Em meio à pandemia, governo federal mantém isenções a petróleo e gás

12/08/2020, às 12:02 | Tempo estimado de leitura: 7 min
Setor deixou de pagar R$ 28 bilhões só em 2019, alerta Inesc. O Repetro é a maior renúncia fiscal concedida à produção de combustíveis fósseis no Brasil.
Foto: Ichiro Guerra/PR.

Dados inéditos da Receita Federal, solicitados pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), demonstram que o Repetro (Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens Destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural), representou uma renúncia para os cofres públicos de R$ 28,02 bilhões em 2019.

Esse valor é maior em R$ 4 bilhões do que o total de incentivos fiscais estimados à toda a Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio em 2019.

É necessário ter cuidado com a comparação dos anos dessa renúncia fiscal. Desde de 2018, os produtos amparados por pelo Repetro vêm se adaptando ao novo  regime tributário especial para o setor de petróleo, o Repetro Sped – o que impossibilita  a comparação total da evolução do valor das isenções nos últimos dois anos.

Os produtos que estão se adaptando ao Repetro Sped se misturam com o valor renunciado a partir da aquisição de novos  bens em 2018 e 2019. “De qualquer forma, ao abrir mão desse valor e, em 2017, aumentar o escopo do Repetro por meio do Repetro Sped, o Governo Federal diminui ainda mais a capacidade arrecadatória em meio a um cenário de crise”, afirma Livi Gerbase, assessora política do Inesc.

Juntos, o Repetro e o Repetro-Sped reduzem o custo de produção do setor de petróleo e gás desde 1999 e completaram este ano duas décadas de existência. Em 2019, o incentivo fiscal para o setor foi estendido por mais 20 anos, até 2040.

A renúncia fiscal concedida ao setor de produção de petróleo e gás não é exclusiva à Petrobras. A participação da Petrobras na produção tem diminuído continuamente com a intensificação da participação de petroleiras estrangeiras. Em 2019, operaram 63 empresas, todas beneficiárias deste Regime Especial de tributação.

“Se ano passado tivéssemos recolhido esse valor, hoje poderíamos pagar o auxílio emergencial a mais pessoas.”

Segundo o Inesc, os R$ 28 bilhões poderiam aumentar o número de beneficiados pelo auxílio emergencial de R$600 em 15 milhões de pessoas durante 3 meses. Cabe lembrar que a renda básica destinada aos brasileiros em situação de vulnerabilidade social durante a pandemia foi uma conquista da campanha Renda Básica Que Queremos, liderada por cinco organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc. A cifra também é próxima do valor anual do Bolsa Família (R$ 30 bilhões).

O Repetro

O Repetro é um regime aduaneiro de exportação e importação de bens que se destina às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e gás natural. O regime engloba a suspensão de cobrança de uma série de impostos[1] às modalidades: (i) exportação ficta (sem que ocorra a saída do bem do território aduaneiro); (ii) admissões temporárias; (iii) importação de matérias-primas sob o regime de Drawback, produtos semi-elaborados ou acabados e partes ou peças, para a produção de bens a serem exportados sem saída do território aduaneiro.

No final de 2017, a criação do Repetro-Sped a partir da Lei 13.586 possibilitou a suspensão total de tributos federais relativos a bens cuja permanência no país seja definitiva, além de aumentar o número de bens e fornecedores que podem se beneficiar do incentivo.

De acordo com estudo do Inesc, o Repetro é a maior renúncia fiscal concedida à produção de combustíveis fósseis no Brasil. Apesar disso, este regime não possui a mesma transparência de outros regimes tributários brasileiros, como o Simples Nacional, ao não ser estimado anualmente pela Receita Federal na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O Repetro é avaliado, em artigo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como um recurso desnecessário para garantir a lucratividade do setor, pois alguns campos do Pré-Sal seriam rentáveis sem quaisquer subsídios. A existência do Repetro se converte, nesse sentido, em lucros extraordinários para as empresas petroleiras e em redução da participação do governo na renda oriunda da exploração do petróleo.

“Essa isenção ainda retira recursos que financiam políticas públicas sociais”, explica a assessora. “O PIS e o Cofins, por exemplo, são impostos destinados, entre outras políticas sociais, à  Previdência. Com o benefício às petroleiras, esse recurso diminui.”

A questão ambiental

Muitos governos pelo mundo estão se comprometendo em reduzir subsídios aos combustíveis fósseis e estimular a economia e a energia verde como parte da estratégia de combate à crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus – no que está sendo apelidado de Green New Deal.

Deste modo, o governo brasileiro segue na contramão desse acordo ao  expandir o Repetro e ignorar a necessidade urgente de revisão dos subsídios federais. “Este é um momento de toda a sociedade brasileira repensar como, para que e para quem o governo deve fornecer incentivos fiscais”, conclui Livi.

O Brasil é um dos maiores produtores de petróleo do mundo, com uma produção de petróleo e gás crescente e lucrativa, o que reflete em uma ascendente emissão de CO2.

>>> Leia reportagem da Folha de S.Paulo sobre estes dados levantados pelo Inesc

[1] Imposto de Importação, Imposto sobre os Produtos Industrializados, PIS/COFINS e Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante.

Categoria: Notícia
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