No ano de 2020, foram concedidos R$ 123,9 bilhões de incentivos e subsídios aos combustíveis fósseis, o que equivale a 2% do PIB do ano. Em termos comparativos, tal valor representa 72% de todo o gasto federal com saúde no ano de 2020, que foi de R$ 171,82 bilhões. É, ainda, 10% superior aos R$113,23 bilhões gasto pelo governo federal com educação no mesmo ano.
Os números fazem parte de um relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que chega à quarta edição com o título “Subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil (2020): conhecer, avaliar, reformar” (versão português e inglês).
De forma direta, a queima de combustíveis fósseis no Brasil – que está entre os dez maiores produtores de fonte de energia não renovável no mundo – já representa 19% das emissões do país.
Segundo o Observatório do Clima e o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), em 2019, o Brasil emitiu 2,1 toneladas brutas de gases de efeito estufa, um aumento de quase 10% em relação ao ano anterior. Em perspectiva setorial, 44% das emissões de 2019 foram provenientes de mudanças do uso da terra, 28% da agropecuária e 19% da energia, incluindo atividades que utilizam combustíveis fósseis, além de 4% advindos de resíduos e 5% de processos industriais.
O estudo do Inesc classificou o montante que deixa de entrar para os cofres públicos por modalidade, isto é, subsídios e incentivos para os consumidores e para as empresas que produzem esses combustíveis.
À produção, foram concedidos R$ 60,62 bilhões em subsídios, principalmente por meio dos diversos regimes especiais de tributação ao setor de óleo e gás, sendo o maior deles o Repetro. Isso corresponde a 49% do total.
Ao consumo, foram concedidos, em 2020, R$ 63,32 bilhões (ou 51% do total) em subsídios, boa parte deles envolvendo o PIS/Cofins e a Cide-Combustíveis aplicados à gasolina e ao óleo diesel. Também estão incluídos os orçamentos da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e Conta de Desenvolvimento Energético (CDE-Carvão).
“Isso deve ganhar especial atenção no atual contexto de intensa crise econômica, além de pautar o debate sobre a poluição causada pela emissão de combustíveis fósseis na atmosfera na conferência mundial COP-26″, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc e responsável técnica pelo estudo. “Os incentivos e subsídios concedidos aos combustíveis fósseis estão intrinsecamente ligados às resistências globais dos países, da indústria e dos investidores em restringirem o crescimento da produção e das emissões, o que atrasa a inadiável transição energética”, conclui.
Repetro
Segundo ela, o destaque nesta edição de 2020 vai para o crescimento expressivo das renúncias associadas à produção de petróleo e gás, cujo valor alcançou R$ 58 bilhões. Só o programa de renúncia conhecido como “Repetro”, em 2020, implicou uma perda na ordem de R$ 50 bilhões, ante os R$ 28 bilhões alcançados em 2019, o que representa um crescimento de 78% em apenas um ano.
Este subsídio é, de longe, o maior subsídio à produção de combustíveis fósseis no Brasil. Cabe lembrar que o regime especial de tributação, cujo fim estava previsto para o ano que vem, foi renovado e ampliado pela Lei Nº 13.586/2017, e deverá vigorar até 2040.
Para além dos problemas associados à perda de arrecadação, e aos impactos ambientais e climáticos do setor de óleo & gás, os subsídios à produção e ao consumo de combustíveis fósseis são concedidos sem transparência. As “outras renúncias” responderam por R$ 110,57 bilhões, o que corresponde a 89% do total. Essas renúncias hoje não são assumidas pela Receita Federal do Brasil (RFB) como gastos tributários.
“A falta de transparência é sintomática dos pesados interesses econômicos por trás dos subsídios e contribui, entre outras coisas, para que o tema seja ainda pouco conhecido. O estudo do Inesc pretende contribuir para a debate público”, afirma Alessandra.
Recomendações
O INESC sugere as seguintes medidas para que o país caminhe na direção de “conhecer, avaliar e reformar” os subsídios aos combustíveis fósseis :
- Que o Congresso aprove o Projeto de Lei Complementar 162/2019,que estabelece a obrigação de divulgação de quais empresas recebem incentivos fiscais no Brasil e seus devidos valores.
- Que o Congresso Nacional provoque o Tribunal de Contas da União a dar continuidade ao trabalho de avaliação do Repetro e da Lei Nº 13.586/2017 para ampliar a transparência e a avaliação da eficiência e da efetividade desses benefícios à luz dos desafios de reforma assumidos pelo Brasil junto ao G20.
- Que a Receita Federal do Brasil ofereça alternativas de divulgação dos dados do Repetro e da Lei Nº 13.586/2017, como a publicação do volume de operações, da arrecadação tributária ou da carga tributária do setor de óleo e gás, como a instituição sugeriu ao TCU (TC 020.313/2018-7, p.13). Ademais, que construa um normativo que regulamente a elaboração e a transparência desses demonstrativos (TC 020.313/2018-7, p.12).
- Que o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Subsídios da União – CMAP, vinculado ao Ministério da Economia, inclua o Repetro e a Lei Nº 13.586/2017 no seu ciclo de avaliações 2022.
- Que a reforma tributária inclua a conversão da Cide-Combustíveis em uma Cide-Carbono com aplicação e incidência mais amplas, respeitando-se a neutralidade fiscal ou a carga tributária atual
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