A voz de uma pessoa e sua opinião

03/09/2023, 5:55 PM (updated on 03/09/2023, 6:15 PM) | Estimated reading time: 8 min
By D.M., 18 anos
D.M participa do Projeto Onda e vive há quase 3 anos em uma unidade de internação, onde teve contato com oficinas sobre orçamento público e direitos humanos, ministradas pelo Inesc. Nesta carta, ele conta sua história e fala o que aprendeu sobre as prioridades do orçamento.

Primeiramente, estou aqui hoje para contar a minha história no mundo do ato infracional, sobre cada medida socioeducativa e orçamento público. Meu nome é D., entrei nesse mundo aos 14 anos, logo depois que minha mãe morreu. A ausência dela me fez entender que minha vida não fazia sentido algum. Comecei a usar drogas, era o único jeito de esquecer a tristeza e sofrimento que estava passando. Então, fui me envolvendo nesse mundo e acabei sendo influenciado por pessoas a cometer atos infracionais.

Logo após, fui apreendido a primeira vez, aos 15 anos. Fiquei em uma unidade de internação provisória onde estive internado por 45 dias. Neste período, não tive nenhum conhecimento ou alguma forma que me ajudasse a enxergar minha vida de um jeito melhor. Então, voltei para a mesma rotina e fui ficando mais experiente no mundo da criminalidade, cometendo atos infracionais e o crime passou a fazer parte da minha vida.

Chegou um dia em que fui apreendido por ter roubado a casa de um policial com meus colegas e acabei ingressando na medida socioeducativa, em internação restrita. Quando cheguei na unidade, em uma primeira conversa com agente, ele já foi dizendo que o tratamento era muito diferente do CESAME[1], tinha que andar na linha porque se não passava pelo “procedimento da cadeia”.

O tempo foi passando eu fui conhecendo pessoas de várias quebradas. Minha rotina era sair para o banho de sol e conversar com adolescentes sobre o crime e a rua. Às vezes íamos a escola, mas nós nunca fazíamos alguma coisa nova, sempre a mesma rotina. Chegou um certo tempo que comecei a ficar com ódio do sistema, eu estava revoltado com aquele lugar e nesse momento comecei a receber o saidão da juíza. Mas o tempo que estava na medida não tinha adiantado, só tinha me deixado mais revoltado. E voltei a cometer atos infracionais e usar drogas.

Até que fui apreendido por roubo e peguei a segunda internação, de 6 meses a 3 anos. Eu estava com 17 anos, depois de um tempo cheguei à maioridade.

Foi então que comecei a ver que a vida que estava seguindo não estava me fazendo bem,  nem a outras pessoas. Isso tava acontecendo porque a maturidade tinha começado dentro de mim, meu jeito de ver as coisas estava mudando aos poucos, assim como meus pensamentos para o futuro. Entretanto, comecei a enxergar a vida de uma forma totalmente diferente. Observando essas mudanças, comecei a entender que o sistema de alguma forma estava me ajudando.

Hoje, depois de 2 anos e 9 meses, vejo que o sistema me ajudou a pensar mais na vida e no meu futuro. Porém vejo que o sistema socioeducativo está precisando de muitas mudanças dentro das unidades. Proponho que a medida socioeducativa tem que trabalhar com cursos profissionalizantes e técnicos, dar recursos e apoio para quando os adolescentes saírem da medida terem empregos garantidos, pois ajudaria os jovens a se identificar com alguma profissão, para seguir carreira na área de trabalho. Porém, se o Brasil não começa a olhar para o social dos adolescentes e ficar apenas jogando eles dentro de uma cela, não vai resolver nada e só vai aumentar a revolta. Pois vou dar uma sugestão: trabalhe com o Programa para Egresso e parem de ficar pensando em maioridade penal, porque isso não vai melhorar o Brasil. Pare, pense e invista em educação, não em sistema prisional.

Entretanto, entra o orçamento Público. Em meus conhecimentos, ele define as prioridades na aplicação dos recursos que o governo arrecada para garantir o bem estar da sociedade. A forma como é feito tem impacto direto na proteção, respeito e promoção dos direitos humanos. Ao elaborar o orçamento, o governo faz uma estimativa de arrecadação e de gastos para saber quanto terá disponível para investir nos seus diversos projetos. Depois, o governo gasta em obras e serviços para a população. É preciso planejar e definir prioridades para manter as cidades funcionando.

Para isso acontecer, o Estado arrecada recursos da sociedade por meio de impostos, taxas e contribuições. Nisso a sociedade espera um retorno compensatório, porém o governo investe mais dinheiro em cidades do DF onde há mais capitalismo, e acaba que onde moram as pessoas de baixa renda, falta de atendimento de saúde, educação e segurança. Vejo que existe uma desigualdade por classe social. As Regiões administrativas que o governo mais investe são Plano Piloto, com a verba de R$ 1.604.644.762,00,  também tem Vicente Pires, com R$ 166.083.599,00, e nessas regiões a maioria da população é de classe média ou ricos.

Em meus conhecimentos, geralmente quem detém poder afirma que só sabe sobre aquele assunto quem teve acesso a certos espaços e a certo tipo de educação. Porém, existem outras formas de organizar e pensar um orçamento público, e há possibilidade de construir momentos e lugares onde as diversas vozes possam ecoar. Para que esses encontros sejam possíveis, o processo precisa ser baseado no diálogo, sendo fundamental a disposição tanto para ouvir quanto para falar. Essas reflexões nos auxiliam de duas formas: a realizarmos nossas próprias escolhas e a entender que podemos agir sobre a realidade. Acreditamos que não é necessário um diploma de economia para entender e ter opiniões sobre quais devem ser as prioridades do orçamento público. Em resumo, a definição de prioridades no orçamento público é objeto de debate político e da correlação de forças: ganha quem tem mais poder de pressão.

Eu peço que o conteúdo aqui exposto sirva para a reflexão, mas também para a ação.

 

“Não tenho flor para regar,

Mas tenho semente para plantar:

Cabe o futuro dentro dela.”

[1] Antigo Centro Socio Educativo Amigoniano. Hoje chamado de Unidade de Internação Provisória de São Sebastião (UIPSS).

We share the stories of people and communities that participate in our initiatives and inspire us every day to fight for the guarantee of human rights for all.

Category: Stories
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