Com um misto de vergonha e desejo de mostrar ao mundo o que se passa no Brasil esperávamos o discurso de Bolsonaro na abertura da Assembleia da ONU. A realidade superou as expectativas e, embora nada do que foi dito seja novidade, o discurso explicitou ao mundo o pensamento do governo brasileiro.
A Amazônia e os povos indígenas ocuparam 11 dos 31 minutos de um discurso que também foi marcado por sucessivas falas sobre como o país está “se reerguendo” e superando um sistema ideológico de pensamento que avançava nos terrenos da cultura, famílias, escolas, universidade e na alma das pessoas.
Por trás do discurso surreal, contudo, está um projeto para a região amazônica, uma “nova operação Amazônia”, que não pode existir sem penetrar nas Terras Indígenas. Nada mais explícito a respeito disto do que as duas principais menções registradas pelo discurso: Agricultura e mineração em Terras Indígenas. Isto, claro, além da afirmação de que não haverá novas demarcações.
Apesar de a introdução do tópico “Amazônia” ter sido ansiosamente esperada, o presidente reforçou apenas a narrativa que já vem sendo trabalhada à exaustão pelo ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e outros agentes públicos, sem obter grandes resultados com os interlocutores internacionais, a saber:
- A supremacia do discurso desenvolvimentista sobre a abordagem socioambiental como instrumento de combate à pobreza;
- A necessidade de uma agenda de investimentos que combata o “vazio demográfico amazônico” e promova a proteção à soberania nacional;
- A eliminação do que foi recentemente apelidado de “ecoideologia”, compreendida como cultura fiscalizadora e tuteladora dos povos e comunidades tradicionais; e
- Crítica aos interesses econômicos e financeiros das organizações da sociedade civil com ligações internacionais.
Na visão do governo, tais medidas facilitarão uma melhor qualidade de vida nas áreas empobrecidas da Amazônia, estimulando o empreendedorismo indígena, a saúde e a educação. Por isso, o presidente clama por uma “nova política indigenista no Brasil”, que julga mais moderna, o que podemos interpretar, igualmente, como mais colonizadora. Um avanço que não respeita os direitos e os modos de vida dos povos e comunidades tradicionais em prol do crescimento.
Se é verdade, no entanto, que o discurso do presidente Bolsonaro põe diante de nós um abismo aparentemente inescapável, também é verdade que toda situação extrema aguça a imaginação e estimula a elaboração de saídas. Embora grave, queremos pensar o abismo não como um fim, mas como um meio que levanta os movimentos e a sociedade e impulsiona a defesa da Amazônia. Este é o primeiro movimento, e crucial, para enfrentar o horror que o presidente pôs diante de nós.
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