Abandono no Ensino Médio brasileiro duplicou na pandemia

Entre os anos de 2020 e 2021, o abandono escolar no Ensino Médio no Brasil aumentou 128%, saindo de 165 mil para 377 mil estudantes desistentes da escola. As regiões Norte (846%) e Nordeste (218%) foram as que mais perderam alunos.

Na variação de 2019 e 2020, o resultado é negativo (-51%). Contudo, é preciso considerar a dificuldade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) para identificar o abandono já que as aulas passaram a ser remotas durante a pandemia de Covid-19. A subnotificação de casos, no entanto, foi revelada em 2021.

Tabela 1. Variação percentual de abandono escolar no ensino médio, por região, em 2019/2020 e 2020/2021

RegiãoAbandonoVariação
201920202021Var. em 2019 e 2020Var. em 2020 e 2021
Brasil341.211165.644377.526-51%128%
Norte68.3738.73582.653-87%846%
Nordeste105.49642.739135.909-59%218%
Sudeste97.89365.28789.809-33%38%
Sul42.22842.31255.4920,2%31%
Centro-Oeste27.2216.57113.663-76%108%

Fonte: Censo Escolar 2019, 2020 e 2021 (elaboração do Inesc).

Os dados acima pertencem à Nota Técnica divulgada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) sobre o abandono no Ensino Médio brasileiro nos anos de 2019, 2020 e 2021, período com números disponíveis no momento da elaboração do estudo. Os dados foram obtidos no Censo Escolar e  Lei de Acesso à Informação e analisados de acordo com a região do Brasil, divididos por sexo em cada unidade da federação. (Veja outras tabelas abaixo.)

“Um dos mais perversos efeitos das desigualdades, especialmente de raça e etnia, é a desistência ou a expulsão de crianças e adolescentes da escola antes da conclusão da educação básica, efeito que ficou mais explícito na pandemia de Covid-19”, resume Thallita de Oliveira, assessora política do Inesc.

No Sudeste, o número de estudantes em situação de abandono escolar em 2021 foi de 89.809, o que representa um aumento de aproximadamente 38% em relação a 2020. O Sul também registrou crescimento, passando de 42.312 casos em 2020 para 55.492 em 2021. Já na Região Centro-Oeste, o abandono escolar em 2021 foi de 13.663, o que corresponde a um aumento de aproximadamente 108% em relação a 2020.

“Uma questão que precisa ser analisada pelo Ministério da Educação é se o abandono foi maior nos locais onde, durante a pandemia, não se havia adequado acesso à internet e equipamentos necessários para o acompanhamento das aulas, pois a ausência de condições mínimas pode ter levado adolescentes a desistir da escola”, diz a Nota Técnica.

Estados – O estudo também apresenta os números de cada Estado na incidência de abandono escolar no Ensino Médio. Somadas as perdas nos três anos avaliados, o ranking da desistência é liderado por Minas Gerais (110 mil alunos), Bahia (106 mil) e Pará (97 mil).

 Tabela 2. Dados de abandono escolar por estado nos anos de 2019, 2020 e 2021

Número de estudantes que abandonaram o EM201920202021
Acre2.2721.2492.407
Alagoas6.7475278.923
Amapá3.0687202.509
Amazonas20.37533511.215
Bahia37.6593.92265.374
Ceará12.45510.0296.836
Distrito Federal3.8466581.178
Espírito Santo2.1452.5732.751
Goiás4.4564.1952.904
Maranhão12.91814.77617.430
Mato Grosso13.0519478.155
Mato Grosso do Sul5.8687711.426
Minas Gerais33.69853.43223.363
Pará35.1842.17559.831
Paraíba8.1723.2924.709
Paraná12.19612.9474.042
Pernambuco4.6491.2994.799
Piauí8.9196.5665.840
Rio de Janeiro31.7382.92410.542
Rio Grande do Norte9.28776619.430
Rio Grande do Sul17.76420.32632.023
Rondônia3.3141.4253.274
Roraima1.6111781.246
Santa Catarina12.2689.03919.427
São Paulo30.3126.35853.153
Sergipe4.6901.5622.568
Tocantins2.5492.6532.171

Fonte: Censo Escolar (elaboração do Inesc).

Em relação ao gênero, as meninas foram as que mais abandonaram a escola, em quase todos os Estados. “Durante a pandemia, a vida escolar das meninas foi mais prejudicada pelo excesso de obrigações domésticas e de trabalho fora de casa, além das precárias condições de saúde mental a que muitas estavam submetidas”, observa a Nota Técnica. “Essa percepção já havia aparecido em pesquisa realizada em 2021 pelo Inesc, em parceria com Instituto Vox Populi”, acrescenta o Inesc.

A Nota Técnica aponta o trabalho infantil como uma das causas principais do abandono escolar. O estudo cita a pesquisa quantitativa intitulada “Educação Brasileira em 2022: A voz de adolescentes”, realizada pelo Unicef, em parceria com o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), revelando que: A maioria dos adolescentes em situação de trabalho infantil é composta por meninos negros.

Outros motivos para o abandono e evasão escolar seriam: “porque a escola não tinha retomado as atividades presenciais”; “por não conseguir acompanhar as explicações ou atividades passadas pelos professores”; “por ter que cuidar de outros familiares em casa”; “por falta de transporte para ir até a escola”; “por ter ficado grávida ou ter tido um filho ou uma filha”; “por ter sido alvo de preconceito ou discriminação racial”.

Faça o download do estudo Abandono no ensino médio brasileiro entre 2019 e 2021

Inesc e coletivo Gazetinha lançam série de vídeos sobre justiça fiscal

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), ONG que trabalha há 43 anos monitorando o orçamento público para a garantia de direitos, e o coletivo Gazetinha da Guanabara, que ilustra conceitos econômicos em linguagem acessível, se juntaram para elaborar uma série de vídeos e apresentar – em linguagem visual descomplicada e inédita – os principais conceitos econômicos do debate fiscal atual.

Os vídeos serão divulgados semanalmente nas quartas-feiras, a partir de hoje (11/10), nos canas no Youtube do Inesc e da Gazetinha, e nas redes sociais de ambas organizações. Confira o primeiro episódio:

Mais Estado, menos corte de gastos

A iniciativa tem como objetivo ser um contraponto ao discurso dominante de austeridade, Estado mínimo e privatizações, que em nada contribui para solucionar a crise econômica, social e ambiental em que vivemos. “Precisamos vencer a narrativa hegemônica de que não há alternativas à austeridade fiscal, e para isso é necessário disputar espaço nas mídias dominadas pelo conservadorismo econômico, como o Youtube”, aposta Livi Gerbase, assessora política do Inesc.

Para André Aranha, diretor da Gazetinha da Guanabara, o debate fiscal ainda está muito afastado da população e cercado de mitos. “Os ataques à dívida pública e a pressão constante para baixar a carga tributária brasileira atendem às elites brasileiras, interessadas em manter seus privilégios econômicos. Queremos mostrar que é possível colocar o Brasil em um caminho de desenvolvimento com justiça social e ambiental”, afirmou.

A série foi dividida inicialmente em quatro vídeos: o primeiro explica como está estruturado o debate fiscal hoje; o segundo e o terceiro analisam os gastos públicos e seus impactos na economia e na promoção de direitos; e o quarto é sobre impostos e como garantir justiça fiscal. Acompanhe a série no Youtube e no Instagram do Inesc (@inescoficial) e da Gazetinha (@gazetinhadaguanabara)!

Financiamento socioambiental na pauta do Executivo e do Congresso Nacional

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) realizou na tarde desta segunda-feira (9), em Brasília, o Seminário “Caminhos para o Financiamento da Política Socioambiental e de Mudança do Clima: desafios para o PLOA 2024“. O evento ocorreu no Plenário da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados e contou com o apoio da Frente Parlamentar Ambientalista.

O seminário reuniu representantes do Executivo, do Legislativo, além de organizações da sociedade civil. O objetivo foi debater entre os atores o desmantelamento da política socioambiental no Brasil, além de pensar estratégias para fomentar fontes de financiamento. Para o deputado Nilton Tato, que apresentou o requerimento para a realização do evento, “para enfrentar o cenário deixado pelo governo anterior de enfraquecimento institucional, de paralisação na execução de fundos socioambientais e de severos cortes orçamentários, é fundamental que o País ouse na condução da política socioambiental”. 

Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, destacou que é urgente a necessidade de articular fundos socioambientais em uma estratégia nacional de transição ecológica, com justiça social, ambiental e garantia de direitos territoriais. “O seminário aconteceu em um momento crucial, já que o governo está enviando ao Congresso um projeto de lei orçamentária para 2024 e o plano plurianual para 2024-2027 está em tramitação. “É fundamental que as discussões e reflexões deste seminário se traduzam em uma estratégia concreta para a elaboração do orçamento de 2024, que possa começar a enfrentar os desafios socioambientais e climáticos do País. Vale salientar, ainda, que o orçamento previsto no PLOA para o meio ambiente e clima está estagnado, mas estável”. 

Alessandra também apresentou os principais resultados da série de estudos sobre os desafios relacionados ao financiamento da política ambiental e de mudança climática no Brasil. São pesquisas referentes ao Fundo Clima, Fundo Nacional de Meio Ambiente, Fundo Amazônia e Fundo Verde para o Clima. Clique aqui para acessar a série completa

Financiamento socioambiental na pauta do Executivo

Para Ana Toni, secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), é importante que as fontes de financiamento não sejam vistas apenas dentro do MMA, mas, também, em outros ministérios. “Estamos trabalhando em conjunto com outras pastas, como a da Agricultura, Minas e Energia, Integração Regional, entre outros, trazendo de forma transversal o tema de mudança do clima e meio ambiente”. 

Já Matias Rebello Cardoming, coordenador-geral de Análise de Impacto Social e Ambiental da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, alertou sobre a necessidade de financiamento em políticas socioambientais do Brasil. De acordo com ele, considerando a contribuição do Brasil na emissão de 15 giga toneladas de gases de efeito estufa e para cumprir a meta de aumentar, no máximo, 1,5ºC a temperatura global, seria necessário o País investir 3,5% do PIB brasileiro em ações socioambientais até 2050. “Mas o Tesouro Nacional afirma que tem disponibilidade de investimento de mais ou menos 1,2%, e a metade dele é de investimentos vinculados, como saúde, educação e emendas parlamentares, ou seja, o que há livre – se pudéssemos vincular unicamente a objetivos ambientais e climáticos – seria, mais ou menos, 0,6% do PIB diante de uma necessidade de, pelo menos 3,5%”. A estimativa foi feita pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Matias apresentou, ainda, a proposta do Plano de Transformação Ecológica, que está ancorada em três eixos: emprego e tecnologia; justiça ambiental e climática; e renda e equidade. 

A chefe do Departamento de Planejamento do BNDES, Daniela Baccas, ressaltou o trabalho desenvolvido pelo Banco de captador e operador de recursos, principalmente do Fundo Nacional de Mudanças Climáticas, ou Fundo Clima, e do Fundo Amazônia. “Temos uma perspectiva de ter um aumento substancial nos recursos disponíveis ao Fundo Clima, algo em torno de R$ 10 bilhões. Já o Fundo Amazônia, focado em desmatamento na Amazônia principalmente, já está com o desembolso em torno de R$ 1,5 bilhão em atividades sustentáveis”.  

Também participaram do seminário Arnoldo de Campos, do Observatório de Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio); Suely Araúlo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima; Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria; e Rogenir Costa, coordenadora programática da Fundación Avina. 

Assista ao seminário “Caminhos para o Financiamento da Política Socioambiental e de Mudança do Clima: desafios para o PLOA 2024” na íntegra:

Inesc e CAMA conversam com comunidades quilombolas da Bahia sobre transição energética

A transição energética tem se realizado a partir de uma lógica racista e de violação aos direitos das comunidades tradicionais, que são impactadas pelas usinas de geração de energia. Mas, acreditando na possibilidade de desenvolvimento com justiça socioambiental, o Inesc, em parceria com o CAMA – Centro de Arte e Meio Ambiente, realizou uma Roda de Conversa com as comunidades quilombolas na Península de Itapagipe, em Salvador, no último dia 26/9. 

A atividade buscou acolher relatos sobre impactos e resistências aos grandes empreendimentos energéticos, mas também estimular a reflexão coletiva sobre estratégias. O objetivo da ação foi pensar estratégias de geração energética próprias, descentralizadas, de caráter social e comunitário. 

Participaram da conversa 42 pessoas entre representantes de comunidades quilombolas e tradicionais de municípios do estado da Bahia, especialistas e ativistas nos temas de justiça socioambiental. Pelo Inesc, Alessandra Cardoso e Cássio Carvalho, também mediaram as discussões. A ação foi realizada no âmbito do projeto Nordeste Potência. 

Segundo Alessandra, o Inesc entrou no tema de energia para atuar contra os combustíveis fósseis, mas com as diversas articulações com movimentos e redes o Instituto se viu imbricado nos impactos sociombientais produzidos pela geração centralizada de energia renovável. “Entramos na luta contra os impactos produzidos eólicas para fortalecer as ações de enfrentamento aos contratos violentos, o licenciamento ambiental que não considera os impactos sociais dos empreendimentos e ao racismo ambiental. A experiência desta conversa mostra que não tem fórmula pronta, mas inteligência coletiva para que as comunidades encontrem a melhor forma para realizar a geração de energia”, explicou a assessora do Instituto. 

Cássio Carvalho avalia que o Estado brasileiro precisa criar mecanismos de fomento à geração descentralizada de energia nos territórios tradicionais. “Isso vai desde a criação de uma política pública de capacitação das comunidades até o financiamento de bancos públicos aos modelos para que possam contribuir de forma emancipadora e participativa de uma transição com justiça ambiental”, indicou.

A transição energética chega como um “prato feito” 

Durante a conversa, representantes de comunidades tradicionais falaram sobre os impactos da transição energética em seus territórios. A maioria dos presentes assumiu ainda não compreender o conceito para além dos problemas que os empreendimentos levam aos territórios. Os rastros do racismo ambiental estão presentes nos relatos. “Ficamos totalmente à mercê desses empreendimentos. Falar de energia ainda é dor e tristeza”,  contou Adriana, quilombola de Mulungu da Gruta, Morro/BA.

Já Francisca Fonseca, do Quilombo Candeal, em Feira de Santana/BA, ressalta que os empreendimentos energéticos estão invadindo as áreas, num modelo de desenvolvimento que não compreende a realidade das comunidades. “Vocês não imaginam como está sendo destruidor em nosso território”, revelou Francisca. 

Michelle Almeida, catadora de materiais recicláveis e moradora de Itapagipe, na Cidade Baixa de Salvador, também demonstrou decepção com o que conhece como transição energética. “Quando criança, ouvia sobre energia solar e eólica na escola e achava a melhor coisa do mundo. Mas a realidade é outra. Chega para a gente como um “PF” (prato feito), poucos beneficiados e muita gente prejudicada. A comunidade precisa se envolver para que as coisas não cheguem prontas e saiam destruindo tudo”, defendeu Michelle.  

Tamires Ferreira, quilombola de Lagoa Grande, de Feira de Santana/BA, denunciou ainda que as favelas e comunidades tradicionais brasileiras ainda são vistas como o “quarto de despejo da sociedade” e que a transição energética chegou para a comunidade dela como uma “sentença de morte”. Tamires acredita que os responsáveis pelo modelo de desenvolvimento vigente precisam ser cobrados pelos danos desses empreendimentos e, para isso, é fundamental que as comunidades estejam preparadas para lidar com o assunto.

Atividade foi realizada na sede CAMA, em Salvador.

Por uma transição energética com justiça socioambiental

De acordo com Júlio Holanda, biólogo e professor, as comunidades impactadas pelos empreendimentos de geração de energia compartilham entre si o valor e pertencimento ao território, a proteção das formas de vida e aos saberes tradicionais. Segundo o biólogo, o que está em disputa é a dimensão da reprodução social desses povos e o desejo de mercantilização dos territórios. 

“O racismo ambiental se materializa como termo estruturante dessas práticas. O dinheiro fica para as empresas e os prejuízos para os povos e comunidades tradicionais. A lógica de implementação dessas usinas é estrangeira. Nós temos que forjar estratégias comuns para que tenhamos nossa potência”, considerou Júlio. 

Rárisson Sampaio, advogado e professor da URCA (Universidade Regional do Cariri), defende ser urgente rever os contratos de exploração dos territórios, que são firmados entre as empresas e as comunidades. “A transição energética precisa ser justa, trazer retorno à comunidade. A gente vê o dano e nunca vê o benéfico. As comunidades são sacrificadas para manter o lucro. Precisamos fazer uma transição energética a partir das comunidades e para as comunidades”, sinalizou o advogado. 

Sampaio considerou que empoderar as comunidades e dar autonomia para participar dos processos de negociação dos contratos tornará possível que esses grupos possam deliberar se e como querem que a exploração energética aconteça em suas áreas, tirando as usinas da centralidade das decisões “para que se alcance uma transição energética justa”, reafirmou.

Minha história conto eu

As possibilidades de uma transição energética que considere a realidade das comunidades, com seus integrantes atuando em todo o processo, foram apresentadas por Dinei Medina, da RevoluSolar, uma associação que nasceu no Morro da Babilônia no Rio de Janeiro, que realiza instalações de energia solar nas favelas cariocas, por meio da geração compartilhada. “Na minha experiência, vejo a energia solar como um caminho para reduzir a violência nos territórios periféricos”, defendeu o líder comunitário.

Jose de Anchieta, do Comitê de Energia Renovável do Semiárido e da Cooperativa Geração de Energia e Compartilhamento de Energia,  de Patos/PB, também relatou a experiência com geração energética. “Esse modelo envolve as pessoas no processo e as empodera. A energia gerada de forma descentralizada e compartilhada fica no território, diferente do modelo de mega projetos de energia solar ou eólica, que vão para outras regiões e deixam a ilusão de que o desenvolvimento chegou”, declarou. 

João do Cumbe, liderança do Quilombo do Cumbe em Aracati/CE, contou a experiência de embate intenso contra os impactos provocados pela instalação do parque eólico em território ancestral da comunidade. “A comunidade se articulou para denunciar esses empreendimentos, que chegaram aos territórios com a falácia do desenvolvimento, mas que causaram grande destruição. Queremos modelos que respeitem nossos modos de vida e fortaleçam nossas lutas”, pontuou João. 

Levantamento inédito aponta subfinanciamento na proteção das Terras Indígenas no Brasil

Levantamento realizado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) mostrou que 32% dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) em Terras Indígenas foram elaborados com recursos exclusivamente provenientes de fontes alternativas como cooperação internacional e filantropia, por exemplo. Do total, 36% foram financiados a partir do apoio misto dessas organizações e do Estado, e somente 32%, custeados com recursos estatais nacionais, sendo a maioria deles via compensação e fontes extraorçamentárias (20%), e não por meio de política pública.

A proporção do financiamento foi observada no Painel de PGTA, que monitora os PGTA de Terras Indígenas e reúne dados que permitem compreender como está a proteção dos territórios do ponto de vista do orçamento.

>> Clique aqui para acessar a íntegra da análise PGTA<<

“O Painel tem atualização constante e traz informações importantes para analisar impactos, desafios e potencialidades, além de apontar caminhos para enfrentar o subfinanciamento. Esse esforço se soma a uma iniciativa anterior, quando construímos a ferramenta de estimativas de custos de implementação dos PGTA“, explica Leila Saraiva, assessora política do Inesc responsável pela pesquisa.

Atualmente, há quase 90 milhões de hectares de Terras Indígenas com PGTA. Contudo, a análise indica que ainda faltam recursos para tirar muitos PGTA do papel. “Implementar essa política representaria a preservação e recuperação de uma área equivalente a quase duas vezes o território da França”, reforça Leila.

O que são os PGTA

Os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) são projetos de manejo elaborados coletivamente por cada comunidade indígena, em processos participativos. No caso do Brasil, o mecanismo é uma realidade desde 2007. Mas a implementação demanda recursos. Desde sua criação, os investimentos públicos brasileiros como os internacionais foram escassos, considerando-se o montante que circula na cadeia do financiamento climático.

Entre 2011 e 2020, apenas o equivalente a 1% da Assistência Oficial ao Desenvolvimento para mitigação e adaptação às mudanças climáticas foi gasto com a garantia de direitos e a gestão territorial e ambiental de povos indígenas. Além disso, somente 17% desses recursos chegaram para organizações lideradas por indígenas ou em projetos que mencionam diretamente essas organizações. Os dados são da Rainforest Norway Foundation.

“O problema, como de costume, não é técnico, mas político. O mesmo modelo de desenvolvimento que nos trouxe à catástrofe climática que ora vivemos e que, por séculos, viola os direitos territoriais de povos indígenas e comunidades locais, agora, exige dessas comunidades que compensem seus efeitos nefastos, sem, no entanto, providenciar recursos para tal. Ou, pior, impondo a essas comunidades ações que destroem suas relações territoriais em nome de soluções mercadológicas. O velho colonialismo é agora também colonialismo climático”, finaliza Leila.

Orçamento executado para construir creches no primeiro semestre de 2023 já é quase 300% superior ao mesmo período do ano passado

O orçamento já executado no primeiro semestre de 2023 para a construção e manutenção de creches é quase 300% superior ao executado no mesmo período do ano passado, segundo levantamento inédito com base em informações do SIGA Brasil realizado a pedido da Agenda 227, movimento em defesa dos direitos das crianças e adolescentes, ao Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização que integra a iniciativa.

De janeiro a junho, foram executados R$ 443,09 milhões para a educação infantil, como apoio financeiro do governo federal repassado para os municípios por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no âmbito do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância). No mesmo período de 2022, foram R$ 110,8 milhões. Se comparado ao valor executado em 2020, primeiro ano de vigência do Plano Plurianual (PPA) do governo federal anterior, essa diferença chega a ser cinco vezes maior (525%), quando o montante destinado foi de R$ 39,3 milhões. O montante de janeiro a junho de 2023 é maior que todo o gasto federal durante cada vigência anual completa da lei orçamentária de 2019 a 2022.

Segundo Thallita de Oliveira, assessora política do Inesc e membro do Grupo de Trabalho sobre Pobreza, Fome e Desigualdades da Agenda 227, a escassez de recursos para a área deixou reflexos para a atualidade. “Os dados mostram como a educação infantil foi desconsiderada pela gestão federal anterior, decisão que tem impactos na efetivação dos direitos humanos ainda hoje. Na gestão atual, vemos que a educação infantil volta a ser uma preocupação do governo federal porque o montante executado diz respeito a uma decisão de realocar investimentos para a retomada de obras de creches e escolas de educação infantil, que ficaram paradas em anos anteriores, dado que o orçamento é anual. Mas além das obras, é preciso garantir qualidade para o atendimento adequado às crianças nesta etapa da educação”, avalia.

O levantamento teve por objetivo analisar a destinação orçamentária para políticas públicas que alcançam a primeira infância. No entanto, tais verbas são direcionadas a essa parcela da população de maneira descentralizada, distribuídas em diversas pastas, programas e ações que não são específicas para esse grupo. Os dados mostram que, diferente da área de educação infantil, houve desidratação para outras políticas que alcançam essa parcela da população.

É o caso do único programa orçamentário federal direcionado para crianças intitulado: Atenção Integral à Primeira Infância (5024) previsto no Plano Plurianual (PPA) vigente, que diz respeito apenas ao programa Criança Feliz, de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, que teve redução de 38,9% em recursos disponíveis autorizados no primeiro semestre de 2023 em relação ao mesmo período de 2022. De janeiro a junho deste ano, foram autorizados R$ 276,1 milhões para o programa, enquanto no primeiro semestre de 2022 foram R$ 451,3 milhões. “Essa redução não é necessariamente negativa, dado que o Criança Feliz é um programa com diversos gargalos e cuja eficácia e eficiência precisam ser avaliadas, de modo a fornecer subsídios para elaboração, com participação social, de um novo programa de Estado que tenha como foco, de fato, a promoção de desenvolvimento e erradicação das desigualdades entre as crianças na primeira infância” , analisa Thallita.

Cabe destacar que, segundo Balanço do Orçamento Geral da União feito pelo Inesc, em 2012 havia 30 ações na área de assistência direcionadas especificamente para a população infanto-juvenil, número que foi reduzido quase que exclusivamente ao programa Criança Feliz em 2022, o qual está com redução expressiva de recursos.

O levantamento traz dados, ainda, de recursos destinados à política de saúde voltada a crianças, como a Rede Cegonha, que promove cuidados voltados para assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis. Em 2022 a iniciativa foi substituída pela Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami) – já revogada pelo novo governo em 2023.

Segundo análise da Agenda 227, há expressiva desidratação dos recursos voltados a esse programa desde 2019, com queda de 38% dos recursos autorizados. No primeiro semestre de 2019 o montante autorizado foi de R$ 71,2 milhões, enquanto nos primeiros seis meses de 2023 o valor é de R$ 44,2 milhões. Além disso, a execução deste programa está bem lenta em 2023 comparada com os anos anteriores. Até junho de 2023, foram gastos 9,7% do valor autorizado. Como grande parte dos recursos está relacionada a obras, a entrega delas pode ser mais demorada. Na avaliação de Thallita, é fundamental a reavaliação da distribuição e execução de recursos para essa iniciativa, com maior aporte financeiro, a fim de garantir direitos de mães e crianças. “Este programa é central para garantir um desenvolvimento saudável das crianças e prevenir a mortalidade tanto dos bebês quanto das mães”.

Ainda no campo da saúde, o levantamento aponta que para ações da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), uma das políticas mais completas voltadas à infância, para crianças até 9 anos foram gastos apenas recursos inscritos em restos a pagar . Ou seja, apesar de no primeiro semestre de 2023 a política ter registrado a melhor execução semestral desde 2019, com R$ 3,09 milhões, os valores são referentes a despesas de anos anteriores apenas. “A partir dessa política são previstas ações de formação, capacitação e pesquisa para questões relacionadas à saúde da criança, voltadas principalmente para profissionais e gestores da área. No entanto, apesar de sua importância, tal política deveria ser melhor financiada e acompanhada a fim de garantir a intersetorialidade que a iniciativa demanda, de maneira a promover, de fato, saúde e desenvolvimento para as crianças”, destaca a assessora política do Inesc e membro da Agenda 227.

A Agenda 227 tem defendido junto ao Executivo e ao Legislativo que a prioridade absoluta garantida aos direitos de crianças e adolescentes no artigo 227 da Constituição Federal esteja presente, também, em todo o processo orçamentário do governo federal, incluindo o Plano Plurianual 2024-2027 e a Lei Orçamentária Anual, que serão debatidas pelo Congresso. “Percebemos que há maior eficiência da atual gestão financeira para essa parcela da população, mas os recursos ainda seguem insuficientes para as demandas. A garantia de direitos da infância e adolescência passa por destinação de verbas para políticas públicas que atendam às necessidades dessa parcela da população, de maneira transversal, multissetorial e equitativa. É fundamental que o governo seja capaz de olhar com especificidade as demandas da primeira infância, com financiamento de políticas específicas, mas também garanta que a vivência das crianças continue sendo de acesso aos direitos em todas as etapas etárias de suas vidas.”, avalia Thallita de Oliveira.

Sobre a Agenda 227

A Agenda 227 é um movimento apartidário e plural que defende que a atuação do governo federal se baseie na prioridade absoluta dos direitos das crianças e dos adolescentes, como caminho para construir um país mais justo, próspero e sustentável. A iniciativa é integrada por mais de 400 entidades da sociedade civil e coordenada pelas organizações Aliança Nacional LGBTI+; ANDI – Comunicação e Direitos; Centro de Referências em Educação Integral; Childhood Brasil; Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças; Coalizão pela Socioeducação; Escola de Gente – Comunicação em Inclusão; Fundação Bernard van Leer; Fundação FEAC; Fundação José Luiz Egydio Setúbal; Fundação Maria Cecília Souto Vidigal; Geledés – Instituto da Mulher Negra; Instituto Alana; Instituto Clima e Sociedade (iCS); Instituto Liberta; Instituto Rodrigo Mendes; Rede-In – Rede Brasileira de Inclusão; RNPI – Rede Nacional Primeira Infância; e United Way. Conta também com o apoio do Itaú Social e do Unicef.

Seminário aponta urgência da reforma tributária para reduzir desigualdades

O economista americano Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2001 e professor da Universidade Columbia (EUA), afirmou que a aprovação da reforma tributária no Brasil é uma questão urgente: “Primeiro, porque as previsões futuras da economia global não são favoráveis e, além disso, existe uma necessidade igualmente urgente para a transição verde como resposta às mudanças climáticas”. Nesses dois cenários, segundo ele, a Justiça Fiscal seria capaz de amenizar os efeitos negativos. “Se o Brasil não aprovar agora sua reforma, vocês serão duplamente prejudicados.”

A constatação foi feita durante o “Seminário Tributação e Desigualdades no Sul Global: Diálogos sobre Justiça Fiscal”, promovido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e pela Oxfam Brasil na última terça-feira (12/09), em Brasília. Além de Joseph Stiglitz, participaram das discussões Martín Guzmán, ex-ministro da Fazenda da Argentina; Bernard Appy, atual secretário extraordinário da Reforma Tributária do governo Lula, e Benilda Brito, conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável (CDESS).

Foto: Aurélio Pereira/Ciclovídeos

Na palestra inaugural, o Nobel da Economia explicou que um sistema tributário com distorções reflete uma falha na democracia e que, diante da importância desta reforma, é preciso que a sociedade civil vá para as ruas a fim de contrabalancear o desejo dos super-ricos em manter seus privilégios fiscais. “A voz das pessoas mais simples e comuns precisa ser ouvida. E para que isso aconteça, as pessoas devem se mobilizar, numa ação coletiva entre os cidadãos, de forma voluntária”, disse.

Por diversas vezes, Stiglitz enfatizou o quanto o Brasil tem a chance de ser um exemplo para os outros países. “Vocês são a maior democracia entre os emergentes, possuem um papel relevante nas questões climáticas globais, o que também dá a vocês um papel importante na economia global.” Quando perguntado sobre a Amazônia, o economista falou da necessidade do mundo oferecer dinheiro para a proteção da floresta e preservação da biodiversidade: “Os países que oferecem serviços ecológicos devem ser compensados. Outro ponto é dar força aos movimentos globais em defesa dos direitos de povos indígenas. É curioso que a Europa e os EUA defendam o direito à terra, mas não falam nada quando são eles que roubam essa terra”.

Tributação do consumo 

O secretário extraordinário da Reforma Tributária do governo Lula, Bernard Appy, explicou que o princípio da atual proposta é chegar a um sistema tributário mais justo e eficiente e explicou as razões de ter iniciado as mudanças pela tributação do consumo. “As discussões sobre esse tema já estavam avançadas no Congresso Nacional, mas a razão principal de começar a reforma pelo setor de bens e serviços visa corrigir uma das maiores distorções existentes.”

Segundo Appy, o Brasil hoje tributa mais o consumo dos pobres do que o consumo dos ricos. Isso porque a população de menor renda adquire mais mercadorias, cuja carga de impostos é maior se comparada à de serviços – um setor que, por sua vez, é mais consumido por pessoas ricas. “A reforma tributária busca reduzir essa distorção. Ela não vai eliminá-la totalmente, pois o Congresso fez algumas alterações no projeto, mas será capaz de reduzir um pouco essa desigualdade”, disse.

Appy também lembrou que o texto favorece os estados menos desenvolvidos do Brasil, onde reside a população mais pobre, o que vai gerar melhor justiça social ao País. “Além disso, esperamos que a medida cause um crescimento na economia brasileira. O Ministério fala em R$ 400 bilhões a mais de receita para que os governos federal, estadual e municipal possam fazer políticas públicas”, estimou.

Já estamos nas ruas

Foto: Foto: Aurélio Pereira/Ciclovídeos

Benilda Brito entrou no debate ecoando parte da fala de Stiglitz sobre a importância de dar voz às populações na base da pirâmide social, especialmente, as mulheres negras. “Já estamos nas ruas, Stiglitz.” Ela defendeu um regime tributário que apoie mulheres e seus empreendimentos e citou estudos que reforçam o impacto positivo dos negócios liderados por mulheres.

“É urgente uma reforma que mexa na régua da desigualdade. A cada 23 minutos, um negro é tombado no Brasil. A gente monitora e se mobiliza, mas é importante calcular o preço da desigualdade. Quanto custa um feminicídio? Talvez, olhando os números, a gente consiga sensibilizar o poder público pelo seu impacto na economia. Apostar na diversidade também é lucrativo, pois um país desigual desperdiça talentos”, pontuou Benilda.

Na segunda etapa do debate, Benilda enfatizou que espera mais do presidente Lula no processo de construção da reforma tributária. Criticou a tendência do País em aprovar uma reforma tímida, exemplificada pelo representante do Ministério da Fazenda, Rodrigo Octávio Orair. Ele reconheceu ter sido doloroso ver a aprovação de parte da reforma de modo híbrido, incapaz de garantir reivindicações históricas dos movimentos sociais.

Caso da Argentina

A comparação do Brasil com os países do Sul Global foi um dos temas abordados pelo ex-ministro argentino Martín Guzmán. Ele lembrou que o processo de taxação dos mais ricos na Argentina foi implementado em três semanas no início de 2019. Também defendeu a importância de uma taxação progressiva para a recuperação dos estados. “No sistema de cobrança regressiva, os estados enfraquecem, favorecendo os mais ricos.”

Para Guzmán, o Brasil não deve temer o risco de migração de recursos do País após a taxação dos mais ricos. “Esse argumento é um lobby”, disse. “O principal desafio não é evitar a migração fiscal, mas a tributação nos paraísos fiscais”, aposta Guzmán. Joseph Stiglitz, por sua vez, acrescentou: “A Argentina provou que é possível impor uma alíquota mínima de imposto aos mais ricos”.

Câmara ensaia afrouxar financiamento de candidaturas de pessoas negras

Esta semana, está em votação no Congresso Nacional proposta de “minirreforma” eleitoral relâmpago, que ataca importantes conquistas consubstanciadas por legislações e jurisprudência anteriores, criadas para melhorar a qualidade de nossa democracia. As modificações catastróficas estão dispostas em projetos de lei, alterações no Código Eleitoral e, até, em Proposta de Emenda à Constituição.

A movimentação no Parlamento tem como motivação principal evitar sanções aos partidos que não preencheram a cota de candidaturas para mulheres e pessoas negras nas eleições de 2022. O Inesc avalia que a “anistia” é um grande retrocesso para as medidas que buscam solucionar a subrrepresentação feminina e da população negra na política institucional, e, sobretudo, para a instituição de uma democracia de fato representativa.

O Congresso Nacional já havia perdoado os partidos, em 2022, pelo descumprimento da cota de gênero nas eleições de 2018 e 2020 , o que impediu o TSE de determinar a devolução de dezenas de milhões de reais aos cofres públicos. Acreditamos que uma nova sinalização de anistia, tal e como estão propondo, gera a certeza de impunidade nos partidos, pois o não cumprimento das determinações legais poderão sempre encontrar amparo em medidas do Parlamento que afrouxem a aplicação das normas.

Causa-nos igual indignação a disposição do legislador federal em cortar os recursos de campanha destinados a candidaturas de pessoas negras, e em propor dispositivos que afetam a transparência e a punição de irregularidades cometidas por partidos.

O texto da PEC 09/23, por exemplo, pretende incluir na Constituição a previsão de que as legendas direcionem apenas 20% da verba de campanha a candidatos negros, o que representará, na prática, uma redução de mais da metade do recurso público que pessoas pretas e pardos receberiam, pois o repasse deveria ser feito em proporção ao número de candidatos negros, de acordo com análise realizada pelo jornal Folha de São Paulo. Trata-se de decisão fundamentalmente racista, que perpetua desigualdades seculares e, na prática, implica na reserva de vagas para os mesmos homens brancos de sempre.

Entre as modificações propostas por outra iniciativa, a chamada minirreforma – que tramita em um grupo de trabalho na Câmara -, também está a possibilidade de que, tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, o cumprimento das cotas para as mulheres seja válido para as federações e não mais para os partidos individualmente. Caso aprovada, a medida trará impactos negativos ao crescimento do número de cadeiras ocupadas pelas mulheres nos Legislativos, e, ainda, retira das legendas a responsabilidade de criarem ambiente favorável à representação feminina. Vale lembrar que o Brasil, hoje, ocupa a lanterna em rankings internacionais de participação das mulheres nos Legislativos.

Outro aspecto que está no centro do debate político e da realidade das candidatas é a violência política contra as mulheres. Apesar dos pequenos avanços, a redação do texto deixa desprotegidas mulheres trans e crimes cometidos por motivação lgbtfóbica, o que não condiz com as denúncias de ameaças feitas nas eleições de 2022, e que persistem transcorridos o exercício dos mandatos. Ao ignorar esses crimes de violência, o Congresso se torna conivente com as violações.

Por fim, o Inesc acredita que o estabelecimento de um percentual para o financiamento dessas candidaturas trata ainda que timidamente, de REPARAR as desigualdades impostas por uma sociedade profundamente desigual, calcada nos valores do patriarcado e marcada pelas mazelas do racismo, que perpassa as dimensões política, econômica, social e subjetiva de nossa experiência em sociedade. A sinalização do Parlamento vai na contramão dos anseios da sociedade em democratizar os espaços de decisão e consiste em medidas inconcebíveis para o enfrentamento às desigualdades sociais e raciais, nossa principal mazela.

Seminário sobre tributação e desigualdades recebe Prêmio Nobel de Economia

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e a Oxfam Brasil promovem no próximo dia 12 de setembro, em Brasília, o Seminário Tributação e Desigualdades no Sul Global: Diálogos sobre Justiça Fiscal, com a participação de Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia; Martín Guzmán, ex-ministro da Fazenda da Argentina; Bernard Appy, atual secretário extraordinário da Reforma Tributária do governo Lula, e Benilda Brito conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável (CDESS). Também participam do seminário representantes de organizações como a Coalizão Direitos Valem Mais e coletivos como o da Reforma Tributária 3S (saudável, solidária e sustentável).

O seminário, que conta com o apoio da Open Society Foundation e da Comissão Independente para a Reforma do Imposto sobre Corporações Internacionais (ICRICT, na sigla em inglês), terá mediação de Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, e será realizado no hotel Meliá Brasil 21, das 14h às 18h.

Cooperação tributária

A abertura do Seminário Tributação e Desigualdades no Sul Global: Diálogos sobre Justiça Fiscal será feita por Joseph Stiglitz, que reforçará a urgência de uma maior integração entre os países do Sul Global para juntos combaterem as desigualdades na região. Stiglitz participou recentemente da I Cúpula Ministerial para uma Tributação Global Inclusiva, Sustentável e Equitativa, realizada em Cartagena, na Colômbia, entre os dias 27 e 28 de julho, que contou com a participação de representantes de ministério da Economia de 15 países da América Latina e Caribe.

Bernard Appy abordará os desafios da reforma tributária brasileira, que está em discussão no Congresso Nacional. Guzmán dará um panorama sobre a implementação das reformas tributárias progressivas realizadas na América Latina. E Benilda Brito falará sobre os impactos do atual sistema tributário na realidade da maioria da população.

Além dos quatro painelistas, o seminário contará ainda com especialistas sobre o tema da justiça fiscal, discutindo a importância de a reforma tributária promover o desenvolvimento sustentável no Brasil e contribuir para a redução das desigualdades raciais e de gênero no país.

Momento oportuno

“Com o seminário queremos ampliar a reflexão sobre a importância das políticas tributárias justas, inclusivas, antirracistas, feministas e sustentáveis”, afirma Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. “Este evento acontece num momento bastante oportuno, em razão de o Brasil e outros países estarem discutindo suas políticas públicas de arrecadação”, acrescenta José Antônio Moroni, integrante do Colegiado de Gestão do Inesc.

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Conheça os palestrantes

Benilda Brito – Mestre em Gestão Social, Ativista pela Educação da Rede Malala Fund e da N´Zinga Coletivo de Mulheres Negras MG. É CEO da Múcua Consultoria e Assessoria Interdisciplinar e coordenadora executiva da Plataforma DHESCA. É conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável da Presidência da República.

Bernard Appy – É secretário Extraordinário da Reforma Tributária. Economista formado pela USP, entre 2003 e 2009 foi secretário-executivo, secretário de Política Econômica e secretário de Reformas Econômico-Fiscais do Ministério da Fazenda. Neste período também foi presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil. De 2015 a 2022 foi diretor do Centro de Cidadania Fiscal, um think tank voltado ao desenvolvimento de propostas de aprimoramento do sistema tributário brasileiro. Também foi sócio e diretor da LCA Consultores e diretor da BM&FBOVESPA S.A.

Joseph E. Stiglitz – É um economista americano e professor da Universidade da Columbia. Ele também é copresidente do Grupo de Especialistas de Alto Nível sobre a Medição do Desempenho Econômico e do Progresso Social da OCDE e Economista-Chefe do Instituto Roosevelt. Stiglitz recebeu o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2001. Ele é ex-vice-presidente sênior e economista-chefe do Banco Mundial e ex-presidente do Conselho de Consultores Econômicos dos Estados Unidos. Em 2000, Stiglitz fundou a Initiative for Policy Dialogue, um think tank sobre desenvolvimento internacional baseado na Columbia University. Ele foi nomeado pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Conhecido por seu trabalho pioneiro em informação assimétrica, a pesquisa de Stiglitz concentra-se na distribuição de renda, mudança climática, governança corporativa, políticas públicas, macroeconomia e globalização. Ele é autor de vários livros, incluindo, mais recentemente, People, Power, and Profits, Rewriting the Rules of the European Economy e Globalization and Its Discontents Revisited.

Martín Guzmán – Atuou como Ministro da Economia da República da Argentina (dezembro de 2019 a julho de 2022). Ele é um dos principais especialistas globais nas áreas de dívida soberana e resolução de crises de dívida. Sua pesquisa se concentra no surgimento, propagação e resolução de desequilíbrios macroeconômicos, economia monetária e desenvolvimento econômico, tendo sido publicada nas principais revistas e livros internacionais. Ele também é Comissário da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional (ICRICT).

Relatório Transparência: Análise sobre os dados da educação nos portais de transparência das unidades federativas

Relatório do Inesc sobre a qualidade das informações relacionadas à execução orçamentária para a educação disponíveis nos portais estaduais de transparência, com base nas diretrizes da Lei de Acesso à Informação ou Lei da Transparência (12.527/2011).

Estudo revela que países do G20 gastaram US$ 1,4 trilhão para apoiar combustíveis fósseis em 2022

A pouco mais de três semanas da realização da próxima Cúpula de Líderes do G20, em 9 e 10 de setembro, um grupo de organizações internacionais divulgou nesta quarta-feira (23) um estudo mostrando que, só no ano passado, os países do G20 gastaram US$ 1,4 trilhão para apoiar combustíveis fósseis. 

Segundo o documento “Fanning the Flames: G20”, a cifra já é considerada o valor mais alto da história e inclui subsídios a combustíveis fósseis (US$ 1 trilhão), investimentos de empresas estatais (US$ 322 bilhões) e empréstimos de instituições financeiras públicas (US$ 50 bilhões). 

“É mais do que o dobro dos níveis pré-COVID-19 e pré-crise energética de 2019”, informa o texto assinado pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD) e instituições parceiras de diversos países, sendo no Brasil, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).  

Se o dinheiro público não estivesse financiando benefícios fiscais às petroleiras e demais participantes da cadeia do carvão, petróleo e gás, os membros do G20 não só ganhariam US$ 1,4 trilhão, como também poderiam receber US$ 1 trilhão adicionalmente por ano ao taxar esse segmento cobrando entre US$ 25 a 50 para cada tonelada de CO2 emitida na atmosfera. Esses recursos poderiam ajudar a resolver alguns dos problemas globais mais urgentes, como o combate à fome, por exemplo. Acesse aqui os principais dados do estudo (em inglês). 

Livi Gerbase, assessora política do Inesc, destacou o papel dos subsídios aos combustíveis na contribuição  para a crise climática. “Reduzir artificialmente o preço dos combustíveis fósseis com subsídios não apenas incentiva sua queima, intensificando as crises climáticas como ondas de calor, incêndios florestais, chuvas intensas, como também atrasa o desenvolvimento de outras matrizes energéticas limpas”, explicou Livi.


Subsídios aos fósseis no Brasil

 

Livi Gerbase, assessora política do Inesc

A assessora do Inesc ainda alertou que o fomento aos combustíveis fósseis no Brasil alcançou R$ 118,2 bilhões em 2021, um valor próximo ao registrado no ano anterior. Para 2022, a expectativa é que a quantia seja maior, pois foram zeradas as alíquotas do PIS, da Cofins, do PIS-Importação e da Cofins importação sobre combustíveis fósseis.

Durante o webinar, foi levantada a questão de que o Brasil aparece na história como um país que aumentou drasticamente sua capacidade solar e eólica. 

De acordo com Livi Gerbase, o Brasil está se empenhando na expansão das energias renováveis, organizando-se para apoiar a produção eólica offshore (alto mar), e relançando programas para biomassa. Também está incentivando a transição do diesel para as energias renováveis na Amazônia e em outros sistemas isolados. 

“Mas precisamos ser cautelosos. Essa expansão não deve se tornar uma desculpa para violar os direitos humanos para fornecer energia aos países ricos, o que está sendo projetado para ser o caso. O Brasil deve usar a expansão de suas energias renováveis para permitir a descarbonização e a limpeza de sua própria matriz energética e para reduzir a emissão de combustíveis fósseis em nível global. Nesse sentido, a expansão do apoio governamental às energias renováveis deve ser acompanhada da avaliação dos subsídios aos combustíveis fósseis, visando à sua redução”, salientou.

Recomendações ao G20

Os autores do estudo recomendam que os membros do G20 estabeleçam um prazo claro para eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis — 2025, para países desenvolvidos; e até 2030, para economias emergentes — caso queiram cumprir o compromisso assumido em 2009 de reformar os subsídios. 

Além disso, o G20 deveria deixar de usar o qualificador “ineficiente” para subsídios. Essa classificação deveria ser substituída pela indicação de casos excepcionais nos quais subsídios podem ser considerados justificáveis – por exemplo, se forem essenciais para o acesso à energia – e melhoria no direcionamento desses subsídios para incluir as pessoas que realmente precisam deles. O estudo também recomenda aos países ricos, que historicamente e atualmente contribuem mais para a crise climática que os países em desenvolvimento, tenham metas mais ambiciosas de descarbonização.

Recursos bem aplicados 

Especialistas observaram que transferir menos de um quarto dos US$ 2,4 trilhões gerados pela reforma nas políticas de subsídios e com a tributação do carbono poderia ajudar a fechar a lacuna de investimento em energia eólica e solar — US$ 450 bilhões por ano até 2030. Isso limitaria o aumento da temperatura global a 1,5°C, com o apoio público aproveitando fundos adicionais de investidores privados.

Os recursos também poderiam ser usados para ajudar a acabar com a fome no mundo (US$ 33 bilhões/ano), fornecendo acesso universal à eletricidade e à culinária limpa em todo o mundo, de forma alinhada com emissões líquidas zero (US$ 36 bilhões/ano). Isso significa fechar a lacuna de financiamento climático que os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar para as nações em desenvolvimento (US$ 17 bilhões/ano).

“A remoção dos subsídios salvaria milhares de vidas ao reduzir a poluição do ar relacionada a combustíveis fósseis, responsável por mais de cinco milhões de mortes por ano nos membros do G20. Isso representa uma em cada cinco mortes em todo o mundo”, contabiliza a análise.

O estudo enfatiza o papel ativo que precisa ser desempenhado pelas empresas estatais – que dominam o cenário energético em muitos países membros do G20 – e pelas instituições financeiras públicas, que concedem empréstimos consideráveis para projetos de energia fóssil. Os governos devem, em particular, estabelecer um prazo para que essas instituições estatais criem roteiros ambiciosos de zero emissões líquidas que lhes permitam diversificar seus negócios e carteiras de empréstimos. Isso evitaria os riscos inerentes aos investimentos contínuos em combustíveis fósseis, como ativos perdidos.

“Com as empresas de combustíveis fósseis obtendo lucros recordes em meio à crise energética do ano passado, há pouco incentivo para que elas mudem seus modelos de negócios de acordo com o que é necessário para limitar o aquecimento global. Mas os governos têm o poder de empurrá-los na direção certa”, lamentou Tara Laan, analista sênior do IISD. 

Nota de pesar – Justiça por Bernadete Pacífico! 

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) vem a público manifestar o nosso pesar e nossa profunda indignação pelo assassinato de Bernadete Pacífico, liderança quilombola de Pitanga dos Palmares, brutalmente assassinada na noite de ontem (17/8). O quilombo se localiza no município de Simões Filho, na Bahia. 

Dona Bernadete era coordenadora nacional da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas), e lutava pelos direitos de sua comunidade e por justiça para seu filho Binho, também assassinado em 2017. 

A Equipe do Inesc envia respeitosamente seus pesares à família, aos seus amigos e companheiros de luta da vítima, e exige que os poderes públicos façam seu papel na investigação e punição dos criminosos responsáveis por este crime brutal.  

Justiça por Bernadete Pacífico! 

Energias renováveis: Inesc contribui com formação para assentamentos da reforma agrária

O Nordeste brasileiro é vasto em potencial para a geração de energia renovável. Abundante em sol e ventos, a região tem chamado a atenção para a instalação de parques fotovoltaicos e eólicos. Propriedade rurais, como os assentamentos da reforma agrária, se tornaram estratégicos no percurso rumo a transição energética. 

“Mas quando falamos em transição energética não nos referimos somente a substituição de fontes, mas precisamos levar em consideração o contexto social e ambiental. Quando olhamos para toda energia renovável que é gerada no Nordeste encontramos várias peculiaridades, como desrespeito a direitos básicos de comunidades que vivem em torno desses grandes parques. Esse processo, do jeito que está sendo feito, está perpetuando a lógica mercantilista. Energia renovável sim, mas não assim”, alerta Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) para o tema de Energia. 

A fala ocorreu durante o primeiro Seminário sobre Energias Renováveis realizado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Carvalho foi um dos especialistas convidados para debater os benefícios e os impactos que a instalação desses empreendimentos podem gerar em assentamentos da reforma agrária. 

Energia para quem? 

De acordo com o pesquisador, a distribuição de toda a energia produzida no Nordeste brasileiro, sobretudo nos parques eólicos e fotovoltaicos centralizados, está em desalinho. “Quando analisamos os últimos leilões da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), em média, apenas 30% da energia gerada fica para os pequenos consumidores, ou Ambiente de Contratação Regulada, que são as famílias, pequenos estabelecimentos. Os outros 70% vão para o que chamamos de mercado livre, ou seja, os grandes consumidores de energia elétrica. Não bastasse, os grandes pagam uma tarifa muito mais barata que os pequenos consumidores, o que envolve a isenção de alguns subsídios para esses consumidores presentes no mercado livre. Assim, nos deparamos com um modelo centralizado, que sustenta uma estrutura injusta”, pontua.  

Neste sentido, Cássio Carvalho destaca que o Movimento está em uma fase em que ainda é possível definir qual é o modelo de energia limpa que os assentamentos podem construir. “Existem outras possibilidades que não os centralizados, como as cooperativas e associações, que fortalecem o modelo de geração distribuída, por exemplo. Elas são respaldadas pelo Marco da Mini e Micro Geração Distribuída”, explica.  

Transição energética com justiça social e climática

Para o assessor político do Inesc, a Geração Distribuída (GD) para assentamentos é um modelo necessário para que haja uma transição energética com justiça social e climática. Além de gerar energia sem emissões de gases poluentes causadores das mudanças climáticas, ele garante soberania às comunidades envolvidas.  

Foto: Carla Batista

Conforme relata Josiane Lima dos Santos, da coordenação política de Energias Renováveis do MST, a Geração Distribuída fortalece dois aspectos: a autonomia energética, seja para a produção ou para o consumo das moradias; e a renda, que é obtida a partir da redução do custo produtivo, uma vez que nesse modelo há a diminuição do preço da energia consumida. 

“Além disso, a GD contribui para o desenvolvimento dos assentamentos como espaço de bem-viver, que leva em consideração a saúde, a educação, as relações humanas e a cultura. E o modelo descentralizado compactua com a cooperação na geração de energia para o consumo, para a produção e para os espaços comunitários, como escolas, postos de saúde, indústria e centros culturais”. 

PL 3266/2021

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 3266 de 2021. Ele autoriza a exploração de energia eólica, solar, hídrica e bioenergia em assentamentos da reforma agrária. Já aprovado no Senado, agora, o PL tramita na Câmara dos Deputados. 

O texto prevê, dentre outros pontos, a limitação da área explorada com energia renovável a 30% do imóvel. Também determina que a geração deve ocorrer de forma complementar ao cultivo da terra. A geração pode ser feita diretamente pelo assentamento ou por meio de contrato com terceiros. 

O Inesc, em parceria com a iniciativa Nordeste Potência, está analisando contratos de exploração de energia renovável em comunidades no Nordeste para verificar até que ponto esses contratos estão ou não infringindo direitos das comunidades envolvidas. Além disso, o Instituto também acompanha a tramitação do PL. 

Diálogos Amazônicos: Inesc reforça debates sobre direitos socioambientais

Com parte da programação do Diálogos Amazônicos, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) participará de duas atividades que ocorrerão nesta semana durante o Diálogos Amazônicos em Belém (PA). 

A primeira delas será promovida pelo Grupo Carta de Belém no próximo sábado (5) para debater o papel dos governos progressistas da Pan-Amazônia na construção da justiça climática. 

O objetivo é traçar estratégias populares na construção de uma agenda por uma justiça climática que seja reparativa, restaurativa e alinhada aos povos que vivem na Amazônia. Além disso, as discussões levarão em conta a perspectiva de gênero e o combate ao racismo ambiental. Tudo isso no contexto de retomada democrática. 

Impactos de megaprojetos na Amazônia

A segunda atividade ocorrerá no domingo (6) e promoverá um diálogo sobre a trajetória histórica de grandes obras de infraestrutura na Amazônia nos setores de transportes e energia. Além disso, serão discutidas estratégias pautadas na manutenção da infraestrutura da natureza, no fortalecimento da governança territorial e no apoio a cadeias produtivas da sociobiodiversidade.  

A ação é puxada pelo Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e conta com o apoio de diversos parceiros.  

Cúpula da Amazônia 

O evento Diálogos Amazônicos ocorrerá em Belém (PA) de 4 a 6 de agosto, é organizado pela Secretaria-Geral da Presidência da República e antecede a Cúpula da Amazônia, que reunirá Chefes de Estado de países da América do Sul para debater questões ambientais a nível global.

Estudos internacionais destacam a necessidade de reduzir subsídios aos combustíveis fósseis

Com o objetivo de fortalecer os debates sobre transição energética em âmbito internacional, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) apoiou estudos que incidem diretamente nas Nações Unidas e no G20. 

O artigo “Financiamento de uma transição energética justa através da reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis” (tradução livre do inglês) foi lançado no âmbito do Think20 (T20). Este é o grupo de engajamento oficial do G20 que reúne os principais centros de pesquisa em todo o mundo. Ele serve como o ‘banco de ideias’ do G20 e visa fornecer recomendações de políticas baseadas em pesquisa aos líderes do grupo. O documento discute desafios e oportunidades para avançar o progresso da reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis, incluindo desafios específicos no Sul Global.

Em 2009, o G20 comprometeu-se a eliminar gradualmente e a racionalizar os subsídios aos combustíveis fósseis a médio prazo, porém nos últimos anos o valor dos subsídios globalmente foi na direção oposta. Por isso, a reforma do apoio público aos fósseis é crucial para nivelar as condições de concorrência das energias renováveis e criar sistemas energéticos sustentáveis que protejam os consumidores da volatilidade dos preços desses geradores de energia. 

Recomendações ao G20

O estudo, desenvolvido por pesquisadores da Europa, Índia e Brasil, destaca a necessidade de os governos do G20 reforçarem seus compromissos em prol de uma transição energética justiça social e climática. Dentre as recomendações, estão: 

– redirecionar os subsídios aos combustíveis fósseis para a proteção social e às energias limpas;

– prestar contas de todo o apoio financeiro público aos combustíveis fósseis, incluindo os investimentos de empresas estatais e políticas de crédito;

– comprometer-se a relatar anualmente todo o apoio aos combustíveis fósseis sob o indicador 12.c.1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)s, de forma abrangente;

– estabelecer e implementar um calendário para a reforma aos subsídios aos combustíveis fósseis. 

Clique aqui para acessar o artigo (em inglês)

Global Stocktake

Publicado no âmbito do Global Stocktake da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), relatório do Programa de Energia do Instituto Internacional de Desenvolvimento Sustentável (IISD, na sigla em inglês), avalia o progresso dos países para alcançar as metas do Acordo de Paris. O estudo também contou com a colaboração do Inesc. 

O destaque é para o andamento global referente a mudança dos fluxos de financiamento público de combustíveis fósseis para energia limpa. 

Contatou-se que os subsídios aos fósseis continuam a aumentar desde 2015. Em 2022, ultrapassaram US$ 1 trilhão pela primeira vez. 

Recomendações à ONU

Para superar os desafios e direcionar os fluxos financeiros à energia limpa, o estudo sugere aos países recomendações, como: 

– melhorar a transparência;

– melhorar a responsabilização pelos compromissos assumidos em âmbito mundial, no sentido de transferir aporte público dos combustíveis fósseis para energias limpas;

– ter um bom planejamento nacional para transição energética. 

O Global Stocktake é um componente fundamental para monitorar a implementação e avaliar o progresso coletivo feito no alcance das metas do Acordo de Paris. O primeiro processo Global Stocktake da UNFCCC será concluído no final deste ano, durante a COP28 em Dubai. 

Clique aqui para acessar o relatório completo (em inglês)

Chegou a hora de redistribuir o bolo da riqueza na América Latina, alerta sociedade civil

Ministros da Economia e representantes de governos de pelo menos 15 países da América Latina e Caribe, representando 90% da população da região, estão reunidos em Cartagena, na Colômbia, nos dias 27 e 28 de julho na Primeira Reunião Ministerial para uma “Tributação Global Inclusiva, Sustentável e Equitativa”.

A reunião tem como coanfitriões a Colômbia, Chile e Brasil, que convidaram toda a região para se juntar à articulação e definir conjuntamente um futuro tributário mais justo. As delegações de Colômbia e Chile serão lideradas pelos seus respectivos ministros da Fazenda, Ricardo Bonilla e Mario Marcel. O Brasil será representado por Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda brasileiro.

Nathalie Beghin, do nosso colegiado de gestão, e Livi Gerbase, nossa assessora política, participam do evento. Elas explicam que os sistemas tributários dos países da América Latina são um dos principais culpados pela assombrosa desigualdade na região. “O caráter regressivo das normas favorecem os mais ricos. Solucionar esta questão envolve reformar os sistemas tributários, e garantir mecanismos de participação social nas tomadas de decisão”, defendem.

Manifestação

“Pacto fiscal já!”. No dia 26/7,  véspera do início da cúpula ministerial, representantes de mais de 50 entidades da sociedade civil da América Latina e Caribe fizeram um ato público no centro histórico de Cartagena, com uma instalação na frente da emblemática Torre del Reloj. As (os) ativistas exigiam de seus governantes “redistribuir o bolo da riqueza”, já que os “10% mais ricos acumulam 77% de toda a riqueza da região”.

Recomendações da sociedade civil

As organizações também produziram um manifesto a ser entregue aos ministros com recomendações para as reformas tributárias em curso na região, a saber:

  1. Incorporar o cumprimento dos direitos humanos e das obrigações ambientais como princípios gerais para orientar e informar a tomada de decisões tributárias;
  2. Promover a progressividade e a equidade nos sistemas tributários da região;
  3. Promover reformas na tributação das empresas, especialmente das empresas multinacionais, que considerem e protejam os interesses da região;
  4. Adotar medidas para aumentar a transparência fiscal;
  5. Promover impostos que visem a proteção do meio ambiente, especialmente no que diz respeito à transição energética e à resposta à crise climática;
  6. Rever os benefícios fiscais com critérios de transparência e equidade, eliminando privilégios e dando prioridade aos benefícios que geram crescimento inclusivo, desenvolvimento sustentável e justiça social;
  7. Promover uma governança fiscal global verdadeiramente inclusiva que respeite a soberania nacional;
  8. Integrar a dimensão de gênero na política tributária;
  9. Descolonizar as normas internacionais de tributação e transparência;
  10. Assegurar a participação efetiva da sociedade civil na nova Plataforma.

Sobre este último ponto, Nathalie Beghin escreveu em artigo para o site Nexo, sobre os mecanismos formais de participação social – importantes para trazer à reflexão as vozes e demandas das pessoas mais afetadas por sistemas tributários injustos.

>>> Conheça a íntegra do manifesto em português e apoie a iniciativa.

33 anos do Estatuto da Criança e Adolescente

O dia 13 de julho de 1990 marca uma conquista da infância, da adolescência e de toda sociedade brasileira: a regulamentação dos direitos de meninas e meninos por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei 8.069/1990). A partir desta data, passa a ter prioridade absoluta a elaboração e execução de políticas públicas para a proteção integral de crianças e adolescentes, reforçando que o cuidado deste grupo é dever de todos e todas.

Ao completar 33 anos, nossas atenções voltam-se ao artigo 4º desta legislação que, entre outros, assegura o direito à convivência familiar e comunitária. Isso nos faz pensar nas dimensões de interdependência e interrelação dos direitos das crianças e adolescentes que impõem urgência às políticas de mobilidade urbana, acesso à moradia, acesso à terra e à políticas que contribuam para permanência no campo e na floresta, de modo que cada criança e adolescente consiga, com segurança, ocupar e movimentar-se em seu território, e ainda antes, possuir um lar.

No vídeo que preparamos para esta ocasião mais que especial, a “Cidade dos Sonhos”, descrita pela Jovem Ana Lívia, participante da elaboração do Mapa das Desigualdades, produzido pelo Inesc em parceria com a Oxfam Brasil, nos leva à reflexão de como o orçamento público pode torná-la possível.

De acordo com o relatório: O Financiamento da Primeira Infância no Orçamento Federal, a dotação orçamentária da União destinada para crianças de 0 a 6 anos aumentou 28,1% em 2023 em comparação a 2022. Após anos de redução orçamentária, desmonte de políticas e violações, esse dado pode sinalizar uma retomada de ações voltadas à proteção e cuidado das crianças, no entanto, é necessário que se amplie o orçamento público destinado a todas as crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, de forma a garantir que todas as meninas, meninos e menines tenham seus direitos à habitação de qualidade e de ir e vir garantidos, ocupando e usufruindo de seus territórios.

A cidade dos sonhos da Ana Lívia e demais jovens e adolescentes que participam do Mapa das Desigualdades, Malala ou Onda – iniciativas realizadas pelo Inesc, demanda (a nossa) participação popular nas decisões. Da presença no PPA, à pressão por uma reforma tributária que garanta justiça fiscal e redução significativa das desigualdades no nosso país!

Posicionamento do Inesc sobre a aprovação da reforma tributária

A reforma tributária foi aprovada na Câmara dos Deputados na madrugada desta sexta-feira (7/7) e o Inesc apoia sua aprovação, ainda que com ressalvas. Agora, a proposta segue para apreciação do Senado.

Por um lado, esta reforma traz a simplificação dos impostos indiretos e a não cumulatividade do sistema tributário brasileiro, o que é positivo para a economia, apesar de os 10 anos de transição nos alertarem que ainda vai demorar para nosso sistema tributário ser, na prática, simples. Também foram feitos pequenos, mas importantes, avanços em prol da equidade e progressividade, como a revisão do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), a melhora na regulamentação do imposto sobre herança (ITCMD) e a ampliação das hipóteses de incidência do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), de modo a contemplar a propriedade de veículos aquáticos e aéreos.

Cesta básicas e produtos de higiene menstrual

Por outro lado, ainda temos muito o que melhorar. Como a discussão no Congresso se arrastou nos últimos dias que precederam a votação, o número de produtos e serviços que podem ser alvo de incentivos fiscais aumentou – lembrando que hoje são quase R$ 500 bilhões anuais em incentivos fiscais, só da União. Enquanto a inclusão da Cesta Básica e de produtos de cuidado menstrual é favorável ao combate a desigualdades, “alimentos” do agronegócio e ultraprocessados também serão contemplados com incentivos, o que é uma afronta ao Guia da Alimentação Saudável, do Ministério da Saúde. A falta de diretrizes de como será o modelo de cashback (devolução de parte da cobrança de impostos) também é muito preocupante no atual texto da reforma.  

Por último, a reforma tributária aprovada é insuficiente para combater as desigualdades estruturais do nosso sistema tributário, pois não apresenta propostas para melhorar a progressividade dos impostos sobre a renda e o patrimônio. Isso significa que mesmo após a aprovação da emenda constitucional, as pessoas mais pobres, negras, mulheres, continuarão sendo os mais prejudicados pelo sistema tributário. Ainda precisamos aumentar a tributação sobre a renda e patrimônio e diminuir a do consumo, regulamentando o imposto sobre grandes fortunas e instituindo imposto sobre dividendos, entre outras modificações. Felizmente, o Poder Executivo deverá encaminhar ao Congresso Nacional, em até 180 dias após a promulgação da Reforma, projeto de lei que reforme a tributação da renda.

Reforma Tributária 3S

Como parte da Reforma Tributária Solidária, Saudável e Sustentável (Reforma 3S), um grupo de organizações da sociedade civil que se uniu para incidir junto ao Congresso Nacional, trabalhamos nos últimos meses, e mais intensamente nos últimos dias, para garantir que a nova política tributária contribua  para combater as desigualdades, como mencionou Cida Bento, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo. Nossas propostas e como elas se relacionam com a reforma tributária estão na nota elaborada por Inesc e Oxfam. Algumas de nossas demandas foram incorporadas no texto aprovado na Câmara, como a maior menção à proteção ambiental, a isenção total da Cesta Básica Nacional, a não inclusão da Lei que adicionava muitos agrotóxicos na lista de incentivos fiscais e a inclusão de produtos de cuidado menstrual na lista de isenções.

Ainda temos muito trabalho pela frente, que se inicia com o debate no Senado. Precisamos atuar para não perder as conquistas obtidas na Câmara e avançar na definição da lista de itens que compõem a Cesta Básica Nacional e no modelo de cashback. Além de tudo, precisamos ficar alertas e pressionar o Congresso para que  a Reforma priorize a redução de desigualdades e não pare nesta primeira fase, aprovando alterações que tornem nosso sistema tributário efetivamente progressivo e mais justo.

Subsídios aos fósseis: Inesc apresenta caso brasileiro em seminário internacional

Financiamento para uma transição energética justa por meio da reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis. Este foi o tema do Painel C20, seminário internacional promovido pelo Instituto Internacional de Desenvolvimento Sustentável (IISD, na sigla em inglês) e parceiros no âmbito do C20, grupo de engajamento de organizações da sociedade civil junto ao G20. O objetivo do evento foi debater os desafios e as oportunidades da reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis para diferentes membros do G20. 

Na oportunidade, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) foi convidado para apresentar os dados do Brasil sobre incentivos aos combustíveis fósseis. Há mais de cinco anos, o Instituto lança anualmente um balanço com os principais subsídios. 

Subsídios aos fósseis no Brasil ultrapassa US$ 20 bi

Livi Gerbase, assessora política do Inesc, lembrou que o Brasil é um exemplo mundial de produção de energia limpa, “mas a nossa matriz energética está se tornando mais fóssil”. De acordo com ela, de uma presença de 55% de fósseis em 2012, o País saltou para 61% em 2021. “Isso está acontecendo por causa da exploração do Pré-Sal e da pressão para usar o gás fóssil na geração de energia. Nos últimos dez anos, nós dobramos a nossa produção de petróleo, mas isso não aparece totalmente na matriz porque grande parte é exportada”, sublinhou.  

Já os subsídios aos combustíveis fósseis totalizaram US$ 21,9 bilhões em 2021. Mais de US$ 13 bilhões foi dado ao consumo, enquanto a produção recebeu US$ 8,58 bilhões. “O que significa dizer que o consumo recebeu mais de 60% dos subsídios daquele ano”. Além disso, a assessora lembrou que a Petrobras registrou o maior lucro da história da empresa em 2021, US$ 19,64 bilhões. “Isso mostra que a empresa tem se orientado, nos últimos anos, para explorar o petróleo bruto o mais rápido possível para gerar bons lucros para seus acionistas. Ela não tem planos concretos de transição energética”, destacou. 

Justiça climática

Os países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, precisam de recursos financeiros para lidar com as mudanças climáticas, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover a adaptação. Mas, geralmente, não dispõem de financiamento. Os países desenvolvidos, principais responsáveis pelas emissões, se comprometeram em fornecer financiamento climático aos países em desenvolvimento, mas o apoio demora a chegar. 

A reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis poderia ajudar os países em desenvolvimento a desbloquear um grande volume de financiamento para apoiar a mitigação e a adaptação ao clima, mas isso exigirá que o financiamento deixe de ser destinado aos combustíveis fósseis e passe a ser destinado a uma transição energética justa.

No caso do Brasil, Livi Gerbase salienta que é preciso conhecer, avaliar e reformar os subsídios aos fósseis, limitar a expansão do gás natural no país, uma vez que não é necessário para a demanda energética local, além de incentivar a Petrobras a investir em energias renováveis. 

Compromisso internacional 

Em 2009, os membros do G20 se comprometeram a eliminar gradualmente e racionalizar os subsídios aos combustíveis fósseis no médio prazo. Em 2022, os subsídios aos combustíveis fósseis ainda não foram eliminados. Em vez disso, ultrapassaram, pela primeira vez, US$ 1 trilhão em todo o mundo.

O Grupo dos 20, mais conhecido como G20, é composto por ministros de finanças e chefes de bancos centrais dos 19 países com as maiores economias do planeta mais a União Europeia. O Brasil está entre os países-membros do G20, que, atualmente, é o principal fórum de cooperação econômica internacional. O C20, por sua vez, é responsável por levar às lideranças mundiais recomendações da sociedade civil sobre diferentes temas. O Brasil vai assumir a liderança do G20 para o ciclo de 2024, e deveria liderar medidas concretas para reforma nos subsídios aos fósseis em nível global e nacional. 

O webinar contou com a participação, além do Brasil, de palestrantes da Argentina, Índia, Japão e África do Sul.

R$ 42 bilhões de incentivos fiscais no Norte e Nordeste poderão ser renovados sem avaliação e critérios

Superintendências, criadas nos anos 60, para promover o desenvolvimento regional no Norte e Nordeste, garantem, até hoje, redução de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e mais 30% do valor devido para efeitos de reinvestimento. Somente no ano de 2021, esses incentivos alcançaram R$ 42 bilhões. Na liderança dos beneficiados apareceram as empresas Vale S.A e Petrobras S.A.

Os dados surgiram no novo estudo, lançado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) com base nas informações recém-divulgadas pela Receita Federal do Brasil (RFB) e que tornam público, pela primeira vez, os valores bilionários das isenções fiscais concedidas pela Sudam e Sudene. Até então, estes dados eram subestimados nos chamados Demonstrativos de Gastos Tributários (DGTs) e apresentados de forma agregada, sem que se conhecesse quais eram e quanto se beneficiava cada empresa.

Os números foram divulgados pela Receita Federal a partir da publicação da Portaria Nº 319, de maio de 2023, a qual dispõe sobre a “transparência ativa de informações relativas a incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza tributária”, concedidos a pessoas jurídicas, e compõem uma mudança na postura do Governo Federal no sentido de revisão dos subsídios.

“Cinco empresas foram responsáveis por 54% do total de R$ 42 bilhões concedidos no ano de 2021”, aponta a assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso. “Todas atuam nos setores de mineração, energia e petróleo, mostrando o quanto privilégios fiscais reforçam o padrão de exploração de recursos naturais concentrados nas duas regiões, em especial na Amazônia brasileira”, acrescenta ela.

Os dados da Receita Federal não permitem separar as renúncias concedidas pela Sudam e Sudene. A Vale S.A sozinha, para explorar as jazidas de ferro de Carajás, a maior e mais produtiva mina do mundo, recebeu incentivos fiscais da ordem de R$18 bilhões só por estar na Amazônia Legal.

Já a renúncia concedida à Petrobras S.A soma R$ 829 milhões em 2021. O Inesc destaca no relatório que as operações da Petrobras na Amazônia brasileira têm contribuído para o avanço da exploração de petróleo na foz do Amazonas, sem garantir a segurança ambiental dos impactos gerados pela exploração.

Na lista da Receita Federal das empresas beneficiadas pelos incentivos fiscais pela Sudam e Sudene estão presentes, ainda, dezenas de empresas do setor do agronegócio e da infraestrutura associadas ao escoamento de grãos, madeira e carne.

“Essa é uma realidade presente na Amazônia até hoje, com projetos aprovados de forma indiscriminada, sem transparência, sem avaliação e beneficiando todos os setores econômicos, das mineradoras gigantes (Vale S.A, Hydro Norsk, Alcoa, Mineração Rio do Norte) passando pelas grandes hidrelétricas (Norte Energia S.A/Belo Monte), pelos grandes frigoríficos e por todas as empresas do agro”, reforça Alessandra.

Embora os dados mereçam maior detalhamento em nome da transparência ativa, trata-se de um marco que poderá fortalecer as discussões sobre o sentido de tantos incentivos e quais devem ser as contrapartidas de renúncias fiscais bilionárias.

Os incentivos fiscais foram sendo prorrogados pelo Congresso Nacional, com apoio ou sem resistência dos sucessivos governos, década após década, longe do debate público e apadrinhados por políticos ligados aos grupos de interesse econômico que sempre se beneficiaram destes incentivos. Eles venceriam em 2023, mas já tramita no Congresso Nacional mais uma renovação.

Sobre a tramitação

Foi aprovado, em maio de 2023 na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL 4.416/2021), que renova por mais dez anos os incentivos fiscais para o Norte e Nordeste sem nenhuma modificação.

Agora, o Projeto segue no Senado Federal onde deve tramitar em conjunto com outras propostas similares, entre elas o Projeto de Lei 2006 de 2023 de autoria do Senador Beto Faro PT/PA. O projeto busca restringir a concessão de incentivos à projetos e “atividades econômicas compatíveis com o enfrentamento da pobreza e da concentração fundiária, com a transição para a economia de baixo carbono, com a valorização da biodiversidade e, especificamente, em linha com os compromissos do Brasil no Acordo do Clima das Nações Unidas, localizado nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), terão direito à redução de 75% (setenta e cinco por cento) do imposto sobre a renda e adicionais calculados com base no lucro da exploração”.

Histórico

Na Amazônia, os incentivos fiscais concedidos pela Sudam tiveram início em 1963 e, durante os anos 1960 e 1970, foram utilizados na propaganda dos governos militares para vender a Amazônia como um “tesouro à espera” de investidores, como uma natureza a ser “desbravada”.

Ao longo de 60 anos de sua existência, a política de incentivo fiscal estimulou indiscriminadamente setores que exploram recursos amazônicos e, em muitos casos, estiveram associados à destruição da floresta e violação de direitos humanos.

>> Clique aqui para acessar a Nota Técnica sobre Incentivos Fiscais na Amazônia<<

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