfrentar a mudança climática nos países em desenvolvimento.

A habilitação era uma das prioridades do período do Joaquim Levy no comando do banco, que pediu demissão do cargo de presidente do BNDES em junho, após conflitos com Jair Bolsonaro e o próprio ministro Salles.

Depois de afirmar que o Fundo Amazônia “teria irregularidades” nos contratos, Salles foi prontamente desmentido por Levy, que garantiu que todos os contratos e projetos do Fundo foram auditados e nunca nenhuma irregularidade foi encontrada. Assim, abriu-se a porta também para o desentendimento com Noruega e Alemanha, que não aceitam mudanças na governança do Fundo e o fato de Salles querer usar os recursos para indenizar fazendeiros que possuem imóveis em áreas de proteção ambiental.

Enquanto isso, com a entrada no Fundo Verde do Clima, o BNDES terá acesso a recursos para projetos de baixa emissão de carbono. Até o momento, mais de 100 projetos já foram aprovados em 97 países, representando um valor superior a US$ 5 bilhões.

Ou seja: diante desses passos contraditórios, qual direção o BNDES e o governo Bolsonaro querem tomar na área socioambiental?, pergunta Millikan.

“O BNDES está querendo ser um player internacional com acesso a fundos especiais para implementar coisas que são interessantes para o Brasil. Ao mesmo tempo tem um governo com uma visão arcaica de que o meio ambiente é inimigo do progresso, tentando a imitar as posturas de Donald Trump. Esse tipo de posição coloca em risco uma série de oportunidades que o BNDES tem de melhorar”, afirma o diretor da International Rivers.

Diante da ameaça de extinção do Fundo Amazônia, a Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES) e a Associação dos Servidores Públicos do IBAMA e ICMBio (ASIBAMA) criaram uma campanha em defesa do Fundo para esclarecer a população e pressionar para que o projeto seja mantido.

Segundo o manifesto da campanha, “o Fundo Amazônia não é um projeto de governo, mas uma conquista da sociedade brasileira, fruto de negociações internacionais climáticas, cujo consenso gira em torno da construção de um modelo economicamente sustentável na Amazônia que inclua, em sua concepção, os interesses dos povos originários e tradicionais que vivem para e pela floresta em pé”.

Palavra livre, democracia forte

“A palavra aborrece tanto os Estados arbitrários, porque a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade. Deixai-a livre, onde quer que seja, e o despotismo está morto.” – Rui Barbosa

É com profunda preocupação que as organizações abaixo assinadas têm acompanhado as ofensivas voltadas a jornalistas e a diversos veículos de comunicação no Brasil.

Tem se tornado recorrentes as declarações e ações, por parte de atores políticos e setores da sociedade, que desqualificam e atacam o trabalho realizado pela mídia no país. Há um clima de cerceamento da liberdade de expressão que busca calar profissionais no exercício de seu ofício quando divulgam informações ou emitem opiniões contrárias aos interesses ou às preferências políticas deste ou daquele grupo.

Foi este o caso com Rachel Sheherazade, que teve sua demissão pedida por um dos principais patrocinadores do veículo de imprensa para o qual trabalha. Episódio semelhante se passou com Marco Antonio Villa, comentarista afastado de sua emissora de rádio (da qual se demitiu na sequência) em virtude de críticas que contrariavam a direção da emissora. O mesmo tendo ocorrido com Paulo Henrique Amorim, ao que tudo indica afastado de seu programa de TV em razão de divergências políticas. Recebemos, aliás, com grande pesar a notícia de seu falecimento na última quarta-feira (10), cientes de que o jornalismo brasileiro perde uma figura de relevo e notável por seu compromisso com o exercício das liberdades de expressão e de imprensa.

Alimentam e agravam o clima de constrangimento de liberdades, atos protagonizados por força do Estado. Como o pedido feito pelo ministro do STF Alexandre de Moraes de retirada do ar de conteúdos publicados pelo Crusoé e O Antagonista em março deste ano, a proibição, imposta pelo Presidente do ICMBio, de que chefes de Unidades de Conservação conversem com o jornalista André Trigueiro e as suspeitas mais recentes de uso da máquina do Estado na tentativa de intimidar Glenn Greenwald em função da série de reportagens do The Intercept Brasil sobre a Operação Lava Jato.

Isso para citar apenas alguns dos fatos inquietantes sobre as condições de atuação da imprensa e dos jornalistas nesses últimos tempos.

Não é à toa que, segundo o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2019 elaborado pela organização Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil teve queda em sua colocação e está em “situação sensível” quanto à liberdade de imprensa em seu território. A Artigo 19, por sua vez, produziu uma síntese de situações de risco à atuação da imprensa nos 100 primeiros dias do governo.

As liberdades de expressão e de imprensa são essenciais para o bom funcionamento de qualquer democracia. Não importa se as ideias ou as notícias vão ou não contra nossas posições políticas ou preferências ideológicas, é preciso reagir a cada tentativa de cerceamento de liberdade de expressão e de imprensa. Como determina o art. 220 da Constituição Federal, “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” e fica “vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (§ 2º).

Precisamos estar atentos. A propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive da imprensa, é um dos elementos comuns da derrocada das democracias identificadas por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em seu livro Como as Democracias Morrem.

Em uma sociedade marcada cada vez mais pela intolerância ideológica e pela disseminação de notícias falsas para manipular o debate público, a missão de cultivar e defender a livre expressão de ideias e a liberdade de imprensa torna-se ainda mais premente.

Assinam esta nota as seguintes organizações:

Abong – Associação Brasileira de ONGs

Ação Educativa

Associação Tapera Taperá

Atados

Casa Fluminense

CEDAPS

CENPEC Educação

Delibera Brasil

Frente Favela Brasil

Fundação Avina

Fundaçāo Tide Setubal

Geledés – Instituto da Mulher Negra

Gestos – Soropositividade

Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030

Imargem

INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos

Instituto Alana

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec

Instituto Cidade Democrática

Instituto Construção

Instituto Ethos

Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Instituto de Desenvolvimento Sustentável Baiano

Instituto de Governo Aberto

Instituto Physis- Cultura & Ambiente

ISER – Instituto de Estudos da Religião

Instituto Sou da Paz

Instituto Update

Livres

Move Social

Movimento Boa Praça

Observatório do Terceiro Setor

Open Knowledge Brasil

Oxfam Brasil

Pacto Organizações Regenerativas

ponteAponte

Programa Cidades Sustentáveis

Pulso Público

Rede Conhecimento Social

Rede Feminista de Juristas – deFEMde

Rede Justiça Criminal

Rede Nossa São Paulo

Rubens Naves Santos Jr. Advogados

Szazi, Bechara, Storto, Rosa e Figueirêdo Lopes Advogados

Transparência Brasil

E os seguintes parlamentares:

Alexandre Padilha PT/SP

Andreia de Jesus PSOL/MG

Áurea Carolina PSOL/MG

Bancada Ativista PSOL/SP

Bella Gonçalves PSOL/MG

Cida Falabella PSOL/MG

Felipe Rigoni PSB/ES

Marina Helou REDE/SP

Paulo Teixeira PT/SP

Randolfe Rodrigues REDE/AP

Rodrigo Agostinho PSB/SP

Indígenas ocupam a Sesai e pedem a saída da secretária de saúde indígena

Restabelecimento da autonomia de gestão, normalização dos repasses mensais, renovação de contratos emergenciais de transporte, fim da perseguição a lideranças indígenas, transparência no orçamento, retorno da participação social e a reativação dos conselhos que foram extintos arbitrariamente.

Estas são as principais reivindicações dos 115 indígenas que ocupam a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em Brasília desde a noite de terça (9). Vindos do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI)  Litoral Sul, que abrange os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro, os indígenas pedem a saída da secretária Silvia Waiãpi, nomeada em abril por Jair Bolsonaro.

A expectativa é que novas comitivas de povos indígenas de outras regiões do país cheguem no decorrer da semana a Brasília.

Retrocessos sem fim

A gestão Bolsonaro tem colecionado atritos com o movimento indígena desde que assumiu o poder em janeiro. Junto com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que é da bancada ruralista do Mato Grosso do Sul, e da nova secretária da Sesai, as ameaças e retrocessos se acumulam.

Logo no início do ano, em fevereiro, o desmonte do Mais Médicos atingiu especialmente os povos indígenas, como o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou em levantamento exclusivo. Em março, a mobilização indígena precisou ir às ruas em todo o país para evitar o fim da independência da SESAI e a municipalização da saúde.

Em abril, durante o Acampamento Terra Livre, Waiãpi foi nomeada e o atraso do repasse financeiro para as entidades que atuam na saúde indígena causava um caos no atendimento. A participação social também sofreu um duro baque com o fim do Conselho Nacional de Política Indigenista, o Fórum de Presidentes do Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena), e outras instâncias relevantes. Em maio, Bolsonaro alterou a SESAI por decreto, extinguiu o Departamento de Gestão, eliminou o caráter social na administração e forçou, na prática, a municipalização.

“Depois que a Silvia entrou, a secretaria sofreu um verdadeiro desmonte. Hoje, os distritos não têm mais autonomia para poder fazer o trabalho. Eles não municipalizaram a saúde, mas desmancharam a secretaria. Se você não tem autonomia de gestão, você não toma decisão. A impressão é que a SESAI acabou”, afirma Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil para a Região Sul.

Sem qualquer plano de gestão apresentado até o momento, a avaliação é que a SESAI se tornou um “elefante branco” e agora depende exclusivamente das decisões tomadas a portas fechadas no ministério.

Esta soma de promessas não cumpridas e retrocessos impostos à força foi o que levou à ocupação atual da Sesai e o pedido pela saída da secretária Silvia Waiãpi. Mobilizados, os indígenas prometem só deixar a sede da Secretaria depois que a situação for finalmente resolvida.

Perseguição a líderes indígenas

Kretã Kaingang também enumera uma série de outros problemas, como a perseguição a líderes indígenas por parte de Waiãpi, que teria um perfil autoritário.

A secretária entrou com um processo contra Issô Truká, liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do Condisi, e também acionou na justiça outras lideranças.  “É uma perseguição muito grande, não é dessa maneira que se dialoga. Ela é uma pessoa muito autoritária e não quer ouvir. Com todo o respeito que ela merece por ser uma indígena, de gestão pública e de política ela não entende nada, ela não sabe o que é a palavra diálogo”, afirma Kretã.

No DSEI Litoral Sul, que tem uma população de 23 mil indígenas de 11 etnias diferentes, a situação tende a piorar bastante a partir de agosto. O contrato com a empresa que presta o serviço de logística de transporte para os pacientes e profissionais da saúde se encerra em 30 de julho. Uma nova licitação precisava ser concluída até esse prazo, mas até hoje nada foi feito. Agora não há mais tempo hábil, informam as lideranças.

Com isso, indígenas que, por exemplo, precisam fazer hemodiálise até 3 vezes por semana em cidades próximas, gestantes que necessitam de pré-natal e crianças com atendimento especial estarão prejudicadas. O contrato, que deveria ser renovado em abril, por um acordo entre Ministério Público Federal, Ministério da Saúde e povos indígenas, está em risco pela demora excessiva por parte da Saúde.

“Isso dá a impressão de que é realmente uma política de genocídio. Passou o tempo, não responderam, guardaram aqui. Licitação não é uma coisa simples. As empresas que prestam o serviço também têm receio de assumir compromisso com esse governo porque os repasses atrasam sempre”, diz Kretã.

A frota de veículos atende os povos Guarani, Xetá, Kaigang, Terena, Tupi-Guarani, Krenak e Pataxó. A maioria dos profissionais que realiza o atendimento e mora na cidade, como médicos, dentistas, enfermeiros, também ficarão sem transporte.

O problema se arrasta pelo menos desde o fim de 2018, quando o diretor do Departamento de Gestão da Saúde Indígena (DGESI), agora extinto, Márcio Godoi Spindola, se comprometeu com o pleno funcionamento do transporte na região. Na época, a promessa era de que o orçamento disponível para 2019 seria de 22 milhões. Além do problema emergencial no DSEI Litoral Sul, todo a definição orçamentária da Sesai está sendo feita sem diálogo e transparência por parte de Waiãpi.

Governo ignora justificativas para reativar conselhos

Outro problema grave é que o governo Bolsonaro ignorou todas as três justificativas enviadas pelos povos indígenas para reativar o Fórum de Presidentes dos Condisi, que havia sido extinto por decreto, junto com centenas de outros conselhos e instâncias participativas. O prazo, de até 28 de junho, foi cumprido. As solicitações, no entanto, não foram aceitas.

“Todas as nossas justificativas foram ignoradas. Na verdade, eles não querem ser fiscalizados pelos povos indígenas. Precisamos sim fiscalizar o nosso orçamento, ter transparência e controle social em todas as áreas. Com a extinção do Fórum dos Condisi, tudo é o ministro que decide. Isso é muito ruim”, afirma Kretã.

Enquanto isso, o Ministério da Saúde liberou em um dia, na última segunda-feira, R$ 1,1 bilhão em emendas parlamentares para agradar aos deputados e garantir a aprovação da reforma da Previdência.

O ministro Mandetta (DEM) reconheceu sem pudor que a liberação desse montante, na véspera da discussão sobre a reforma da Previdência na Câmara, foi “um esforço” pela aprovação da proposta.

Nota da Sesai

Em resposta à reportagem, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), declarou em nota que “não há atraso em repasses para Distritos Sanitários Especiais de Saúde (DSEIs). A secretária Sílvia Waiãpi tem priorizado o diálogo direto com os povos indígenas por meio de visitas às unidades de saúde indígena e às aldeias para verificar, pessoalmente, as condições de atendimento.

A Sesai também afirmou que “a autonomia dos DSEIs permanece inalterada e o atendimento efetivo aos indígenas segue sendo executado dentro da normalidade”.

Não há caminho para o cumprimento da Agenda 2030 no Brasil

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) se prepara, ao lado de organizações parceiras da sociedade civil, para apresentar uma análise da implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil durante os eventos paralelos do Fórum Político de Alto Nível nas Nações Unidas (HLPF) sobre a Agenda 2030, em Nova York.

No próximo dia 17/7, as organizações apresentam o relatório Spotlight 2019, uma das avaliações independentes mais abrangentes da realização da Agenda 2030. O Inesc contribuiu ativamente na construção da análise da situação do Brasil. Texto de Ana Cernov, ativista de direitos humanos, Iara Pietricovisky, do colegiado de gestão do Inesc, e Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc, mostra que os impactos negativos do congelamento de gastos e política de austeridade fiscal seguem comprometendo a viabilidade de políticas públicas necessárias para atender os compromissos da Agenda 2030. Contudo, as autoras constatam que, “nada preparou a sociedade civil para o tipo de retrocesso que está experimentando com o novo governo que tomou posse em janeiro de 2019”.

Os cortes na educação, as consequências da reforma trabalhista, o aumento do trabalho infantil e da desigualdade social, e as ameaças aos acordos internacionais e sistemas de proteção ambiental são alguns dos objetos de análise no texto que será apresentado em Nova York. “Não apenas Jair Bolsonaro, seu gabinete e aliados estão alimentando os discursos antidireitos e antidemocráticos que o elegeram, mas estão também talhando o caminho para a destruição da proteção dos direitos humanos, alcançada por meio da mobilização e do engajamento com a sociedade civil”, alerta o relatório. Leia o texto em português aqui.

O Inesc também contribuiu com uma análise detalhada, feita pela assessora política Cleo Manhas, sobre o objetivo “educação de qualidade” (ODS 4), que revela como a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos (EC 95) tem deixado muitas crianças fora da escola, principalmente em regiões mais vulneráveis. Disponível em português aqui.

“O novo governo, apesar de seu compromisso anterior, não apresentará um Relatório Nacional Voluntário neste HLPF, o que torna este esforço das organizações da sociedade civil ainda mais relevante”, apontou Iara Pietricovisky. “Agora, além da falta de financiamento para alcançar os objetivos acordados internacionalmente, estamos diante de um problema ainda maior: a destruição das nossas instituições”, concluiu. A diretora do Inesc  participará de outras agendas do Fórum para contribuir com a análise e monitoramento dos ODS representando também a Forus International e a Abong.

Sobre a Agenda 2030

Em 2015, chefes de Estados, incluindo o Brasil, reunidos na sede das Nações Unidas, decidiram pela aprovação da Agenda 2030, com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em 169 metas, que visam à erradicação da pobreza extrema, ao combate à desigualdade e à injustiça e à contenção das mudanças climáticas.

Sobre o Relatório Spotlight

O Relatório Spotlight é publicado pela Rede de ONGs Árabes pelo Desenvolvimento (ANND), Centro para os Direitos Econômicos e Sociais (CESR), Alternativas de Desenvolvimento com Mulheres para uma Nova Era (DAWN), Fórum Global de Políticas (GPF), Serviços Públicos Internacionais (PSI), Social Watch, Sociedade para o Desenvolvimento Internacional (SID), e Third World Network (TWN), apoiado pela Friedrich Ebert Stiftung.

Será apresentado em Nova York no evento paralelo do HLPF intitulado “Como os ODS podem prosperar em contextos políticos adversos?”, às 8h15 (horário de Nova York).

Outras agendas da sociedade civil no HLPF 2019

A Forus International, organização global que também é presidida por Iara Pietricovisky, estará envolvida em 4 eventos paralelos principais no HLPF 2019:

  • Renovando a ambição da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável – Perspectivas da Sociedade Civil sobre os princípios para uma revisão bem-sucedida do HLPF: dia 11/7,  Sala de Conferência 1 na sede da ONU, de 13h15 a 12h45 (hora NY)
  • Empoderamento da sociedade civil para relatos e ações no ODS 16: dia 12/7, Embaixada da Coreia do Sul, a partir das 9h30 (hora NY).
  • O poder da associação: desbloquear a promessa de parceria para aumentar a força da sociedade civil no avanço da Agenda 2030:  dia 15/7, das 9h às 23h, Sala Berta Cáceres, Fundação Ford.
  • Criação de revisões voluntárias nacionais inclusivas: promoção da participação de múltiplas partes interessadas nos ODS: dia 17/7, sede da Fundação Ford, das 14h00 às 16h.

A Forus está dedicando uma página especial de seu site para a cobertura de suas atividades no HLPF.

O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, do qual o Inesc também faz parte,  estará na programação dos eventos paralelos do HLPF 2019 com a mesa redonda “How can the SDGs thrive in adverse political contexts?”, no dia 17/07, na sede da World Vision International.

Violações na Operação Lava Jato são denunciadas a relator especial da ONU

As violações ao princípio da independência judicial registradas na Operação Lava Jato foram denunciadas a Diego García-Sayán, relator especial das Nações Unidas sobre a independência judicial dos magistrados e advogados, nesta terça-feira (02). O informe foi realizado pela Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) – que reúne 25 entidades -, pela Associação Juízes para Democracia (AJD), Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho (ALJT), Terra de Direitos, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a Justiça Global, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec).

No documento, as organizações demonstram preocupações com o Estado Democrático de Direito em razão da violação ao princípio da independência judicial na condução da Operação Lava Jato.

Uma série de reportagens divulgadas no início de junho pelo portal The Intercep ampliou a preocupação das entidades.

No texto, as organizações pedem que o relator solicite informações e envie recomendações ao Estado brasileiro, e que permaneça acompanhando o caso. E destacam a gravidade da situação: “A independência judicial constitui a segurança de que todas as pessoas podem contar com um Judiciário forte e imparcial, que garanta a realização do modelo de sociedade contido na Constituição. (…) Daí decorre a garantia de que ninguém será processado e condenado a partir de pressões externas ou da vontade subjetiva de quem está investido nesse poder de Estado”.

Denúncias internacionais

As violações cometidas dentro da Operação Lava Jato também foram denunciadas no diálogo interativo em torno do informe apresentado pelo Relator na 41ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no último dia 24 de junho. Na ocasião, Diego García-Sayán, o relator especial, destacou que juízes e procuradores devem evitar qualquer atividade política partidária que afetem a imparcialidade ou que seja inconsistente com princípio de separação dos poderes.

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