Silvia Alvarez, Autor em INESC

COP 30 termina com resultado abaixo do necessário, apesar de avanços históricos na participação social

A 30ª Conferência do Clima da ONU (COP 30), realizada em Belém, entre os dias 10 e 21 de novembro, terminou com decisões consideradas insuficientes diante da gravidade da crise climática. Temas centrais como a eliminação dos combustíveis fósseis e o enfrentamento ao desmatamento ficaram de fora dos resultados, enquanto o financiamento climático — elemento crucial para reparação histórica e apoio aos países em desenvolvimento — avançou pouco e segue distante do que seria um compromisso justo, público e acessível.

“As decisões tomadas não respondem com a ambição necessária ao tamanho do desafio climático. Seguiremos defendendo que o financiamento climático deve ser público, justo, acessível e livre de dívida, porque só assim será possível uma transição verdadeiramente equitativa”, destacou Cristiane Ribeiro, do colegiado de gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

A incapacidade de avançar em temas considerados meios de implementação — como regras, instrumentos e prazos para os acordos — mais uma vez foi marcada pela disputa entre os países ricos e os países em desenvolvimento, gerando impasses e dificultando o trabalho da diplomacia brasileira.

O Mutirão Global e os limites do consenso

Ainda nos primeiros dias, a COP30 aprovou sua agenda de trabalho em tempo recorde, mas à custa da retirada de temas sensíveis, enviados para consulta direta com a presidência da conferência. Apenas na segunda semana tornou-se claro como seriam incorporados ao debate, com a divulgação do texto do “Mutirão Global”, iniciativa brasileira para fortalecer a governança climática por meio da mobilização coletiva.

Embora avance na organização do debate global e estabeleça meta de triplicar o financiamento para adaptação até 2035, o documento final não menciona combustíveis fósseis, o que gerou críticas de movimentos e organizações.

Sociedade civil protagoniza mobilização histórica

Se nas negociações formais os avanços foram limitados, fora delas a COP30 registrou conquistas históricas. Após quatro conferências em países com restrições à participação social, Belém se tornou palco de uma mobilização global inédita.

A Cúpula dos Povos reuniu 25 mil pessoas e mais de mil organizações do mundo inteiro em cinco dias de plenárias, debates e articulações na UFPA (Universidade Federal do Pará). A presença indígena também foi marcante: cerca de 3 mil representantes formaram uma grande aldeia na cidade. A Marcha Global pelo Clima levou 70 mil pessoas às ruas sob o lema “A resposta somos nós!”.

“A sociedade civil mostrou sua força e capacidade de articulação. Os movimentos ocuparam Belém e apontaram caminhos concretos para a justiça climática”, avaliou José Moroni, do colegiado de gestão do Inesc. 

Racismo ambiental ganha centralidade histórica

Pela primeira vez na história das COPs, o tema do racismo ambiental ganhou destaque oficial. A presidência brasileira publicou uma declaração conclamando todas as nações a enfrentar as desigualdades que impactam de forma desproporcional pessoas negras, povos indígenas e comunidades tradicionais.

O termo “afrodescendente” apareceu em documentos oficiais relativos à Transição Justa, ao Plano de Ação de Gênero (GAP, na sigla em inglês) e aos Objetivos Globais de Adaptação — um marco sem precedentes. O tema também foi transversal em diversos eixos da Cúpula dos Povos.

Militarização e déficit democrático

Apesar da ampla participação social, organizações e movimentos sociais denunciaram a militarização dos espaços oficiais da ONU após manifestações indígenas, reforçando preocupações sobre o déficit democrático no processo.

Persistem problemas como critérios pouco transparentes de credenciamento e ausência de mecanismos para lidar com conflitos de interesse, especialmente diante do peso crescente de representantes do setor privado nas negociações também foram persistentes. 

Financiamento climático: sinalizações tímidas

O financiamento climático, tema central para países do Sul Global, avançou pouco. O texto não responsabiliza diretamente os maiores emissores históricos – os países do Norte Global – nem estabelece metas claras de aporte financeiro.

Entre os pontos positivos, destaca-se:

  • compromisso de escalar o financiamento para países em desenvolvimento em pelo menos US$ 1,3 trilhão;
  • convocação de uma reunião ministerial de alto nível sobre a Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG);
  • criação de um programa de trabalho de dois anos para alinhamento ao Artigo 9 do Acordo de Paris.

Na Meta Global de Adaptação, o convite para triplicar o financiamento até 2035 — e não mais 2030 — recebeu críticas por falta de compromissos vinculantes.

Indicadores de Adaptação de Belém

Um avanço relevante foi a aprovação dos Indicadores de Adaptação de Belém, conjunto de métricas globais para medir vulnerabilidades e progresso em resiliência climática. Entre eles, está o monitoramento do financiamento para adaptação fornecido por países desenvolvidos.

Plano de Ação de Gênero avança com conquistas inéditas

O Plano de Ação de Gênero 2026-2034 foi aprovado com vitórias importantes após forte incidência de movimentos feministas, negros e latino-americanos. O documento reconhece defensoras ambientais, o trabalho de cuidados, a violência de gênero e, pela primeira vez, mulheres e meninas afrodescendentes como centrais na ação climática.

Apesar dos avanços, o plano não estabelece metas de participação nem prevê recursos específicos para implementação, e o embate sobre o próprio conceito de “gênero” ainda divide países.

Transição justa: inclusão inédita, mas sem ambição suficiente

A criação do Mecanismo de Ação de Belém (BAM) foi celebrada por ampliar a participação de povos indígenas, mulheres, comunidades locais e grupos vulnerabilizados como atores da transição justa.

O texto reconhece a centralidade dos direitos humanos, dos trabalhadores e dos povos indígenas, além da necessidade de ampliar o acesso à energia limpa, especialmente na cocção.

No entanto, expectativas mais ambiciosas foram frustradas: desapareceram do texto final referências a um mapa de saída dos combustíveis fósseis e à eliminação de subsídios ineficientes ao setor.

Entre frustrações e conquistas

Para o Inesc, a COP30 deixa um balanço marcado por contrastes. Houve avanços históricos em temas como justiça de raça e gênero, participação social e transição justa. Mas o resultado final ficou longe da urgência necessária para enfrentar a crise climática, sobretudo na eliminação dos fósseis, no combate ao desmatamento e no financiamento climático.

“As divisões geopolíticas ficaram expostas. O mundo saiu de Belém sabendo que avançou em temas importantes, mas ainda sem a ambição necessária para garantir um futuro seguro e justo. Continuaremos lutando para que a justiça climática seja o centro das decisões internacionais”, concluiu Cristiane.

Último dia de COP 30: Brasil, mostra sua cara!

Depois da surpresa positiva com o governo brasileiro na defesa firme por um mapa do caminho de transição para longe dos combustíveis fósseis, com o esperado protagonismo da Colômbia, e com a adesão de mais de 80 países, o que temos de rascunho do texto final da COP 30, divulgado na madrugada do dia 21 de novembro, é aterrador. 

Às vésperas do fim do maior evento climático do mundo, o mapa se perdeu pelo caminho. Foi suprimida toda e qualquer menção aos combustíveis fósseis.

Contudo, mesmo às portas de um fracasso retumbante dessa COP nesse tema que, todos sabemos, é o centro nervoso da crise climática, não é fácil interpretar o que virá nas próximas horas. A COP 30 ainda não acabou.

Mas como entender o aparente desfecho frustrante do mapa do caminho? É só a mais pura expressão do poder da indústria fóssil e dos países grandes produtores de petróleo? É a morte já anunciada do multilateralismo climático? Ou, pode ser o tiro que sairá pela culatra dos combustíveis fósseis?

A conferência liderada pela Colômbia nesta manhã do dia 21 de novembro, com apoio de vinte e cinco países, pode ser o ponto de virada para a Conferência. “Esta COP não pode terminar sem um mapa claro para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis”, disse a ministra do Meio Ambiente colombiana, Irene Velez-Torres. A mensagem é clara, o chamado é forte! 

A adesão e firme atuação do Brasil para que o mapa do caminho para longe dos combustíveis fósseis retorne ao texto é o que esperamos da liderança do governo brasileiro na COP30 na Amazônia.

Não estamos clamando por uma liderança que desconsidere a complexidade da geopolítica global da indústria fóssil, mas sim que coloque no centro do debate que uma transição justa, equitativa, ordenada para longe dos combustíveis fósseis deva ser construída com base em responsabilidades comuns, porém diferenciadas. 

Estamos clamando por uma liderança que, a despeito das complexidades e contradições domésticas, não se furta da responsabilidade e oportunidade histórica de entregar um grande legado latino-americano para as futuras gerações!

Sem participação, não há clima: a COP 30 precisa ouvir as ruas

A 30ª edição da Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima prometeu desde o começo que seria uma COP de ampla participação social. Porém, o que se observou logo nos primeiros dias é que talvez as Nações Unidas não estejam tão preparadas assim para garantir essa  participação de forma efetiva. 

A começar pela  alocação de cotas de credenciais para as organizações observadoras acessarem a Blue Zone, espaço oficial das negociações, que se mostrou um desafio de saída. Por outro lado, lobistas do petróleo conseguiram 1.602 credenciais, a maior presença proporcional deste grupo em relação ao número total de participantes já registrada (dados são da coalizão Kick Big Polluters Out). Apesar disso, os movimentos sociais, organizações, representantes de povos indígenas e de comunidades tradicionais vieram a Belém, com a esperança de fazer dessa a maior conferência de clima dos últimos anos. 

Contudo, em contraste com a prometida participação social, veio a adoção da operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) pelo governo Federal, com a militarização ostensiva do espaço da conferência e da cidade de Belém. 

Diante desse cenário, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, fizeram um protesto dentro da zona azul. Entraram na conferência do clima demandando que suas vozes sejam ouvidas e incluídas nos espaços de negociação. A resposta veio em forma de aumento da presença das tropas do exército na entrada da conferência, garantindo uma suposta segurança aos delegados. E uma maior restrição à entrada em espaços como a zona verde, que tecnicamente era uma zona com entrada livre. 

Ainda assim, as ruas e os diversos espaços comunitários foram tomados pelas vozes dos movimentos e dos diferentes povos que vieram a Belém. Com o objetivo de que as lutas não passassem despercebidas, e que as negociações não deixassem para trás pontos cruciais no debate pela justiça climática. 

Mobilização Global pelo Clima

Bruno Peres/Agência Brasil

A maior expressão desse momento foi a mobilização global pelo clima, que levou mais de 50 mil pessoas às ruas da capital da COP 30, demandando justiça climática, transição justa, combate ao racismo ambiental, demarcação de terras indígenas e o combate aos combustíveis fósseis. 

No início da segunda semana da COP, observou-se um aumento das forças de segurança na entrada do espaço de conferência e uma maior restrição na entrada, evidenciando a falta de “boa vontade” da ONU com processos de participação popular.

Isso ficou ainda mais explícito quando Simon Stiell, secretário executivo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, enviou uma carta ao presidente Lula demandando que medidas fossem tomadas em relação à segurança e, pasmem, ao calor excessivo e às chuvas em Belém. 

É verdade que o calor excessivo e as chuvas torrenciais – exacerbados pelas mudanças climáticas – foram personagens ilustres da COP 30. Mas não é justamente sobre isso que trata a conferência? Estes fenômenos não escancaram a necessidade de financiamento para a adaptação climática?

É espantoso que a carta classifique como violentos os povos indígenas que fizeram protestos. Essa fala ignora as lutas e as vozes dos povos, e os anos de exclusão desses espaços, além de estigmatizar um povo que já sofre com o racismo. E coloca-os nesse imaginário popular de violência e que, portanto, devem ser reprimidos e controlados, com todo o aparato das forças de violência estatal.

Se tem debate climático, tem mobilização

A sociedade civil pretende entregar uma carta exigindo que Simon Stiell revogue sua declaração anterior, e reconheça que as manifestações são parte fundamental de qualquer processo democrático. As mobilizações são inerentes ao debate climático, sobretudo, porque afeta de forma desigual povos e comunidades tradicionais, mulheres e comunidades periféricas. 

Além disso, Relatores Especiais da ONU emitiram uma declaração criticando a UNFCCC e a Presidência brasileira pelo aumento da segurança armada na COP 30 após os protestos pacíficos da primeira semana, alertando para o fato de que o ambiente de intimidação compromete princípios básicos de participação democrática. 

Se um país democrático foi escolhido para sediar uma conferência, é natural e legítimo que protestos e mobilizações sociais ocorram, principalmente no Brasil, onde a sociedade tradicionalmente vai às ruas quando não está de acordo com uma situação. Olhar para essas manifestações com medo de seu resultado revela que o processo que estamos inseridos nas negociações não têm sido suficientemente participativo ou democrático, e, portanto, não tem sido capaz de  ouvir as demandas daqueles que historicamente protegem mais a natureza e tem alternativas de soluções para a crise climática. 

É urgente transformar as conferências de clima em espaços participativos, com a presença de cada vez mais povos indígenas e povos e comunidades tradicionais que têm o real lugar de fala, e detém o conhecimento das alternativas às questões climáticas. E que as vozes da rua não sejam impedidas de falar. 

 

Jovens das periferias expõem a face da desigualdade no DF em audiência pública

O DF tem uma das maiores desigualdades regionais e raciais dentro do próprio território. O Lago Sul é o bairro com maior renda média do DF e do Brasil e o Itapoã, cidade vizinha, é a região com menor renda média. A primeira tem a maioria da população autodeclarada branca e a segunda negra. Em termos de acesso, a população do Itapoã não tem serviços públicos básicos como creches e hospitais. O transporte é precário e há muitas localidades sem saneamento básico. 

Esses dados e análises, foram coletados durante o projeto Mapa das Desigualdades, trabalho realizado pelo Inesc, apoiado pelo Fundo de Combate a Corrupção, Termo de Fomento No 01/2024, Processo: 00480-00005913/2023-43  junto às juventudes periféricas do DF.  Esses adolescentes e  jovens são sujeitos centrais no enfrentamento e na mobilização pelo combate às desigualdades, por serem grupos fortemente afetados pela falta de direitos, quanto pela energia em prol do ativismo político. 

>>> Confira aqui um resumo informativo com a prévia dos dados

Audiência Pública na CLDF

O ponto alto do projeto de 2025, que reúne jovens de diversas periferias de Brasília para analisar o orçamento e as desigualdades do DF, é a apropriação dos saberes sobre o funcionamento da máquina pública e o incentivo para a luta popular. E uma audiência pública será a oportunidade para apresentarem suas reivindicações.

A audiência acontecerá na terça-feira, dia 18 de novembro, das 18h30 às 21h30, na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) e compõe a programação da Semana Distrital do Hip Hop. Já a publicação Mapa das Desigualdades, com a sistematização dos dados mais atuais da PDAD (2024), que escancara a manutenção dessas desigualdades, será disponibilizada em 10 de dezembro, data em que celebramos o Dia Internacional dos Direitos Humanos.  

“Escolhemos essa data, pois não há como vivenciar integralmente os direitos humanos, sem a garantia orçamentária para políticas públicas e enfrentamento às  desigualdades”, explica Markão Aborígine, educador social do Inesc. 

O evento também contará com a participação de meninas do projeto Malalas do Cerrado, estudantes do CED 1 do Riacho Fundo 2, jovens ativistas por uma educação antirracista e antisexista.

A audiência será conduzida pelos deputados Max Maciel e Fábio Félix e contará com o protagonismo dos adolescentes e jovens formados pelo projeto, que apresentarão dados, gráficos, poesias e músicas, que traduzem essa reflexão, além de apresentarem propostas e recomendações ao poder público, exigindo, além de propostas concretas para superação das desigualdades, maior transparência.

Programação

18h15: Coquetel e sarau

19h15: Abertura com Deputado Max Maciel

19h25: Apresentação musical com Pajé, Camila MC e Nerd do Gueto

19h30: Deputado Fábio Félix

19h35: Cleo Manhas, assessora política do  Inesc

19h40: Exibição do vídeo Mapa das Desigualdades 2025 e apresentação do projeto e dados com Sara Lisboa (Ceilândia) e Victor Queiróz (Paranoá Parque)

20h00: Inscrições público 

20h10: Convidados poder público

20h25: Inscrições público

20h45: Respostas da Mesa

21h00: Apresentação musical com Medusa, Maju, Micaele Melo e Nayane Cruz

21h05: Considerações finais da mesa 

21h15: Encerramento com poesia de jovens do projeto.

Mapa das Desigualdades 2024

O Inesc  elabora o Mapa das Desigualdades anualmente desde 2016, utilizando dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD).

A edição de 2024, que será lançada em 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos), cruza os dados entre as regiões administrativas do DF para denunciar as disparidades e incidir junto aos poderes públicos.  Nosso objetivo é promover mudanças efetivas nos territórios e na vida das pessoas historicamente vulnerabilizadas.

Disponibilizamos abaixo um resumo informativo com uma prévia dos principais achados, e a base de dados da PDAD 2024, para que qualquer pessoa possa consultar.

O projeto Mapa das Desigualdades  é um trabalho realizado pelo Inesc, apoiado pelo Fundo de Combate a Corrupção, Termo de Fomento No 01/2024, Processo: 00480-00005913/2023-43,  junto às juventudes periféricas do DF.

 

O Plano Nacional de Educação que precisamos

A Comissão Especial que analisa o novo Plano Nacional de Educação (PNE), por meio do relator deputado Moses Rodrigues (União/CE), apresentou um substitutivo com diversas mudanças. Entre os destaques, está o objetivo 8 sobre educação ambiental, seguindo recomendação do Ministério do Meio Ambiente, e a explicitação das desigualdades relacionadas à cor, gênero e território, em alguns itens do projeto, mas não de forma suficiente para de fato fazer frente às graves discriminações existentes.

Apesar das inúmeras emendas apresentadas que poderiam melhorar o texto, a maioria não foi aceita, resultando em poucas alterações no segundo substitutivo. Isso evidenciou uma postura populista, com pouco espaço para diálogo real.

No objetivo 19, que diz respeito ao financiamento e infraestrutura da educação, há um problema, pois o substitutivo retira os 10% e reduz para 7,5% do PIB até o final da vigência do PNE. E sabemos que 10% não era um número genérico, mas sim fruto de estudos e pesquisas sobre o que é necessário para termos educação de qualidade, com a inclusão de todas as pessoas, em todos os níveis de educação, da creche à pós-graduação.  Há uma expectativa de recursos privados para a educação superior, o que é ruim, pois a aposta deveria ser na ampliação das universidades públicas.

Além da redução dos subsídios destinados à educação privada, seria importante planejar ações que priorizem a expansão do ensino superior público. Vale ressaltar a proposta de excluir os investimentos em infraestrutura escolar do novo arcabouço fiscal, por meio do Programa Nacional de Infraestrutura Escolar.

Há várias questões fundamentais para o enfrentamento do grande desafio de avançarmos em qualidade na educação pública, além de atender às demandas por infraestrutura, formação de profissionais da educação, atendimento da demanda histórica por Educação de Jovens, Adultos e Idosos, com a inclusão de indígenas, quilombolas, atendendo, especialmente, as regiões norte e nordeste que possuem o maior número de pessoas analfabetas totais e funcionais.

A meta do PNE de atender 10% da população adulta sem educação básica até o quinto ano e 20% ao final é insuficiente. O Censo 2022 revela que 35% das pessoas acima de 25 anos têm baixa escolaridade e mais 14% não concluíram o ensino médio, indicando a necessidade de maior esforço governamental.

É essencial explicitar o objetivo de combater o racismo, incluindo o ambiental, na educação, especialmente no objetivo 8. Devem ser definidas metas para implementar, em todas as escolas e universidades e na formação docente, as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, inserindo a história de países africanos, afrodescendentes e povos originários nos materiais didáticos e currículos. A baixa efetividade dessas leis ao longo dos anos demonstra que sua simples menção não basta; é preciso estabelecer metas e prazos claros para sua aplicação.

Além do racismo, as questões resultantes do nosso modelo patriarcal, tais como a misoginia e a LGBTfobia precisam ser combatidas nas escolas, protegendo crianças e adolescentes contra violência, discriminação e abuso sexual e de gênero. O projeto segue omitindo esta questão fundamental para a proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes, que sofrem cotidianamente pela violência e pela falta de informação que as deixam sem proteção. Os legisladores e os governantes não podem se pautar pelo obscurantismo que se espalhou pela sociedade e pelas instituições.

E para combater racismo, violências de gênero, o PNE também precisa ser explícito quanto à necessidade de desmilitarizar as escolas, visto que este movimento tem crescido em todas as regiões e cada vez mais contaminam o cotidiano das escolas com questões alheias às pautas de educação. Além de impedirem que uma educação emancipadora se realize.

O Plano Nacional de Educação é decenal, portanto, trata-se da próxima década, que pode ser fundamental para avanços necessários e já tardios para a educação pública. Precisamos de um projeto que reflita nossa diversidade, que esteja de acordo com o recém aprovado Sistema Nacional de Educação, legislações que em conjunto podem dar um horizonte frutífero para a próxima década, mas para isso, contamos com a sensibilização dos parlamentares sobre estas questões fundamentais para o aperfeiçoamento do projeto.

COP 30: “Sem financiamento, não há implementação”, afirma Inesc

Começou nesta segunda-feira (10/11), em Belém (PA),  a COP 30 – um marco na história das Conferências de Clima que,  pela primeira vez, terá a Amazônia como palco. Conhecida como a “COP da Implementação”, o encontro gera expectativas em torno das negociações globais sobre o futuro da humanidade. Contudo, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômico) alerta que esta precisa ser também a “COP do Financiamento”, ainda que o tema não tenha entrado na agenda de negociações formais, apenas nas consultas informais. 

“Sem financiamento não é possível implementar as ações e planos climáticos. O financiamento é crucial para garantir que os países possam se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas e compensar as perdas e danos àquelas pessoas ou grupos de pessoas afetados pelo clima”, afirma Carolina Alves, assessora política do Inesc. 

O Inesc participa com uma delegação de nove pessoas, que levarão aos espaços de debate uma agenda centrada na justiça climática. As principais pautas são: financiamento climático, adaptação climática e gênero, racismo ambiental, transição justa e democracia.

Financiamento: o coração da implementação climática

O Inesc defende que os países desenvolvidos, principais responsáveis pelas emissões históricas de gases de efeito estufa, cumpram as obrigações do Acordo de Paris e financiem as ações climáticas nos países em desenvolvimento — com recursos públicos, não reembolsáveis e acessíveis.

Além disso, para o Instituto, é urgente transferir investimentos de atividades poluentes, como os incentivos aos combustíveis fósseis, para modelos produtivos sustentáveis e inclusivos, que respeitem os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais.

Outro ponto de atenção é o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), lançado pelo governo brasileiro durante a Cúpula de Líderes da COP 30. Embora celebrado por alguns governos e setores privados, o fundo não foi negociado entre as partes da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), o que levanta dúvidas sobre sua legitimidade.

“O TFFF pode reforçar a financeirização da natureza, com baixa participação social e recursos insuficientes para povos indígenas e comunidades tradicionais”, alerta Carolina.

Parte da equipe do Inesc em Belém, na COP 30. Foto: Carolina da Mata

Adaptação climática: prioridade e sobrevivência

A adaptação se tornou uma questão de sobrevivência humana. “Diferente de outras COPs, que a mitigação tinha mais peso, nesta, nós estamos vendo que a adaptação climática assume maior protagonismo”, observa Sheilla Dourado, assessora política do Inesc.

A expectativa é que a COP 30 avance  nas negociações da Meta Global de Adaptação (GGA), com seus indicadores, e dos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs). Nesta etapa, o Brasil apresentará o Plano Clima Adaptação, que envolve, também, ações de mitigação..

“A adaptação precisa de mais financiamento para ser executada nos países, principalmente os que já sofrem com situações de vulnerabilidade, passados coloniais e déficit histórico no desenvolvimento, agravado pelas mudanças climáticas”, defende Sheilla. 

A Conferência ainda deve aprovar o novo Plano de Ação de Gênero da UNFCCC, um avanço importante para consolidar a participação das mulheres na agenda climática global.

“Os saberes das mulheres são especialmente importantes para a adaptação climática e o seu papel protagonista tem sido cada vez mais reconhecido pelas políticas climáticas, por mobilização das próprias organizações feministas e de mulheres”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.. 

Racismo ambiental, transição justa e democracia

A crise climática não é neutra. Seus efeitos se sobrepõem a desigualdades históricas e estruturais, atingindo com mais força povos indígenas, comunidades tradicionais e populações negras e periféricas.

Por isso, o Inesc levará à COP 30 o debate sobre racismo ambiental e democracia, reforçando que não há justiça climática sem justiça e participação social.

“É imperativo, em nível global e doméstico, que o financiamento climático seja público, justo e acessível e com ações de adaptação e de mitigação que promovam a reparação histórica de injustiças e desigualdades entre Norte e Sul global, bem como, reconhecer e enfrentar o racismo ambiental”, sublinha Cristiane Ribeiro, do colegiado de gestão do Inesc. 

Para ela, a COP 30 é uma oportunidade histórica para incorporar a dimensão étnico-racial, assim como reafirmar a dimensão de gênero nas decisões e documentos oficiais da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. 

Outra pauta central é a transição energética justa — que deve enfrentar os subsídios aos combustíveis fósseis e garantir mais recursos para as energias renováveis, sem promover ainda mais desigualdades. 

“O Inesc chega a mais uma COP reforçando a necessidade, cada vez mais urgente, de promover um debate plural e participativo sobre a transição energética, tanto no âmbito global quanto no doméstico”, salienta a assessora política do Inesc Alessandra Cardoso. 

Para saber mais sobre o Inesc na COP 30, clique aqui.  

Adaptação climática no seu município

Leia o informativo Adaptação climática no seu município: ação urgente que pede financiamento público justo e acessível. 

Reforma da Renda é um avanço, mas a justiça tributária ainda está distante

Ontem (05/11), o Senado Federal aprovou a reforma da Renda, consolidando o texto do Projeto de Lei nº 1087/2025, que agora segue para a sanção presidencial. A proposta recebeu apenas alterações redacionais, o que dispensa nova votação na Câmara dos Deputados. Trata-se de uma vitória da mobilização popular em defesa de um sistema tributário mais justo e progressivo.

O Plebiscito Popular, do qual o Inesc integra a executiva nacional, teve papel decisivo nessa conquista. Em 103 dias de mobilização, o plebiscito coletou mais de 2,1 milhões de votos em todo o país, expressando o amplo apoio popular à tributação dos super-ricos e à construção de um sistema que reduza desigualdades.
Durante o processo, representantes da articulação se reuniram com os presidentes da Câmara e do Senado, com o presidente Lula, com relatores do projeto e outras lideranças políticas, incidindo de forma determinante para o avanço da proposta no Congresso Nacional.

A mobilização popular foi impulsionada por evidências contundentes das distorções do sistema tributário brasileiro. Segundo dados do Ministério da Fazenda (2025), os 0,01% mais ricos do Brasil — pessoas com rendimentos mensais superiores a R$ 5,3 milhões — pagam, em média, apenas 5,67% de Imposto de Renda efetivo sobre sua renda total . Nesse contexto, a criação de uma alíquota mínima de 10% sobre altas rendas representa uma medida relevante em um país onde os mais ricos contribuem proporcionalmente muito menos do que a maioria da população.

Essa conquista é importante não apenas pelo seu conteúdo, mas também pelo processo de mobilização social e de sensibilização popular sobre a urgência da justiça tributária. Ainda assim, há muito a avançar. A tabela progressiva do Imposto de Renda segue desatualizada e depende da vontade política dos governos para ser corrigida. O imposto mínimo sobre os super-ricos é, como o próprio nome indica, um ponto de partida — ainda muito aquém do que seria justo e necessário.

Os mais ricos continuam amplamente beneficiados por isenções e brechas fiscais, como a isenção sobre lucros e dividendos, o tratamento privilegiado de rendimentos do agronegócio e a subtributação de grandes patrimônios. Enquanto isso, a maior parte da população segue arcando com o peso dos impostos sobre o consumo, que são regressivos e penalizam especialmente as famílias de baixa renda.

A luta por justiça tributária precisa continuar. É essencial:

  • Garantir progressividade real, com quem ganha mais contribuindo proporcionalmente mais;
  • Tributar mais a renda e o patrimônio, e menos o consumo;
  • Atualizar periodicamente a tabela do IR;
  • Rever benefícios tributários ineficientes, que concentram renda e favorecem setores altamente lucrativos, inclusive aqueles que geram impactos negativos à saúde pública e à natureza;
  • Incorporar perspectivas de gênero e raça nas políticas tributárias, como parte de uma agenda de reparação histórica.

A Reforma da Renda é um passo importante, fruto da pressão social e de um debate público cada vez mais qualificado e diverso sobre o sistema tributário brasileiro. Ainda assim, a construção de um país mais justo e solidário depende de um sistema em que cada pessoa contribua de forma proporcional à sua capacidade econômica, assegurando que a tributação seja instrumento de redução, e não de reprodução, das desigualdades.

PLOA 2026: avanços para quilombolas limitados pelo orçamento

O Projeto de Lei do Orçamento 2026 (PLOA) enviado pelo governo ao Congresso Nacional prevê recursos específicos para a promoção dos direitos das comunidades quilombolas. No que se refere à principal política pública para este público, regularização fundiária, houve redução no comparativo com a PLOA 2025: de R$ 103,6 milhões para R$ 92,3 mihões, uma queda de  11%. No entanto, este valor ainda pode aumentar  uma vez que o autorizado em 2025 foi de R$ 108,6 milhões,  R$ 5 milhões a mais que a proposta do Executivo  para aquele ano.

Aquém do necessário

Esses valores, no entanto, estão muito aquém do que seria uma política pública real de titulação dos territórios quilombolas, que aguardam desde a Constituição de 1988 pela regularização de seus territórios. Atualmente, são 345 processos abertos junto ao INCRA, sendo que o atual governo publicou 32 decretos de regularização, 4 deles de titulação total. A Fundação Cultural Palmarescertificou 4.171 mil comunidades no Brasil. De acordo com a ONG Terra de Direitos, em levantamento publicado em 2023, no ritmo de titulações que precedeu aquele ano, o Brasil demoraria mais de 2 mil anos para titular todos os territórios quilombolas.

Se considerarmos os vultosos recursos destinados ao agronegócio, na casa dos bilhões de reais, vê-se como a estrutura das políticas públicas pensadas para o campo não priorizam a reparação histórica necessária e reconhecida constitucionalmente para essas populações, nem o seu papel crucial para a agricultura familiar,  a preservação ambiental e o combate às mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, iniciativas em âmbito estadual tentam facilitar a aquisição de terras devolutas para latifundiários, como é o caso de São Paulo, estado que tem 56 comunidades certificadas e 27 aguardando regularização.

Para fomento a produção local, essencial para a soberania alimentar e nutricional assim como para a autonomia econômica dessas comunidades, existem três ações orçamentárias que podem impactar as comunidades quilombolas, todas de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) . Para Apoio e fortalecimento ao etnodesenvolvimento e ao acesso à terra e ao território dos povos e das comunidades tradicionais e quilombolas (21GB), o PLOA 2025 previu R$ 16 milhões, e o PLOA 2026, R$ 9,8 milhões, uma queda de 38,7%. Para Promoção e fortalecimento da comercialização, do abastecimento e do acesso aos mercados para a agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais (21B9), o corte foi maior: de R$ 37,5 milhões na PLOA 2025 para apenas R$ 2,8 milhões na PLOA 2026 (92,5% menos). Para Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), para todos os públicos, também houve redução de 51%, de R$ 253,1 milhões na PLOA 2025 para R$ 121,6 milhões na PLOA 2026. Em 2024, apenas 0,3% do recurso de ATER foi direcionado especificamente para comunidades quilombolas.

Falta recursos para combater a fome

Para alimentos a serem distribuídos para grupos específicos em situação de insegurança alimentar, entre eles os quilombolas, a proposta do governo para o próximo ano também é inferior à de 2025: de R$ 120,7 para R$ 109 milhões, uma diminuição de 9,6%. Uma redução no combate emergencial à fome só faz sentido se o fomento à produção local, principalmente de alimentos, tiver investimento, e não é o que verificamos com os dados do parágrafo anterior.

No âmbito do Ministério da Igualdade Racial (MIR), estão previstos R$ 42,1 milhões, R$ 4,1 milhões adicionais em relação à  PLOA 2025, porém R$ 3,2 milhões a menos que o orçamento autorizado pelo Congresso Nacional o ano passado. Se a tendência se mantiver, isso significa que há margem para negociar aumento de recursos junto aos parlamentares.

É inegável o compromisso do presidente Lula com as comunidades quilombolas, cujas políticas públicas foram completamente desmontadas nos governos Temer e Bolsonaro. Este compromisso está materializado nos decretos de regularização fundiária publicados em número recorde em relação a governos anteriores, a criação de áreas específicas para gestão dessas políticas no MIR e no MDA, a criação de políticas específicas de saúde e educação, e a retomada de ações integradas como o Programa Aquilomba Brasil e o Quilombo das Américas. No entanto, quando o Arcabouço Fiscal fala mais alto, é no orçamento para este público que identificamos cortes em ações que já estão sub-financiadas há anos. Este caminho, infelizmente, está na contramão da urgente realização dos direitos para as comunidades quilombolas.

PLOA 2026: o necessário investimento na Igualdade Racial

O orçamento para políticas públicas voltadas especificamente para a promoção da igualdade racial teve uma redução de 7% (R$9,4 milhões) no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2026 enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional, caindo de R$138,7 milhões no PLOA anterior para R$129,3 milhões. O valor também é inferior ao recurso autorizado em 2025, que foi de R$150,3 milhões[1]. Neste sentido, espera-se que o orçamento neste tema possa ser incrementado até a aprovação da LOA, cujo prazo é dezembro deste ano.

Estes recursos são destinados às  iniciativas desenvolvidas pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR), concretizadas por meio de três programas orçamentários: 5802 Políticas para quilombolas, comunidades tradicionais de matriz africana, povos de terreiros e povos ciganos; 5803 Juventude Negra Viva; e 5804 Promoção da igualdade étnico-racial, combate e superação do racismo.

O Ministério da Igualdade Racial (MIR) tem a missão de criar diretrizes e políticas públicas, sendo a sua função primordial articular, junto aos outros órgãos da Administração Pública Federal, no âmbito do Pacto Federativo e na atuação política no Congresso Nacional, para que tais políticas sejam concretizadas, especialmente por áreas finalísticas. É o caso, por exemplo, das políticas para quilombolas, pois a regularização fundiária e a titulação dos territórios são funções do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), e outros direitos dos quilombolas devem ser assegurados pela assistência social, saúde, educação, meio ambiente, entre outras.

Plano Juventude Negra Viva

O mesmo ocorre com o Plano Juventude Negra Viva (PJNV), uma ação intersetorial que envolve 18 ministérios. Segundo relatório do MIR, por exemplo, o investimento do Ministério dos Esportes para o PJNV teria sido de R$ 730 milhões em dois anos (2023 e 2024). Para 2026, o governo apresentou uma proposta que aumenta o recurso de R$ 473,1 milhões (PLOA 2025) para R$ 628,7 milhões (PLOA 2026), um incremento considerável de 24,7%, demonstrando a intenção do governo em investir em políticas públicas de esportes. No entanto, se compararmos com a alocação de recursos para esta pasta em 2025 (R$2,8 bilhões), a proposta representa uma redução de 78%. Caberá, portanto, ao Congresso Nacional, manter ou não o patamar alcançado este ano.

O Governo Federal retomou os investimentos em educação, saúde e assistência social que impactam principalmente a população negra, e criou programas específicos para incentivar os adolescentes e jovens a permanecer na escola, como o Pé-de-Meia. Porém, o arcabouço fiscal impede que o orçamento atual compense o desfinanciamento iniciado em 2015, com o Teto de Gastos, até a extinção completa da política de igualdade racial no PPA 2020-2023.

Política de vida x necropolítica

Além disso, na atual conjuntura, é como se o Governo Federal buscasse implementar uma política de vida para os jovens negros, enquanto os governos estaduais, que são os responsáveis diretos pela segurança pública (e por prerrogativa constitucional), atuassem para politizar as mortes em nome do ideário higienista e necropolítico. Os governadores de extrema direita, de São Paulo e do Rio de Janeiro – respectivamente, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Cláudio Castro (PL) – têm atuado contra o controle das polícias por meio das câmeras corporais e disseminado discursos contrários aos direitos humanos. E, a Bahia, governada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), não fica atrás quando o tema é violência contra a população negra e periférica: de acordo com o Atlas da Violência, em 2022, o estado liderou as taxas de homicídios, com 45,1 por 100 mil habitantes, seguida por Amazonas (42,5) e Amapá (40,5).

Além da execução financeira de R$ 82,19 milhões (59,25%) do recurso autorizado, o MIR executou R$ 35,46 milhões de restos a pagar em 2024. Foram R$ 117,65 milhões chegando aos territórios, o que é um montante positivo para uma política pública que estava sem recursos e estrutura até 2022 e que passa a ser retomada em 2023. Até o momento, o Ministério já empenhou 55% do orçamento, e tem até 31 de dezembro para realizar a execução.

O Congresso Nacional terá um papel central para autorizar  investimentos adicionais para essa  política pública. O Brasil está longe de resolver o problema do racismo, e os indicadores sociais confirmam essa realidade. Cabe ao Executivo e ao Legislativo garantirem recursos  para que estas políticas públicas existam e sejam, de fato, efetivas.

 

[1] Valores correntes. Não incluem gastos com pessoal e outras despesas obrigatórias, somente despesas discricionárias.

Subsídios aos combustíveis fósseis caem, mas ainda são quase o triplo do destinado às fontes renováveis, aponta Inesc

No ano de 2024, os benefícios fiscais concedidos pelo Governo Federal à indústria de combustíveis fósseis e ao segmento de energia renovável somaram R$ 65,72 bilhões, dos quais R$ 47,06 bilhões (71,6%) foram para petróleo, gás e carvão, enquanto R$ 18,65 bilhões (28,4%) beneficiaram fontes renováveis. Embora esse total tenha diminuído em relação a 2023, quando chegou a R$ 99,83 bilhões, o Brasil ainda mantém uma disparidade na distribuição dos subsídios ao setor de energia: para cada R$ 2,52 destinados às fontes fósseis, apenas R$ 1 é gasto com renováveis.

Os dados fazem parte da 8ª edição do estudo Subsídios às Fontes Fósseis e Renováveis (2023-2024), do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que acompanha há quase uma década o impacto nos cofres públicos de benefícios como o Repetro, considerado o maior regime especial de tributação do país, que atingiu R$ 13,6 bilhões em 2024. O Repetro foi criado em 1988 para desonerar importações e exportações de bens da indústria de petróleo e gás, quando a Petrobras ainda detinha o monopólio da exploração de petróleo e o pré-sal não havia sido descoberto. Mesmo assim, foi prorrogado até 2040, garantindo vantagens fiscais às petrolíferas, incluindo as estrangeiras.

Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, lembra que a Lei Complementar nº 214/2025 (Reforma Tributária sobre o consumo), aprovada neste ano, trouxe avanços nessa direção, com a criação do Imposto Seletivo e a obrigatoriedade de avaliação a cada 5 anos de todos os regimes especiais de tributação, quanto à eficiência, eficácia e impacto climático e socioambiental. “Essas medidas representam um avanço institucional essencial para corrigir distorções e alinhar a política fiscal à transição energética”, afirma. “A queda dos subsídios aos fósseis acompanhada dessas medidas sinaliza que o Brasil está dando passos na direção da reforma dos subsídios aos fósseis. Tais avanços deveriam encorajar o governo a assumir uma postura mais assertiva na COP 30, pautando iniciativas também no campo do multilateralismo climático”, completou.

Baixo impacto na inflação

Os subsídios ao consumo de combustíveis foram cortados em 84%, passando de R$ 39,8 bilhões para menos de R$ 7 bilhões entre 2023 e 2024. Isso ocorreu devido à volta da cobrança de PIS e Cofins sobre gasolina, diesel e gás de cozinha — o que gerou economia de R$ 33 bilhões aos cofres públicos. Apesar da redução dos incentivos ao setor, os preços não dispararam: a gasolina subiu apenas 10,21%, o diesel 3,41% e o etanol 20,46%, mantendo-se competitivo com um crescimento de 33,4% no consumo.

Pelos dados do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), é possível que o aumento nos preços só não tenha sido menor porque as distribuidoras de combustíveis não repassam integralmente a redução dos preços praticada pelas refinarias. Em outras palavras, o desconto não chega totalmente aos consumidores, pois desde a privatização do setor durante o governo Bolsonaro, essas empresas podem ter priorizado aumentar suas margens de lucro.

Fontes renováveis de energia

A chamada geração distribuída (modelo em que consumidores produzem sua própria energia, principalmente solar, por meio de painéis em residências, comércios ou pequenas usinas) vem crescendo no Brasil, impulsionada por subsídios que saltaram de R$ 7,14 bilhões em 2023 para R$ 11,58 bilhões em 2024.

Para o Inesc, embora essa produção independente seja positiva, ela é custeada por todos os consumidores, já que parte dos custos da rede é paga por quem não possui sistemas fotovoltaicos. Como agravante, o Operador Nacional do Sistema (ONS) não tem controle direto sobre a geração distribuída, o que pode causar desequilíbrios em momentos de sobreoferta e obrigar o desligamento temporário de usinas contratadas — processo conhecido como curtailment.

As compensações pagas às grandes geradoras (como as termoelétricas, por exemplo) acabam onerando novamente o consumidor final. “Isso demonstra o quanto os subsídios são capazes de interferir no planejamento do setor elétrico”, explica Cássio Carvalho, assessor político do Inesc.

Com tarifas residenciais crescendo acima da inflação, o relatório alerta para a importância de todas as políticas de incentivo considerarem a justiça socioambiental e a proteção de famílias de baixa renda de custos indevidos. O Inesc reforça a urgência para a revisão de benefícios às fontes de energia fóssil ou renovável para eliminar os chamados “subsídios ineficientes” — que distorcem o mercado, estimulam o consumo e dificultam o combate às mudanças climáticas.

“Os subsídios aos combustíveis fósseis não podem ser vistos como algo imutável. É possível rever desonerações e redirecionar recursos públicos de modo planejado e equilibrado, fortalecendo as finanças do Estado e impulsionando uma transição energética justa”, conclui o pesquisador.

O relatório completo pode ser acessado no link: inesc.org.br/subsidios-fontes-energeticas-2024

Mulheres negras de baixa renda pagam até oito vezes mais pela energia do que homens brancos de renda alta

Um levantamento inédito do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) expõe a face mais desigual do sistema tarifário brasileiro: o peso desproporcional das bandeiras tarifárias de energia elétrica sobre famílias negras e de baixa renda, especialmente as chefiadas por mulheres. A pesquisa “Energia e interseccionalidade:o impacto das tarifas de energia elétrica no orçamento das famílias brasileiras” mostra que, em cenários de maior encarecimento da conta de luz, esses domicílios podem gastar o dobro — em termos proporcionais à renda — do que famílias brancas de maior poder aquisitivo.

O dado mais emblemático é a comparação entre uma mulher negra de renda média e um homem branco de renda alta. Enquanto a primeira tem seu gasto mensal com energia acrescido em 9,41% sob bandeira vermelha patamar II, chegando a representar 13,09% de sua renda mensal, o segundo sofre aumento de apenas 6,24%, o que equivale a 7,03% da renda. A desigualdade é tão profunda que, embora a conta do homem branco seja maior em termos absolutos, ela pesa muito menos no orçamento.

“O estudo comprova que as bandeiras tarifárias penalizam quem já vive no limite. Mulheres negras, sobretudo de baixa e média renda, têm menor elasticidade de consumo: não conseguem reduzir o uso de energia porque já consomem apenas o essencial. Isso é o que chamamos de injustiça energética”, afirma Cristiane Ribeiro, do Colegiado de Gestão do Inesc.

 

Dados revelam desigualdade

A análise do Inesc cruzou dados de renda, gênero e raça a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE e revelou distorções históricas. Famílias chefiadas por homens brancos de renda alta consomem, em média, 262,72 kWh/mês, 2,5 vezes mais que famílias chefiadas por homens negros de baixa renda (102,84 kWh/mês). Por sua vez, famílias chefiadas por mulheres negras de baixa renda exibem o menor rendimento per capita (R$ 309,08) e comprometem, em média, 11,57% da renda total com energia elétrica; já os homens brancos de alta renda, com renda per capita de R$ 6.772, destinam apenas 1,46% da renda à conta de luz.

Em números absolutos, o contraste também impressiona: famílias de mulheres negras de renda média arcaram juntas, em 2024, com R$ 230,8 milhões em custos adicionais provocados pelas bandeiras tarifárias. Entre os homens brancos de renda alta, esse gasto agregado foi menos da metade: R$ 106,7 milhões.

O estudo estimou que, mesmo diante do aumento na tarifa de eletricidade, famílias de renda média chefiadas por mulheres negras praticamente não conseguem reduzir o consumo, pois já operam no limite do uso essencial. Em contraste, homens brancos de renda alta dispõem de maior margem para ajustar o consumo sem comprometer o bem-estar. “O modelo atual de bandeiras tarifárias parte do pressuposto de que todos os consumidores podem economizar quando a conta aumenta. Mas essa hipótese ignora a realidade de milhões de famílias que já vivem no mínimo vital. Para elas, reduzir o consumo significa abrir mão de comida refrigerada, de banho quente ou de ventilador em dias de calor extremo”, explica Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Inesc.

Assimetria no setor elétrico

A pesquisa também evidencia uma assimetria estrutural no setor elétrico brasileiro: as bandeiras tarifárias incidem apenas sobre os consumidores do Ambiente de Contratação Regulado (ACR), enquanto os do Ambiente de Contratação Livre (ACL) permanecem isentos dessa cobrança. “É um modelo perverso, que vem se agravando em um contexto de migração crescente do mercado regulado para o livre. As bandeiras tarifárias têm sido aplicadas com maior frequência — resultado do próprio planejamento do sistema e da recorrente escassez hídrica —, e o custo acaba sendo repartido entre um grupo cada vez menor de consumidores, enquanto os do ACL seguem isentos’, critica Carvalho.

As comparações revelam desigualdades persistentes: uma mulher negra de renda média, com renda per capita de R$ 1.240 e consumo médio de 140 kWh/mês, pode ver o gasto com energia atingir 13% da renda sob bandeira vermelha patamar II; um homem branco de renda alta, com renda per capita de R$ 6.772 e consumo de 262 kWh/mês, dificilmente ultrapassa 7%. Entre as famílias de baixa renda, uma mulher negra consome, em média, 106,81 kWh/mês e compromete 16% dos gastos com habitação e 11,57% da renda total com energia; um homem branco de baixa renda consome 123,86 kWh/mês e compromete 15,03% da habitação e 9,96% da renda.

O peso das bandeiras

O estudo relembra que o mecanismo das bandeiras tarifárias — criado em 2015 — transfere aos consumidores regulados os custos da geração e do acionamento de termelétricas movidas a combustíveis fósseis, o que se intensifica em períodos de seca e calor extremos. As tarifas adicionais correspondem a R$ 0,01885/kWh na bandeira amarela, R$ 0,04463/kWh na vermelha patamar I e R$ 0,07877/kWh na vermelha patamar II. Em 2024, o arranjo mensal combinou oito meses de bandeira verde, dois de amarela e um mês em cada patamar de vermelha, resultando em forte assimetria de impacto entre os diferentes grupos sociais.

As simulações do Inesc indicam que, quando a bandeira passa de verde para amarela, o aumento percentual no gasto mensal é maior para mulheres negras de renda alta (2,36%) do que para homens brancos da mesma faixa (1,59%); e, no cenário mais severo — vermelha patamar II —, o gasto mensal cresce 9,74% para mulheres negras de renda alta, contra 6,24% entre homens brancos de renda alta. Considerando a renda, os acréscimos relativos também penalizam mais mulheres negras e homens negros de renda média do que os brancos de renda alta, em todos os cenários.

Do ponto de vista de política pública, o Inesc sustenta que a justiça energética precisa orientar a transição. Em síntese, defende a extensão das bandeiras tarifárias ao mercado livre para garantir isonomia; Maior transparência na cobrança das Bandeiras Tarifárias, de modo a possibilitar a análise do perfil dos consumidores — com dados desagregados por gênero, raça e renda — que estão suportando os custos da resiliência do sistema elétrico brasileiro diante das mudanças climáticas e o enquadramento automático e imediato na Tarifa Social de Energia Elétrica para famílias inseridas no CadÚnico.

O objetivo é baratear a tarifa ao longo do tempo e, sobretudo, interromper a transferência regressiva de renda do ACR para grupos privilegiados do ACL, que hoje não participam do rateio das bandeiras mesmo concentrando parcela expressiva do consumo nacional. “O combate à pobreza energética deve ser parte da agenda climática. Não é possível pensar em transição energética justa quando mulheres negras seguem pagando proporcionalmente mais caro pela luz do que homens brancos ricos. É racismo ambiental traduzido em números”, conclui Ribeiro.

Audiência Pública debate desigualdades no impacto das bandeiras tarifárias de energia elétrica

A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados realizou no dia 21 de outubro, uma Audiência Pública para discutir os impactos das bandeiras tarifárias de energia elétrica na renda das famílias chefiadas por mulheres e pessoas negras. O debate, presidido pelo deputado Pedro Uczai (PT/SC), reuniu representantes do governo federal, de agências reguladoras e da sociedade civil, com o objetivo de subsidiar políticas públicas voltadas à justiça energética e à igualdade social.

Assista:

Energia e interseccionalidade: o impacto das tarifas de energia elétrica no orçamento das famílias brasileiras

Este estudo tem a finalidade de estimar o custo das bandeiras tarifárias de energia elétrica assumido pelos diferentes segmentos da população por gênero, raça/etnia e classe, de modo a demonstrar como os impactos são maiores para as mulheres negras empobrecidas.

PLOA 2026 expõe compressão do orçamento social e crescimento das despesas financeiras

O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) da União para 2026 reforça tendências preocupantes no desenho das contas públicas. Segundo os dados apresentados, 92% das despesas previstas são obrigatórias e apenas 8% discricionárias — proporção semelhante à dos últimos anos, mas com crescimento desigual: enquanto as obrigatórias aumentaram 9,3% em relação a 2025, as discricionárias cresceram apenas 5,7%.

Esse cenário aprofunda a compressão do espaço para despesas discricionárias em políticas públicas não obrigatórias, como as de meio ambiente e clima, de igualdade racial, e de proteção às mulheres, consequência direta das regras do Novo Arcabouço Fiscal. As despesas discricionárias são aquelas em que o governo tem liberdade de escolher quando e como gastá-las. 

Pressão da dívida e juros elevados

Um dos pontos mais críticos é o peso das despesas financeiras. Para 2026, estão previstos R$ 3,13 trilhões em juros, encargos e refinanciamento da dívida, valor praticamente igual às despesas primárias (R$ 3,2 trilhões), que sustentam áreas como saúde, educação e previdência. Entre 2025 e 2026, a projeção para o serviço da dívida cresceu cerca de  R$ 290 bilhões — quase três vezes mais do que o aumento previsto para a previdência social.

Com a previsão de juros médios ainda mais altos em 2026 (13,11%, frente a 9,61% em 2025), a pressão sobre o orçamento tende a se ampliar, ao mesmo tempo em que o discurso de austeridade continua direcionado aos gastos públicos.

Ganhos e perdas setoriais

Na distribuição entre ministérios, a Educação foi a área com maior reforço, registrando aumento de 16,4% em relação a 2025. Também receberam acréscimos, ainda que modestos, os ministérios do Desenvolvimento Social, Saúde, Esporte, Mulheres, Turismo e Meio Ambiente.

Em contrapartida, o Ministério das Cidades poderá sofrer corte de 26,6% em seu orçamento, comprometendo políticas de habitação, saneamento e mobilidade urbana. Já os ministérios de Direitos Humanos e Igualdade Racial registraram reduções expressivas em seus já limitados recursos, e o orçamento do Ministério dos Povos Indígenas segue praticamente estagnado.

Salário mínimo e prioridades do PPA

A política de valorização do salário mínimo prevê aumento real de 2,5%. Embora represente ganho, o índice fica aquém do crescimento do PIB em 2023 e 2024, indicando limites impostos pelo Arcabouço Fiscal.

Quanto às prioridades elencadas no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, houve maior aporte para combate à fome, saúde, desmatamento e PAC. Entretanto, educação básica e neoindustrialização tiveram reduções em relação a 2025, e não há previsão específica para a educação em tempo integral, ampliando o risco de aprofundamento das desigualdades educacionais.

Emendas parlamentares e fragmentação do orçamento

Um alerta do PLOA 2026 é a previsão de R$ 40,8 bilhões para emendas parlamentares, sendo R$ 26,6 bilhões individuais e R$ 14,2 bilhões de bancada — valor total superior ao de 2025 (R$ 39 bilhões). Durante a tramitação no Congresso, esse montante ainda pode aumentar.

As emendas parlamentares têm sido cada vez mais fragmentadas e direcionadas a interesses locais, sem critérios claros de planejamento ou avaliação de impacto, o que pulveriza recursos e enfraquece o orçamento público como instrumento de planejamento democrático e de longo prazo.

Sinais de alerta

Na mensagem presidencial que acompanha o PLOA 2026, o governo sinaliza medidas para aumentar a arrecadação via tributação, em tentativa de equilibrar as contas sem recorrer apenas a cortes. Ainda assim, o cumprimento das metas fiscais sob o Novo Arcabouço Fiscal pode levar a novos cortes em políticas estruturantes de redução das desigualdades, enquanto privilégios financeiros permanecem intocados.

>> Saiba mais no artigo publicado pelo Diplomatique Brasil: O que esperar do PLOA 2026 <<

Cortes expressivos em ações  de adaptação climática

A análise do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2026 também revelou cortes expressivos em ações  fundamentais para garantir o direito à cidade e enfrentar os desafios da adaptação climática nos centros urbanos. 

O programa Moradia Digna, que inclui o Minha Casa Minha Vida, sofreu redução de quase 50% em sua principal ação, passando de R$ 10,7 bilhões em 2025 para R$ 5,6 bilhões em 2026, uma queda de 48%. O programa Cidades Melhores, voltado a intervenções estruturantes de desenvolvimento urbano sustentável, também foi drasticamente reduzido, de R$ 50 milhões para apenas R$ 400 mil. Em contrapartida, o Periferia Viva dobrou o orçamento para apoiar a regularização fundiária urbana destinada à segurança da posse de famílias de baixa renda. A regularização fundiária é uma das principais demandas dos movimentos populares que consideram essa medida uma política climática básica.

Outros programas estratégicos seguem em situação preocupante. O de Gestão de Riscos e Desastres permanece estagnado, sem investimentos consistentes em prevenção, enquanto o orçamento para Mobilidade Urbana caiu cerca de 20%, mesmo diante do avanço de iniciativas como a Tarifa Zero em quase 140 municípios. 

>> Saiba mais no artigo publicado pelo Brasil de Fato: PLOA 2026: Direito à cidade e adaptação climática 

Orçamento para meio ambiente segue estagnado 

O Novo Plano Clima (2025-2035) representa um avanço frente à fragmentação histórica das políticas climáticas no Brasil, ao estabelecer limites de emissão nacionais e setoriais, organizar estratégias de mitigação e adaptação em alinhamento com a Convenção do Clima e propor articulação entre diversas fontes de financiamento. No entanto, sua efetivação esbarra em um problema estrutural: o orçamento da área ambiental, peça-chave para a execução do Plano, segue estagnado. Embora o PLOA 2026 preveja aumento de 11% em relação a 2025 (de R$ 4,13 bilhões para R$ 4,59 bilhões), a maior parte desse crescimento se deve ao aumento de despesas com pessoal, enquanto os recursos discricionários — que viabilizam ações concretas como fiscalização ambiental e combate a incêndios — permanecem congelados em R$ 1,59 bilhão.

Esse descompasso revela a dificuldade de transformar a ambição do Plano Clima em realidade. Mesmo com a previsão de participação de recursos privados e internacionais, muitas ações são intransferíveis e dependem exclusivamente do orçamento público, que hoje está limitado pelas regras do Novo Arcabouço Fiscal. 

>> Saiba mais no artigo publicado pela Folha de S.Paulo: PLOA 2026: um início frustrante para o Plano Clima  

Avanço limitado na educação 

O PLOA 2026 ainda prevê aumento de 21% nas despesas obrigatórias da educação em relação a 2025, impulsionado pela elevação gradual da complementação da União ao Fundeb, que passará de 10% para 23%. Já as despesas discricionárias tiveram acréscimo de 15%. 

Embora o cenário aponte para mais recursos, especialistas alertam que a pressão das despesas obrigatórias sobre o orçamento, somada ao limite de crescimento imposto pelo Novo Arcabouço Fiscal, pode comprometer programas e ações importantes da área, especialmente em um contexto de crescimento econômico limitado.

Entre os pontos de atenção, está a inclusão do programa Pé-de-Meia no cálculo do mínimo constitucional da educação, medida que, apesar de importante para combater a evasão escolar, pode reduzir os recursos disponíveis para outras iniciativas do MEC. 

Preocupa a queda drástica no orçamento da Educação de Jovens e Adultos, de R$ 335,8 milhões em 2025 para R$ 121,6 milhões em 2026, impactando sobretudo populações negras e de baixa renda nas regiões Norte e Nordeste. 

>> Saiba mais no artigo publicado pela Carta Capital: PLOA e a Educação para 2026 

Aumento no orçamento para Mulheres

O Projeto de Lei Orçamentária de 2026 prevê um aumento de 14,8% nos recursos destinados a políticas públicas voltadas para mulheres, com destaque para a execução mais efetiva dos valores: em 2024, 92% do orçamento foi empenhado pelo Ministério, revertendo o histórico de subfinanciamento. Esse avanço possibilitou a implementação de 32 Casas da Mulher Brasileira em diferentes estados, com previsão de mais quatro inaugurações em 2025, levando serviços essenciais para municípios onde as mulheres vítimas de violência mais precisam de atendimento. O Congresso Nacional, diante desses resultados, deve considerar a efetividade na aplicação dos recursos como critério para ampliar o orçamento da área.

Em relação à Política Nacional de Cuidados, houve uma redução de 13% no PLOA 2026 em relação a 2025, de R$ 25 milhões para R$ 21,7 milhões. Este é o orçamento proposto pelo Executivo para a implementação desta política, que é intersetorial e envolve outras pastas, como assistência social, saúde e educação. Ainda não é possível estimar o montante real que será destinado em 2026, já que o Plano Nacional de Cuidados ainda não foi implementado. 

>>> Saiba mais na reportagem da coluna da Mônica Bergamo na Folha: Orçamento voltado para mulheres receberá R$ 168,7 milhões em 2026, um aumento de 14,8%

Crianças e adolescentes

Parte importante das políticas públicas voltadas à infância e adolescência — que, por lei, deveriam ter prioridade absoluta — está sendo comprimida pelo novo arcabouço fiscal. Um exemplo é o do Programa Orçamentário 5816 — Promoção e Proteção Integral dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes com Absoluta Prioridade, para o qual o PLOA 2026 aloca R$ 60,8 milhões, um valor 23,4% inferior ao PLOA 2025. 

As ações voltadas à implementação de políticas de atenção integral à saúde da criança e de atenção à saúde do adolescente e do jovem também apresentaram propostas orçamentárias para 2026 bastante inferiores às de 2025: os recursos destinados caíram para R$ 6 milhões e R$ 3,1 milhões, respectivamente, reduções de cerca de 78% em relação ao PLOA anterior, agravadas pela execução lenta do orçamento de 2025. 

A exceção foi a proposta de alocação de recursos para a Rede Alyne, estratégia de reestruturação da Rede Cegonha, voltada ao aprimoramento do cuidado à saúde materna e infantil. Para essa ação, o governo alocou valor 168,2% superior ao previsto no Projeto de Lei Orçamentária de 2025.

>>> Saiba mais no artigo publicado pelo Correio Braziliense: Limite fiscal não condiz com a prioridade absoluta de crianças e adolescentes

Agenda do Inesc na COP 30


Eventos paralelos COP 30  

 

Data Atividade Local Organizadores
10/11 – 13h às 14h Transitar das urgências para as alternativas: a sociedade civil mobilizada no enfrentamento à crise climática nas cidades Zona Verde Fase
11/11 – 13h15 às 14h45 Reaffirming the need for public climate finance: No to false solutions Zona azul Inesc e parceiros
11/11 – 16h às 18h Cities, towns, territories: ancestral and current technologies for envisioning the future Zona Verde (Urbanism Pavilion)

Foundation

Heinrich Böll Brazil

11/11 – 16h30 às 18h Transição Energética e impactos nos territórios: O caso Serra do Mel Zona Verde CUT Nacional
11/11 – 16h45 às 18h15 Communities in the driving seat: Carbon Markets safeguards and alternatives. Zona Azul Fastenaktion
14/11 – 17h30 às 18h30 Inefficient Fossil Fuel Subsidies: Challenges and Opportunities Zona Azul Inesc e parceiros
14/11 – 18h30 às 20h Prospects and challenges for real, gender just, people-led climat solutions Zona Azul APWLD e parceiros
14/11 – 11h20 às 12h35 Justiça Climática com Perspectiva de Gênero: financiando futuros sustentáveis AgriZone/Embrapa Amazônia Oriental FAESP, DPESP e EDEPE
17/11 – 9h30 Civil society-led innovations for more equitable, accountable and transparent climate finance decisions Zona Azul (Resilience Hub) WRI, Inesc, CBC e GFLAC
17/11 – 11h15 às 12h15 O Papel das Salvaguardas Socioambientais para uma Transição Justa Zona Verde Inesc e parceiros
18/11 – 11h às 12h30 Desafios socioambientais da Transição Energética Zona Verde Inesc e parceiros
18/11 – 11h15 às 12h Three Forests, One Voice: Indigenous Peoples’ Role in Forest Ecosystem Governance Zona Azul AQOCI e Red Latinidadd
21/11 – 11h15 às 12h15 Inefficient Fossil Fuel Subsidies: Challenges and Opportunities Zona azul (Pavilhão ICS) Inesc e parceiros

 

Cúpula dos Povos 

 

Data Atividade Local Organizadores
12/11 – 8h Barqueata UFPA Cúpula dos Povos
12/11 Abertura oficial Cúpula dos Povos UFPA Cúpula dos Povos
13/11 – 9h às 12h Plenárias Cúpula dos Povos dos Eixos 1, 2 e 3 UFPA Cúpula dos Povos
14/11 – 9h às 12h Plenárias dos Eixos 4, 5 e 6 UFPA Cúpula dos Povos
15/11 Marcha Global Marcha pelas ruas de Belém Cúpula dos Povos
16/11 – 9h às 11h Audiência pública com a presidência da COP 30 UFPA Cúpula dos Povos
16/11 – 14h às 16h Banquetaço Praça da República Cúpula dos Povos

Nos dias 13, 14 e 15/11 no período da tarde serão realizadas diversas atividades durante a Cúpula dos Povos, que ainda estão em fase de aprovação e alocação de espaços. Para mais informações sobre a Cúpula dos Povos, acesse o site.

 

Outros espaços

 

Data

Atividade Local

Organizadores

11/11

Tendências da Cooperação Internacional: Impactos sobre as organizações da Sociedade Civil A definir PAD
12/11 – 17h30 às 18h30 Zonas de Sacrifício e Falsa Transição: impactos da Infraestrutura de GNL e dos jabutis do gás Amazon Climate Hub (Casa Arayara)

Coalizão Energia Limpa

12/11 – 14h às 17h

Oficina: Data centers – conectando lutas diante da crise socioambiental e tecnológica Casa Libra IDEC
14/11 – 19h às 20h Desafios socioambientais para uma transição energética justa Amazon Climate Hub (Casa Arayara)

Inesc e parceiros

13/11 – 15h

Roda de coversa sobre transição energética justa ICA, Praça da República Observatório do Clima
15/11 – 16h15 às 17h15 O papel dos bancos de desenvolvimento e do orçamento público no financiamento climático: desafios e oportunidades para a Transformação Ecológica Uruçu

Instituto Escolhas e Inesc

17/11 – 10h às 12h

Gênero e adaptação climática nos territórios Embaixada dos Povos Inesc e parceiros
17/11 – 11h15 às 12h15 O Papel das Salvaguardas Socioambientais para uma Transição Justa CCAA

Revolusolar e Climainfo

18/11 – 18h às 19h30

Justiça Climática, Financiamento e Direitos Humanos: desafios e articulações possíveis Casa da Abong Inesc e parceiros
20/11 – 08h30 às 10h Apresentação do Relatório Racismo Ambiental e COP 30 Casa COP do Povo

Inesc/Dhesca e parceiras

 

*Agenda sujeita a ajustes e atualizações

Financiamento climático: o que todo jornalista precisa saber

Este ebook oferece uma leitura rápida e crítica para jornalistas que desejam ir além do senso comum e pautar o que realmente está em jogo na COP 30: o financiamento climático justo, público e acessível.

Depois de anos de luta, vitória da mobilização popular!

A aprovação do Projeto de Lei 1087/2025, que trata da chamada “reforma da renda”, no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (01/10), representa uma importante vitória da mobilização popular em defesa de um sistema tributário mais justo e progressivo no Brasil.

Sob relatoria do deputado Arthur Lira (PP-AL), a proposta enfrentou sucessivos adiamentos desde agosto, em meio à priorização de pautas como a anistia a golpistas, a PEC da blindagem e as disputas em torno da dosimetria de penas — escolhas que evidenciam a disposição de parte do Congresso Nacional em preservar privilégios e enfraquecer a democracia.

Desde o início das discussões, formou-se um amplo consenso em torno da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para rendimentos de até R$ 5 mil mensais. O verdadeiro embate político e ideológico, porém, concentrou-se na criação de um imposto mínimo sobre altas rendas, destinado a quem recebe mais de R$ 600 mil por ano. Essa medida enfrentou forte resistência de setores empresariais e da oposição conservadora. 

Mantida a taxação dos super-ricos

Parlamentares do PL e do Partido Novo usaram uma retórica distorcida e negacionista, tentando minimizar as profundas desigualdades sociais do país e negar a existência de uma elite econômica concentradora de riqueza que deve, sim, ser tributada. Argumentaram que não seriam os ricos os afetados pela medida, mas sim aqueles que “geram empregos” e “fazem o Brasil crescer”, invertendo propositalmente a lógica da justiça fiscal para proteger privilégios. Essa narrativa ignora o papel fundamental dos tributos na redistribuição de renda e no financiamento de políticas públicas essenciais, buscando deslegitimar avanços na progressividade tributária e reforçando um discurso de austeridade que recai, invariavelmente, sobre trabalhadores e trabalhadoras.

A manutenção do imposto mínimo sobre altas rendas no texto aprovado foi fruto direto da pressão popular. Meses de campanhas públicas e articulação com parlamentares, lideradas por movimentos sociais, organizações da sociedade civil, coletivos e sindicatos, uniram forças em torno da justiça fiscal – uma bandeira histórica defendida há muitos anos pela sociedade civil.

Um marco potente dessa mobilização foi a entrega, pouco antes da votação, do resultado parcial do Plebiscito Popular, que reuniu mais de 1,5 milhão de votos favoráveis à taxação dos super-ricos e à ampliação da faixa de isenção até R$ 5 mil. A entrega foi realizada por representantes do plebiscito em reunião com o presidente da Câmara, Hugo Motta, e o presidente Lula.

Retrocessos

Embora o texto final preserve os pontos centrais da proposta original do governo — a ampliação da faixa de isenção do IRPF e a criação do imposto mínimo sobre altas rendas —, o substitutivo aprovado trouxe alterações preocupantes. Inseridas pelo relator Arthur Lira ainda durante as discussões em comissão especial, essas alterações reduzem significativamente o alcance redistributivo da medida.

Entre os principais retrocessos está a exclusão explícita dos rendimentos do agronegócio da base de cálculo do imposto mínimo, preservando privilégios fiscais históricos do setor. Além disso, foram retirados da tributação os lucros e dividendos remetidos ao exterior por fundos de pensão estrangeiros, abrindo brechas para estratégias de elisão fiscal.

A aprovação na Câmara, embora represente um avanço importante, não encerra a luta por justiça fiscal no país. Ao contrário, reforça a necessidade de vigilância constante e mobilização social permanente para garantir que o sistema tributário brasileiro avance rumo à equidade e à sustentabilidade.

Agora é no Senado

É urgente cultivar uma percepção realista dos impostos, condizente com suas funções democráticas. Tributos não são punições, mas ferramentas fundamentais para corrigir desigualdades, financiar políticas públicas essenciais e garantir um Estado que funcione para todos — e não apenas para os privilegiados.

Agora, a proposta segue para o Senado, e a mobilização precisa continuar firme. É fundamental manter a pressão para que o imposto mínimo sobre altas rendas seja preservado na proposta.

A taxação dos super-ricos não é apenas uma compensação fiscal para a isenção até R$ 5 mil — é uma medida de justiça tributária e de combate às desigualdades!

 

Coalizão Reforma Tributária 3S realiza ato no Congresso em defesa da justiça tributária

Na manhã desta terça-feira (24), a Coalizão Reforma Tributária 3S (Solidária, Saudável e Sustentável), da qual o Inesc faz parte, realizou um ato no Salão Verde da Câmara dos Deputados, em Brasília, para defender um sistema tributário que promova saúde, justiça social e proteção ao meio ambiente. O evento reuniu parlamentares e organizações da sociedade civil e marcou o lançamento de um manifesto com propostas e alertas sobre o Projeto de Lei da Reforma do Imposto de Renda (PL 1087/2025), que será votado em plenário no próximo dia 1º de outubro.

Após avanços na Comissão Especial, o texto manteve a isenção do Imposto de Renda para rendas de até R$ 5 mil mensais e a criação de um imposto mínimo de 10% sobre rendas anuais acima de R$ 1,2 milhão. Apesar do progresso, as entidades reforçaram a necessidade de que o texto não seja desidratado antes da votação final.

Manifesto

O manifesto divulgado pela Coalizão defende a aprovação conjunta das medidas.

“Separar essas duas frentes compromete a coerência e o equilíbrio da proposta, favorecendo exclusivamente os setores mais ricos e colocando em risco o financiamento de direitos sociais já sistematicamente ameaçados pelo discurso da austeridade fiscal.”

>>> Acesse a íntegra do manifesto <<<

Mobilização popular foi decisiva

Para Teresa Ruas, assessora política do Inesc, a mobilização social tem sido decisiva para manter a integridade da proposta:

“Se o projeto da reforma da renda não foi descaracterizado até agora, foi por conta da pressão popular. E se entrou em pauta para ser votada na próxima semana, foi por conta do forte recado das ruas ao Congresso Nacional no último domingo”, avaliou. 

 Mas, de acordo com ela, ainda há risco de retrocessos, com a retirada do imposto mínimo sobre altas rendas.

“A taxação dos super-ricos não é apenas uma medida fiscal, é uma medida de justiça tributária, que combate desigualdades de gênero e raça. São as mulheres pretas e pobres as mais prejudicadas pelo atual sistema regressivo”, completou.

Parlamentares presentes também destacaram a relevância da articulação da sociedade civil. O deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL/RJ) afirmou:

“Se estamos perto de uma vitória, é preciso reconhecer a importância dessa coalizão, desse manifesto, dessa pressão e da capacidade de articulação no Congresso Nacional. Mas é fundamental garantir que a compensação venha pela taxação dos super-ricos, e não pelo desfinanciamento de políticas públicas.”

Pressão segue até a votação

Também participaram do ato a deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), o deputado Bohn Gass (PT/RS), o deputado Merlong Solano (PT/PI), a deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ), a deputada Sâmia Bomfim (PSOL/SP) e o deputado Reginaldo Lopes (PT/MG).

Além do Inesc, estiveram presentes organizações como ACT Promoção da Saúde, Fian Brasil, Nossas, Sindifisco Nacional e Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IDS).

A Coalizão 3S seguirá mobilizada até a votação, pressionando para que o Congresso Nacional aprove uma reforma tributária que reduza desigualdades, fortaleça o financiamento de políticas públicas e assegure avanços na justiça fiscal, social e ambiental.

A hipocrisia do Parlamento: menos direitos para adolescentes sem direitos

Qualquer pessoa que conheça a história da adolescência brasileira sabe que na colonização não existia a concepção do que era ser adolescente, de todo modo, ser criança ou adolescente não branco não garantia nenhuma forma de proteção. No decorrer dos séculos, surgiram ações direcionadas ao público de até 18 anos, mas com foco no controle e higienização social, a partir de medidas privativas da liberdade recheadas de violências e discriminações. 

Ou seja, não havia nenhum arcabouço legal que assegurasse qualquer direito para o público infanto-adolescente, mesmo que este vivenciasse situações de maus tratos, exploração sexual, trabalho infantil e escravo, abuso sexual, abandono, falta de acesso à escola, altas taxas de mortalidade, desnutrição e fome.

Do código de 1927 ao ECA: avanços e permanências

A primeira legislação com foco nesta população, em 1927, propunha apenas disciplinar, institucionalizar e controlar os chamados “menores” em “situação irregular”. Em vez do Estado analisar o verdadeiro problema da falta de acesso aos direitos humanos, criminalizava os adolescentes pela situação imposta pelas desigualdades do país. A Constituição Federal de 1988, ao tornar crianças e adolescentes sujeitos de direitos, possibilitou avanços nas políticas públicas, alcançando melhorias nos indicadores sociais da infância e da adolescência. 

No ano seguinte, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) criou o terreno necessário para que em julho de 1990, após bastante mobilização popular, fosse aprovada a Lei nº 8.069/90 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ainda assim, os adolescentes seguem sofrendo com a falta ou precarização de ações públicas específicas para esse grupo etário.

Violências e desigualdades que ainda atingem adolescentes

Dados do o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2025), ilustram o tamanho do desafio da luta pela garantia dos direitos infanto-juvenis. No que diz respeito às violências cometidas contra crianças e adolescentes, a pornografia infanto-juvenil, a exploração sexual infantil e a lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica têm maior predominância no grupo de 14 a 17 anos. E as mortes violentas intencionais afetam mais o grupo de 12 a 17 anos, cerca de 89%. 

Outros dados impactantes: 2.103 adolescentes foram mortos por violência intencional em 2024. Destes, 89,9% eram meninos e 85,1%, negros. Para efeito de comparação, a taxa de Mortes Violentas Intencionais (MVI) da população geral em 2024 teve uma queda em relação a 2023, no entanto, na faixa etária de 12 a 17 anos, houve aumento, o que revela o descuido com esse público etário. No que diz respeito ao estupro, 77,6% dos casos no Brasil tinham como vítimas menores de 18 anos, sendo a maioria de meninas e negras.

Saúde mental, educação e trabalho: direitos ainda negados

Em 2023, a taxa de ansiedade e depressão entre adolescentes foi maior do que entre adultos. De acordo com o Unicef, um em cada seis meninos e meninas entre 10 e 19 anos de idade no Brasil vive com algum transtorno mental. É o grupo etário que mais provoca autolesão e que teve maior aumento de casos de suicídio. 

No que tange à escolarização, em 2023, 9 milhões de jovens de 14 a 29 anos do país não completaram o ensino médio, destes, 27,4% eram brancos e 71,6% eram pretos ou pardos (Pnad Contínua 2023 – Educação). Segundo a mesma pesquisa, a maioria apontou que o motivo para parar de estudar foi a necessidade de trabalhar. Entre as meninas, o segundo motivo foi a gravidez. No Brasil, 1,2 milhão de adolescentes entre 14 e 17 anos estavam em situação de trabalho infantil em 2023. E de 2013 a 2023 mais de 232 mil meninas de até 14 anos engravidaram e tiveram o parto concluído.

Adultização dentro e fora das redes

O questionamento que devemos fazer é: o que, de fato, o Parlamento tem proposto para erradicar as múltiplas violações de direitos que afetam, em maioria, meninas e meninos negros das regiões Nordeste e Norte do país? Se, por um lado, avança em direção a uma maior proteção da infância e adolescência em ambientes digitais ao aprovar o PL 2.628/22, por outro, de forma contraditória, coloca na mesa o PL 1.473/25, que propõe aumentar o tempo da medida socioeducativa de internação para 5 anos, podendo chegar até 10. 

Ao fazê-lo, os parlamentares parecem esquecer que a chamada adultização de meninas e meninos não é um fenômeno recente e restrito à internet. Desde que esse país se chama Brasil, crianças e adolescentes, principalmente negros, indígenas, periféricos e do campo, têm seus direitos de  viver plenamente a infância e adolescência ceifados pelas desigualdades e violências impostas. 

A aprovação do PL 1.473 pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, assim como todas as propostas que têm o intuito de reduzir a idade penal, é uma hipocrisia que chega a enojar. É a manutenção de uma concepção menorista que atribui a meninos pobres e negros a responsabilidade pela criminalidade do país, quando não há, para eles, a garantia integral dos direitos humanos. 

Orçamento para  a infância e adolescência

No orçamento público do governo federal e da capital federal, por exemplo, não há nenhuma ação específica para adolescentes no âmbito do esporte, da cultura e do lazer. Quando se compara a quantidade de ações direcionadas para a primeira infância com as direcionadas para outros grupos etários dentro da população infanto-adolescente, percebe-se um vão enorme no cuidado aos sujeitos que não estão na faixa de 0 a 6 anos. Poucas políticas de assistência social específicas, manutenção das famílias em situação de pobreza, sem promoção de esporte, lazer e cultura por parte do Estado, educação de má qualidade para as periferias brasileiras. 

De acordo com estudo do Inesc, em âmbito federal, a política de atenção à saúde de adolescentes e jovens teve R$0,00 executado em 2023 e apenas R$ 1,7 milhão, de restos a pagar de anos anteriores, em 2024. As ações de enfrentamento das violências e do trabalho infantil também não tiveram execução orçamentária em 2023 e 2024. 

A hipocrisia do aumento do tempo de internação

E se o adolescente, vivenciando todas essas privações de direito, comete um ato infracional, a resposta proposta pelo parlamento é que ele seja aprisionado por mais tempo, perdendo mais uma vez o direito de viver a adolescência e de se desenvolver num ambiente garantidor de direitos que não foi possibilitado anteriormente (conforme se vê nos dados citados). 

A medida de internação deve ser a última opção. Por ser socioeducativa, deveria cumprir o princípio da brevidade para possibilitar a responsabilização do adolescente de modo que o caminho escolhido seja revisto, mas em conjunto à responsabilização da família e do Estado, para que estes possibilitem ao adolescente uma vivência num contexto menos degradante e de melhores oportunidades. 

O risco da cooptação pelo crime organizado

Além disso, a ascensão das facções prisionais já se faz presente nas unidades socioeducativas brasileiras, expondo os adolescentes a vulnerabilidades decorrentes da exclusão social. Estes grupos paramilitares cooptam as crianças e adolescentes cada vez mais cedo para o universo infracional, sobretudo para o tráfico, que é considerado uma das piores formas de trabalho infantil, conforme a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Como um exemplo de ingerência, ataca-se a causa, com respostas imediatistas e populistas, que em nada contribuem para a superação de desigualdades historicamente constituídas. Nossas infâncias e adolescências clamam por socorro, porque quando os direitos não são garantidos, diminuem-se as possibilidades de caminhos. O Estado, a família e a sociedade têm o dever de cuidar de todas as crianças e adolescentes, de modo que estas possam ter possibilidades infinitas de sonhos e de escolhas. Se esta não é a realidade, jogar toda a responsabilidade para o adolescente, mantendo-o privado de liberdade por tanto tempo, é novamente cometer uma violência.

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