Silvia Alvarez, Autor em INESC

Novo Arcabouço Fiscal trava avanços sociais e ambientais em 2024

Apesar da recuperação econômica, da redução do déficit primário, e de um discurso comprometido com os direitos sociais e climáticos, o governo federal enfrenta dificuldades para garantir avanços significativos em áreas essenciais como educação e agenda ambiental em 2024. Essa é a principal conclusão do relatório “Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024)”, produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e lançado em 29 de abril.

Segundo o estudo, o Novo Arcabouço Fiscal (NAF) limita o espaço para gastos sociais e impõe cortes mesmo em setores com vinculação constitucional, como saúde e educação. Com isso, o orçamento federal se torna desequilibrado, priorizando emendas parlamentares em detrimento de áreas estratégicas.

Educação recebe aumento tímido no orçamento 2024

No ano passado, embora o orçamento autorizado tenha sido de R$ 5,78 trilhões, a execução efetiva ficou em R$ 4,98 trilhões, dos quais R$ 1,32 trilhão foi destinado ao refinanciamento da dívida pública. 

Os recursos para a função educação, por exemplo, aumentaram apenas 3% em termos reais em relação à 2023, alcançando R$ 166,6 bilhões em 2024 — um avanço tímido frente à demanda acumulada e às metas do Plano Nacional de Educação (PNE).

De acordo com Cleo Manhas, assessora política do Inesc, áreas que dependem de recursos discricionários, como educação, igualdade racial, direitos das mulheres, povos indígenas, quilombolas e meio ambiente, continuam subfinanciadas. 

“O que estamos vendo é a contradição entre o discurso de um governo progressista e a prática de uma política fiscal austera. Há esforço de reconstrução, sim, mas falta ambição, vontade política e disputa real por orçamento”, avalia.

Na agenda indígena, houve avanços: entre 2023 e 2024, foram demarcadas 13 terras indígenas e publicadas 11 portarias declaratórias. No entanto, o Inesc alerta que essas ações ainda são insuficientes diante das ameaças recorrentes, como grilagem, mineração ilegal e desmatamento.

Crise climática continua sem prioridade no orçamento

O combate à crise climática também segue negligenciado. Em 2024, o orçamento previsto para o Programa de Gestão de Riscos e Desastres foi de apenas R$ 1,9 bilhão, valor que se mostrou totalmente inadequado diante da intensidade dos eventos extremos, como enchentes e queimadas. Foram necessários créditos extraordinários de R$ 5 bilhões para emergências,

Para o Inesc, a falta de estratégia e financiamento adequado compromete a posição do Brasil na liderança da agenda ambiental global, especialmente com a proximidade da COP 30, que ocorrerá em Belém (PA) em novembro.

 “Só há recursos depois do desastre. Prevenção exige estratégia, coordenação federativa e orçamento. Não dá para improvisar”, afirma Cleo.

No campo orçamentário, a agenda ambiental permanece estagnada em níveis historicamente baixos, com execução inferior a R$ 4 bilhões anuais, em valores reais. Tanto em 2023 quanto em 2024, os recursos efetivamente aplicados somaram R$ 3,5 bilhões. Em termos numéricos, esse desempenho pouco difere daquele registrado durante o governo anterior.

 Recomendações

Com cerca de 200 páginas, o relatório do Inesc apresenta uma análise detalhada da execução orçamentária por função e programa. Entre as principais recomendações da organização estão:

  • Revisão do arcabouço fiscal;
  • Aumento da transparência nas emendas parlamentares;
  • Criação de fontes permanentes para o financiamento de políticas públicas redistributivas.

Leia as principais informações de cada capítulo:

Panorama econômico
Educação
Meio Ambiente
Cidades e adaptação climática
Transição energética
Igualdade Racial
Quilombolas
Povos Indígenas
Mulheres
Crianças e adolescentes

Apenas 0,16% da renda nacional do petróleo foi direcionada à agenda ambiental e climática em 2024

Em 2024, o Brasil arrecadou R$ 108,2 bilhões das chamadas “rendas do petróleo” provenientes dos royalties, participações especiais e bônus de assinatura, sendo o Pré-sal responsável por 79% desse montante. No entanto, apenas 0,16% desse total (ou R$ 168,33 milhões) foram efetivamente direcionados a ações ambientais e climáticas. O dado integra a Nota Técnica “Renda do petróleo: desafios, contradições e caminhos para a superação da era fóssil”, elaborada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que analisa como a renda petroleira tem sido gerida e mostra o abismo entre o potencial desse recurso e sua real aplicação.

O documento também considera como parte da renda do petróleo os R$ 29,7 bilhões em dividendos pagos pela Petrobras à União, porém, esse recurso tem sido integralmente direcionado ao pagamento da dívida pública. Com isso, o total arrecadado com petróleo em 2024 foi de R$ 137,9 bilhões.

O estudo revela que, apesar da gigantesca arrecadação vinda com o petróleo, critérios de partilha obsoletos, entraves jurídicos e a falta de regulamentação efetiva, impedem uma distribuição estratégica dessa renda. Na prática, os recursos do Pré-Sal ainda não chegaram à população da forma como foram prometidos, especialmente àqueles que mais dependem de políticas públicas para enfrentar a pobreza. “Enquanto bilhões deixam de ser usados, o Brasil adia investimentos fundamentais em educação, saúde e enfrentamento às mudanças climáticas”, sentencia Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc e autora da Nota Técnica.

Concentração geográfica

Segundo o estudo, a distribuição atual da renda do petróleo evidencia desigualdades regionais gritantes. Só o estado do Rio de Janeiro recebe 82,6% da renda do petróleo destinada a todos os estados. A concentração da renda também ocorre no nível municipal: cinco cidades fluminenses — Maricá, Macaé, Niterói, Saquarema e Campos dos Goytacazes — receberam R$ 10,6  bilhões em royalties, o equivalente a 59% dos R$ 18 bilhões transferidos a todos os municípios cariocas.

Essa distribuição tem origem nos critérios legais estabelecidos no século passado, que se basearam na proximidade geográfica dos entes federativos em relação aos campos de produção. O Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do Acórdão Nº 2385/2024 – TCU – Plenário, apontou essa distorção federativa e classificou a concentração excessiva da renda petrolífera como uma “loteria territorial” que beneficia, desproporcionalmente, o Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo.

“Esta extrema concentração colide frontalmente com as promessas de uso da renda do petróleo para redução das desigualdades sociais no país, potencializa as desigualdades regionais e dificulta, ainda mais, a construção de uma trajetória de desenvolvimento que supere a dependência fóssil”, explica Alessandra.

Renda judicializada

A Lei nº 12.734, aprovada em 2012, prevê uma distribuição mais igualitária da renda do petróleo, garantindo 49% da renda da partilha entre todos os estados e municípios, com base nos critérios do Fundo de Participação dos Estado (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Contudo, a medida foi contestada pelos estados “produtores” e, desde então, essa partilha mais democrática encontra-se suspensa. Segundo o Inesc, em 2024, R$ 8,7 bilhões deixaram de ser repassados a outras regiões do Brasil por causa deste entrave judicial.

Outro entrave jurídico acontece em torno da Lei nº 12.858/2013, que buscou direcionar a renda dos entes subnacionais às políticas de educação (75%) e saúde (25%) como resposta às manifestações de 2013 (jornadas de junho). Com a judicialização desta Lei, não existe hoje uma obrigação legal de destinação de qualquer parcela da renda distribuída aos entes subnacionais à educação e à saúde.

Dinheiro represado

Enquanto os entes federativos não chegam a um acordo sobre a distribuição e uso da renda do petróleo, a União enfrenta obstáculos para o uso estratégico dessa renda. Dos R$ 48,5 bilhões recebidos pela União com o petróleo e gás, mais de R$ 20 bilhões não foram sequer executados em 2024.

A baixa execução se deve, em grande parte, à ausência de regulamentação do Fundo Social, instrumento criado em 2010 para financiar políticas estratégicas e redistributivas. Segundo Alessandra, a ausência de estrutura de governança e política de investimentos levam a um uso pouco transparente, baseado em decisões circunstanciais e de cunho político, dos recursos advindos da capitalização do Fundo, que alcançam entre R$15 e 20 bilhões anuais. Em 2024, foram usados R$ 20 bilhões para socorro a grandes empresas afetadas pelas enchentes do Rio Grande do Sul, e, em 2025, o governo anunciou que serão usados outros R$20 bilhões para financiar o “Minha Casa Minha Vida”. “São gastos importantes e necessários, mas não resultam de uma visão estratégica, planejada e transparente acerca do destino desta renda, cuja natureza é distinta e deve estar a serviço de uma trajetória de construção de uma economia e sociedade mais justa e livre do petróleo”.

No que se refere às políticas sociais, a área da educação foi a que mais recebeu a parcela executada pela União no ano passado, com R$ 18,2 bilhões autorizados, dos quais R$ 17,9 bilhões, efetivamente utilizados. Já a saúde recebeu autorização e executou R$ 700 milhões em 2024.

Meio ambiente

Além do modesto percentual de 0,16% da renda do petróleo ter sido aplicado em políticas ambientais e climáticas no ano passado, o relatório do Inesc revela que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação recebeu 1% dos recursos, quase totalmente direcionados ao setor de petróleo, em detrimento da pesquisa em energias renováveis ou tecnologias limpas.

“Soma-se isso aos atuais critérios do Novo Arcabouço Fiscal, que dificultam que a renda do petróleo possa ser aplicada em despesas primárias para investimentos em adaptação climática, gestão de riscos, ciência e tecnologia, que são essenciais para que o país possa enfrentar os extremos climáticos e construir saídas de médio prazo para a dependência em relação ao petróleo”, diz a assessora.

Neste cenário, a Nota Técnica do Inesc traz sugestões como: superar a judicialização da Lei 12.734/2012 para permitir uma distribuição mais equânime entre os entes federativos; restabelecer a obrigatoriedade de aplicação em educação e saúde nos estados e municípios, como previsto na Lei 12.858/2013; regulamentar de forma clara o Fundo Social, destinando ao menos 20% dos recursos para ações climáticas; e retirar a renda do petróleo das amarras do Novo Arcabouço Fiscal, para permitir sua utilização em políticas públicas de enfrentamento às mudanças climáticas e combate à desigualdade.

“É urgente transformar essa renda em um instrumento de justiça social e climática.”, conclui Alessandra.

Governo federal deixou de investir milhões em políticas de proteção para crianças e adolescentes em 2024

A execução de políticas públicas voltadas à proteção dos direitos de crianças e adolescentes avançou em ritmo lento em 2024, conforme aponta o novo relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Um exemplo evidente é o Programa 5816 – Promoção e Proteção Integral dos Direitos da Criança e do Adolescente com Absoluta Prioridade, coordenado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Apesar de R$ 69,7 milhões terem sido autorizados para o programa, apenas 39,4% do valor foi efetivamente utilizado, o que corresponde a cerca de R$ 27,5 milhões.

Os dados fazem parte do relatório “Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024)”, divulgado hoje pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O estudo analisa a execução orçamentária do governo federal em dez áreas consideradas prioritárias pela organização: panorama econômico, educação, cidades e adaptação climática, transição energética, meio ambiente, povos indígenas, quilombolas, igualdade racial, mulheres, e crianças e adolescentes.

Baixa execução orçamentária ameaça programas de proteção à infância

No capítulo dedicado à infância e adolescência, o Inesc destaca que o Programa 5816 é o único programa exclusivo para este público no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027 — instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo do governo federal, aprovado em 2023 e vigente desde 2024.

Embora 91,8% dos recursos disponíveis tenham sido empenhados, o relatório alerta que, sem a inscrição dos valores em “restos a pagar”, os empenhos podem ser cancelados, prejudicando a execução das ações planejadas.

Para Thallita de Oliveira, assessora política do Inesc, a situação exige atenção urgente:

“Diante de tantas violações de direitos, o governo precisa enfrentar essa pauta com a seriedade e a urgência que ela exige. As políticas de prevenção e proteção voltadas a crianças e adolescentes devem estar entre as prioridades do Estado”, afirma.

Políticas públicas para adolescentes também sofrem com baixa execução

Embora aponte melhorias na execução das políticas voltadas às crianças, principalmente na primeira infância, o estudo mostra fragilidades na execução das políticas destinadas a adolescentes. Um exemplo é o plano “Implementação de Políticas de Atenção à Saúde do Adolescente e Jovem”, do Ministério da Saúde. Apesar de sua importância estratégica, não houve execução dos recursos previstos em 2023 e 2024 — apenas empenhos. Em 2024, os únicos valores efetivamente gastos (R$ 1,73 milhão) referem-se a despesas de anos anteriores.

Trabalho infantil: programa PETI registra baixa execução de recursos

Outro ponto crítico levantado pelo Inesc é a baixa execução do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), gerido pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Apesar de contar com uma dotação de R$ 2 milhões em 2024, apenas R$ 111 mil foram efetivamente pagos, representando 5,5% do orçamento. Além disso, a ação correspondente do MDHC não executou nenhum recurso no mesmo ano.

Perspectivas para 2025

Apesar das dificuldades enfrentadas em 2024, o Inesc aponta um avanço para 2025. O orçamento autorizado do Programa 5816 teve um aumento de 22,6% em relação ao ano anterior, totalizando R$ 87,2 milhões (corrigidos pelo IPCA), dos quais 15,6% correspondem a emendas parlamentares.

Recomendações

Entre as principais recomendações da Instituição para a área de crianças e adolescentes, estão:

  • Elaborar o Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (PDDHCA), com estratégias bem definidas de intersetorialidade e transversalidade, e execução coordenada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), de forma a influenciar a construção das leis orçamentárias.

  • Identificar e marcar no Orçamento Público Federal todas as despesas destinadas a crianças e adolescentes.

  • Atualizar e desenvolver políticas públicas estruturadas para adolescentes, com ampliação dos recursos voltados especialmente para adolescentes negros, indígenas, periféricos e do campo.

Execução orçamentária de novos programas do Ministério das Mulheres atinge apenas 14,29% em 2024

A execução orçamentária dos novos programas do Ministério das Mulheres em 2024 apresenta números preocupantes: apenas 14,29% do orçamento autorizado foi efetivamente pago, segundo o relatório “Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024)”, divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

O relatório do Inesc destaca a criação de três novos programas específicos do Ministério das Mulheres em 2024, ano que marca o início da execução do novo Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, aprovado em 2023, que define as prioridades de médio prazo do governo federal.

  1. Programa 5661 – Igualdade de decisão e poder para as mulheres;
  2. Programa 5662 – Mulher viver sem violência;
  3. Programa 5663 – Autonomia econômica das mulheres.

Baixa execução orçamentária em programas essenciais para mulheres

Dos R$ 256,36 milhões autorizados para estes três programas, somente R$ 36,64 milhões foram efetivamente pagos. Apesar de 92% dos recursos terem sido empenhados, o que demonstra intenção de uso do orçamento, o pagamento efetivo — que representa a implementação real das ações — foi limitado a 14,29% do total previsto.

Segundo Carmela Zigoni, assessora política do Inesc,

“Trata-se de um cenário preocupante, considerando a urgência no enfrentamento da violência e a necessidade de fortalecer outras políticas públicas para as mulheres, principalmente diante do passivo deixado pelo governo anterior. Embora o empenho tenha sido de 92%, o que é muito positivo, é o recurso pago que concretiza a política pública nos territórios”.

Recursos para mulheres rurais também são insuficientes

O relatório também analisou o orçamento destinado às mulheres rurais pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Para 2024, foram autorizados apenas R$ 4 milhões na ação 210W (“Apoio à organização econômica e à promoção da cidadania e ao bem viver das mulheres rurais”), dos quais R$ 3,66 milhões foram empenhados e R$ 989 mil efetivamente pagos. Carmela destaca que esse valor é “muito ínfimo diante do desafio de garantir direitos para mulheres rurais, assentadas, acampadas, quilombolas e de comunidades tradicionais”.

Perspectivas para 2025: aumento no orçamento do Ministério das Mulheres

Para 2025, o orçamento do Ministério das Mulheres terá um aumento real de R$ 21,09 milhões. Além disso, a Política Nacional de Cuidados, executada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), contará com R$ 26,43 milhões — crescimento de 70,18% em relação aos R$ 7,88 milhões autorizados em 2024.

Com cerca de 200 páginas, o relatório do Inesc oferece uma análise detalhada da execução orçamentária do governo federal em áreas como educação, meio ambiente, igualdade racial, povos indígenas, e direitos das mulheres. Entre as recomendações da organização estão a revisão do arcabouço fiscal, maior transparência nas emendas parlamentares e a criação de fontes permanentes de financiamento para políticas redistributivas.

Recomendações do Inesc

 

  • Recomenda-se que o Ministério das Mulheres busque alternativas para aumentar o valor pago no ano orçamentário, apesar do arcabouço fiscal e dos decretos de reprogramação orçamentários, para gerar menos restos a pagar para anos posteriores;
  • Recomenda-se que o Ministério da Justiça e Segurança Pública elabore um relatório específico sobre o programa “Antes que Aconteça”, apresentando os dados da implementação, o que possibilitará o controle social e a transparência sobre o referido programa.
  • Recomenda-se que o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e o Ministério das Mulheres realizem diálogos ampliados com a sociedade civil organizada sobre a nova Política Nacional de Cuidados, o que irá propiciar a participação social na construção, na implementação e no monitoramento do Plano de Ação.
  • Recomenda-se, com urgência, o aumento dos recursos para a Política de Agricultura Familiar com o recorte de gênero, de forma a considerar o papel central das mulheres na produção local e na preservação do meio ambiente, por meio da ação 210W (“Apoio à organização econômica e à promoção da cidadania e ao bem viver das mulheres rurais”), de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.

Renda do petróleo no Brasil: desafios, contradições e caminhos para a superação da era fóssil

A Nota Técnica “Renda do petróleo no Brasil: desafios, contradições e caminhos para a superação da era fóssil” realiza uma análise criteriosa e abrangente sobre a composição, a destinação e o uso da renda do petróleo em todos os níveis federativos.

Guia do Inesc defende tributação mais justa para mulheres

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou o guia “Desigualdade no Bolso – Justiça Fiscal para Mulheres Brasileiras”, uma publicação que examina as desigualdades de gênero e raça no sistema tributário brasileiro e propõe reformas para promover justiça fiscal.

O guia destaca cinco mensagens principais que orientam sua abordagem:

  1. O sistema tributário brasileiro é regressivo e penaliza especialmente as mulheres negras.
  2. Cortes de gastos públicos perpetuam a submissão econômica das mulheres na sociedade.
  3. A reforma tributária trouxe avanços, mas ainda precisa garantir conquistas específicas para as mulheres.
  4. Muitas renúncias fiscais brasileiras beneficiam elites econômicas, como o setor financeiro, o agronegócio e a mineração, em detrimento das mulheres.
  5. É necessário repensar a economia com foco na justiça social, racial e de gênero.

Impactos do sistema tributário na vida das mulheres

Para demonstrar o impacto da tributação injusta na vida da mulher, a publicação convida o leitor a conhecer as trajetórias de três gerações de mulheres negras brasileiras e suas experiências cotidianas. Ao final da narrativa, é possível concluir que, enquanto os mais ricos desfrutam de isenções fiscais e benefícios, as mulheres de baixa renda — principalmente negras e indígenas — arcam com o peso desproporcional dos impostos sobre o consumo.

A injustiça fiscal no Brasil se dá, principalmente, porque o sistema tributário brasileiro depende excessivamente dos impostos sobre o consumo, que representam 40,2% da arrecadação do País. Já os tributos sobre propriedade correspondem a apenas 4,4%. Essa lógica perpetua a desigualdade, atingindo especialmente mulheres negras, que representam 28% da população, mas concentram apenas 14,3% da renda nacional. Em contraste, o 1% mais rico da população, composto majoritariamente por homens brancos, detém 15,3% da renda.

“A carga tributária no Brasil penaliza quem tem menos e protege quem tem mais. As mulheres negras, que já enfrentam barreiras estruturais, são as mais impactadas”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc. Para ela, a justiça tributária  não é apenas uma questão econômica, mas uma medida urgente que o governo deve priorizar para reduzir as desigualdades de gênero e raça no país.”

Outro aspecto abordado pelo guia é o impacto dos cortes orçamentários sobre a população feminina. A austeridade fiscal adotada nos últimos anos resultou na redução de investimentos em políticas públicas essenciais, como programas de combate à violência contra a mulher, creches e iniciativas de apoio à autonomia econômica deste grupo.

“O desmonte de programas sociais acaba transferindo para as mulheres uma carga adicional de trabalho não remunerado, especialmente no cuidado com crianças, pessoas idosas,  com deficiência e doentes. Sem apoio governamental adequado, muitas mulheres são forçadas a abandonar seus empregos formais, aprofundando a desigualdade econômica de gênero”, explica o documento.

Saúde da mulher 

A publicação do Inesc também destaca como a falta de acesso a produtos menstruais afeta diretamente a vida de milhões de mulheres e meninas no Brasil, impactando sua educação, trabalho e saúde. Para reparar essa desigualdade, a reforma tributária incluiu produtos como tampões, absorventes higiênicos, coletores menstruais e outros itens de higiene para esse fim na lista de mercadorias que receberão isenção fiscal de 100%. Apesar de ter sido uma vitória fundamental para as mulheres – sobretudo as de baixa renda -, essa decisão precisa ser urgentemente implementada na prática, com a redução dos valores desses produtos.

Uma pesquisa realizada no âmbito do Projeto Novo Ciclo – iniciativa do Espro (Ensino Social Profissionalizante) em parceria com a Inciclo – revela que 47% das jovens negras e de famílias de menor renda no país são diretamente afetadas pela falta de recursos para adquirir produtos menstruais. Por questões financeiras, 42% das adolescentes e jovens brasileiras que menstruam utilizam um absorvente por mais tempo do que o recomendado. Além disso, a falta de dinheiro para adquirir um protetor íntimo já foi vivida por 32% das jovens, fazendo com que 32% deixassem de ir a uma festa ou encontro, 20% perdessem um dia de aula e 11% faltassem ao trabalho.

O documento enfatiza a necessidade de uma política pública que garanta a distribuição gratuita de absorventes para adolescentes, jovens e mulheres empobrecidas. O Inesc reforça que a dignidade menstrual deve ser tratada como um direito fundamental, sendo essencial a implementação, na prática, da revisão conquistada da carga tributária sobre esses produtos e a ampliação de programas de acesso a itens de higiene.

Reforma tributária: avanços e desafios

Outro ponto central da publicação é a avaliação dos impactos da atual reforma tributária no Brasil. Embora tenha havido avanços, como a simplificação do sistema e a criação de um mecanismo de devolução de impostos para famílias de baixa renda (cashback), ainda há lacunas a serem preenchidas para garantir equidade fiscal. O documento enfatiza que a reforma do imposto sobre consumo precisa ser acompanhada por uma reforma da tributação sobre renda e patrimônio, para que o sistema tributário se torne mais progressivo e eficaz no combate às desigualdades estruturais.

Setores privilegiados pelas renúncias fiscais

O guia também analisa as renúncias fiscais no Brasil, destacando que grande parte dos benefícios tributários concedidos pelo governo favorece setores econômicos dominados por grandes corporações, como o sistema financeiro, o agronegócio e a mineração. Enquanto esses setores acumulam isenções e incentivos bilionários, políticas sociais fundamentais para a população feminina e para a população negra sofrem cortes e desfinanciamento.

Os dados apresentados no guia mostram que, enquanto os bancos e grandes empresas agrícolas recebem incentivos fiscais massivos, mulheres negras continuam enfrentando dificuldades para acessar serviços básicos de saúde, educação e segurança alimentar. A publicação argumenta que uma revisão dessas renúncias fiscais é essencial para garantir um orçamento público mais equilibrado e justo.

Novos incentivos fiscais e impacto nas contas públicas

O impacto de novos incentivos fiscais nas contas públicas é outro destaque do documento. Só em 2023, os incentivos fiscais concedidos pelo governo federal representaram cerca de 4,5% do PIB, um volume que ultrapassa os investimentos em áreas estratégicas como educação e saúde. O relatório aponta que a falta de transparência e controle sobre essas isenções prejudica a implementação de políticas públicas que poderiam reduzir desigualdades sociais e de gênero.

Repensando a economia para a justiça social, racial e de gênero

O guia defende a necessidade de uma transformação profunda no modelo econômico vigente, destacando que políticas fiscais devem ser formuladas com um olhar voltado à equidade. Algumas medidas essenciais incluem:

  • Tributação progressiva: Aumento da taxação sobre altas rendas, lucros e dividendos, reduzindo a carga sobre consumo, que penaliza os mais pobres.
  • Investimentos em políticas públicas: Reversão de cortes orçamentários e ampliação do financiamento para saúde, educação e assistência social.
  • Orçamento com perspectiva de gênero e raça: Implementação de instrumentos que garantam que as decisões fiscais levem em conta o impacto sobre mulheres e populações negras e indígenas.
  • Revisão das renúncias fiscais: Avaliação criteriosa dos benefícios concedidos a grandes setores empresariais, garantindo que atendam ao interesse público.

“Os 10% mais ricos no Brasil ganham quase 59% da renda nacional total do país. Nos Estados Unidos, país com fortes desigualdades sociais, os 10% mais ricos ganham 45% da renda geral do país. Na China, esse índice é de 42%. Na Europa, ele se situa entre 30% e 35%. O nosso sistema tributário atual não só não resolve isso, mas piora a distribuição de renda, deixando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. As propostas aqui debatidas seriam um começo importante na luta contra as desigualdades, em suas dimensões de renda, raça e gênero”

(Guia Desigualdade no Bolso – Justiça Fiscal para Mulheres Brasileiras)

Parceria entre Inesc e GDF fortalece a atuação juvenil nas periferias do DF

O Inesc e o Governo do Distrito Federal (GDF) firmaram uma parceria para fortalecer a transparência pública e a participação social por meio de dois projetos: Mapa das Desigualdades e Grito das Periferias. O primeiro capacita 30 jovens negros e periféricos em orçamento público, transparência e direitos humanos, além de criar um comitê para monitorar o uso de recursos públicos. Já o segundo oferece formação para 75 adolescentes e jovens de Ceilândia, Estrutural e Itapoã, incentivando a mobilização social e a defesa de investimentos em suas comunidades.

Segundo Dyarley Viana, assessora política do Inesc e responsável pelo projeto Mapa das Desigualdades, a iniciativa é fruto de conquistas, observações e inquietações das edições anteriores. “Neste ano de 2025 as ações preveem maior participação das juventudes no monitoramento do orçamento público do DF”, afirma.  

Para Thallita de Oliveira, também assessora política do Inesc e responsável pelo projeto Grito das Periferias, o projeto nasceu da necessidade de olhar, junto da juventude, para as necessidades locais e mostrar como o orçamento influencia no acesso ou não acesso aos direitos humanos. “Nós tínhamos muito interesse em fortalecer essa área do Inesc com projetos que pudessem além de fazer um processo formativo, ter um espaço maior e com foco em incidências políticas”, comenta. 

Projeto Mapa das Desigualdades está na  6ª edição 

O projeto Mapa das Desigualdades: Formação e Incidência por Transparência e Redução das Desigualdades tem como objetivo fortalecer a transparência pública e diminuir as desigualdades sociais no Distrito Federal. A iniciativa vai capacitar 30 jovens, prioritariamente negros e periféricos, em temas como orçamento público, direitos humanos e controle social. O projeto é fruto da parceria entre a Controladoria-Geral do Distrito Federal e o Inesc. 

O foco da iniciativa está em políticas públicas voltadas para educação, mobilidade urbana, raça e gênero, garantindo que os investimentos beneficiem as populações mais vulnerabilizadas do DF. Além da formação teórica, será criado um comitê de monitoramento de orçamento, onde os participantes terão a oportunidade de acompanhar e influenciar a alocação de recursos públicos. 

O financiamento do projeto foi viabilizado pelo 1º Termo de Fomento do Fundo Distrital de Combate à Corrupção (FDCC), dentro do Edital de Chamamento Público nº 1/2023.

Para Dyarley, o projeto impacta a vida dos jovens negros e periféricos ao ampliar suas vozes e fortalecer sua compreensão sobre políticas públicas, orçamento e transparência. Ao entenderem de onde vem e para onde vai o dinheiro público, eles se tornam capazes de cobrar sua aplicação na garantia de direitos.

 “Jovens periféricos incidindo por transparência, compreendendo os processos, jovens apropriados do debate sobre a disputa do orçamento público e a luta por direitos”, comenta.  

Projeto Grito das Periferias abre inscrições para capacitação de jovens 

Estão abertas as inscrições para o projeto Grito das Periferias. A iniciativa busca capacitar 75 adolescentes e jovens periféricos, com idades entre 16 e 29 anos, para atuar na criação e execução de políticas públicas em seus territórios. A formação abrange temas como orçamento público, direitos humanos e direito à cidade, considerando as perspectivas de raça e gênero.

As vagas estão distribuídas entre as regiões administrativas de Ceilândia, Estrutural e Itapoã, com 25 selecionados para cada localidade. Os encontros vão ser realizados de 15 em 15 dias, no período noturno, totalizando 13 encontros de três horas cada.

Thallita afirma que os jovens vão acessar conteúdos que dificilmente acessaram, já que a educação hoje no Brasil não aborda questões como o financiamento público e pouco promove uma formação política e cidadã. O projeto visa mostrar aos jovens os seus direitos e entender que o Estado precisa prover políticas públicas eficientes. “Eu acredito que o impacto é mais do que a vida dos jovens é a vida da comunidade”, ressalta. 

As inscrições seguem abertas até as 23h59 do dia 8 de março, com a divulgação dos selecionados prevista para 14 de março. O projeto é uma parceria entre o Inesc e a Sejus-DF (Termo de Fomento 018/2024), viabilizada por meio de apoio de emendas parlamentares dos deputados Fábio Félix e Max Maciel.

Parceria entre Inesc e Brasil de Fato denuncia impactos da soja no Pará

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e o portal Brasil de Fato firmaram uma parceria para a produção de três reportagens e uma websérie sobre os impactos do comércio da soja no Norte do país. Os materiais evidenciam como a expansão da monocultura tem afetado o estado do Pará, tanto no aspecto ambiental, quanto na qualidade de vida das comunidades locais, incluindo pescadores, agricultores familiares, ribeirinhos e povos indígenas. 

Soja x Floresta

A primeira reportagem mostra como a expansão da soja no oeste do Pará tem transformado o cenário da região e ameaçado comunidades rurais. O agricultor José Adenor da Silva Pedroso relata que, após o desmatamento das áreas verdes, é perigoso andar pela região em dias muito quentes, pelo fato de não ter nenhuma sombra. O problema pode se agravar com a construção da Ferrogrão, ferrovia que ligará Sinop (MT) a Miritituba (PA), ameaçando 17 Unidades de Conservação e seis Terras Indígenas dos povos Kayapó e Panará, segundo relatório do Inesc ‘A soja no corredor logístico Norte’, produzido em parceria com a EPICC (Environmental Policy Instruments across Commodity Chains). O impacto da soja é evidente: a área cultivada em Mojuí dos Campos saltou de 3 mil hectares em 2005 para 51,4 mil em 2023, transformando florestas e comunidades em um deserto agrícola. 

Leia a reportagem na íntegra:
Cercadas pela soja e pelo veneno, comunidades rurais estão desaparecendo junto com a Amazônia na região de Santarém (PA) 

Miritituba – de agrovila a porto de grãos

Essa reportagem aborda como Miritituba, distrito de Itaituba (PA), transformou-se em um grande centro logístico para o escoamento da soja no Mato Grosso, com Estações de Transbordo de Carga (ETCs) que movimentam até 18 milhões de toneladas por ano. Antes uma agrovila com foco na agricultura familiar, a região agora recebe diversos caminhões diariamente, trazendo impactos ambientais e urbanos. Os moradores enfrentam problemas como acidentes, poluição sonora, desmatamento e poeira levantada pelos caminhões, que afeta a saúde da população. Além disso, o crescimento populacional desordenado sobrecarrega a infraestrutura local, transformando o distrito em um centro industrial sem planejamento adequado.

Leia a reportagem na íntegra:
De agrovila pacata a grande porto de grãos, Miritituba é engolida pela chegada da soja na Amazônia

Rio Tapajós descaracterizado pela soja

A última reportagem relata que a expansão da infraestrutura para escoamento da soja em Miritituba, no rio Tapajós, tem impactado diretamente a pesca artesanal e o modo de vida dos ribeirinhos. O pescador Ednaldo Ares dos Santos relata que a quantidade de peixes na região diminuiu, devido ao intenso fluxo de embarcações. Antes dos portos chegarem, ele pescava 200 quilos de peixe em três dias de trabalho, agora volta para casa com apenas 40 quilos. O crescimento das estruturas portuárias ameaça não apenas a fauna e a flora, mas também as comunidades, que enfrentam o aumento populacional e o constante ruído das embarcações. 

Leia a reportagem na íntegra:
Megaestrutura da soja descaracteriza rio Tapajós e ameaça pesca artesanal 

Reportagens em vídeo 

Além das três reportagens, foi produzida uma série de quatro reportagens em vídeo, que trazem relatos de moradores e imagens das regiões afetadas. A playlist com os vídeos está disponível no canal do youtube do Brasil de Fato. Assista:

Reforma tributária: resultados da Lei Complementar 214/25

O Projeto de Lei Complementar 68/2024, que regulamenta a reforma tributária, foi sancionado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2025, após ter tramitado na Câmara dos Deputados e no Senado.  A Lei Complementar 214 de 2025 trouxe alguns avanços, mas também apresenta pontos de atenção e retrocessos.

Nesse artigo, o Movimento Reforma Tributária 3S avalia os principais resultados da regulamentação, à luz das propostas apresentadas pelas organizações da sociedade civil que compõem o movimento. A Reforma Tributária 3S é um grupo de trabalho da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), que luta por uma reforma Saudável, Solidária e Sustentável. A 3S realizou diversas ações de incidência política e conscientização ao longo da tramitação do PLP no Congresso.

Alimentação Saudável

Demandas da sociedade civil

  • Utilizar o Guia Alimentar para a População Brasileira como referência na Cesta Básica, com composição majoritária de alimentos in natura e minimamente processados.
  • Alíquota Reduzida para produtos da sociobiodiversidade e inclusão das características de alimentos beneficiados.
  • Exclusão dos alimentos ultraprocessados como massas alimentícias (miojo e congelados), bebidas e compostos lácteos, extrato de tomate e pão de forma. Inclusão da água mineral.
  • Ampliação da lista do Imposto Seletivo de modo a contemplar outros alimentos e bebidas ultraprocessados, tais como biscoitos, chocolates, sorvetes e caramelos, e expansão das bebidas adoçadas.

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • Cesta Básica: Guia Alimentar para a População Brasileira como referência. Composição majoritária de alimentos in natura e minimamente processados. Hortícolas, frutas e ovos com redução de 100% na alíquota, mesmo aqueles congelados e/ou cozidos. Inclusão de tapioca, erva-mate e açaí. Porém, houve manutenção de alguns alimentos ultraprocessados, como margarina, alguns tipos de queijos, cápsulas de café e fórmula infantil.
  • Alíquota reduzida: em 60% para produtos hortícolas e minimamente processados e, ainda, para castanhas, óleos e farinhas, produtos da sociobiodiversidade brasileira, mesmo aqueles congelados e/ou cozidos. Porém, houve manutenção de alguns alimentos ultraprocessados, como massas alimentícias (miojo e congelados), bebidas e compostos lácteos, extrato de tomate e pão de forma.
  • Imposto Seletivo: uma vitória foi a inclusão dos refrigerantes no imposto seletivo.

Álcool e Tabaco

Demandas da sociedade civil

  • Tributação pelo Imposto Seletivo para tabaco e álcool, com reajuste anual de acordo com o IPCA, em vistas de reduzir o consumo.

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • Tributação seletiva para tabaco e álcool, com reajuste anual de acordo com o IPCA. Alíquota reduzida para pequenos produtores de bebidas alcóolicas.

Cashback

Demandas da sociedade civil

  • Ampliação dos beneficiários do cashback de famílias com renda per capita de meio para até 1 salário-mínimo. E 100% de devolução da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS).

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • Aumento de 50% para 100% da devolução da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), nas operações de fornecimento de energia elétrica, água, esgoto e gás natural.
  • Avaliação quinquenal da eficiência, eficácia e efetividade, enquanto políticas sociais, ambientais e de desenvolvimento econômico do cashback, da cesta básica desonerada e dos regimes diferenciados de tributação considerará o impacto dessas medidas na promoção da igualdade entre homens e mulheres e étnico-racial.

Agrotóxicos

Demandas da sociedade civil

  • Exclusão dos HHP (Pesticidas Altamente Perigosos) da lista de insumos agrícolas com redução de alíquota; incidência do Imposto Seletivo sobre os HHP; previsão de classificação para novos pesticidas de acordo com sua toxicidade e vedação a da redução de alíquota, bem como a tributação seletiva de eventuais novos HHP.

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • Todos os pesticidas foram beneficiados, sendo mantidos na lista de produtos com redução de alíquota. Segundo dados do IPSA,  esse quadro é preocupante pelo impacto negativo comprovado à saúde pública de produtores e consumidores de alimentos, bem como pela contaminação de aquíferos estratégicos para o futuro, e perda de biodiversidade crítica para a agricultura orgânica, tradicional, biodinâmica e familiar, podendo também restringir o acesso a mercados internacionais onde os HHPs são vedados.

Plástico de uso único

Demandas da sociedade civil

  • Inclusão de itens de plástico de uso único no Imposto Seletivo visando reduzir seus impactos ambientais e riscos para a saúde humana.

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • O texto da reforma tributária tramitou nas duas casas legislativas sem a previsão da inclusão dos plásticos de uso único no Imposto Seletivo. Foram apresentadas 4 emendas no Senado pela inclusão, que chegaram a ser acatadas pelo relator e retiradas devido à pressão/lobby da indústria do plástico. É preocupante essa interferência, pois a incidência do Imposto Seletivo nesses itens poderia desincentivar seu uso e acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, fortalecendo a bioeconomia no Brasil e promovendo negócios e materiais sustentáveis.

Veículos

Demandas da sociedade civil

  • Isenção da tributação seletiva para veículos de baixa emissão e tributação seletiva para veículos movidos a combustível fóssil.

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • Tributação seletiva em todos os veículos, com cálculo da alíquota obedecendo a critérios de eficiência e emissões, reciclabilidade dos materiais etc.

Mineração

Demandas da sociedade civil

  • Tributação seletiva em toda a atividade mineradora, com alíquota de 1% para o carvão mineral.

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • Tributação seletiva com alíquota de 0,25% para o carvão mineral.

Óleo e gás

Demandas da sociedade civil

  • Regime tributário que incentive a transição para alternativas aos combustíveis fósseis.

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • As suspensões de pagamento do IBS e da CBS pelo Repetro terão validade para fatos geradores até 2040, ou seja, existe um prazo fixado para o fim do benefício fiscal concedido aos setores de óleo e gás.

Armas e munições

Demandas da sociedade civil

  • Armas e munições sob a incidência do Imposto Seletivo.

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • O texto da reforma tributária tramitou nas duas casas legislativas sem a previsão da inclusão de armas e munições no Imposto Seletivo. Portanto, a carga tributária sobre armas e munições será drasticamente reduzida. Essa tributação, que hoje pode chegar a 75,5% (a título de IPI, PIS/Cofins e ICMS, vide  dados do Instituto Sou da Paz), poderá cair para apenas 26,5% (a título de IBS e CBS) segundo estimativa do Ministério da Fazenda.

Reciclagem

Demandas da sociedade civil

  • Inclusão da cadeia de reciclagem entre os setores com benefícios tributários como forma de promover a economia circular, o reconhecimento dos trabalhadores deste setor e a melhor gestão dos resíduos sólidos no Brasil.

O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024

  • Previsão da possibilidade de apropriação de créditos presumidos para pessoas físicas, cooperativas ou associações que realizem a coleta ou triagem de resíduos sólidos e a venda para destinação ambientalmente adequada.

Conforme observa-se, a Lei 214/2025 traz inovações tributárias que poderão beneficiar a população brasileira. Entre elas, destacamos a criação do Imposto Seletivo que vai tributar e desincentivar produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente e a instituição do cashback, que visa devolver tributos para famílias de baixa renda. Contudo, muitos pontos de preocupação surgiram dos debates da regulamentação da reforma sobre bens e consumo, destacamos, sobretudo, a não incidência do Imposto Seletivo sobre as armas, munições,  plásticos de uso único e agrotóxicos. Vale destacar que os últimos continuarão beneficiados pela alíquota reduzida, e as armas passarão a ter redução da carga tributária com essa legislação.

A regulamentação da Reforma Tributária no Brasil talvez seja a maior oportunidade que temos para garantir que os incentivos à economia nacional estejam alinhados aos princípios da saudabilidade, solidariedade e sustentabilidade, conforme preconizado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O novo sistema deve incentivar o que faz bem à saúde das pessoas e do planeta, e desestimular aquilo que faz mal, garantindo que os preços dos produtos reflitam os custos sociais que acarretam. Nesse sentido, o movimento Reforma Tributária 3S seguirá acompanhando o debate da reforma, para que ela se torne uma reforma exitosa que possa auxiliar o Brasil a enfrentar os desafios da atualidade como as crescentes desigualdades sociais e as mudanças climáticas.

 

Artigo elaborado colaborativamente pelas organizações do Movimento Reforma Tributária 3S

 

 

ABRASCO

 

Ação da Cidadania
 

ACT Promoção da Saúde

 

Instituto Socioambiental (ISA)

INESC Instituto Ethos de Responsabilidade Social Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN)
 

Oceana Brasil

 

 

Oxfam Brasil

 

 

Fian Brasil

 

Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

 

 

Taxonomia: oportunidade para fortalecer salvaguardas socioambientais

Você sabe o que é a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB)? Não, ela não tem relação com criação de novas taxas nem com a categorização biológica de seres vivos. Trata-se de um instrumento que orienta investimentos sustentáveis, funcionando como um sistema de classificação e incentivo para setores e atividades econômicas, com base em critérios climáticos, ambientais e sociais.

Parte integrante do Plano de Transformação Ecológica, a TSB tem o potencial de reduzir emissões e adaptar atividades e cidades para enfrentar as mudanças climáticas. No entanto, para que isso se concretize, é fundamental que o governo estabeleça salvaguardas que garantam direitos e combatam as desigualdades geradas pelo atual modelo de desenvolvimento.

Salvaguardas no contexto eólico

Com as mudanças climáticas avançando rapidamente, governos e sociedade enfrentam a necessidade de implementar soluções urgentes e de impacto, como a transição para uma matriz energética renovável. Porém, a exploração de fontes renováveis de energia também apresenta desafios: há riscos de agravamento de conflitos territoriais, racismo ambiental e violações de direitos, especialmente diante do aumento de investimentos no setor eólico, já marcado por controvérsias.

“Há um acúmulo de evidências sobre os impactos significativos causados pela expansão de empreendimentos de energia renovável, sobretudo no Nordeste brasileiro”, alerta Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc. “A taxonomia é uma oportunidade de fazer cumprir instrumentos regulatórios existentes e de melhorar salvaguardas socioambientais para que esse modelo de desenvolvimento, que desrespeita modos de vida e viola direitos, não se perpetue”, argumentou.

Diálogo em busca de soluções


A Taxonomia Sustentável Brasileira está em
consulta pública até 31 de março, e o Inesc é uma das organizações que compõem o Comitê Consultivo que contribui para a sua construção. Para Alessandra, o papel do Comitê é também fomentar o diálogo entre os diferentes atores envolvidos — governo, empresas do setor elétrico e comunidades impactadas —, buscando soluções para os principais desafios ambientais e sociais do país.

Como membro consultivo do Comitê da TSB,  o Inesc vai promover na próxima terça (4/2), em João Pessoa (PB), o evento Salvaguardas socioambientais para empreendimentos eólicos no contexto da Taxonomia Sustentável Brasileira, em parceria com a Contag, Dieese, Nordeste Potência e o Observatório do Clima.

Com a presença de representantes do Ministério da Fazenda, Ministério de Minas e Energia, Ibama, Agência Nacional de Energia Elétrica e da Presidência da República, o evento vai pautar a revisão e aprimoramento de instrumentos regulatórios cruciais, como a resolução nº 462/2014 da Conama, que regula o licenciamento ambiental de parques eólicos. A atividade também vai contar com a participação do Ministério Público, movimentos sociais e a ABEeólica, que representa o setor.

Impactos

A revisão das normativas é essencial para aprimorar os critérios exigidos no processo de licenciamento ambiental. Nesse sentido, o Inesc propõe também a adoção de medidas para enfrentar os impactos socioambientais, como contratos abusivos de uso da terra, restrições a atividades tradicionais, limitações de acesso a áreas comuns, prejuízos à seguridade social de famílias, violação do direito de consulta livre, prévia e informada de povos indígenas e comunidades tradicionais, além da injustiça climática gerada por empreendimentos eólicos.

O Inesc acompanha de perto as demandas socioambientais dos territórios e a política energética nacional. Entre as suas contribuições está a publicação de um relatório, em parceria com o Nordeste Potência, que detalha as desigualdades e injustiças contratuais na relação entre empresas e comunidades. Além disso, realiza um monitoramento anual dos subsídios ao setor energético nacional, expondo a disparidade no direcionamento de recursos entre os combustíveis fósseis e as fontes renováveis de energia.

Nos próximos meses, outros eventos promovidos pelo Comitê Consultivo da Taxonomia abordarão temas como conservação, manejo sustentável, uso do solo e das florestas e adaptação às mudanças climáticas.

Parceria Inesc e Sejus: projeto Grito das Periferias

Em conformidade com a Lei Nacional nº 13.019, de 31 de julho de 2014, em seu artigo 11, e com o Decreto Distrital 37.843/2016, em seus artigos 79 e 80, publicizamos a celebração do Termo de Fomento 018/2024 entre o Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc (CNPJ: 00.580.159/0001-22) e a Secretaria de Estado de Justiça – Sejus, assinado no dia 06 de novembro de 2024, no valor de R$ 600.000. Este Instrumento tem por objeto a execução do projeto “GRITO DAS PERIFERIAS: PELO DIREITO À CIDADE E À CULTURA – ORÇAMENTO PÚBLICO COMO FERRAMENTA DE GARANTIA DE DIREITOS”, que objetiva formar e capacitar 75 adolescentes e jovens periféricos com idades de 16 a 29 anos na Estrutural, Ceilândia e Itapoã;

>>> Clique aqui para acessar a íntegra do Termo de Fomento.

Governo reduz verba para gestão de desastres ambientais

Mesmo após um ano marcado por enchentes, secas e queimadas históricas, o governo federal reduziu a proposta orçamentária destinada à gestão de riscos e desastres no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2025. Segundo Sheilla Dourado, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o programa 2318 – “Gestão de riscos e desastres” –, considerado estratégico para enfrentar os impactos das mudanças climáticas, perdeu recursos em relação ao orçamento de 2024.

De acordo com a Nota Técnica da organização, o Congresso havia aprovado R$ 1,9 bilhão para o programa em 2024, sendo R$ 68 milhões provenientes de emendas parlamentares individuais e de bancada. No entanto, diante das sucessivas tragédias ao longo do ano, notadamente as enchentes no Sul, mas também a explosão de queimadas no Norte e Centro-Oeste, o governo federal ampliou a verba para R$ 6,9 bilhões por meio de créditos extraordinários. Sheilla explica que a suplementação com créditos extraordinários, embora necessária, é paliativa, pois não resolve o problema da crônica insuficiência de recursos, em especial para as ações preventivas.

PLOA 2025

No PLOA 2025, a proposta do Executivo reduziu a dotação do programa para R$ 1,7 bilhão, um corte de R$ 200 milhões em relação ao valor originalmente aprovado em 2024. Essa queda ocorre em um momento em que os desastres climáticos se intensificam e as necessidades de financiamento aumentam. Além disso, as emendas parlamentares para as ações do programa sofreram uma redução expressiva, passando de R$ 68,9 milhões em 2024 para R$ 39,1 milhões. Para o Inesc, a redução reflete a falta de prioridade política na agenda climática.

A Nota Técnica informa ainda que o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) atualizou neste ano a lista de municípios mais vulneráveis a desastres naturais, considerando riscos de deslizamentos, enxurradas e inundações. Bahia, Espírito Santo e Pernambuco concentram hoje 42,7% da população em áreas de risco. Mesmo assim, apenas Pernambuco recebeu emendas parlamentares destinadas ao programa, uma única verba de R$ 400 mil, para projetos de contenção de encostas em áreas urbanas.

Adaptação climática requer financiamento

O Inesc também chama atenção para a fragmentação do modelo atual de emendas parlamentares, que prejudica o planejamento integrado e enfraquece a resposta às emergências climáticas. Sheilla explica que o federalismo climático, que prega a cooperação entre União, Estados e Municípios hoje é só “uma boa intenção”. Na prática, para que seja real, é essencial garantir uma distribuição de recursos de forma equitativa e eficiente.

Ela ressalta ainda que a adaptação climática requer uma estrutura de financiamento sólida, capaz de atender às demandas preventivas e reduzir os impactos desiguais das mudanças do clima sobre diferentes populações. “Enquanto não houver prioridade na alocação de recursos para a adaptação climática, o Brasil continuará enfrentando tragédias que poderiam ser mitigadas com ações preventivas eficazes”, conclui a assessora.

Primeiras reações ao anúncio do Ministério da Fazenda

 

  1. Vê-se que há um esforço por parte do governo federal para que todos paguem a conta. Contudo, continuam sendo as pessoas empobrecidas a serem as mais penalizadas, pois não deveriam contribuir com nada, ao contrário, dever-se-ia aumentar os benefícios voltados a este público diante da enorme dívida social, ambiental e climática que caracteriza o Brasil de hoje.
  2. Há que se reconhecer o ganho efetivo para as pessoas empobrecidas, que é a isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco mil reais por mês.
  3. O problema é a regra fiscal leonina. Sem dúvida, ela representa um avanço em relação ao Teto de Gastos, mas continua penalizando as pessoas empobrecidas, uma vez que a austeridade imposta pelo governo as atinge proporcionalmente mais que o resto da população. Apesar do aumento real das receitas (“as receitas crescem, em 2024, 9,7% acima da inflação – 7,4% se desconsiderados os fatores não recorrentes. As receitas novas são equivalentes a mais de 1 p.p. do PIB”), o governo diz que é preciso cortar gastos para “o crescimento das despesas obrigatórias com os limites da nova regra fiscal para continuarmos no caminho certo”.

Sobre a contribuição das pessoas empobrecidas

  1. Condiciona-se o aumento do salário mínimo acima da inflação à regra fiscal: ou seja, as rendas das pessoas que conformam a base da pirâmide social – assalariadas ou beneficiárias de programas sociais, como a Previdência Social, Benefício de Prestação Continuada, Seguro Desemprego, Abono Salarial – serão corrigidas pela inflação e terão um aumento real limitado ao teto da regra fiscal, de 2,5%. Trata-se de mais um freio ao crescimento dos rendimentos dos empobrecidos.
  2. Diminui o número de pessoas que acessam o Abono Salarial. Atualmente, se beneficiam as pessoas inseridas no mercado formal de trabalho que ganham até 2 salários-mínimos. O governo irá diminuir progressivamente este teto para 1,5 SM até 2035. Tal medida irá contribuir para aumentar as desigualdades, pois reduz a renda das pessoas empobrecidas. E isso num país no qual os ricos ficam cada vez mais ricos. Análise recentemente publicada pelo economista Sergio Gobetti, do Ipea, revela que a concentração de renda no topo da pirâmide social brasileira aumentou expressivamente entre 2017 e 2022, pois os rendimentos dos mais ricos cresceram muito mais do que a renda média brasileira. Enquanto a maioria da população adulta (95%) viu sua renda aumentar apenas 1,6% em termos reais no período de cinco anos, a variação registrada pelos 0,1% do topo foi de 42% acima da inflação. E entre os 15 mil milionários que compõem o 0,01% mais rico, o crescimento foi ainda maior: 49%.
  3. Dificulta o acesso ao Benefício de Prestação Continuada voltado para pessoas empobrecidas idosas ou com deficiência. As novas regras do governo impõem mais barreiras para gozar de um atendimento digno: doravante passam a contar a renda de cônjuge e companheiro/a não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes. Ou seja, uma mãe que tem um filho com deficiência e não trabalha para poder cuidar dele, mas tem um companheiro que mora em outra casa e ganha 2 SM, não consegue acessar o benefício, porque a renda familiar per capita dos 3 é de 0,66 SM, maior que o corte de acesso, de 0,25 SM. É uma situação bastante revoltante que, mais uma vez, penaliza as mulheres, que são as que cuidam das pessoas com deficiência e das pessoas idosas. Além disso, será efetuado recadastramento com biometria, o que, novamente, prejudica as pessoas com dificuldade de locomoção, como são as pessoas idosas e as pessoas com deficiência.
  4. Prorroga a DRU até 2032. A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado. Essa medida retira das políticas públicas recursos que são utilizados, no geral, para pagamento da dívida. O governo calcula retirar das políticas públicas cerca de R$ 26 bilhões nos próximos 6 anos (2025 a 2030). A DRU associada a cortes e bloqueios são mecanismos de contenção de gastos primários que, novamente, penalizam as pessoas empobrecidas.
  5. Com relação à educação, o governo em seu pacote transfere aos entes subnacionais, com recursos do Fundeb, parte de sua responsabilidade com a educação em tempo integral, um dos compromissos de campanha. A complementação do Fundeb, feita pela União, vai para os estados e municípios com menor ou nenhuma capacidade arrecadatória, como é o caso de muitos municípios que vivem apenas do fundo de participação e os repasses estaduais e outros nacionais. Sabemos que boa parte deles não consegue sequer pagar o piso salarial da educação básica e agora terão de arcar com parte da oferta de ensino integral com recursos do Fundeb, o que provavelmente não ocorrerá, ampliando desigualdades regionais.

 

Sobre as contribuições das Forças Armadas

  1. Acaba-se com benesses concedidas às Forças Armadas que há muito tempo deveriam ter sido extinguidas como, por exemplo, estabelecer uma idade mínima para reserva remunerada e por um fim nas transferências de pensão (finalmente, as filhas de militares deixarão progressivamente de receber as pensões de seus pais).

 

Sobre as contribuições do Congresso Nacional

  1. Há limites ao crescimento das emendas parlamentares (o arcabouço fiscal e os cortes ou bloqueios também se aplicam às emendas) e destinação de parte delas para a Saúde (emendas de Comissão). Não há dúvida que restringir as emendas seja importante devido ao seu crescente impacto nos gastos do Executivo. Mas, por outro lado, destinar emendas à Saúde disfarça um enorme problema, pois engessa os recursos da pasta. Com efeito, parece que as verbas para a área aumentam quando na realidade impossibilitam que o Ministério faça um planejamento eficiente de suas despesas conforme os problemas nacionais, uma vez que tem que gastar de acordo com o indicado pelo parlamentar ou pela Comissão.

 

Sobre as contribuições do setor empresarial

  1. Há limites potenciais ao crescimento de benefícios fiscais no futuro, mas não há revisão dos atuais: se houver déficit primário de 2025 em diante, no exercício seguinte à apuração do déficit fica vedada a criação, majoração ou prorrogação de benefícios tributários. Na realidade, não há qualquer proposta de avaliação ou revisão das benesses tributárias destinadas ao setor empresarial hoje. Sabe-se que boa parte delas é ineficiente, este é o caso, por exemplo, das renuncias fiscais do setor de óleo e gás, que foram da ordem de R$ 66 bilhões em 2023, de acordo com estudo do Inesc. São vultosos recursos que irrigam um setor que faz mal à saúde do planeta.

 

Sobre as (poucas) contribuições das pessoas mais ricas

  1. Aumento do imposto de renda das pessoas mais ricas. Anuncia-se que quem possui renda e não paga imposto em função das benesses fiscais existentes, uma renda superior a R$ 50 mil por mês, ou seja, R$ 600 mil por ano, vai passar a pagar até 10% de imposto. É muito pouco, especialmente quando se sabe que os mais ricos estão ficando cada vez mais ricos no Brasil. A contribuição desse grupo da população ao esforço fiscal nacional, que está entre os 2% mais ricos do país, tem que ser bem maior.

 

Considerações finais

  1. Trata-se de pacote injusto, diferentemente do que afirma o governo federal. Com exceção da isenção de imposto para quem tem renda de até R$ 5 mil, o resto das medidas retira vultosos recursos que deveriam se destinar as pessoas empobrecidas. Não se trata de cortar ou diminuir gastos, mas, ao contrário, é preciso aumentá-los diante das imensas mazelas sociais, ambientais e regionais que caracterizam o Brasil.
  2. O pacote é racista e sexista: as pessoas que se beneficiam dos recursos cortados são majoritariamente negras e mulheres. Mais uma vez, são eles e elas que terão que pagar o custo de manutenção das regras fiscais. Com exceção da promessa de que os muito ricos pagarão um pouco mais de impostos, ainda assim, muito distante do que proporcionalmente pagam os demais, não há medidas concretas que façam com que os que mais têm – empresas e pessoas – contribuam com o ajuste.
  3. As contas não fecham, pois, ademais de retirar recursos das políticas públicas garantidoras de direitos humanos, não se menciona a necessidade de financiamento adicional que será necessário para enfrentar as mudanças climáticas. Calcula-se que o impacto econômico causado pela enchente no Rio Grande do Sul em 2024 chegou a R$ 87 bilhões. E esse é apenas um dos episódios dos muitos que estão por vir. E, novamente, as pessoas mais afetadas pelas consequências do aquecimento global são negras e mulheres.

COP 29: hipocrisia e frustração

Que a vida é injusta, já sabemos. Que o mundo é desigual também sabemos. E sabemos, mais uma vez, que a hipocrisia é uma característica constitutiva dos países ricos, é parte de sua natureza. Afinal, quem se enriqueceu às custas da pobreza e da vida do sul global precisa se manter em pé custe o que custar. São defensores dos direitos humanos e da sustentabilidade ambiental desde que seja em seus territórios. Defendem seu próprio umbigo. O meio ambiente, que historicamente depredaram, e os seres, que mataram e escravizaram para construírem o sistema capitalista pungente que lhes permitiram acumulação de riqueza vergonhosa, não parecem sensibilizá-los quando estão na mesa da negociação sobre a trágica crise climática. E, pasmem!!! Crise causada pelo modelo de desenvolvimento que esses mesmos países criaram e que se alimentam inescrupulosamente até hoje.

Esse preâmbulo indignado é porque o resultado da COP29, de Baku, no Azerbaijão, é cômico, se não fosse trágico. Baku foi considerada a COP do financiamento. Esperava-se que diante de tantos desastres climáticos no mundo houvesse uma tomada de consciência para ampliar a ambição, alcançando os patamares mínimos exigidos pelos países em desenvolvimento.

COP do financiamento?

Estamos falando de números apresentados pelos países em desenvolvimento da ordem de 1,3 trilhões de dólares. Mas, os países ricos não aceitaram. Como sempre, regateiam e fogem de suas efetivas responsabilidades. Os US$ 100 bilhões para combater a mudança climática apresentados na COP15, em 2009, e fechados na COP21, em 2015, até hoje sequer foram implementados.  Nove anos depois, a oferta de Meta Quantificada Global de finanças (NCQG na sigla em inglês) é de US$ 300 bilhões até 2030, com a promessa de que, em algum momento, num futuro incerto, obtenham um valor de US$1,3 trilhão. E o mais criminoso é que parte desse financiamento, segundo a proposta dos países desenvolvidos, deverá ser por meio de empréstimos – o que aumentará as dívidas externas dos países e pessoas já em situação de extrema vulnerabilidade.

Diga-se de passagem, que a conta dos movimentos sociais e ONGs que acompanham essas negociações são de cinco trilhões, só para começar. Neste debate sobre financiamento, segundo a Ministra Marina Silva, houve um pequeno avanço em adaptação. Entretanto, absolutamente nada para Perdas e Danos, conforme aprovado na COP28, de Dubai, nos Emirados Árabes. Na real, saímos de mão abanando nessa dança de valores, que sequer sabemos se serão efetivadas, vis-à-vis, a experiência com os valores aprovados na COP15 e até hoje só na intenção.

Façamos as contas

Na COP 29, sociedade civil pede financiamento dos países ricos para combater mudanças climáticas

A título de comparação, o desastre que aconteceu com as chuvas no Rio Grande do Sul este ano custou até agora cerca de US$ 17 bilhões. Os US$ 300 bilhões oferecidos não resolvem quando pensamos nos cerca de 45 países menos desenvolvidos (LDCs). Façam as contas! Segundo um estudo da Chamber of Commerce (ICC) o valor da perda econômica relativo aos desastres climáticos, baseados em aproximadamente quatro mil eventos pelo mundo afora, em seis continentes, de 2014 a 2023, foi de US$2 trilhões.

Sequer o reconhecimento das responsabilidades comuns, porém diferenciadas (CBDR na sigla em inglês) está sendo respeitada. Querem enfiar, goela abaixo dos países em desenvolvimento, a responsabilidade pela histórica destruição do meio ambiente, da biodiversidade e pela enorme emissão de gases de efeito estufa. Inclusive daqueles que não tiveram o menor benefício desse mesmo modelo econômico.

Lobby do petróleo

Parece que a única negociação que caminhou foi relativa ao Artigo 6 do Acordo de Paris, que estabelece mecanismos para o funcionamento do mercado de carbono, demonstrando que financeirização da natureza é o caminho que mais se consolida ao longo das COPs.

O debate sobre a saída da produção e consumo de combustíveis fósseis também passou ao largo. A declaração de intenção registrada na COP28 não passou disso: uma mera intenção. O lobby da indústria do Petróleo conseguiu retirar qualquer menção sobre o tema, embora seja essa indústria a principal responsável pelos avanços da tragédia climática.

Portanto, saímos de mais uma COP com um sentimento de frustração e de repulsa pela maneira com que os países desenvolvidos se apresentam. Não só pela demonstração de poder, não só pela hipocrisia, mas  também pela contraditória desumanização que demonstram ter em suas políticas externas e nos debates multilaterais. Não tem faltado dinheiro para a indústria da guerra e da destruição, porém, não se comprometem com equilíbrio ecológico e com reversão da crise climática.

COP 30 no Brasil

Vai sobrar para o Brasil. Existe uma expectativa muito grande entre os representantes oficiais dos países membros, assim como a enorme expectativa da sociedade civil mundial, que no Brasil haverá muito mais espaço para demonstração de suas posições. Essa expectativa vem desde a COP26 realizada em Glasgow, na Escócia, num mundo pós pandemia, e nas subsequentes nos Emirados Árabes (27) e no Azerbaijão (28), estes últimos sistemas políticos autoritários que não permitiram manifestações nas ruas.

Contudo, no Brasil, em 2025, na COP30, não será fácil. Além das dificuldades do mundo multilateral que caminha muito devagar e incapaz de responder às situações reais da emergência climática, teremos o país-império, EUA, fora da COP e, mais que isso, trabalhando contra. E para não ficar atrás, teremos a Argentina de Milei, em nosso continente, fazendo essa mesma força contrária também. Sem falar de nossas próprias contradições com relação ao desmatamento e a produção de novos poços de Petróleo na Amazônia.

Segundo o professor Paulo Artaxo, cientista brasileiro membro do IPCC, “com as atuais emissões de 42 bilhões de toneladas de dióxido de carbono sendo lançadas na atmosfera por ano chegaremos a um aquecimento médio de 3,2 graus centrígrados, a questão do 1,5C graus só existe nas mesas de negociações diplomáticas, a ciência diz que no atual patamar de emissões não é mais possível manter essa temperatura …”

Então…. fracasso que chama?

Sobre as emendas, pacote fiscal e o fetiche da austeridade

O pacote econômico anunciado pelo governo refere-se a diversos pontos importantes, um deles são as emendas parlamentares, porém, como depende de aprovação legislativa, a proposta é tímida neste quesito.  O que está previsto é que o crescimento do montante deve estar de acordo com o arcabouço fiscal e que as emendas de comissões terão de ter 50% destinados à saúde, o que já havia sido enunciado na Lei Complementar 210/2024, aprovada após os questionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF).

Então, apesar das propostas do Governo Federal e da aprovação da Lei Complementar, ao que tudo indica, a farra das emendas continua, visto que as travas criadas pela legislação não serão suficientes para baixar a grande quantia destinada para este fim, ou mesmo impedirá que as emendas de bancadas estaduais não sejam fatiadas, só precisam ter ao menos 10% do valor e ainda com ressalvas ou podem ser destinadas a outra unidade federativa desde que “de interesse nacional”, mas não está dito o que é interesse nacional, fica a “critério do “cliente.

Desvio de função

Com relação às emendas pix, seguem sendo permitidas, agora com um pouco mais de controle dos órgãos. Está dito textualmente na Lei que devem se submeter ao Tribunal de Contas da União, além dos estaduais, percebemos que há um avanço com relação à transparência, mas não com relação ao escoamento de recursos que poderiam ser utilizados para investimento em ações prioritárias do Plano Plurianual. Há um desvio de função do Legislativo, que não deveria executar um montante deste tamanho do orçamento público.

Esperamos que os mecanismos criados pela nova legislação consigam coibir as emendas “pix”, que são enviadas aos caixas das prefeituras sem lastro, ou sem estarem vinculadas a algum programa do Plano Plurianual (PPA). Essa prática é considerada inconstitucional, visto que o Art. 166 da Constituição Federal exige que as emendas sejam compatíveis com o PPA e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Contudo, muitas emendas individuais, que se tornaram impositivas desde 2015, estavam sendo executadas sem este vínculo, permitindo que os recursos chegassem às prefeituras com livre execução, sem o alcance dos órgãos de controle. E por que isso é possível? Em 2019, o Congresso Nacional aprovou outra alteração ao Art. 166 da Constituição, incluindo nova modalidade para as emendas impositivas, que a partir de então, poderiam ser enviadas para estados, municípios e Distrito Federal como transferência especial, dando aos entes que recebem o recurso total liberdade de uso.

Assim, constitucionalizaram a emenda “pix”, gerando um conflito com a exigência anterior de vinculação ao PPA. A medida foi a estratégia encontrada para reduzir os efeitos da ação do STF contra o chamado orçamento secreto, repartidas de forma aleatória, de acordo com os interesses de quem as distribuía, utilizadas também sem lastro.

Quanto custam as emendas “pix”

E estamos falando de grandes montantes de recursos para as emendas em geral, que foram crescendo ano a ano, a partir de 2015, quando totalizaram, de acordo com o Siga Brasil e atualizados pelo Indice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), R$ 71,38 milhões de execução financeira (Pagos + Restos a pagar), chegando em 2023 (último ano finalizado) em R$ 32,7 bilhões executados e R$ 30,69 bilhões de restos à pagar inscritos, que provavelmente são consequência de emendas para ações plurianuais.

E deste montante, quanto foi destinado às emendas pix? Em 2023, ano que antecederam as eleições municipais, os parlamentares enviaram às suas bases, além dos recursos caracterizados como transferência com fim definido, ou seja, ligadas aos programas do PPA, também as emendas liberadas para qualquer finalidade. O montante das transferências especiais ficou em R$ 9,21 bilhões. Em 2024, já foram executados R$ 4,53 bilhões, no entanto, ainda há mais para executar, pois o valor empenhado para esta modalidade é R$ 7,76 bilhões.

Quem “mandou um pix”, se elegeu?

Ainda não temos pesquisas que conectem os valores recebidos pelas prefeituras e o sucesso com o resultado das eleições, porém, há algumas pistas que indicam que o crescente recurso de emendas facilitou a vida dos parlamentares em suas bases eleitorais. A média histórica para candidatas/os que buscaram a reeleição para prefeitas/os, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ficava em cerca de 60% a 65%, com exceção de 2016, quando esta média caiu para cerca de 40%. Em 2024, esta média chegou a 80%. Além disso, entre os 100 municípios recordistas de emendas pix, esse índice sobe para mais de 90%.

Além disso, estamos sob a égide da austeridade fiscal, vejamos o pacote lançado pelo Governo Federal, que mesmo dizendo querer repartir os prejuízos com todas as pessoas, como vivemos em uma realidade extremamente desigual, alterar as regras do BPC, reduzindo as possibilidades de dois idosos sem outros recursos, que coabitam, receberem o recurso, por exemplo, ou reduzindo o abono salarial, mesmo que paulatinamente, para quem recebe até 1 salário mínimo e meio, ao invés de dois salários, como ocorre hoje. Ou permitindo que os recursos para a educação em tempo integral sejam retirados do Fundeb, desobrigando o Ministério da Educação a destinar outros recursos para este fim, ou mesmo achatando o salário mínimo, não serão recompensados apenas por ampliar a arrecadação no andar de cima da pirâmide. É didático, mas bastante insuficiente, no entanto, foi o suficiente para que “os mercados” começassem a gritar, pois nesta terra vilipendiada há séculos, qualquer coisa que se queira cortar de cima, a grita é geral, até mesmo de onde não se tem.

A tragédia é agora. Quais serão as respostas da COP29?

Estamos em 2024 e mais uma Conferência das Partes, a COP, se realiza, dessa vez em Baku, capital do Azerbaijão. O Inesc vem acompanhando o debate sobre o clima desde a Rio 92, as sequências até a Rio + 20 e, posteriormente, as dezenas de COPs.  Estamos agora na 29ª edição desta conferência, que já passou pelo Protocolo de Quioto (1997) e o Acordo de Paris (2015).

De lá pra cá, ocorreram muitos debates e negociações, muitos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC na sigla em inglês), mostrando como as emissões de gases de efeito estufa vem acelerando o aquecimento do Planeta e as trágicas consequências decorrentes desse fato. Na realidade, todos os prognósticos estão se antecipando, evidenciando que não se deveria questionar a tragédia climática. Não é mais uma questão sobre se vai acontecer, mas o que já está acontecendo.

Isso porque, de um lado, falta vontade política efetiva para uma mudança real de modelo de desenvolvimento.  A busca por uma transição energética radical e sustentável ainda encontra forte resistência das grandes corporações da mineração, do combustível fóssil, ou seja, dos donos do capital. E mesmo a transição da matriz energética, apresentada como uma energia limpa, não respeita os modos de vida das comunidades locais, dos povos indígenas, quilombolas, entre outros. Ou seja, não se mostra referência para transição necessária e urgente, mas que deve ser socialmente justa e ambientalmente sustentável.

Do outro lado, o debate sobre financiamento para mitigação, adaptação e perdas e danos e para manutenção das florestas que não avança há muito tempo. Na COP29 um dos temas centrais relativos ao financiamento é a nova meta quantificada coletiva (NCQG na sigla em inglês). Os países, do Norte e do Sul global, devem se comprometer com metas comuns e transparentes. Esse debate é uma das espinhas dorsais da negociação iniciada no Egito e que deve medir o sucesso ou não para sua implementação em Baku.

A regulamentação do mercado de carbono nas negociações do clima também se encontra em um momento complexo, tendo na mesa decisões centrais, tais como qual instância supervisionará a compra e a venda, quais os critérios de transparência das transações, qual a destinação dos recursos etc.

COP 30 no Brasil

Segundo os representantes do governo brasileiro, a expectativa é fechar novos acordos sobre estes temas em Belém, no próximo ano.  O Brasil espera que até a COP30 a regulamentação da compra e venda esteja aprovada no país, uma vez que já foi aprovada no Senado Federal e encaminhada para a Câmara dos Deputados.

Entretanto, a realidade vem mudando de forma muito dinâmica, como sabemos. Os EUA acabam de eleger um presidente que já anunciou que sairá dos debates da COP e que, como já é notório, é negacionista, não acredita nas instâncias multilaterais de negociação e muito menos que existe mudança climática causada pelo modelo de exploração capitalista. A crise de governança global mostra um multilateralismo débil e incapaz de responder às urgências, tais como guerras, desastres climáticos, migrações forçadas entre outras. Os EUA são um dos maiores responsáveis pelas emissões dos gases de efeito estufa.

As perguntas que ficam são: qual será a nova estratégia para minimizar o tamanho da tragédia que está desenhada pela realidade concreta? A COP será capaz de construir consenso mundial nesse contexto? O que esperar da COP 30 no Brasil? Qual será o poder real de influência da sociedade civil democrática nas decisões?

Entenda como funciona o G20 e o qual é o papel da sociedade civil

Na próxima semana, as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e da União Africana, estarão reunidas no Rio de Janeiro para a Cúpula do G20. Sob a presidência do Brasil, o grupo discutirá combate à fome e à pobreza, mudanças climáticas e reforma da governança mundial.

Mas como funciona o G20 e qual o papel da sociedade civil neste espaço? Nathalie Beghin, do colegiado de gestão Inesc, esclarece tudo o que você precisa saber sobre esse momento histórico. 

O que a presidência do Brasil propõe para o G20?

O Brasil assumiu a presidência temporária do G20 em 1º de dezembro de 2023. O mandato, que dura um ano, será concluído após a Cúpula dos Líderes, marcada para os dias 18 e 19 de novembro. O lema da presidência brasileira é “Construir um mundo justo e um planeta sustentável”, com três temas prioritários: combate à fome, pobreza e desigualdade; mudanças climáticas; e reforma da governança mundial.

Sob o mandato do Brasil, o G20 realizou cerca de 150 reuniões e eventos com a participação de autoridades dos diferentes países do grupo. Uma particularidade brasileira foi um intenso  processo de participação social nas discussões, que culminará na Cúpula Social do G20, dias antes da reunião dos líderes. 

Como o G20 se organiza?

O G20 é estruturado em duas trilhas: a Trilha de Finanças  e a Trilha Política, conhecida como a Trilha Sherpa. A Trilha de Finanças  aborda questões macroeconômicas globais em reuniões de ministros de finanças e presidentes de bancos centrais. As prioridades da presidência do Brasil para esta Trilha  incluem economia mundial e desigualdades, tributação internacional, transição justa, dívida e reforma da governança mundial.

A Trilha  Sherpa, a dimensão política do bloco, organiza-se sob a presidência do Brasil em 15 Grupos de Trabalho (Agricultura, Anticorrupção, Comércio e Investimentos, Cultura, Desenvolvimento, Economia Digital, Educação, Empoderamento das Mulheres, Pesquisa e Inovação, Sustentabilidade Ambiental e Climática, Emprego, Transições Energéticas, Redução de Riscos de Desastres, Turismo e Saúde); 1 Iniciativa (Bioeconomia); e 2 Forças-Tarefa  (Mobilização Global contra Mudanças Climáticas e Aliança Global contra a Fome e a Pobreza).

Além disso, o G20 conta com 13 Grupos de Engajamento,  formados por participantes de diferentes áreas  (C20 – Sociedade Civil, T20 – Think-tanks, B20 – Setor Privado, Y20 – Juventude, W20 – Mulheres, P20 – Parlamentos, L20 – Trabalhadores, entre outros). Esses grupos formulam recomendações para os líderes do G20 e contribuem para o processo de elaboração de políticas.

Qual tem sido o papel da sociedade civil nacional e internacional neste G20? 

A sociedade civil participa dos Grupos de Engajamento,  especialmente do C20 (sociedade civil), W20 (mulheres), L20 (trabalhadores) e Y20 (jovens). Uma particularidade da presidência brasileira é o surgimento do F20, o Favelas 20. O Brasil iniciou vários processos de participação social. Um deles foi a consulta a organizações da sociedade civil global na Trilha de Finanças, algo inédito, pois as negociações sobre temas econômicos sempre foram fechadas para organizações sociais. Outro destaque foi a participação dos Grupos de Engajamento  em uma reunião com os sherpas dos países do G20 e representantes da Trilha de Finanças,  onde apresentaram as principais recomendações de cada grupo. Isso também não ocorreu em edições anteriores do bloco. Esse encontro permite que algumas demandas sejam efetivamente incorporadas na Declaração dos Líderes.

De acordo com o governo brasileiro, a Cúpula Social do G20 será o palco que exibirá o trabalho realizado durante quase um ano pela sociedade civil e movimentos sociais, um rico panorama de troca de experiências entre agentes não-governamentais que mostrará novas formas de construir políticas que reflitam valores como justiça social, econômica e ambiental, e a luta por reduzir todo tipo de desigualdade. Espera-se que a Cúpula Social seja uma confluência social, política e cultural anterior à Cúpula de Líderes, marcando a participação popular no G20. Estima-se a presença de milhares de pessoas, do  Brasil e do mundo, em um encontro que, esperamos, respeitará a autonomia de agendas e espaços autogestionados.

E como tem sido a atuação do Inesc nesse processo de participação social?

Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

O Inesc atuou no C20 e no T20 em temas como mudanças climáticas, transição energética e reforma da governança global. Além disso, o Inesc mobilizou dezenas de organizações latino-americanas e de outros países para elaborar propostas sobre tributação internacional, especialmente sobre a importância da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional. Em maio, em nome do grupo, entregamos pessoalmente ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, presidente da via financeira do G20, um documento com 11 propostas, das quais muitas foram incorporadas nos documentos do C20 e do T20 entregues aos sherpas e ministros da Fazenda em julho.

Durante a Cúpula Social do G20, entre os dias 14 e 15 de novembro, iremos promover, junto a parceiros, quatro atividades autogestionadas nos temas de justiça fiscal, transição energética, mudanças climáticas, segurança alimentar e nutricional  e democracia. 

O Inesc também participa da organização da Cúpula dos Povos frente ao G20, que terá uma marcha prevista para 16 de novembro. A Cúpula dos Povos é uma atividade autônoma e independente que se desenvolve em oposição à agenda do G20. O objetivo é questionar a agenda e promover um debate crítico sobre a Cúpula de Líderes, buscando construir alternativas aos desafios contemporâneos. Problemas de fome, pobreza, desigualdade e mudanças climáticas são gerados especialmente pelos países do G20 e suas elites, e isso precisa ser denunciado.

>>> Acesse aqui a agenda do Inesc no G20

Como o G20 pode influenciar nas pautas globais, como a Agenda 2030 e a crise climática?

Como o G20 não é um grupo institucionalizado, ele não emite resoluções como bloco. Para transformar intenções em realidades, é necessário que elas passem por políticas nacionais e acordos multilaterais, como a ONU.

Nesse sentido, o Brasil organizou uma reunião ampliada em paralelo à Assembleia Geral, em setembro, em Nova York. Esta foi uma iniciativa inovadora, inaugurada oficialmente pelo presidente Lula, junto com o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa (que presidirá o G20 em 2025) e o secretário-geral da ONU, António Guterres. Os ministros das Relações Exteriores dos países do G20 alcançaram consenso sobre as reformas necessárias na ONU, na Organização Mundial do Comércio (OMC) e nas instituições financeiras globais, como o FMI e o Banco Mundial, além de apoiarem debates sobre tributação dos bilionários. Defendem que o Sul Global deve estar plenamente representado nos principais fóruns de tomada de decisões, o que está longe de acontecer atualmente.

Como a sociedade civil pode contribuir para fortalecer a construção de consensos no G20 em relação à tributação internacional?


A sociedade civil continua a pressionar para que o G20 apoie a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional. Essa foi uma das principais recomendações feitas pelo C20, T20 e pelo grupo criado em relação à via financeira. Essa agenda é urgente, pois é necessária a mobilização de recursos públicos novos, adicionais e livres de endividamento para enfrentar a fome, a pobreza, as desigualdades e o aquecimento global.

A narrativa dominante, controlada pelas elites globais, tenta nos fazer crer que não há recursos suficientes e que a solução está no setor privado. Isso não é verdade, pois existem recursos públicos, mas é preciso impulsioná-los através de mecanismos internacionais de cooperação entre países, tanto na tributação quanto nas dívidas dos países em desenvolvimento, que alcançaram níveis insuportáveis para os povos do Sul Global. E os direitos humanos precisam ser a referência dessa cooperação, pois são um marco global para justiça, inclusão e não discriminação.

Quer saber mais? Assista ao vídeo com a participação de Nathalie Beghin no POD20 Social:

Em 10 anos, representatividade racial avança pouco na política

Após 10 anos de lutas históricas dos movimentos negros e feministas pela equidade racial e de gênero nos cargos políticos, a representatividade de mulheres e pessoas negras nos poderes Legislativo e Executivo ainda registra avanços limitados no Brasil. A população negra ocupava, em 2016, 42,1% das cadeiras no Legislativo e 29,2% no Executivo Municipal. Nas últimas eleições, esses percentuais chegaram a 45,9% e 33,5%, respectivamente. No Congresso Nacional, enquanto 20% dos deputados e senadores eram negros, em 2014, essa população representava, em 2022, 26,2% do legislativo federal. A análise faz parte de um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o coletivo Common Data.

2014: autodeclaração de raça das candidaturas

Para Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, o ano de 2014 foi icônico para as organizações e movimentos antirracistas, em virtude da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de exigir que os candidatos informassem sua raça no momento do registro. “A inclusão da autodeclaração racial foi um passo essencial para que tivéssemos dados objetivos sobre a presença de pessoas negras nos espaços de poder”, afirma ela. “Com isso, ficamos mais próximos de entender e enfrentar as desigualdades que ainda tornam a política brasileira tão homogênea e predominantemente branca.”

Naquele ano, foi possível constatar o tímido percentual de candidaturas da população negra, bem como o baixíssimo número de pessoas pardas e pretas que conseguiram ser eleitas, conforme os dados abaixo:

Gráfico 1. Proporção de candidaturas e eleitos na Câmara dos Deputados em 2014, por gênero e raça/cor.

Gráfico 2. Proporção de candidaturas e eleitos no Senado Federal em 2014, por gênero e raça/cor.

2016: tema ganha força

Em 2016, dado o impacto da coleta dos dados raciais pelo TSE, o tema da sub-representação ganhou força na sociedade. No entanto, o debate não se refletiu em mudanças concretas: para as prefeituras, menos de 1% de candidaturas de mulheres negras (pretas + pardas) e menos de 0,1% autodeclaradas pretas foram eleitas. Para vereança, foram eleitas 32,9% mulheres, mas somente 15,3% de mulheres negras, das quais, apenas 2,8% se declararam pretas. Nenhuma mulher negra foi eleita para chefiar as prefeituras das capitais, e apenas 32 vereadoras negras foram eleitas no universo de todas as câmaras legislativas das capitais do país.

2018: decisão sobre repasse de recursos para candidatas

Em 2018, o TSE decidiu que os partidos deveriam repassar 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo da TV e rádio para as candidaturas femininas. Do total de candidaturas para todos os cargos, 69% eram homens e 31% mulheres. No comparativo com a eleição de 2014, cresceu em 70% o número de candidatas que se autodeclaram pretas, e 23%  que se autodeclaram pardas, expressividade percentual que ficou conhecida como “Efeito Marielle”: as mulheres negras se apresentavam para as eleições como forma de resposta à cruel execução da vereadora negra do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL).

 

Porém, ao olharmos para o total das candidaturas, que também cresceu em 22%, a proporção de mulheres negras se manteve relativamente estável: de 13% em 2014 para 14% em 2018. O Congresso Nacional passou a ter 15% de mulheres. Dentre elas, apenas 13 deputadas negras (9 pardas e 4 pretas) e 1 senadora parda. Juntas, elas representaram 2,5% de mulheres negras no Parlamento em 2018 (um aumento de apenas 0,5% em relação a 2014).

 

Gráfico 3. Proporção de candidaturas e eleitos na Câmara dos Deputados em 2018, por gênero e raça/cor.

Gráfico 4. Proporção de candidaturas e eleitos no Senado Federal em 2018, por gênero e raça/cor.

2020: recursos continuam nas mãos de homens brancos

Em 2019, Benedita da Silva realizou consulta ao TSE para distribuição proporcional dos recursos do FEFC para pessoas negras, o que foi acatado pelo TSE em 2020, com aplicação naquele mesmo ano.  Das mais de 88 mil mulheres negras candidatas naquele ano, 4,5% (4.026) foram eleitas (3.510 pardas e 516 pretas). As mulheres venceram em 12,1% dos municípios (659), e destas, 32% eram mulheres negras e 66,5% brancas. Para o cargo de vereadora, foram 16% de mulheres eleitas, das quais, 39,3% eram negras e 59% brancas.

Faltando duas semanas para as eleições de 2020, as mulheres pardas receberam 52% a menos de recursos que as mulheres brancas, e as mulheres pretas menos da metade de recursos do que as pardas. Os homens brancos receberam 10 vezes mais do que os homens pretos, e os homens pardos 61,5% menos que os homens brancos. No grupo de candidaturas pretas, 616 homens e 316 mulheres não receberam recurso algum. Ao final do pleito, a distribuição dos recursos não foi cumprida pela maioria dos partidos, alguns não cumpriram a cota de gênero, outros a cota racial, outros ambas, como apontam os dados do relatório da Plataforma 72 Horas. No cômputo geral, as pessoas autodeclaradas brancas ficaram com 72% dos recursos e os homens com 73,4%.

Além disso, identificou-se que os partidos demoraram mais de 15 dias, do início do cronograma oficial para liberação dos recursos, para realizar o repasse financeiro para mulheres e pessoas negras, alegando problemas de “adequação interna”. A punição para essa “inadequação” dos partidos simplesmente não existiu, pois foi aprovada uma anistia no Congresso Nacional eximindo os partidos de multas pelo não cumprimento da decisão do TSE (PEC 18/2021). Para coibir essa prática nas eleições seguintes, o TSE determinou que os partidos seriam obrigados a repassar, um mês antes das eleições, 100% do recurso da cota de gênero e raça/cor às candidaturas de mulheres e pessoas negras.

Em 2022, a Câmara dos Deputados passou a contar com 91 mulheres (17,7%) e 422 homens (82,3%), sendo 13 mulheres pretas e 16 pardas, o que representou 5,7% de mulheres negras no parlamento (o dobro de 2018). No Senado, foram eleitos 23 homens (85,2%) e 4 mulheres (14,8%). Entre os homens, apenas 6 (22,2%) homens negros (3 pretos + 3 pardos), e as 4 (14,8%) mulheres eleitas senadoras eram brancas. No cômputo geral, o Congresso Nacional, alcançou 17,6% de mulheres eleitas em 2022.

Gráfico 5. Proporção de candidaturas e eleitos na Câmara dos Deputados em 2022, por gênero e raça/cor.

 Gráfico 6. Proporção de candidaturas e eleitos no Senado Federal em 2022, por gênero e raça/cor.

2024: retrocessos e anistia aos partidos

O ano de 2024 manteve os retrocessos: a aprovação da PEC 9/2023, uma nova anistia aos partidos, consolidou um processo de recorrentes perdões àqueles que descumprem a regra de distribuição dos recursos. Além disso, um grupo de partidos (PT, Solidariedade, PSD, PSOL e PSB) solicitou extensão de prazo para repasse de recursos para mulheres e pessoas negras, alegando “dificuldades técnicas”, e antecipando o que já é a regra na prática: os partidos políticos não repassam os recursos de acordo com as regras estabelecidas pelas cotas de gênero e raciais.

Os resultados também não foram animadores. Considerando todos os cargos, foram eleitos em 2024, 54,6% brancos, 37,8% pardos e 6,4% pretos (ou seja, 44,2% de pessoas negras). As pessoas negras representam 33,5% de eleitos(as) na prefeitura e 45,8% para vereança. As prefeituras serão chefiadas por mulheres em apenas 13,2% dos municípios (729 eleitas + 5 sub judice), mas apenas 243 (4,3%) mulheres negras chegaram a esse cargo.

Das 79 mil (34,2%) mulheres negras candidatas para todos os cargos em 2024, 5.006 (6,3%) foram eleitas, ou 7,2% se considerarmos o total de eleitos. Isso é um aumento de 1,4% da proporção de mulheres negras eleitas em relação a 2020, quando tivemos 4,9% (4.254) de mulheres negras eleitas, ou 6,1% do total. Considerando 2016, o aumento foi de 2,5%, ou 4,8% do total de eleitos.

Os homens negros representaram, em 2024, 33,9% do total de candidaturas para todos os cargos, sendo 23,4% eleitos, 38,4% para vereador e 29,3% para prefeitos. Isso é um aumento de 10,2% da proporção de homens negros eleitos em relação a 2020, quando tivemos 13,2% dos homens negros eleitos em 1º turno, ou 35,5 do total de eleitos. E, considerando 2016, o aumento foi de 8,4% ou 35,6%do total de eleitos.

Considerando homens e mulheres, e perfil raça/cor, os prefeitos brancos eleitos são quase o dobro dos negros (pretos+pardos). Se considerarmos somente a cor/raça preta, a proporção é de mais de 28 brancos para 1 preto nas eleições de 2024.

Gráfico 7. Proporção de eleitos para as câmaras legislativas por raça/cor (2024)

“Se olharmos o espectro ideológico dos partidos, se tem pouca diferença entre esquerda, centro e direita”, avalia Cristiane Ribeiro, do colegiado de gestão do Inesc. “Além disso, são justamente estes corpos que são as maiores vítimas de violência política de gênero e raça, seja durante a corrida eleitoral, seja quando são eleitos.” Para ela, os avanços risíveis nessa série histórica de 10 anos (2014 a 2024) “demonstram a decidida posição do racismo e sexismo à brasileira. A mesma legislação que criminaliza e encarcera jovens negros, que não atua diante do crescente número de feminicídio de mulheres negras, que não pune a violência política racial e de gênero, ou seja, que não enfrenta de forma efetivas as estruturas que sustentam as desigualdades raciais e de gênero, é àquela que impede que pessoas negras, sobretudo mulheres, de chegarem aos espaços de poder e decisão institucional”.

>>> Leia também:  Dez anos depois, o quanto as pessoas negras ocuparam a política?

>>> Leia mais: A população negra decide sobre a própria história? Os dados demonstram que não

 

 

 

Para cada R$1 investido em energia renovável, governo gasta R$ 4,5 em subsídios aos fósseis

A sétima edição do monitoramento dos subsídios oferecidos pelo Governo Federal às fontes de energia revela que os incentivos direcionados à indústria do petróleo e gás continuam a superar os destinados a fontes renováveis. Segundo o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), para cada R$ 1 investido em fontes renováveis, outros R$ 4,52 são destinados a subsidiar combustíveis fósseis.

No ano de 2023, a soma dos subsídios concedidos pelo Governo Federal às duas fontes alcançou R$ 99,81 bilhões – uma alta de 3,57% em relação ao ano anterior. Essa elevação foi impulsionada principalmente pelo aumento de R$ 3,82 bilhões (26,82%) nos subsídios às fontes renováveis. No entanto, os combustíveis fósseis ainda detêm a maior fatia dos benefícios – R$ 81,74 bilhões, correspondendo a 81,9% do total que deixou de entrar ou que saiu dos cofres públicos do País.

Aumento dos subsídios aos fósseis

Considerando apenas os fósseis, houve uma pequena queda no valor dos subsídios ao consumo em 2023, de R$ 372 milhões (0,45%). No entanto, essa redução só ocorreu pelo retorno da cobrança de impostos como a Cide e o PIS/Cofins sobre a gasolina. Como o governo decidiu manter a isenção para o diesel, a chance de um alívio maior aos cofres públicos se perdeu.

Para fazer o monitoramento, o Inesc considerou todas as modalidades de subsídios, como gastos tributários, gastos diretos e outras renúncias, abrangendo tanto a dimensão do consumo quanto da produção de energia. A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um mecanismo que repassa parte dos subsídios diretamente aos consumidores por meio da tarifa de energia elétrica, também foi analisada.

Enquanto os incentivos ao consumo de combustíveis fósseis (isto é, aqueles que poderiam reduzir a conta da população) diminuíram, os destinados à produção (aqueles que incentivam as empresas a explorar mais petróleo e gás) apresentaram um aumento de R$ 5,55 bilhões, impulsionados principalmente pela elevação das renúncias associadas ao regime especial de tributação conhecido como Repetro. Esse comportamento contraditório entre produção e consumo contribuiu para estabilizar o valor total dos subsídios nesses dois últimos anos.

Energia renovável 

Os subsídios às fontes renováveis de energia no Brasil, por sua vez, registraram um aumento de R$ 14,24 bilhões para R$ 18,06 bilhões, impulsionado pela ampliação das renúncias associadas a programas como o Proinfa, o Reidi e a geração distribuída.

Para Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Inesc, a expansão dos investimentos em geração de energia a partir de fontes renováveis é um sinal positivo. “Mas enquanto o Governo Federal não rever os valores dessa espécie de ‘Bolsa Petróleo’ para o setor, a transição energética segue prejudicada”, afirma. “Além disso, é preciso entender quem está arcando com os subsídios das renováveis, o estudo aponta que são os consumidores de energia elétrica, por meio da conta de luz, ao passo que a indústria de óleo e gás passa ilesa” questiona.

Desafio global

A assessora política Alessandra Cardoso, que assina o relatório ao lado de Cássio, lembra que o fim dos subsídios ineficientes aos fósseis é um desafio global inadiável, assumido na COP 28. “O que se espera do governo brasileiro é que reconheça o problema dos subsídios à produção como um problema doméstico, cuja solução passa pela reforma global. O Brasil precisa assumir essa agenda como parte do protagonismo que lhe cabe no cenário do multilateralismo climático, especialmente, quando será sede da COP 30, tendo a Amazônia como palco”, acrescenta ela.

Para a assessora, o fim da queima de combustíveis fósseis, como principal causadora do aquecimento global, torna a busca por alternativas energéticas renováveis uma necessidade urgente. “Quanto maior a renúncia fiscal, menor a disponibilidade de recursos para investimentos em políticas públicas essenciais, como as de adaptação às mudanças climáticas”, conclui.

Racismo e machismo moldaram as eleições de 2024

O resultado das eleições municipais de 2024 revela uma manutenção das desigualdades de gênero e raça nos espaços de poder, mesmo com avanços pontuais. Um estudo conduzido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), em parceria com o coletivo CommonData, mostra que o cenário de sub-representação de mulheres e pessoas negras permanece, apesar da existência de cotas e de um aumento no número de candidaturas de grupos historicamente excluídos.

Sistema político “impermeável”

As mulheres, que representam mais de 50% da população brasileira, alcançaram 17,9% dos cargos eletivos em 2024. Esse dado, embora superior ao de eleições anteriores, ainda está longe de refletir uma representatividade proporcional. Segundo José Antônio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc, “o sistema político é impermeável a grandes mudanças. Mesmo com a obrigação dos partidos a reservarem 30% das candidaturas para o gênero feminino, os avanços foram poucos tanto no executivo quanto no legislativo”.

Entre os partidos que mais elegeram mulheres, destacam-se o MDB, PP e PSD, com números absolutos significativos. No entanto, quando observada a proporção de mulheres eleitas dentro dos partidos, o PSOL lidera, com 47,6% de suas cadeiras ocupadas por mulheres, seguido pelo PT. Esse contraste evidencia a concentração das pautas de gênero em legendas de esquerda.

Sobre as candidaturas de pessoas negras, o estudo aponta que, em 2024, os homens negros – que representaram 33,9% do total de candidaturas para todos os cargos – chegaram a 37,0% de eleitos (38,4% para vereador e 29,3% para prefeitos) no primeiro turno.

Já os homens brancos, que representavam 30,9% dos candidatos, são 57,0% dos eleitos para prefeituras e metade dos eleitos (49,9%) para vereança. Isto é, 1 em cada 4 candidatos brancos foi eleito, enquanto de 1 a cada 6 homens negros foi eleito. Para mulheres brancas, 1 em cada 10 foi eleita, para mulheres pretas essa proporção é de 1 para cada 26.

Considerando homens e mulheres, e perfil raça/cor, os prefeitos brancos eleitos são quase o dobro dos negros (pretos + pardos). Se considerada somente a cor/raça preta, a proporção é de mais de 28 brancos para 1 preto.

Espectro ideológico

No espectro político, as eleições de 2024 também consolidaram o crescimento de direita. Enquanto os partidos de esquerda perderam cadeiras, especialmente nos legislativos municipais, a direita ampliou seu domínio, com mais de 57% das vagas para vereador ocupadas por partidos deste espectro.

Ainda assim, houve pequenos avanços para os povos indígenas e quilombolas, que conseguiram aumentar sua presença nas câmaras municipais e prefeituras, embora ainda de forma limitada. Das 923 mulheres indígenas candidatas, apenas 44 foram eleitas. Já entre os homens indígenas, 218 foram vitoriosos, a maioria para o cargo de vereador.

Religiosos e militares

Por fim, o estudo evidencia o aumento da participação de religiosos e militares nas eleições, grupos que também fortaleceram sua presença nos legislativos municipais. Em 2024, mais de 450 vereadores com vínculos militares foram eleitos, além de 15 prefeitos e 36 vice-prefeitos com nomes de urna relacionados a afiliações religiosas.

Para Moroni, esses dados reforçam o desafio que o Brasil enfrenta para construir uma democracia verdadeiramente representativa. Se olharmos os dados com o prisma da subrepresentação, as mulheres avançaram pouco na conquista de uma vaga, assim como o povo negro. Isso demonstra o quanto o racismo e o machismo estão imbricados nos espaços de poder. Tivemos pequenos avanços, mas que foram fruto de lutas dos movimentos e organizações”, conclui ele.

 

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